sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Chão-terapia

Papai não se cansa de dizer que acha que é uma falta de respeito e decoro enorme essa coisa de ir de chinelo pra escola. Na época dele, sempre ouço essa história, sair de Havaianas era mico dos grandes, só isento de reprovação para aqueles que haviam estourado o dedão do pé jogando bola. O patriarca Rocha chegou a dizer que, se fosse ele diretor de uma escola, proibiria o uso de bermuda e chinelos. Aí ele me vê quase todos os dias saindo do colégio com minhas calças de malha largas, que mais parecem de pijama (e muitas vezes são) e minhas queridas Havaianas roxas, e fico imaginando o quanto ele deve se controlar pra não brigar comigo, como faz sempre que estou de moletom quando na rua a média é de uns 35ºC na sombra. Tem dias que ele só olha para meus chinelos e resolve reclamar das minhas unhas pintadas de rosa, mas eu sei o que ele realmente queria criticar. Ah papai, esse amante do decoro, o que diria se visse sua menininha de chinelos, calça quase-de-pijama, moletom e ainda por cima estirada no chão da sala de aula?

Tenho amigos que desde o começo do ano tem essa mania de deitar no chão da sala na hora do recreio. No começo, confesso, ficava olhando meio indignada, tentando me manter firme no pedestal da dignidade, matutando comigo mesma que a pessoa tem que estar muito fora da casinha, perdida na vida e desesperada para se jogar no chão assim, na frente de todos, e ali ficar, feito uma leitoa cansada. Só que um dia desses, pra variar, eu estava numa crise daquelas de sinusite e passando mal pra caramba. Minha cabeça pesava e doía tanto que minha impressão era que mais cedo ou mais tarde eu não ia conseguir mais sustentá-la firme no pescoço e ia cair fungando num canto. Na hora do recreio, cansada de sofrer, peguei minha mochila, enrolei meu moletom como um travesseirinho, e me deitei ali no chão da sala, com os olhos fechados e cara de sofrimento, para ver se melhorava. Mil pessoas entraram, me olharam ali, e, naturalmente, me julgaram. Mas quando eu levantei, estava bem melhor.

Foi assim que aos poucos eu fui me tornando adepta à chão-terapia, e vou contar uma coisa pra vocês: chão é vida. Essa coisa de ficar sentada o dia todo coloca minha coluna em frangalhos, ainda mais porque eu não me encaixo direito na cadeira da escola, porque tenho pernas compridas, e por causa disso fico toda torta e de mal jeito. Ano passado, cansada de parecer uma velha reumática aos 16 anos, comecei a fazer pilates e foi a melhor coisa que me aconteceu: as dores sumiram quase que por completo e eu podia suportar seis horários de aula e uma tarde de estudos na midiateca sem voltar pra casa gemendo. Só que com a loucura de vestibular, tive que abandonar minha ginastiquinha feliz no início do ano, e desde então tenho penado. Ainda bem que existe o chão.
Aí a gente pensa que o vestibular já nos tirou tudo - tempo para ver filmes, sonhos bons, tardes de sono, tempo para ir ao salão, vontade de viver - até se pegar deitada no chão da sala de aula, com as pernas apoiadas numa cadeira, se alongando ali na frente de todo mundo. Nesse momento, você percebe que a falta de dignidade desconhece limites e o buraco é sempre mais embaixo. No entanto, toda essa desglamurização em classe pública se torna pouco importante diante dos benefícios do chão. A gente deita, se estica, coloca as vértebras no lugar e se estrala inteira, e num lapso de segundo percebe que o mundo é bom. 15 minutos de chão e meus problemas quase somem, estou pronta pra mais duas aulas

Em minha defesa, não tenho muito o que dizer além disso. Resolve argumentar que a terapia tanto funciona que já consegui novas adeptas, que de início me olhavam feio, ali esparramada, e que agora me acompanham no nosso ritual desesperado de recreio? Sempre que estou fatigada e de mal com a vida me estiro no chão, fico ali alguns minutos com a coluna no lugar e as pernas esticadas, olhos fechados e respirando fundo, até que as coisas voltem a ter sentido e eu consiga arrastar meu corpinho por esse mundão de meu Deus. Ensinei a técnica para minha mãe e não é raro o Chico flagrar nós duas esticadas na sala, uma parecendo mais maluca e fora de si que a outra, mas ela não tem reclamado do resultado. Recentemente descobri também que dormir no chão é uma beleza: num churrasco de família, me deitei ali na beirada da piscina e fiquei dormindo por toda uma tarde, e acordei renovada.

Agora que contei meu segredo, vocês já sabem: em caso de emergência, se estiquem no chão.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Amor, dor, e Chile

"Escute, Paula, vou contar uma história para que você não se sinta tão perdida quando acordar."

São essas palavras tão cheias de amor e inocência que Isabel Allende utiliza para dar início no talvez mais dolorido livro de sua vida. Como ela bem explica, "Paula" começa como uma carta para sua filha, que caiu em estado de coma por conta de uma porfíria diagnosticada tardiamente e mal cuidada e que acabou por transformar a bela moça de cabelos longos e olhos enormes em um vegetal. Sem saber quando e como Paula irá acordar, Isabel resolve escrever-lhe a história maluca e extraordinária de sua família e de sua vida, para que ela tenha uma memória caso venha a perder a própria. Com pessoas tão particulares ao seu redor e acontecimentos tão únicos em sua vida, não é de se espantar que o relato tenha virado livro.

A vida de Isabel Allende é cheia de altos e baixos e ela própria conta no livro que gostava de olhar a própria história como roteiro de um melodrama. No entanto, esse encantamento vai se perdendo à medida que a doença de Paula avança, e as esperanças de melhoras se esvaem pouco a pouco. O livro intercala passagens de memórias com breves relatos sobre os acontecimentos recentes, a rotina no hospital, o marido devoto, os companheiros peculiares de enfermaria e, claro, clamores constantes para que a filha retorne dessa inconsciência na qual se meteu e parece se negar a sair. "Paula" é inteiro escrito com um amor enorme, primeiramente à destinatária principal, mas também à todos aqueles personagens únicos que passaram pela vida de Isabel. Meus preferidos são o avô - ou Tatá, como se diz no Chile - um senhorzinho muito circunspecto, mas ao mesmo tempo encantador, e o padrasto, tio Ramón, que me lembra muito o meu próprio pai. 

O sobrenome da escritora grita e não permite que falte ao périplo a história do Golpe Militar do Chile que tirou do poder Salvador Allende - seu tio -, o primeiro presidente marxista do mundo a ascender ao poder pelo voto popular. Os relatos da resistência, confusão e exílio são mais interessantes que todas as minhas aulas de História da América Latina. Isabel Allende sem ver envolveu-se em todos os esquemas imagináveis para ajudar os perseguidos a conseguir asilo, ao ponto de abrigar foragidos embaixo do próprio teto, com os filhos pequenos e o marido paciente que preferia não vestir a camisa tão abertamente. Passou anos vivendo com medo, assustada com barulhos e temendo pela própria vida até que não encontrou melhor saída se não fugir para a Venezuela. Sobre o fim de Salvador Allende, ela sustenta a história de que resistiu até o fim e cumpriu a promessa que fizera: só sairia da Casa de La Moneda morto. Durante o caos, deu cabo da própria vida. Preciso dizer que já estou apaixonada pela história do Chile?

O processo criativo inusitado de seus livros não ficou de fora da narrativa. A Casa dos Espíritos, por exemplo, surgiu como uma carta de despedida ao seu avô, que morreu quando ela estava no exílio, e acabou por ganhar o mundo. Isabel se assustou tanto com a grandiosidade que ganhara que mesmo depois de publicar outro livro, ainda não sentia-se escritora. A segurança veio mesmo no terceiro romance, mas a maneira repentina com o qual todos surgem é a mesma. Diz ela que é um presente dos mortos. 

Apesar do amor que é possível sentir em casa linha, não escapamos também da dor que gera cada palavra. Num trecho, Isabel conta que a dor da perda de um filho é uma das mais antigas da humanidade, e as mulheres latinas, habituadas ao banho de sangue que seu território sempre fora marcado, estavam acostumadas com ela até que surge o século XX e o ideal ocidental da segurança falsa, em que todo mundo acredita que os filhos chegarão à idade adulta, enterrarão os pais e morrerão de velhice, como manda o figurino. Na segunda parte do livro, a autora já não se refere mais à filha como sua interlocutora, mas sim em terceira pessoa. No final, pede à ela que morra, por favor, apesar de não ter coragem de dizer. 

A perda gradativa de Paula foi algo tão forte que ela chega a dizer que não sabe se algum dia conseguirá escrever novamente. Felizmente, de 1995 pra cá, já publicou 10 livros. Apesar de esse ter sido apenas meu primeiro contato com essa vida e obra, já me sinto na obrigação de dizer que, quando crescer, quero ser um pouco como ela. Ou só concluir a bibliografia, até chegar lá.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Anti-ode a Brad Pitt

Ou, Ode a Jennifer Aniston

Demorou um tempo até que eu percebesse que o Brad Pitt é um bom ator. Vivi mais ou menos uns 13 anos da minha vida pensando que ele fosse só um galã e nada mais - e não, isso nunca me impediu de gostar dele. Aliás, eu tinha 10 anos quando resolvi que gostaria do Brad Pitt e a culpa é da Capricho, que o trouxe na capa com a seguinte chamada: Brad para sempre: ele tem idade para ser seu tio, mas continua sendo o cara. O motivo da capa era sua participação em Tróia como Aquiles, outro motivo que me fez amá-lo: nessa época, estava começando a me interessar por mitologia grega e foi por causa dele que, no ano seguinte, li Tróia - O Romance de Uma Guerra e nunca mais me desapaixonei pela história. A revista ainda traz um ABC Brad Pitt, que conta certas inutilidades interessantes, como por exemplo ele ter instalado um mictório em seu banheiro e ter começado a faculdade de Jornalismo antes de se tornar ator. Na entrevista ele se diz muito apaixonado por Jennifer Aniston, sua então esposa, e que a coisa mais quer na vida é ter um filho com ela. Aham.

Assisti Queime Depois de Ler - aquele filme dos Coen que todo mundo acha chato, pelo qual sou apaixonada - e concluí com meus botões que além de bonito, Brad Pitt era bom ator. Até então nunca tinha visto Entrevista Com Vampiro, Seven ou Clube da Luta (beijo, Tyler!) e fiquei surpresa ao ver Brad Pitt fazendo papel de assistente de academia gay e burrinho responsável por uma das cenas que mais me fez rir na história do cinema. Foi assim que criei por ele um carinho muito especial, que só aumentou depois que assisti aos filmes supracitados e atingiu seu ápice depois de que o vi em Bastardos Inglórios; fala-se tanto - merecidamente - de Christoph Waltz nesse filme que Aldo Raine, responsável por uma das sequências mais sensacionais do filme, acaba esquecido. Acho digno, acho Oscar.

O negócio é que na época em que ele se separou da Jennifer para ficar com a Angelina Jolie, eu nem liguei muito, e se prestei atenção era para achar bom. Na época eu gostava bastante de Tomb Raider e me parecia natural e ideia de gênio que os dois ficassem juntos e procriassem até povoar as áreas inóspitas do Canadá com lindos bebês loiros e beiçudos, ou então que adotassem toda a África. Não me liguei muito ao fato que a pobre Jennifer foi trocada e corneada pro mundo inteiro ver, e que o casal de algozes havia saído por cima, sambando na cara da sociedade enquanto ela chupava o dedo e lançava um filme muito ruim. Os anos, no entanto, me fizeram trocar de lado e virar Team Aniston com fé e convicção.

Aliás, antes de argumentar, preciso dizer que essa discussão Jolie x Aniston é assunto constante na roda com os meus amigos, e sim, deveríamos estar estudando ao invés de debater tópicos tão prosaicos. A realidade é que os representantes de ambos os lados são muito convictos de suas opiniões, e a gente discute só para no final ver que o outro não vai ceder de jeito nenhum e eventualmente saímos no tapa (sério) para dar cabo do impasse. Os argumentos que ouço são sempre os mesmos: a Jolie é mais bonita, faz filmes mais legais, já ganhou um Oscar e ajuda as crianças. Válidos, todos, embora saibamos todos que Angie tem seus podres, ou vocês nunca viram Salt (só o trailer vale) e não se lembram da época que ela usava uma camiseta com o nome do então marido Jonny Lee Miller escrito com o próprio sangue? Sem falar que ela tem uma cara de purgante difícil de engolir. Toda aquela pose de mulher forte e independente salvadora da pátria e das crianças do mundo ai como seu foda e engajada me deixam levemente irritada. Nada contra ela ser salvadora da pátria e das criancinhas, e muito menos quanto à força e independência (girl power) o que me incomoda é a pose. Coitada. Tem cara de chata. E isso contagia, já que, desde que está com ela, Brad Pitt também tem cara de chato. Eles são tipo os hipsters engajados tô nem aí de Hollywood. Tô mentindo?


Quanto à Jennifer, sempre dizem que ela é sem graça, só faz filmes meia-boca e que nunca mudou o penteado - sim já ouvi isso. Bem, inegável que Quero Ficar Com Polly não consegue competir com Garota, Interrompida ou Changeling, mas, venhamos e convenhamos, a Jennifer é a Rachel e isso invalida qualquer outro argumento. Rachel Green, apesar de não ser minha garota favorita de Friends - team Phoebe - é sensacional, a namoradinha da América. Quanto ao cabelo, humpf, quem já viu Friends sabe que, nos dez anos da série, Rachel já foi morena, meio ruiva, loiríssima, teve cabelão, cachos, chanel e seu visual é tão marcante e maravilhoso que até Blake Lively ser alguém na noite, por anos o corte e o tom de cabelo de Jennifer foi o mais desejado em todos os salões do mundo. Por fim, Jennifer Aniston é fofa. Sempre que a vejo em entrevistas ou programas de tv tenho vontade de sentar do lado, marcar manicure e virar amiga. Nunca tive vontade de fazer as unhas e tricotar com Angelina Jolie.

A troca de esposas, por anos, fez apenas com que eu pegasse birra da Angelina Jolie. Até então, Brad, o único real culpado da história, tinha se mantido intacto. Até suas recentes declarações à imprensa, contando que sua felicidade dourada com Aniston era puro fingimento. Oi? Achei pesado, errado e desnecessário. Quando era mais nova e achei sensacional que Brad tivesse trocado de musa, via a questão como algo muito abstrato. Aí a gente cresce, aparece, leva tombos e sofre a dor de ser trocada e vê o que é bom pra tosse. Acho que a gente não escolhe por quem se apaixona e nem quando isso acontece, mas pode escolher o melhor jeito de agir. Ok que sendo quem ele é a coisa seria um escândalo de uma forma ou de outra - por isso os anos em que ele foi perdoado - mas cuspir no prato que come pra mim é demais. William Bradley Pitt, isso não se faz. Novamente, acho pesado, errado e desnecessário. Homens, bah.

Ainda bem que, enquanto isso, quem samba agora é Jen. Não chore, amiga, estamos com você.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

I will go crazy if I don't go crazy tonight

Ou, Aquele com o pití da madrugada

Apesar de não ter sido uma criança birrenta, tenho essa veia chiliquenta interior sempre reprimida pela ameaça das palmadas de mamãe. Quando criança, fiz birra duas vezes: uma no supermercado - quem nunca? - porque queria um kit de banho do Pokémon e, diante da negativa de meus pais, abri o maior berreiro da história do Carrefour; a outra foi porque eu estava brincando de Barbie na cozinha, e tinha usado todo o espaço para montar a casa dela. Assim que terminei e ia finalmente começar a brincar, minha mãe me mandou guardar tudo para que ela pudesse arrumar o jantar, e eu levantei e comecei a sapatear no chão, de raiva. Nas duas situações, levei boas palmadas. Acho que minha geração foi a última a levar ~palmadas educativas~ sem que isso virasse caso de matéria no Fantástico e, sinceramente, não sei qual minha opinião a respeito do assunto, já que a ideia abstrata me parece errada, mas eu sempre apanhei e não cresci traumatizada, agressiva, ou achando que violência é a solução. Estou perdendo o foco, isso é assunto para das redações chatas da escola e não para este post. 

Voltando às birras, graças aos episódios supracitados, aprendi a não ser histérica. Na frente dos outros. Vez ou outra tenho meus chiliques, que costumam ser uma sapateada rápida no quarto fechado ou algo assim. Um dia, numa crise de TPM fortíssima, me lembro de ter jogado o controle da televisão longe, porque a pilha não funcionava mais, mas logo me recompus, envergonhada de mim mesma e morrendo de medo de ser flagrada no ato e levar uns tapas aos 16 anos de idade. Por isso acho que, desde o episódio da casa da Barbie desmontada, essa semana dei meu primeiro chilique em público.

Não é novidade que ando cansada, estressada e sobrecarregada, mas essa semana tem sido especial. Comecei a revisar Geometria e, por mais que eu preste atenção nas aulas, resolva exercícios com o professor, anote tudo, leia e releia, e me esforce como condenada, não consigo aprender nada. Nessa disciplina, acho que fui alfabetizada em uma língua há muito morta, antes mesmo do esperanto pensar em nascer. Tenho passado tardes inteiras quebrando a cabeça para, ao fim do dia, ter conseguido resolver, mal e porcamente, uns dois exercícios e não há nada no mundo que frustre mais meu lado perfeccionista. Ultimamente, minha vontade é chegar em casa e tomar um chá de cicuta pra nunca mais acordar.

Terça-feira cheguei em casa especialmente esgotada e nervosa, e fui dormir antes das dez. Apaguei tão depressa e profundamente que foi mamãe que apagou a luz e retirou "Paula" de minhas mãos e pôs no criado ao meu lado. Dormia pesado quando, de repente, todos os cachorros da rua, do prédio e o Chico começaram a latir. Acordei de sobressalto, sem entender o que acontecia, assustada como a Deusa, de O Clone. Tentei esperar a sinfonia canina passar, mas nada. Ouvia Chico correndo pela casa e uivando em plenos pulmões, e resolvi que tinha que fazer algo antes que o porteiro interfonasse em casa ordenando que sacrificássemos nosso poodlezinho como se fosse um carneiro. Peguei o lorde o levei para o meu quarto. À princípio ele se calou, mas bastou que ouvisse um cachorro latindo, da rua, para que recomeçasse. Eu mandava que ele parasse e era ignorada, o indecente latia na minha cara. Lhe dava pequenos coques na cabeça e nada o comovia. Até que ele se desvencilhou de mim e saiu correndo, latindo feito um biruta. Aí eu surtei.

Saí do quarto colérica e comecei a gritar. Até agora não sei o que aconteceu, não me lembro de ter estado tão nervosa e fora de mim há muito tempo. Como uma esquizofrênica que ouve vozes, eu tapava meus ouvidos com as mãos, chorava, esperneava e gritava: "PARE DE LATIR, PELO AMOR DE DEUS, EU PRECISO DORMIR!!!!!". Mamãe finalmente acordou, e a visão que teve não deve ter sido bonita. Eu de pijama, com o coque de donut se desfazendo no topo da cabeça, esperneando na sala e Chico latindo na sacada. Só olhei pra ela, gritei: "ESSE CACHORRO NÃO CALA A BOCA" e fui correndo para o meu quarto, deitei na cama e posição fetal, e cobri minha cabeça com o edredom e o travesseiro, apesar do calor. Mamãe, sempre fofa, foi até o quarto, me beijou na testa e disse pra eu respirar fundo.

Nem sei como consegui dormir, acordei no outro dia parecendo um monstro, tamanhas as olheiras, o inchaço dos olhos, após tanto choro. Chico, ciente dos incidentes da madrugada, só chegou perto de mim depois que mamãe surgiu na cozinha. Nem ousou me pedir as bolachas de leite que comia e ele adorava. Mamãe me abraçou apertado e disse: "Que noite, hein?". Ela anda meio preocupada com meus nervos e tem me enchido de mimos, e isso é tão fofo que ando até mais calma. Quanto ao Chico, depois do café da manhã, ele se enroscou em mim e nós dois fizemos as pazes.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Um dia de Holly Golightly


Se fosse parar pra pensar no quanto eu mudei dos meus 15 anos, quando estava entrando no colegial - neurótica, ingênua e querendo prestar Medicina - aos 17, quase saindo dele - ainda meio neurótica, velha de guerra e muito ansiosa para entrar na faculdade de Jornalismo - concluiria que essas duas Anna Vitórias são duas pessoas completamente diferentes. Da transição de uma para a outra, pouca coisa ficou, como, por exemplo, os amigos e o sonho de se fantasiar de Holly Golightly.

Quando estava no primeiro colegial, no dia do trote de personagens do 3º ano de então, lembro direitinho que estava na cantina da escola quando prometi pra mim mesma, e jurei diante dos meus amigos, que quando chegasse minha vez, me fantasiaria de Holly. Tinha assistido ao filme pela primeira vez no ano anterior, e meu fascínio e fanatismo estavam no auge. Assim como Blair Waldorf sempre sonha consigo própria como Audrey Hepburn e faz da sua vida um melodrama dos anos 50, eu sonhava em um dia, ainda que fosse só um, poder estar como uma das personagens mais bacanas e interessantes da literatura e do cinema.

Cheguei na escola de vestido preto, scarpin baixinho (odeio sapatos de bico fino, mas o que não se faz por um personagem?), coque gordo no topo da cabeça (quero casar assim), pérolas, livros, cadernos e a papelada de todo dia porque não tá fácil pra ninguém. A inspiração para a roupa foi o look clássico da Holly com o little black dress, porque é o ícone, mas na realidade eu gosto muito mais do vestido cor-de-rosa dela. Nem cogitei usá-lo, no entanto, primeiramente porque não tenho nada parecido, e depois porque se um monte de gente já me perguntou do que eu estava vestida com a fantasia mais clássica de todas, o que seria de mim se fosse com um dos vestidos secundários?


Fiz uma cigarrilha com cartolina preta, uma amiga me levou um gato de pelúcia e eu coloquei os óculos característicos. Só não consegui as luvas pretas, porque fiquei com preguiça de alugar, mas isso não me impediu de sair desfilando pela escola LIKE A BOSS. Normalmente, em dias de trote, quando ando perto de pessoas de uniforme, fico meio sem graça, me sentindo um tanto infantil e brega, mas hoje não aconteceu nada disso. A sensação foi incrível, e se eu fosse uns quatro anos mais nova, definitivamente viraria cosplayer. Curti tanto que prometi pra mim mesma que por mais zoados que fossem os uberlandenses, eu nunca mais zoaria da cara deles, porque sei que, mesmo meio descaracterizados, eles estão profundamente felizes e realizados naquelas roupas, porque era assim que eu me sentia. A vontade era de sair daquele jeito todos os dias, e ter uma coleção de vestidos pretos, como a Holly, e fazer disso um uniforme, usando para sair à noite e ir na padaria, trocando apenas o arranjo da cabeça por um chapéu enorme, quando fosse necessário.



Foi como se, por uma manhã, eu tivesse encontrado uma maneira de ter aquela sensação que a Holly tem sempre que entra numa loja da Tiffany. Se fosse mesmo ela, me sentiria tão segura ao ponto de comprar móveis para o apartamento vazio e dar um nome para o Gato, mas como é só minha vida, fui embora plenamente feliz, realizada, e pronta para dizer tchau ao colegial de uma vez.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Amazing hair day: pergunte-me como

Sei que falar de modas e beautés não faz muito a ~linha editorial~ aqui do blog, mas sendo fiel à minha primeira proposta blogueira, que é de falar sobre o que dá na telha, compartilharei aqui uma genial experiência capilar que vivenciei essa semana. Os leitores XY ou simplesmente desinteressados de cabelos bonitos, sintam-se à vontade para voltar amanhã, ou depois.
Pois bem. Eu sou muito cética e preguiçosa com relação à essas truques milagrosos para se ter um cabelo bonito. Preguiçosa porque não vejo graça em descobrir um jeito de deixar meu cabelo bonito que vai tomar meia hora do meu dia. Já me bastam aquelas horas infinitas que passo no salão para retocar minhas madeixas loiras, suficientes para que eu passe meses esgotada; e cética porque essas coisas nunca funcionam comigo. Quer dizer, não funcionavam comigo. Até essa semana.

Estava vendo qual era a do blog Ricota Não Derrete, que a Isadora indicou (ao lado do So Contagious :D) no seu #BlogDay. Achei-o bem simpático, a começar pelo nome. O post mais recente continha um vídeo caseiro que prometia ensinar a cachear os cabelos usando uma meia. Eu posso ser preguiçosa & cética, mas não tem como não querer ver um vídeo onde uma menina promete que você vai acordar com o cabelo cacheado se dormir com uma meia na cabeça. A proposta, mesmo que futuramente falha, é fantástica.

Eu tenho essa fissura com cabelos cacheados. Sabe a eterna insatisfação feminina? Então. Nasci com cabelo escorrido, desejo cachos loucamente. Hoje meu cabelo não é tão liso e fino como antigamente, mas é por causa do corte. Um bom repicado e camadas fazem milagres, sem falar que ele sendo curto, é bem mais leve e feliz, e não fica aquela precata lisa sem graça. Mas, mesmo tendo os fios mais encorpados, tenho que amassar o cabelo sempre que o lavo. Entendem o que eu quero dizer? Aquela coisa de "afofar" o cabelo quando ele ainda está molhado pra ficar com cara de cabelo de praia. Funciona, no primeiro dia, mas depois ele começa a desmanchar. Por isso vivo em busca de métodos para fazer cachos, mas veja bem, métodos eficazes e naturais. Não sou nada orgânica e natureba com minha alimentação, mas o sou com meu cabelo. Relutei até a morte antes de fazer a plumagem, porque odeio maltratar meu cabelo. O máximo que faço é escovar a franja depois de lavar e pronto. Daí a dificuldade. Não fosse por essa inclinação hippie, um babyliss acabaria com todos os meus problemas. Mas sou eu, e eu gosto das coisas difíceis.

A autora do vídeo que falei acima, Lucy, é tipo uma guru capilar do Youtube, e fui descobrir agora que também é totalmente pró-métodos naturais e anti chapinha, babyliss e etc. Traduzindo, ela é do lado hair friendly da força. Virei fã. Seu método é muito simples: você pega uma meia velha, corta a ponta, e a enrola como se fosse um donut. Antes de dormir, faça um rabo bem no alto da cabeça - no topo mesmo, senão vai te atrapalhar a dormir! - molhe um bocadinho as pontas, e enrole a meia no cabelo. Falando parece difícil, mas basta ver os vídeos para ver como é fácil. O primeiro explica em detalhes como fazer o sock-bun, que é o tal coque com a meia. Os cabelereiros costumam usar uma "rosquinha" própria para fazer coques, de modo que ele fique encorpado e gordo, e não tristinho, naquelas pessoas que tem pouco cabelo. A meia é só um jeito caseiro e sem custos de imitá-la. Já o segundo vídeo mostra como o método da sock-bun evoluiu para a revolucionária técnica de fazer cachos. Deixarei a Lucy mostrar que funciona mais:





Fiz exatamente como manda o vídeo, e deu muito certo. Na primeira tentativa, meu coque não ficou tão certinho como o dela e não acordei com cachos tão definidos assim, mas sim com umas ondas muito interessantes, como se tivesse acabado de fazer uma escova no salão.

 Desculpa se não sou bonita às 6h30

Resolvi tentar de novo. Na noite de segunda, consegui fazer o coque-donut perfeitamente, e só isso já me deixou tão emocionada que fiquei com vontade de sair por aí com aquela bolotinha no topo da cabeça. A técnica é altamente adaptável para festas mais bacanas, porque faz um coque muito elegante, e não deixa aqueles fios soltinhos, que sempre são um problema para quem tem cabelo mais curto e/ou repicado - meu caso. Mais corajosa, também deixei as pontas mais molhadas que na noite anterior, e fui dormir morrendo de medo do cabelo amanhecer com uma emoção cacheada excessiva. Quero cachos, mas não quero ser a Diana Ross. Que nada. Meu cabelo amanheceu rico e popstar. Fala sério, parecia que eu estava indo gravar um clipe com a Beyoncé. Lágrimas escorreram do meu rosto.
 

 Fiquei muito impressionada mesmo. Existe coisa mais incrível que sair de casa numa segunda-feira com o cabelo dando certo? É praticamente uma premissa de semana boa. Gostei tanto do resultado que até tive dúvidas quanto ao meu novo corte de cabelo. Explico: meu cabelo está enorme pros meus padrões, não fica tão grande assim desde 2007! Tudo isso porque - acreditem - estou sem tempo de ir ao salão. Triste! Estava decidida a cortar bastante, como sempre faço, mas esse método riqueza instantânea fez com que eu pegasse um apego tão enorme às minhas madeixas longas que agora não sei o que faço. O salão está marcado para sexta. Será que encaro?

domingo, 4 de setembro de 2011

Morning glory

Descoberta do século: sou uma pessoa matinal. 

Já vinha observando indícios disso, porque sempre achei que as coisas ficam mais bonitas pela manhã, mas tive certeza nas férias, quando estava acordando cedo, assim, de graça, para poder tomar um café-da-manhã de uma hora enquanto lia o jornal, na sacada de casa, tomando aquele solzinho maroto das oito e meia da manhã nas pernas. Acordo às 6h de segunda à sábado, tenho total repúdio pelo meu despertador e quero morrer quando ele toca, mas não tenho mais essa vontade de acordar meio-dia sempre que posso.

Ultimamente, se passo da hora, tenho um dia totalmente improdutivo, mas no pior sentido de todos: não é um dia improdutivo voluntário, mas um daqueles em que eu passo o dia agoniada, de pijama pela casa, sentindo que eu queria e poderia estar fazendo mil coisas, mas não tenho disposição para tanto. É angustiante. Quando acordo mais cedo, tenho tempo para espreguiçar, curtir o vento fresquinho de cedo na sacada, comer feito condenada no café-da-manhã e... aproveitar o dia. Esse ano de vestibulanda tem me consumido e eu sinto que não faço nada da minha vida que não seja estudar. Acho que é por isso que tenho gostado de aproveitar meus dias livres ao máximo, porque essa coisa de acordar na hora do almoço, ficar na preguiça e ter um surto de ânimo ali pelas dez da noite não tem me feito nada bem. Estou ficando velha, eis um fato.

O único problema é que só gosto da manhã que dura das 8h até, no máximo, 10h. Depois disso o sol esquenta, a rua se enche, a brisa boa vai embora, e começo a sentir cheiro de almoço vindo da rua. Me dá aquela sensação de centro da cidade em começo de mês: cheio de gente, anões vestidos de palhaço na porta de lojas estilo Casas Bahia cheias de serpentina pelo chão chamando as pessoas para conferir as ofertas, e aquele cheiro nojento de pequi no ar. Posso estar em qualquer lugar do mundo, e a sensação que bate onze e meia da manhã é sempre essa. Estou ficando velha e chata pra caramba.

Tem dias que o cansaço não me deixa despertar cedinho - despertador aos fins de semana nem morta! - mas nessa última quarta, feriado local por conta do aniversário da terrinha amada, levantei ali pelas 8h30 querendo fazer algo diferente. Resolvi fazer panquecas. Nunca havia tentado, mas o post no Cozinha Coletiva me encheu de vontade e coragem. Segui a receita fielmente e o resultado foi ótimo. A massa que se forma é cremosa e linda, e minhas panquecas ficaram gordinhas, douradas, e nem um pouco cruas por dentro. É tão legal observá-las crescendo e ganhando forma na frigideira! Me empolguei tanto que até tentei jogá-las para cima, igual nos filmes, mas não é tão simples quanto fazê-lo com omeletes. Peguei a minha de mau jeito e melequei todo o fogão, mas, dos males possíveis, o menor.

Para acompanhá-las, derreti um pedaço de uma barra de chocolate em banho-maria, que, por ter avelã, ficou parecendo Nutella crocante, cortei morangos, bananas, e usei também mel e canela. O morango acompanhava a calda de chocolate, e a banana, o mel com canela. Além disso só mesmo o café forte de sempre. Eu e mamãe nos fartamos com as panquecas e ela, que quando acordou e me viu na cozinha mexendo a massa perguntou se eu estava com algum problema, adorou a experiência. Porque a gente vive querendo fazer algo diferente e gostoso nas nossas vidas, mas tem pouca coragem para, literalmente, levantar da cama e agir. Queria começar o dia assim sempre!