terça-feira, 31 de maio de 2011

Cinco belezas roubadas

 Antigamente, suicídio pra mim era algo maluco, absurdo, insano, extremo até dizer chega, coisa de gente doida. Os anos, no entanto, foram me fazendo menos ingênua e consegui ver que, apesar de o buraco ser bem embaixo, a coisa é muito mais simples do que eu pensava. Precisamos de um propósito para viver, um motivo que nos faz levantar da cama todos os dias. Sem isso, perdemos o rumo. Quem vive por alguma coisa, da mais superficial à mais metafísica, possui esse porto-seguro -  e se ele é válido ou não a questão é outra. No entanto, por mais que teorizemos, enxergo o ato de dar cabo à própria vida como algo muito particular, de maneira que só mesmo quem chegou lá - ou quase - pra dizer com propriedade sobre a coragem ou a covardia, o medo ou a tranquilidade, o que acontece antes e durante o singular momento que você faz uma navalha cortar seus próprios pulsos. E há quem se agrade mais da teoria do vazio existencial, de instituições falhas, do sistema que sempre é culpado, de um aprisionamento invisível, e se aprofundar em tais questões é um trabalho que outros fizeram e farão melhor que eu, que só aproveito para confessar, meio com vergonha, a curiosidade mórbida que tive de ler O Suicídio, de Durkheim, desde que o estudei no ano passado.

É esse quebra-cabeças que um grupo de garotos, moleques, tentam montar a respeito da vida e da morte de cinco garotas - Cecilia, Lux, Bonnie, Thereza e Mary Lisbon - que eles investigaram, especularam, amaram e jamais esqueceram. As Virgens Suicidas talvez seja o melhor e mais impressionante livro que li esse ano. Conta com o diferencial de ser narrado na primeira pessoa do plural, como se fosse um relatório final muito minucioso de tudo que os tais garotos descobriram com anos de observação e dedicação àquelas garotas que eram praticamente um mito, quase etéreas, absortas em seus mundos cheios de aflições e desejos e praticamente um só vazio. Cecilia, a mais jovem, foi a primeira a partir pulando da janela 3 semanas após a tentativa frustrada de cortar os pulsos. As outras demoraram um ano para acompanhá-la, mas passaram-no morrendo aos poucos, presas dentro de casa, existindo, porque é isso que os outros estão fazendo.

A contra-capa do livro garante que, apesar de tudo, aquela não é uma história triste. Discordo. É uma das coisas mais tristes e melancólicas que já li em toda a minha vida, mas o livro não deixa de ser adorável. Observar o universo feminino pelos olhos de garotos que tão pouco sabiam dele e que queriam tanto desvendá-lo é muito especial, e rende uma narrativa muito descritiva que nunca é chata, mas faz com que as garotas e o subúrbio em que viviam se materialize na nossa frente e dá até pra sentir o cheiro de chiclete de melancia saindo da boca de Lux. O livro consegue mesclar algo tão mórbido como o tema dos suicídios e o clima de morte sempre pairando - o horror da casa da família que, totalmente descuidada, vai apodrecendo assim com quem está ali - com situações juvenis que John Hughes gostaria de filmar: os beijos misturados com licor de pêssego nas arquibancadas da escola, o baile, as danças, conversas no telefone através de músicas... Ao longo do tempo os meninos juntaram 5 malas inteiras de relíquias, como num santuário: roupas, diários, fios de cabelo, fotos, imagens de santos, sutiãs. Tanta coisa que, na verdade, levou à tão poucas conclusões concretas, mas não é isso que importa. 

E eu disse que essa história era alguma coisa que o John Hughes gostaria de filmar, mas quem o fez foi minha querida Coppolinha linda, e eu não consigo pensar em alguém melhor pra mostrar algo tão melancólico em cores tão bonitas. Ela consegue reproduzir na tela exatamente a atmosfera um tanto fascinante que parece rondar as cinco Lisbon, deixando curiosos e impressionandos até mesmo aqueles que, lendo o livro, pensaram que todo o frissom em torno delas era muito barulho por nada. 

Anotem aí e confiem em mim: vocês precisam ler esse livro (e assistir ao filme também).

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Momento ego

Primeiro eu ia fazer a blasé e fingir que achei toda essa história trivial, mas não resisto. Nesses últimos dias coisas muito legais aconteceram e foi tudo graças à esse humilde sítio virtual. Semana passada foi corrida e eu não tive muito tempo de ler meus e-mails com calma, de modo que só na manhã de sábado eu consegui ler a mensagem que o Álvaro Pereira Júnior, colunista de cultura pop do Folhateen - caderno jovem da Folha de São Paulo -, havia me enviado. Não sei se vocês lembram, mas foi por causa de um texto dele que eu fiquei louca da vida de tanta vontade de ler "One Day" e foi o Google que fez com que ele tomasse conhecimento da minha saga. Agora que o livro foi lançado no Brasil, um trecho da coluna dele foi publicado na contra-capa e ele, sabendo disso, jogou no oráculo para ver qual era. Foi assim que ele chegou ao post Felicidade Clandestina.

O Álvaro Pereira Júnior me escreveu contando isso e dizendo que achava muito legal que alguém de fato leu a recomendação e a levou tão a sério que passou por tudo aquilo só pelo livro. Disse que, quando era mais novo e tinha o hábito de pedir as coisas pelo Correio, também ficava maluco de ansiedade esperando que elas chegassem. Escreveu que era bacana ter essa resposta, porque muitas vezes ele tem a impressão de que está escrevendo pra ninguém. Eu, de cara com essa história, só consegui dizer que mais surpresa estava eu com todo o caminho percorrido pelo texto, porque né. Até aí eu já tinha ganhado o dia, a semana, o mês... o cara que eu lia toda semana me leu também. Ponto de exclamação.

Aí que na segunda-feira estava eu na preguiça pós almoço, assistindo o Evaristo e a Sandra e lendo o jornal, como faço todos os dias. Nas segundas eu sempre leio primeiro o Pondé, depois o Folhateen, e depois continuo o resto do jornal. No Folhateen eu também começo pelo final, que é logo pela coluna do Álvaro, que nessa semana estava descendo a lenha na Banda Mais Bonita da Cidade. Imagine só que no quadro "Player" da coluna havia uma nota recomendando um texto de uma "Leitora de 17 anos da coluna, narra em blog sua luta para conseguir o livro" e seguia um link pro meu texto. Eu fiquei tão gelada e paralisada que precisei de um tempo até conseguir contar pra alguém. A nota era pequena e vai passar batido por muita gente, mas significou tanto pra mim ser recomendada por um cara que eu admiro, num jornal que eu amo e sou muito fã, que ainda que estivesse em aramaico com letras minúsculas seria a coisa mais legal do mundo.

Minha avó começou a ligar pra toda a família e minha mãe disse algo sobre plastificar o jornal... nem se eu quisesse eu conseguiria ser blasé.

P.S.: Pra quem quiser ver a coluna, tem online aqui (para assinantes) e o jornal digitalizado aqui - é só ir na última página do caderno, coluna Escuta Aqui.

domingo, 22 de maio de 2011

DVDshelf tour

Sábado, onze e meia da noite. Enquanto muita gente curtia as farras da night, eu estava gravando vídeo pro blog. Depois de muito me divertir gravando o Bookshelf Tour, eu e minha voz estamos de volta, novamente a convite da Tary, dessa vez para mostrar pra vocês minha estante de dvds. Como vocês devem ter reparado, esse vídeo ficou ligeiramente maior que o primeiro, rs. Peço um milhão de desculpas, mas acho que me empolguei e acabei passando um pouquinho da conta... espero que vocês tenham paciência de assistir, relevem meu nariz entupido e curtam o vídeo. E ah, quem quiser fazer seu vídeo, seja de livros ou de dvds, sinta-se absolutamente convidado, só não vale esquecer de comentar aqui com o link pra que eu possa ver, ok?


quarta-feira, 18 de maio de 2011

Dex and Em, Em and Dex

Se eu começasse essa resenha com uma sinopse, vocês teriam a sensação que já ouviram essa história antes. Muitas vezes. E não estariam de todo errados. This is a story of a boy meets girl, diria o narrador de 500 Days Of Summer. Dexter e Emma se conhecem na faculdade e, apesar de serem completamente diferentes, passam juntos a noite de formatura e o dia que veio depois. O dia é 15 de julho de 1989, e é através dele que, por 20 anos, acompanharemos a história desses dois adoráveis personagens.

De tudo que eu gostei em One Day, talvez o que mais tenha me conquistado foi a construção dos dois personagens principais. A princípio, Dexter Morgan Mayhew e Emma Morley parecem extremamente esteriotipados: ele, um jovem rico, popular, pegador, boa vida, cabeça meio vazia, não sabe o que quer da vida e, enquanto tiver festa rolando, prefere não perder tempo pensando nisso; ela, comunista de faculdade, engajada, cheia de ideiais, fã de Truffaut e Milan Kundera, insegura e meio perdida. Só pela descrição já dá para pensar que a gente conhece pessoas que são exatamente desse jeito, e é nisso que mais acho que o estilo de David Nicholls se aproxima do de Nick Hornby que, aliás, escreveu em seu blog que One Day é grande, envolvente e "fantastically readable" - porque fantasticamente legível não seria a melhor maneira para se traduzir o elogio. Em cima de dois tipos tão comuns, o autor consegue construir duas personalidade extremamente palpáveis, e usa da simplicidade dos pequenos detalhes para que mergulhemos na essência dos dois, fazendo com que, claro, nos identifiquemos um pouquinho com cada um e que terminemos o livro extremamente apaixonados por eles, apesar dos erros, apesar daqueles momentos em que dá vontade de entrar dentro da história e sacolejá-los para que eles parem de errar com os outros, com eles mesmos e um com o outro.

"At University Emma had held firm private convictions about the vanity of contact lenses, murturing as they did conventional notions of idealised feminine beauty. A sturdy, honest, utilitarian pair of National Health spectacles showed that you didn't care about silly trivia like looking nice, because your mind was on higher things. But in the years since leaving college this line of argument had come to seem so abstract and specious that she had finally succumbed to Dexter's nagging and got the damn things, realising only too late that what she had been really avoiding for all those years was that moment in the movies: the librarian removes her spectacles and shakes out her hair: 'But Miss Morley, you're beautiful!'"

O livro é dividido em cinco partes, e no início de cada uma há um trecho de algum livro, de Thomas Hardy a Charles Dickens, a maioria refletindo sobre a importância e a relevância dos dias das nossas vidas. Ao longo do livro conseguimos ver claramente que, aquilo vivemos diariamente, da simples escrita de uma carta às loucuras em uma viagem pelas ilhas gregas, terá repercusão naquilo que viveremos futuramente, seja daqui há dois ou vinte anos. A história é construída em cima disso, e é muito gostosa de ser acompanhada, como recortes da vida dos dois que vão se juntando ao longo dos anos. Além de envolvente, o livro é extremamente divertido, muitas vezes me peguei rindo sozinha de alguma passagem ou tirada realmente engraçada.

Postei sobre esse livro quando o recebi aqui em casa, depois de toda uma saga para conseguí-lo. A ansiedade valeu a pena e o ele não me decepcionou nem um pouco. Quer dizer, minto: o final reserva uma reviravolta um tanto quanto inesperada, que me pegou desprevenida e me fez pegar certa raiva da história, porque juro que não vi necessidade. Até o abandonei por alguns dias. Quando fui de fato terminar de ler, porém, achei o capítulo final tão maravilhoso, e lindo, e doce, que é impossível fechá-lo e manter qualquer impressão ruim. Li o livro no original e gostei bastante, mas ele já foi traduzido e lançado aqui pela editora Intrínseca, tem hotsite e tudo.

Agora estou loucamente ansiosa para o filme que será baseado nele, que eu nem sabia da existência antes da Jana comentar aqui me pondo a par das novas. A diretora é a mesma de Educação, o que é uma coisa boa, e o casal protagonista é Anne Hathaway e Jim Sturgess. Impossível amar mais. Saiu há umas semanas o primeiro trailer oficial, que é a coisa mais linda e vocês realmente deveriam ver:



sábado, 14 de maio de 2011

Algumas ponderações sobre a blogosfera

Ou: Volta, mundo blogueiro!

Não é de hoje que a blogosfera anda muito metalinguística, de repente todo mundo resolveu discutir justamente o mundo dos blogs. Até barraco já rolou. Agora que todo mundo já falou e a gente está cansado de ouvir as mesmas coisas, resolvi dar meu palpite. Essa classe internética anda tão desunida e divergente que um post só não seria suficiente pra eu dizer tudo que eu acho e deixo de achar, e é por isso que hoje eu me aterei àquilo que, de certa forma, me diz respeito: os blogs pessoais.

Já faz tempo que conheço a campanha iniciada pela Renata - também conhecida como Mulher Vitrola -  a louvável "Volta, mundo blogueiro!", postada no blog dela há mais de um ano atrás. Hoje a campanha já tem blog próprio e uma equipe empenhada em propagar esse apelo, além de novos adeptos a cada dia. Quando li o post que deu início à todo o movimento, parei e pensei que era exatamente aquilo:

"Ei, eu quero ver o que você escreve. O que você viu de legal por aí pela net. Olha, eu apelo leitura até pro fatídico blog-diário: 'hoje eu acordei, levantei, fui na padaria, falei com o gatinho do 502..." mas, por favor... voltem a blogar sobre seus pensamentos medíocres! Não quero falar de Justin Bieber, nem do último ganhador do BBB... quero fazer comentários tolos, dizer que também já comi cachorro-quente sentada no meio-fio às 3 da manhã... eu quero ver os lugares que você foi, ou até mesmo sua opinião sobre física nuclear. Seu desabafo, sua indireta (ou direta, vai saber...). Eu quero o mundo blogueiro pré-twitter de volta. Alguém?"

Odeio usar esse termo, pois soa terrivelmente pedante, mas desde que o maistream descobriu a blogosfera, ou seja, desde que blogar começou a dar dinheiro, foi gerada uma necessidade de ser sempre relevante, ainda que isso signifique falar novamente sobre o que meio mundo já falou. Porque é disso que todos estão falando, e ninguém quer saber o que eu comi no almoço, dizem os blogueiros vira-folha. Veja bem, não tenho nada contra blogs de moda, blogs de cultura pop, blogs de culinária, blogs de fotografia... leio vários, inclusive. O problema é que de repente todo mundo resolveu falar de moda, celebridades, cultura pop, culinária, fotografia, música, e sem originalidade nenhuma. Porque quando a Cris Guerra ia lá e fotografava diariamente as roupas que usava, a gente achava muito legal e inovador, mas quando foi se criando um exército de blogueiras-look-do-dia com saia de renda, blusa de oncinha, ankle boot, Snob e Alexa Bag, claramente havia algo errado. Há algo errado. 

Amo blogs de fofocas. Aliás, quanto mais escrachado melhor - Katylene é meu favorito. Eu assinava os feeds de uns cinco, porque todos tinham uma "linha editorial" diferente e era pertinente acompanhá-los. Mas, de repente, imagino que os donos desses blogs resolveram que queriam ser donos do próximo Papel Pop, e todos começaram a falar de cultura pop e a postar teasers do novo clipe da Lady Gaga ou da próxima performance de Glee. Chegou um dia que, dos cinco que eu acompanhava, quatro estavam falando sobre absolutamente a mesma coisa.

Todo mundo quer um pedaço dessa torta meio passada que andam servindo por aí, blogueiro é a nova sub-celebridade. Não julgo, afinal, quem não quer receber jabá de roupas, esmaltes, perfumes; ser convidada pro SPFW; ganhar credencial pra pré-estreia de um filme hypado; atacar de DJ; dar pinta em eventos; ir para Nova York e o que mais que seja que esse pessoal anda fazendo? Quem não quer? Eu, sinceramente, não ia achar ruim ser paga ir pra Londres e em troca ter que testar e postar as cores dos batons que eu ganhei de presente. O negócio é que, desse contingente enorme de gente querendo ser a próxima Camila Coutinho ou o próximo Phelipe Cruz, pouquíssima gente vai conseguir, é a mesma lógica das celebridades. Já tivemos 11 edições do Big Brother, e você consegue lembrar de algum ex-participante além da Grazi?

Onde os blogs pessoais entram na história? Voltando àquele papo de relevância, acho que na internet ela é superestimada. De fato, não vai mudar a vida de ninguém saber o que você comeu no almoço, do mesmo jeito que não vai mudar com a nova coleção da Forever 21 ou com o último clipe da Nicki Minaj. Temos nos acanhado na hora de expormos para o mundo o quão triviais nós somos, mas vou contar um segredo: todo mundo é terrivelmente voyeur. Cês acham mesmo que o Facebook é um fenômeno porque as pessoas gostam de ~se comunicar~? Não, o Facebook é um fenômeno porque nós adoramos a vida dos outros. Apesar de absolutamente normais, contraditoriamente, cada pessoa é um pequeno universo de gostos, manias e aventuras, e acho que os blogs pessoais servem justamente para o propósito de abrir essa janela pro resto do mundo. E há quem se interesse, há quem se divirta, se emocione, se envolva; as pessoas só ficam com vergonha de admitir, porque de repente a gente é obrigado a se interessar só por aquilo que é relevante. Se fosse assim, deveríamos passar o dia mergulhados em noticiários e reunidos em busca da paz mundial.

Em termos de mercado, os blogs pessoais não tem muita relevância mesmo (se bem que existem alguns com certa notoriedade, como o Eneaotil), até porque é complicado fazer alguém normal promover um produto. Tipo eu. O que poderiam anunciar aqui? Remédios pra cólica? O negócio é que eu mais uma cambada sentimos falta do universo particular dos blogs pessoais, onde ríamos e compartilhávamos ansiedades, frustrações, crises existenciais, aniversários, manias, voos perdidos, aventuras no trabalho, opiniões gerais, estantes de livros, priminhos queridos, clipes favoritos... Simples e divertido, fofocávamos, desabafávamos, descobríamos séries novas, fazíamos amigos.

Volta, mundo blogueiro! Eu juro que ainda é legal. Vem gente!


"Everyone is pretty and fun, everyone is lovely and young
Everyone is gentle and gone, but everyone's just everyone"
 My Terrible Friend (The Pains Of Being Pure At Heart)

domingo, 8 de maio de 2011

Purple rain



Acho que é no segundo episódio de Gilmore Girls que a Rory acorda atrasada pro seu primeiro dia de aula numa escola nova e começa a puxar sua mãe, Lorelai, da cama pelos pés. Eu passo por isso quase todos os dias. Eu acordo primeiro, escovo os dentes, arrumo minha cama e começo a chamar minha mãe. Eu tenho que sacudí-la ao menos umas três vezes, todos os dias. E sim, eu já comecei a puxá-la pelos pés quando, num dia frio, ela se recusava a sair da cama e nós estávamos atrasadas.

Aliás, acho que foi num desses dias frios em que ela se recusava a sair da cama que eu estava num mau humor extremo porque já estávamos atrasadíssimas, eu corria o risco de perder a primeira aula - que era importante -  e o trânsito da escola estava caótico por causa da chuva. Eu estava realmente muito brava com a minha mãe e nós não trocamos palavra alguma em todo trajeto. Eu fingindo ler um livro com os pés no painel do carro e ela cantarolando baixinho qualquer coisa só pra me irritar. Lembro que passamos mais de dez minutos num único semáforo, ele já havia aberto e fechado umas três vezes e, porque chovia muito, não não conseguíamos passar. Foi então que eu resolvi ligar o rádio.

Mamãe começou a zapear pelas rádios ruins de Uberlândia até que eu ouvi uma melodia conhecida e praticamente gritei para que ela parasse, tamanha minha euforia. Eu nunca tinha escutado essa música no rádio antes. Aumentei o som, minha mãe me olhava com uma cara estranha enquanto eu ria sozinha dos primeiros acordes muito bregas. "Não muda, por favor, eu amo essa música". E o refrão foi se aproximando e eu não resisti: I ONLY WANT WANT TO SEE YOU LAUGHING IN THE PURPLE RAIN...

Quando eu pronunciei as duas últimas palavras, mamãe arregalou os olhos ao reconhecer que música era, me olhou rindo e nós duas cantamos juntas, bem alto, o refrão. PURPLE RAIN, PURPLE RAIN! E por todo tempo que o sinaleiro permaneceu fechado, nós duas ficamos lá cantando e balançando os cabelos junto com o Prince. E ao chegarmos na escola eu nem lembrava mais que estávamos brigadas, ela me beijou na testa e me deu um tapa de leve na perna. "Estamos bem? Cê sabe que dá azar sair do carro brigada com mãe. Sorry." Assenti com a cabeça e disse que a purple rain me esperava. Tudo estava bem.

Feliz dia das mães para todas as mães do mundo, e para a minha, que consegue gostar de Prince, Rufus Wainwright e Caldeirão do Huck ao mesmo tempo.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

É muito a minha cara

Não é que eu não goste de sair de casa. Eu gosto, eu saio, eu me divirto, eu chego em casa falando que eu deveria fazer isso mais vezes. O problema não são os programas em si, o problema são aqueles minutos entre a hora de levantar do sofá e entrar no chuveiro, o problema mora naquela hora em que eu, de roupão, me sento em frente ao guarda-roupas aberto e não tenho ideia do que vestir, e lentamente vou deitando, fechando os olhos e ficando ali, e perguntando pra mim mesma se eu quero mesmo sair de casa. Quem sabe um pouquinho da minha vida social já imagina quem ganha a batalha na maior parte das vezes: todo mundo sai e se diverte, fun fun fun, e eu fico deitada no sofá, de roupão, assistindo a um filme da Audrey e twittando aleatoriedades durante a madrugada. Vencer a minha preguiça é algo tão sério que agora eu sempre aviso minha mãe de que quero e vou sair, e que não importa se eu negar três vezes, se eu me arrastar pelo chão, chorar e pedir clemência, é pra ela me enfiar numa roupa bonita qualquer, passar na minha boca o batom laranja que me deixa empolgada e chutar minha bunda pra fora de casa.
 
Então que nessa sexta tinha jantar de aniversário de uma amiga minha. Jantar de qualquer coisa é meu programa preferido, como boa gordinha tensa que sou, felicidade pra mim é sair pra comer. Melhor ainda se for num restaurante que ainda não conheço, e numa das poucas sextas-feiras livres que tenho, já que faço prova quase todo sábado. Em resumo, eu estava animada, e pensava com meus botões que, naquela noite, nem eu mesma seria capaz de me impedir de sair de casa. Ha.
 
"Nem Deus é capaz de afundar esse navio" disse o capitão do Titanic. O resto da história vocês já sabem. "Nem eu sou capaz de me fazer ficar em casa", disse Anna Vitória para si mesma num fatídico fim de tarde de sexta-feira, e foi então que veio a primeira pontada. Ignorei. Outra. Fingi que não era comigo. Mais uma, dessa vez muito forte. Procurei me concentrar na revisão de Biologia. Quando veio a quarta eu levantei a blusa, encarei minha barriga e disse que ela só podia estar tirando com a minha cara. Homens, vocês que rolam no chão por causa de um chute nas partes baixas nunca tiveram um útero contraindo dentro de vocês. É o tipo de dor que faz a gente se esquecer da beleza da vida e querer arrancá-lo fora com a faca da cozinha. O tipo de dor que faz a gente esquecer o que é dignidade e se pegar deitada em posição fetal no chão do banheiro, gemendo baixinho chamando a mãe. Estava numa dessas, só que no sofá da sala, suando frio, criando coragem pra me arrastar até o quarto e pegar um remédio. Pra completar eu estava sozinha, poucas coisas são piores do que sentir dor sozinha.

Remédio tomado, deitei na cama e ri da minha má sorte ao ver que havia deitado em cima do vestido que tinha separado para usar mais tarde. Avisei aos amigos que não ia, me arrastei pro chuveiro, me rendi ao roupão e à bolsa de água quente. É o que temos pra hoje, Anna Vitória, se despeça logo do prato grande e bonito que você comeria. Mamãe chega em casa e me encontra deitadinha no sofá, sofrida sofrida, com meu roupão velho amarelo, assistindo Friends, e logo vai brigando, perguntando porque ainda não estou pronta. Ela vê a caixa de Feldene na mesa, minha cara de pelo-amor-de-Deus-me-ajuda-a-morrer e vai até a cozinha me preparar um chá. Suspiro fundo, penso de novo no prato que eu poderia estar comendo, resigno-me ao flop inevitável. Mais um episódio de Friends.

Mas amanhã é sábado e tem Beatles pra morrer de amor, e nem mesmo eu serei capaz de me forçar a ficar em casa. (Aguardem os próximos capítulos)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Ode à Audrey Hepburn

 Ontem eu estava conversando com a Renata, que disse que estava vendo fotos minhas em que eu saía toda torta. Nunca fui fotogênica e nem me senti à vontade diante das câmeras, por nunca saber como me portar. Eu tenho 1,74 e ao menos aqui onde moro, sou significativamente mais alta que a maioria das mulheres; pra completar, a maioria esmagadora das minhas amigas não só é mais baixa que eu, como são baixinhas de verdade, na faixa de 1,60 pra baixo. Ser alta é uma coisa que me incomoda desde sempre: quando criança, sempre era obrigada a me sentar nas últimas cadeiras da sala de aula e ficava sempre no final das filas por ordem de tamanho. Enquanto minhas amiguinhas ficavam de braço dado com a professora, eu ficava levando canelada dos brutamontes do fundão. O tempo foi passando, e a altura continuou a me incomodar. Comprar calças é complicado porque as que ficam boas no quadril normalmente ficam curtas. Aliás, a maioria das calças fica curta pra mim. Sem falar que, apesar de amar salto alto, uso pouquíssimo, pois sinto que todos estão me olhando e acho que mais pareço uma vareta ambulante, apesar de não ser magrinha. Sobre a dificuldade de encontrar caras que sejam minimamente mais altos que eu, me absterei de comentar senão eu choro.

Acho que por causa disso, e por sempre ter tido problema de coluna, eu sou meio desengonçada. Meio não, muito. Sempre que eu vou sair minha mãe reza um terço me mandando endireitar o corpo e ser elegante e leve feito pluma, mas não é fácil. Agora que faço pilates, tenho melhorado muito, mas a má postura ainda é um vício que carrego. 

Voltando à conversa com a Rê, ela ia dizendo que com o tempo, eu ia desencanar disso e seria graciosa e elegante. Feito Audrey Hepburn. Ela não citou o exemplo, mas logo liguei uma coisa à outra, pois sempre que penso em elegância e graça eu penso em Audrey Hepburn. Para mim, ela é o máximo. Um dia, minha mãe veio me perguntar que graça eu via nos filmes dela. "Ah, filha, você tem mania de 'filme cabeça' e os dela são tão bobinhos, mas você não cansa de ver", foi o que eu ouvi. Pra começo de conversa, eu não gosto só de "filme cabeça"; segundo, por mais que a maioria dos filmes da Audrey seja mesmo bobinha e a história seja quase sempre a mesma, não me canso de vê-los porque, vê-la atuando é observar uma coisa muito especial e única acontecendo: não é só porque ela era bonita, engraçada, carismática e se vestia muito bem, Audrey tinha um brilho só dela, que conseguia fazer únicas personagens que, nas mãos de qualquer outra atriz, poderiam tornar-se ordinárias. Assistí-la é hipnótico, você fica maravilhado, termina o filme sorrindo. E quer ser que nem ela. Billy Wilder, um dos diretores com os quais ela mais trabalhou e um dos meus favoritos, disse que para ser uma estrela, você precisava de um elemento extra que Deus lhe daria ou não. Segundo ele, Audrey fora beijada por Deus.

A verdade é que por trás de toda a delicadeza inegável, Audrey Hepburn foi uma mulher extremamente forte desde que nasceu. Quase morreu de coqueluche, e se não fosse pela mãe que insistisse em reanimá-la, teria passado na Terra apenas três dias. Morou na Holanda na época em que o país foi tomado pelos nazistas e, tendo parentes na resistência, viu entes queridos morrendo e passou por grandes apertos para sobreviver, inclusive fome. Depois de tentar carreira como modelo, bailarina e corista, Audrey se enveredou no caminho da atuação e, logo em seu papel para o cinema, foi indicada e ganhou o Oscar em 1953 por seu papel em "A Princesa e o Plebeu", em que interpretava a Princesa Ann, que fugiu de seu palácio para passar um dia como mera mortal nas ruas de Roma ao lado de um jornalista que iria ciceroneá-la, interpretado por Gregory Peck.

Além de ter se firmado como atriz, participando de filmes que hoje são clássicos como Breakfast At Tiffany's, Sabrina e My Fair Lady, outro campo em que Audrey se consagrou foi a moda, sendo até hoje um dos maiores ícones de estilo de todos os tempos. Certos figurinos que ela usou chegam a ser mais famosos que os próprios filmes, já repararam que milhares de pessoas reconhecem o pretinho básico de Holly Golightly e nem sequer ouviram falar do filme? Para a lendária estilista e figurinista Edith Head, vestir Audrey era um pesadelo, pois ela estava totalmente fora dos padrões de beleza da época - acreditem, por ser alta, magra e ter poucas curvas, Audrey era vista como sem graça, desproporcional e mirradinha - e a estilista teve que criar mil e uma adaptações nos figurinos para disfarças os "defeitos" da atriz. Audrey não concordava tanto com isso e imagino que ficava puta com os chiliques de Edith Head, mas adorava as roupas que ela fazia, e hoje os figurinos de "A Princesa e o Plebeu" e "Funny Face" são famosíssimos - eu, inclusive, usaria todas as roupas com a maior alegria. Se Edith Head achava difícil vestí-la, Givenchy viu em Audrey Hepburn o seu modelo vivo, seu ideal feminino de beleza, corpo e proporções. Os dois se tornaram grandes amigos e Givenchy vestiu-a até o fim de sua vida.

Audrey Hepburn casou-se duas vezes, dois relacionamentos cujo fim foi bem desgastante, pois foram postergados até o limite para preservar os filhos, uma vez que Audrey foi traumatizada pelo divórcio dos pais. Só no final da vida que encontrou seu grande amor, um amigo com o qual viveu até morrer. Já mais velha, Audrey tornou-se embaixatriz da Unicef como forma de gratidão, afinal, foi a organização que lhe salvou com suprimentos durante a Segunda Guerra. Ela passou praticamente um ano inteiro viajando por países pobres e afetados pela fome e pelas guerras, e vocês aí achando que Angelina Jolie era pioneira nessa história de abraçar as crianças de todo o mundo.


Não fosse o câncer que lhe tirou a vida em 93, quem sabe Audrey Hepburn estivesse ainda conosco hoje, completando seu aniversário de 82 anos. Admiro-a em múltiplos aspectos de sua vida, não só no da moda e da atuação, e agora que soube que - quem diria - ela abandonou a carreira de bailarina pois sua professora lhe dizia que era alta e desengonçada demais para o ballet, logo ela, a mulher mais elegante do  mundo inteiro, acho que nessa vida há jeito até pra mim. Se um dia eu for um terço da mulher que ela foi, já está de bom tamanho.