domingo, 30 de março de 2014

"C" é de caramba esse livro é minha vida

"Essa coisa de ser adolescente é realmente muito ampla, porque não existe uma fórmula exata, porque é sinônimo de ser pessoa. Eu costumava achar que seria uma pessoa quando adolescente e outra quando adulta, mas agora fico pensando que se eu continuar basicamente a mesma pessoa que sou agora quando adulta, isso não seria algo completamente incomum ou horrível. Tipo, eu já conheci adultos que são como eu."

Passei e ainda passo muito tempo da minha vida em contato com a realidade dos adolescentes americanos. Antes de eu chegar a adolescência eu já gostava muito de filmes, séries e livros teen, principalmente os americanos, e isso continuou durante a minha adolescência de fato e permanece até agora, nesse limbo da vida em que eu tenho conta no banco e hora pra voltar pra casa. Embora os sentimentos da juventude sejam mais ou menos universais, o resto do universo daquelas histórias sempre foi muito diferente do meu. A graça disso está no fato de que passei tanto tempo nessa realidade paralela que é como se eu tivesse feito parte desse mundo em outra vida: tenho intrincadas em mim memórias forjadas de bailes de primavera, musicais, jogos de beisebol e festas com copos vermelhos como uma daquelas mentiras que a gente repete por tanto tempo que um dia esquece que nunca aconteceu. 

Ainda faço um post com meus filmes high school favoritos
Foi por isso que fiquei tão curiosa quando a Dayse Dantas lançou Nada Dramática, um YA brasileiro que fala sobre uma experiência de ensino médio parecida com a minha. E quando eu digo que eu vivi tudo aquilo que Camilla, a protagonista, passou, não estou exagerando: os personagens vem pra Uberlândia fazer o vestibular da UFU! Nunca imaginei que leria uma história assim que não fosse em um post do meu blog.  

O livro se passa nos últimos meses do terceiro ano de Camilla, aluna de um dos melhores colégios de Goiânia, que divide sua atenção entre os estudos obsessivos para o vestibular, os contos que posta em seu blog (livro só de histórias da Agente C: já quero), e os dramas vividos por seus amigos, os quais ela tenta não se envolver, mas nem sempre consegue. Meu ensino médio foi bem sem graça e com poucas emoções, totalmente diferente daquele que eu encontrava quando chegava em casa e ligava a TV na Warner. Não tive inimigas, rolos com colegas de sala, e nem fiz nada que rendesse papo pros outros nos corredores. E eu estudava numa dessas escolas enormes, onde eu tinha a impressão que todo mundo era muito rico e pensava muito em vestibular. 

Eu também pensava muito em vestibular, leitores antigos devem lembrar. Pensava tanto que os poucos dramas que vivi na escola estão todos associados a estresse por conta de provas e futuro, e me vi muito nos questionamentos da Camilla e de suas amigas, que ficam nesse embate entre reconhecer que o vestibular é só uma prova e não é o fim do mundo não passar, mas ao mesmo tempo não conseguem ter paz diante da possibilidade de não serem aprovadas numa federal. Aquela coisa de pensar que não é nada demais, não, imagina, mas eu vou me esforçar ao máximo pra passar só por garantia. 

Na escola onde eu estudei, o terceiro ano ficava numa unidade diferente do resto do ensino médio, o que contribuía para a sensação de que estávamos num espaço descolado do resto da realidade, em que as aulas começavam com uma contagem regressiva tétrica pro ENEM e as pessoas puxavam papo perguntando qual era a nota de corte do seu curso. Eu também ficava a tarde inteira na escola, alguns dias estudando e em outros tantos perdendo tempo jogando conversa fora nas mesinhas da cantina, jurando a cada cinco minutos que daqui a cinco minutos eu voltaria para as listas de exercícios.

Nas últimas semanas voltei a frequentar a escola que estudei porque estou trabalhando num projeto de simulação deles, que eu inclusive participei quando era aluna. E uma das etapas desse trabalho envolvia entrar na salas e fazer a divulgação do projeto, que a gente organizou como uma pequena aula sobre ONU, simulações, etc. O que eu tirei dessa experiência de quase professora foi perceber que pouca coisa mudou. Foram muitas salas, muitas turmas, mas poderia ter sido meu 1º ETA, o 2º FI ou o 3º CAPA, com os engraçadinhos do fundo, as meninas bonitinhas, os meninos bonitinhos, os caras estranhos, aquele pessoal que sempre dorme e os professores que desenham os mesmos mapas deformados nos quadros. 

Percebi também que da frente da sala o professor enxerga tudo, então queria me desculpar por todas as aulas que passei lendo ou jogando stop com meus amigos - eu poderia jurar que eles não estavam vendo. 

E embora esteja tudo absolutamente igual eu deixei três anos atrás, ao olhar aqueles alunos de moletom e cara de gripe mesmo com os quase 30º que faziam no resto da cidade, não pude me distanciar da sensação de que eu tinha vivido aquilo em outra vida muito, muito distante. A começar quando me pediram pra ir no banheiro e eu demorei um tempo pra assimilar que no ensino médio a gente tem que pedir permissão pra algo tão absolutamente banal como ir ao banheiro. Não consigo conceber uma realidade em que eu passava seis horários inteiros e intermináveis assistindo aula (e sempre tinha a possibilidade de um dia ter duas aulas de matemática e uma de física numa manhã só), com provas e simulados nos sábados e a perspectiva de tardes inteiras na midiateca pela frente. Aliás, eu acho absolutamente incrível (no sentido de ser impossível crer) que eu já tive uma carga horária pesada de matemática e física na vida, e quando lembro que passei por isso (sem pegar recuperação!) quero estender a mão pra mim mesma num gesto de autocongratulação. 

Por me sentir tão distante desse cotidiano escolar, fui surpreendida pela forma intensa com que Nada Dramática me transportou novamente para a época da escola, conseguindo superar a experiência de, literalmente, voltar para aquelas salas de aula geladas. Era apenas o quinto capítulo do livro e parecia que eu estava deitada no chão do Brooklyn, espaço que era meu ponto cego com minhas amigas - um vão no canto do pátio que parecia uma piscina vazia e um dia foi palco de arena, mas que em 2011 era o lugar onde íamos na hora dos intervalos lagartixar no sol, comer pizza e julgar as pessoas. Consigo sentir a exaustão do mundo acumulada na cabeça, a vontade de evitar ao máximo o assunto vestibular, mas ao mesmo tempo só conseguir falar disso, e também o sonho (acompanhado de medo) com o dia que lembraria daquilo como uma realidade muito, muito distante. 

Eu não fazia a menor ideia do que seria a minha vida no ano seguinte, e, assim como a Camilla, sentia que tudo era, de certa forma, uma despedida. Com razão, porque sair do ensino médio e da escola foi deixar para trás a vida da forma como eu conhecia até então para viver um outro paradigma de existência, sem matemática, sem física e sem ter que pedir permissão pra ir no banheiro. Eu já sabia disso com 17 anos, e não pude evitar um certo ressentimento comigo mesma por ter a impressão de que eu não tinha vivido aqueles anos de verdade, com todas as experiências que eu tinha direito. Afinal, eu não tinha passado anos vivendo o ensino médio indiretamente por meio de filmes, livros e séries para chegar lá e passar o tempo brincando de "o que você queria comer agora?" com meus amigos. Tinha?

O que eu mais gostei no livro foi a forma como ele me fez ver que, independentemente de dramas grandiosos e revoluções, minha experiência na escola foi significativa, única e intensa à sua própria maneira. Não foi como um filme do John Hughes ou uma série da CW, mas tive minha cota de garotas psicopatas, amores platônicos e até pequenas insurgências revolucionárias - como não lembrar do dia que minha sala se voltou contra um secretário da cidade e minha amiga apontou o dedo na cara dele citando Marx? - e eu não acho que trocaria as minhas turmas malucas (e sempre odiadas pela maioria dos professores, mas amadas pelos mais legais), as guerras contra o ar condicionado, os intervalos no Brooklyn e todas aquelas tardes em que eu jurava que a pausa para o café seria de cinco minutos, por qualquer outra história. 

"Eu quero pra sempre lembrar que essa foi uma época difícil, e frustrante, e legal, e idiota, e louca, e tudo quanto é tipo de adjetivo que existe por aí. E não quero só lembrar como nostalgia que nem o povo gosta de ficar fazendo. Eu quero manter tudo bem vivo, tudo bem real, na intensidade verdadeira das coisas. Não quero que fique preso na minha memória como uma época de completo pesadelo, ou uma época de bela juventude, eu quero tudo junto, tudo o que foi. Mas a cada segundo que eu tento lembrar, menor as coisas parecem ficar, como se eu estivesse em um balão subindo e subindo, e olhando para minha casa, tentando reconhecê-la em meio ao mundo, mas por mais que eu tente focar, ela acaba se misturando com todo o resto."

Foto favorita do terceirão, porque pelo menos um dia eu consegui ser gótica

quinta-feira, 27 de março de 2014

Breu

Ou: manifesto contra as borboletas no estômago

Quando eu era criança, costumava dizer que minha barriga escurecia. Eu falava isso sempre que meu pai descia a ladeira cheia de morrinhos que era nosso caminho de todo dia. Eu amava e odiava aquilo, e enquanto o carro subia e descia bem rápido eu punha a mão na barriga e dizia que ela estava escurecendo. Eventualmente descobri que o jeito oficial, se é que isso existe, de se definir essa sensação que não era só minha, era dizer que deu um frio na barriga. Analisando o que eu sentia com o carro na descida ou dentro daquele elevador maluco do prédio da minha bisavó que sempre dava uns trancos antes de parar, era coerente chamar aquilo de frio, já que o negrume de antes sempre vinha acompanhado de uma lufada de ar gelado que insistia em se concentrar na boca do meu estômago.

Os anos se passaram, eu li uns livros, vi uns filmes, e descobri que essa exata sensação poderia ter outro nome, ou melhor, ser outra coisa. Nada de escuro, nada de frio, o que eu sentia vez ou outra eram borboletas que freneticamente batiam suas asas dentro de mim. É uma imagem até bonitinha, mas é benevolente demais para com a realidade do que ela significa. Borboletas no estômago supostamente são acompanhadas de paixão, ansiedade, excitação, e tudo isso pode ser muito bom sim, mas não é nada delicado. Na verdade, é exatamente o contrário: se existe um troço se sacudindo dentro da barriga que eu sinto que está dançando a dança da garrafa, é porque a coisa está tão intensa na cabeça que o próprio corpo começa a emitir os seus sinais.

Não deixa de ser interessante, não deixa de ser gostoso, porque eis um sinal que estamos vivos e que dentro desse corpo bate forte até demais um coração. As borboletas, ou o frio, ou o escuro, ou tudo ao mesmo tempo agora, nos escancaram que ainda somos sensíveis e vulneráveis apesar de nossos esforços (às vezes involuntários, pois é) para que essa massa cinzenta e pesada que carregamos na cabeça dê conta de tudo, como uma governanta amargurada e muito competente.

No entanto, vocês sabem o que isso significa, né? Se aquilo que a cabeça pensa e o coração sente já é tão forte que começa a pulsar na barriga, é porque as coisas estão saindo do nosso controle. E isso pode ser assustador. Tão assustador que aquelas borboletas simpáticas de filme da Disney de repente resolvem raspar um lado da cabeça, tingir as asas de um tom fluorescente e fazer um twerk dentro de mim. De língua pra fora, obviamente. Enquanto esse espetáculo da natureza e das emoções se opera, só me resta passar o dia enxugando as mãos suadas e me conformar de que não vou conseguir comer direito tão cedo.

É isso que você ganha quando nasce com uma lua em virgem, e eu tenho certeza que aquelas princesas tinham um mapa astral melhor que o meu.



Chuck Bass não me deixa mentir. Foi ele que chegou todo atordoado para a Blair, dizendo que se sentia doente, sem conseguir comer ou dormir, como se tivesse algo flutuando dentro de seu estômago. Borboletas?, ela pergunta, e sua reação é menos iluminação romântica do que confusão e até um pouco de nervoso. Talvez aquele defina gostar que ele solta depois que ela pergunta se ele gosta dela não seja lá tão romântico como eu sempre pensei.

A verdade é que fomos enganados. Ao menos eu fui. A poesia disso - the joy of life, a condição humana, etc, etc -, materializada pela imagem de borboletas simpáticas e coloridas, vai embora sorrateiramente pela janela à medida que os alertas vermelhos anunciando a perda de controle começam a soar - mas, ao invés de luzes piscantes e sirenes, tudo que a gente tem é o escuro. E um saquinho de pão pra poder respirar bem fundo.

Montanhas-russas, toboáguas, elevadores malucos, véspera de prova, culpa, amor platônico e aquela mensagem que não chega nunca - a imagem que traduz tudo isso não tem nada a ver com uma tempestade de neve em pleno verão no meu estômago, muito menos com borboletas fazendo cosplay de Miley Cyrus dentro dele, mas sim com um buraco negro, o produto da morte de uma estrela que atrai tudo ao seu redor para uma dimensão infinita e ao mesmo tempo compacta de nada, onde o tempo para e o espaço não existe mais.


É o que a gente sente quando dá o impulso naquele escorregador enorme e percebe que em poucos segundos vem a inclinação de 90º e não temos mais pra onde correr. É o que eu sinto quando percebo que não tenho mais apetite desde que você chegou sublinhando três vezes embaixo daquele enorme e se que existe entre a gente, escancarando a realidade de que não tem nada que eu possa fazer pra atravessar do outro lado e ver qual é. É uma espiral descendente cheia de ideias erradas e paranoias que não levam a lugar nenhum. É, basicamente, um inferno. Escuro pra burro, mas isso eu sempre soube. Pelo menos eu estava certa.

Defina gostar.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Então eu assisti Breaking Bad

* Sem spoilers

E concluí que a série é isso mesmo que todo mundo andou dizendo.


Sempre desconfio de unanimidades e de melhores coisas de todos os tempos que aparecem toda semana. Coloco minhas expectativas lá no alto e invariavelmente me decepciono, mas, em se tratando de Breaking Bad, consigo imaginar Heisenberg me encarando, me pondo de joelhos, me olhando de cima e ordenando: say my name. Breaking Bad é a nova melhor série de todos os tempos, e vai ser difícil alguém lhe arrancar esse posto. 

Por causa desse meu pé atrás com tudo que parece bom demais pra ser verdade, comecei a assistir a série um dia depois do seu finale ser exibido e praticamente rachar a internet no meio. Milagrosamente não peguei nenhum spoiler (fãs de Breaking Bad são mais educados que os de Grey's Anatomy, repassem) e foi com uma vaga ideia da premissa inicial que eu conheci Walter White e deixei Vince Gilligan acabar com a minha vida. 

Sim, acabar mesmo, porque se tem uma coisa que não mudou ao longo das cinco temporadas da série foi o fato de que Breaking Bad me faz sofrer. Mas sofrer de verdade, porque eu não conseguia dormir sem saber se estava tudo bem com Jesse Pinkman (na maioria das vezes não estava) ou se a Skyler ia segurar a barra por mais um dia (sempre segurou). Desde o começo, Breaking Bad provocou em mim reações bem viscerais de amor, ódio, empatia, desprezo, tensão, nojo e profunda dúvida. E é por isso que ela é sensacional.

Amor:::::::::::::: Jesse
Vocês já devem saber, mas a premissa inicial gira em torno de um professor de Química fracassado que, depois de ser diagnosticado com câncer de pulmão em estágio terminal, decide usar seus conhecimentos para algo mais lucrativo do que ensinar estequiometria pra um monte de adolescentes entediados. Ele, com sua mente brilhante que poderia ter ganhado um Nobel, começa a produzir metanfetamina com a ajuda de um ex-aluno viciado que estava no lugar errado na hora errada, Jesse Pinkman. Basta isso pra que a partir daí Mr. White degringole numa espiral que só desce num movimento que o título intraduzível da série é perfeito para definir. A série nada mais é do que a história de Walter White breaking bad. 

A desculpa inicial é a de que ele faz isso para pagar seu tratamento e deixar algum dinheiro para sua família caso ele venha a morrer. No entanto, a série não precisa avançar até a metade pra gente ver que esse rolo todo nunca foi sobre ninguém mais além dele mesmo, seu ego, seu orgulho, sua vaidade e sua sede de poder. Histórias de ganância me encantam e repugnam ao mesmo tempo, e é o princípio por trás de vários filmes que eu adoro, como Scarface, a trilogia d'O Poderoso Chefão, Goodfellas e até O Lobo de Wall Street. Gosto desse tema porque ele dá margem pra fazer um trabalho com os personagens de forma incrível, porque é um ponto muito nevrálgico em todo ser humano: revira a gente do avesso e mostra o que existe de mais podre por trás e que é tão fácil de se identificar. 

Não é à toa que tem tanta gente sentindo peninha de Mr. White até hoje ou - não sei o que é pior - alçando o cara a um pedestal de ídolo. Uma parte desse artigo da New Yorker sobre O Lobo, Gatsby e outras histórias moralmente ambíguas discute de uma forma interessante esse tipo de fã perigoso que essas obras podem formar. Enquanto maratonei a quinta e última temporada, a acompanhei as análises que o Pablo Villaça fez episódio por episódio e, depois que um cara comentou que o Walt era um coitado porque todo mundo se voltou contra ele (ORLY), ele escreveu um texto bem interessante falando sobre o nosso fascínio pelos vilões, cuja leitura eu recomendo bastante. O Pablo pode ser um cara azedo e pedante como poucos, mas a gente pode aprender bastante com ele. 


E aí tem essa música do Switchfoot, que é tipo um dos meus mantras existenciais, que fala sobre o que realmente importa na vida. A letra diz bem claramente: where's your treasure, where's your hope if you get the world and lose your soul? e isso é bíblico (e não deixa de ser relevante se você não crê na Bíblia). Breaking Bad é uma história de um cara conseguindo o mundo e perdendo sua alma, e consequentemente despedaçando todo mundo ao seu redor. Por isso que dói e incomoda tanto - e seria bem mais fácil se o Jesse não fosse o cara mais querido, carente e adorável do universo. 

Além dessa discussão sobre moralidade, que é impecável e a narrativa da série executa de uma forma que deixam os russos enterrados emocionados, o trabalho técnico dela é absolutamente sensacional. Eu adoro um simbolismo e a série é lotada deles. Nada está ali por acaso, da roupa que os personagens usam até a forma como eles estão posicionados em cena. A questão da série com as cores é algo que me emociona profundamente pelo cuidado que a produção tem com cada mísero detalhe e pelo modo como essas peculiaridades, que passam despercebidas aos menos atentos, dá pistas para o que vai acontecer em seguida. A forma como o vermelho, o roxo, e principalmente as sombras são trabalhadas em Breaking Bad é uma coisa que dá gosto de ver.  

Se eu tivesse que explicar Breaking Bad em poucas palavras, aliás, era bem isso que eu iria dizer: dá gosto de ver. Um gosto amargo carregado de sangue, lítio e assassinatos a sangue frio, mas que entrega exatamente tudo aquilo que a gente procura numa boa série de TV, independentemente do tema, e a minoria entrega. Breaking Bad é mesmo a melhor nova série de todos os tempos, e vai ser complicado levar qualquer outra coisa a sério depois dela. 


domingo, 16 de março de 2014

Colour my life with the chaos of trouble

Cause anything's better than posh isolation

Ou: Era pra ser um resumo de fevereiro

E aí, sumida, como tá a vida? Ah, corrida.

Tudo bem com você? E as novidades? Ah, aquela correria de sempre, né?

Há mais ou menos uns três anos que eu digo pra todo mundo que minha vida está corrida. Aquela festa, aqueles filmes, aquele projeto meio abandonado, aquela série que eu nunca terminei, as pessoas com quem eu falo cada vez menos, o pilates que eu nunca mais voltei e minha festa de aniversário que nunca sai, tudo culpa do corre corre de todos dias. E é verdade, a vida está corrida mesmo. A vida é corrida. Começou no meu ano de vestibular, deu uma trégua na época da greve pra nunca mais ir embora. 

Sempre tem uma coisa atrasada que eu preciso fazer, o texto que era pra ontem, aqueles presentes em cima da minha mesa que eu nunca arrumo tempo de levar no correio, os livros russos que demandam a cabeça fresca, os livros bestas que só funcionam com as pernas pra cima, almoço sempre correndo, termino de me vestir no elevador, e independentemente da forma como eu organizo meu dia (ou talvez porque eu não me organize de jeito nenhum), sempre olho no relógio e vejo que já é uma da manhã e eu não fiz tudo o que tinha pra fazer. 

Apesar disso, estranhamente, eu aprendi a remar nessas águas turbulentas, a viver nessa bagunça. Até porque embora o ócio me conforte como ninguém, sou eu que sempre corro atrás de sarna pra me coçar. Me comprometo a desacelerar, mas quando dou por mim já me envolvi em mil e quinhentas coisas. Tenho uma professora que diz que isso é síndrome de polvo, coisa de gente que jura ter oito braços pra dar conta de tudo. E é isso mesmo, mas quando o relógio bate a primeira hora da madrugada a gente se vê com míseros dois braços e um deles quase falhando - pra não falar das pálpebras que teimam em fechar apesar dos prazos. 

A última semana foi uma bagunça. Trabalhei quase todos os dias pela manhã e as tardes ficaram para resolver todas as pendências da faculdade antes que o semestre acabasse. Saía antes das sete e voltava depois das nove até desfigurada de cansaço, meio enrolando a língua na hora de falar, sem conseguir fazer muito mais do que tomar um banho e ir direto pra cama. Mas ali no meio do caminho, enfiada na agência diagramando meu jornal pela última vez, dando um retoque naquela ilustração, ou repetindo mais uma vez aquela frase pra vinheta de rádio, eu não queria estar em outro lugar. Até arriscava em pensar que queria estar em casa, que queria dormir até mais tarde só por um dia, e que não aguentava mais entrar numa sala de aula, mas fui eu que escolhi tudo aquilo e poderia me livrar daquelas coisas com facilidade se eu realmente quisesse. 

Confrontando o que eu quero com o que eu quero mesmo dentro de mim, o resultado é sempre confuso: existe uma conta que não bate quando você percebe que o melhor pra você nem sempre é o mais simples a fazer. Como ficar em casa dormindo, por exemplo – por mais que você deseje com todas as forças do seu ser mais algumas horas de sono.

Nina Lemos uma vez escreveu numa reportagem da TPM que trabalhar muito é cafona, uma desculpa que a gente busca pra si quando quer evitar a vida. Eu fico meio ressabiada com esse tipo de opinião, porque ela esquece que não é todo mundo que pode escolher trabalhar menos e viver mais. Na verdade, quase ninguém pode. Eu queria mesmo dormir todos os dias antes da meia-noite e deitar a cabeça no travesseiro sem pensar em capa de jornal e pauta pra uma coluna, mas escolhi abraçar o máximo de oportunidades que eu tivesse enquanto ainda houvesse fôlego pra correr atrás de tudo. E descobri que quando a gente realmente quer, aqueles seis braços extras brotam nas formas mais inusitadas e dão aquela ajuda se a coisa aperta. Eu posso até sofrer um pouquinho, mas dou conta de tudo e ainda gosto disso. 

Enquanto vou fazendo o que não quero, vejo que é besteira isso de não querer. Vejo que o que me faz bem é exatamente esse rompimento com o lugar comum, com o sossego. Como quem decide ir pelo caminho contrário do óbvio de uma vida simples, acordo todo dia mais cedo só para aproveitar melhor o dia cheio de coisas que não quero fazer. Mas, será que não quero mesmo? A felicidade que vem de ver cada desafio vencido parece não fazer parte desse conjunto safado de reclamações vazias que a preguiça joga no meu colo.


Reparei hoje que não escrevi um resumo de fevereiro, talvez porque ele tenha sido rápido demais e isso não está na conta do mês que tem dois dias a menos. Fui eu que passei como um furacão por ele e não parei para ver que ele já tinha ido embora. Não há muito o que se resumir além de um monte de coisas que eu não queria fazer, mas que eu não trocaria porque sei que são elas que me levam pr'aquilo que eu quero. E agora que passou, afinal estou de férias, só fico com aquele sorriso besta de alívio que só um trabalho que vale à pena coloca no nosso rosto, que faz esquecer tudo de ruim, de corrido e de estressante que a gente viveu. Fevereiro ferveu, mas teve bão também. 

Assisti só os filmes do Oscar, ainda não terminei Breaking Bad e levei um livro com a barriga o mês inteiro só pra desistir no final, além de já ter esquecido o que ouvi. Por isso, separei três músicas para fechar esse texto que eu estou há literalmente três horas tentando concluir. 

A primeira eu ouço quando estou a beira de um colapso de nervos, ou seja, sempre: when the first cup of coffee tastes like washing up.

A segunda é uma das novas do Drive By-Truckers e diz que a vida acontece quando ninguém está olhando e (uau!!!!) ninguém está olhando agora!

E a última, cuja referência aparece logo no título, todo mundo ama repetir e é verdade que ela é super sonora e poética. Mas eu nunca tinha parado pra pensar em como ela tem a ver comigo, que sem querer querendo acabei vendo que o caos dos problemas colorem nossa vida muito mais que qualquer isolamento ou tarde inteira olhando pro teto. 

quinta-feira, 6 de março de 2014

Querida Anna,

Esse post faz parte da Blogagem Coletiva do Rotaroots, grupo criado para reunir blogueiros de raiz que sentem falta da blogosfera moleque e pé no chão. Para participar, junte-se a nós no grupo do Facebook mais cheio de nostalgia que já se teve notícia e coloque seu link no rotation. O tema desse mês é: carta aberta a meu eu de 10 anos atrás. A ideia foi da Paloma, inspirada por uma TAG vista no Hypeness.

Achei que essa ideia de escrever pra você bem a nossa cara. Você não sabe ainda, mas seu futuro livro favorito vai falar justamente a respeito de atar as duas pontas da vida - ainda não é hora de unir a adolescência à velhice, mas há pouco mais de uma semana foi nosso aniversário, eu completei vinte e você, dez. Não posso falar sobre o futuro, até porque não acredito nesses marcos pré-estabelecidos, mas posso dizer com certeza que os dez foram muito marcantes na nossa vida. Acho que foi o ano em que você começou a se transformar em mim, nos mais diversos sentidos. 

Dez anos e casualmente amarrando o casaco no pescoço porque sim
Você agora deve estar toda orgulhosa porque pode andar no banco da frente, assim como deve estar se gabando para todo mundo dois dois dígitos que sua nova idade ostenta.  Eu poderia ser romântica e óbvia e começar dizendo que é pra você ir devagar, que crescer não é tão bom assim e que é pra você curtir cada segundo dessa infância que já está indo embora. Mas eu estaria mentindo, pra mim e pra você, porque prefiro as coisas como estão. Não é nada pessoal, mas eu não daria tudo para voltar a ser você. 

Sempre que quer arranjar algum pretexto pra brigar com a gente, nosso pai diz que nós nos achamos donas do mundo e da verdade. É assim mesmo, mas nem sempre. Contudo, uma coisa que nunca mudou é que sempre fomos muito donas do nosso nariz e sempre sofremos com a dor de não poder proclamar independência ou morte sobre ele quando parece mais adequado. A gente é independente, desgarrada e gosta de tudo do nosso jeitinho, na hora que a gente quer. Essa urgência vai só crescer com o passar dos anos, e pode se preparar para passar muito tempo odiando ter que pedir dinheiro, carona e permissão. Nossa mãe ainda vai passar um bom tempo regulando sua hora de dormir e o que você deve comer, mas não fique muito brava com ela. Depois de um tempo você descobre que isso te fez uma pessoa bem melhor e vai chegar um dia em que você vai dormir a hora que quiser - o que é muito bom e muito ruim. 

Aliás, aprenda a andar de ônibus o quanto antes. Eu esperei muito tempo para fazer isso, mas eu sei que daqui uns dois anos você já vai ser esperta o suficiente para entrar no carro certo e puxar a cordinha na hora apropriada. Sério, a sua vida vai ficar bem mais fácil.

Ser dona da própria vida é muito legal, mas não fique pensando que se apoiar nos outros é uma fraqueza. Se apoie, se entregue e chore no ombro dos outros sempre que sentir vontade. Não é bonito posar de durona se for passar uma semana com o estômago doendo porque não conseguiu admitir que não estava tudo bem. Um dia você vai ver um filme que vai te ensinar que a verdadeira grandeza é levar um tombo muito grande e saber levantar. É bem mais elegante do que ficar se agarrando desesperadamente no que está ao redor, e faz com que a maior das dores doa bem menos. Não tenha medo e nem vergonha, porque você já tem as melhores pessoas do mundo do seu lado prontas pra segurar o tranco com você.


Aliás, preciso levar um papo sério sobre o medo, tanto comigo quanto com você. Pode parecer exagero meu te alertar para não se anular por conta dele, porque você ainda é uma garota ousada e corajosa, mil vezes melhor do que eu sou hoje, mas em algum ponto no meio do caminho algo ou alguém vai roubar essa coragem. Eu ainda não sei o que ou quem fez isso, mas estou te avisando de antemão que é pra você abrir os olhos e não deixar que isso aconteça de novo. Não tenha medo. Não tenha medo. Não tenha medo

Muito importante: assista O Chamado na primeira oportunidade que tiver. Eu sei que você tem pavor dessa história, mas isso só vai deixar a experiência mais emocionante. Dez anos depois você vai sonhar com esse medo delicioso e inocente que não volta nunca, e é melhor ficar umas noites sem dormir por conta dele do que assistir dando risadas desapontadas porque o filme que era a maior questão da sua vida no fundo não dá medo nenhum. 

E diga mais sim do que não - principalmente se esse não for por motivos de medo. Pense menos sobre as coisas e faça mais aquilo que te der vontade. Aceite mais convites, deixe que as pessoas cheguem até você com mais facilidade, e não se auto-sabote. Acredite em você, no seu taco e na sua intuição (nós somos muito boas nisso) e não problematize tanto. Pode ser que dê errado em algum momento, mas eu posso dizer com certeza que a gente não ganhou nada de muito relevante tentando ser perfeita o tempo inteiro. 

É mesmo pra você dizer mais sim do que não e também pra não pensar tanto sobre tudo, mas nunca faça as coisas só porque os outros estão fazendo, principalmente se você não tiver a menor vontade de fazê-lo. As pessoas vão rir de você por isso, vão te julgar e alguns amigos podem até ir embora, mas hoje eu posso dizer com certeza que a gente se livrou de vários problemas e arrependimentos que nunca precisamos nas nossas vidas. Essa coisa de só se arrepender do que não fez é uma das afirmativas mais estúpidas que eu já li. A gente vai deixar de fazer muitas coisas, mas vai ficar bem satisfeita no final. 

Pare o que estiver fazendo e vá ver Curtindo A Vida Adoidado!
Sei que disse que não queria trocar de lugar com você, mas se você tem uma vantagem gigantesca e irrecuperável sobre mim, e essa vantagem se chama tempo. Aos dez anos, little Anna, você tem todo o tempo do mundo diante de você. Aproveite ele da melhor forma que puder, quando e com o que quiser. Isso significa gastá-lo lendo todos aqueles livros, vendo e revendo todos aqueles filmes e desenhos, aprendendo o que estiver pela frente: piano (vai que ainda dá tempo), desenho, HTML e PHP. Aos 20 você ainda vai querer ler muita coisa, assistir e reassistir um monte de filmes, você vai querer voltar a ver desenho e voltar para as aulas de ballet, mas não vai poder porque não tem tempo. E isso às vezes é muito frustrante. Por isso, termine logo O Diário da Princesa e dê um jeito de começar Desventuras Em Série. Até hoje quero encarar essas séries, mas nunca encontro tempo para mais de vinte livros infantojuvenis de uma vez. 

O que mais eu posso te dizer? Relaxe e aprenda a rir de si mesma - nossa vida ficou muito mais fácil depois disso. Não espere tanto pra cortar o cabelo curto e nem pra ficar ruiva (sei que você nunca pensou nisso antes, mas vai por mim). Compre aquela camiseta amarela do Strokes, não deixe de ir naquele show da Amy Winehouse e nem de comprar o ingresso pro One Direction. Sério. Mesmo. E não tenha vergonha de gostar do que você gosta e de fazer o que você faz, mesmo que riam porque você sempre é a aluna que pega mais livros da biblioteca, mesmo que digam na escola que no fim de semana você decora a gramática, e nem pense em desistir do seu blog quando suas amigas pararem de achar isso legal. Se eu tivesse desistido, não estaria aqui hoje falando com você. 

Confie nos nossos pais. Acredite em Deus e tenha fé. 

Lembra do nosso livro favorito, aquele que você nem conhece ainda? No começo, o protagonista diz que quer unir as duas pontas da vida porque falta a ele o principal, que é ele mesmo. Não estou fazendo isso porque não me sinto morando em mim, como dizia aquela música da Adriana Calcanhoto que eu sei que você curte. Escrevo essas palavras porque me sinto mais minha do que nunca, e isso é visceralmente verdadeiro a ponto de eu escrever uma frase brega como essa. Outro livro que um dia você vai adorar traz o protagonista olhando para uma foto dele criança e pedindo desculpas àquele menininho e se perguntando o que deu errado no meio do caminho. Eu posso até pedir desculpas por ter frustrado muitas das suas expectativas, mas não me arrependo das escolhas que me trouxeram até aqui. Você não vai fazer Medicina, mas o espírito tranquilo de uma certeza é bem melhor que isso. 

E aí tem esse outro livro que fala sobre o abismo entre o que a gente era e o que a gente se tornou, que costuma ser bem surpreendente.  Estou acenando pra você do outro lado, com os cabelos bem mais curtos, pintados de ruivo (a raiz está enorme e eu juro que faço melhor que isso, mas já te adiantei que a falta de tempo vai ser uma questão na sua vida), as unhas pintadas de preto e um cachorrinho gordo e lindo sentado nos meus pés. A gente está dizendo pra você ter coragem e vir (e vir quicando), sem pensar muito e dando risada. Não tá cem por cento, mas tá tudo bem. 

Foto por Felipe Flores
Você está feliz por andar no banco pra frente, mas hoje eu dirijo pra cima e pra baixo. Mas pelo amor de Deus, não demore tanto pra tirar carteira de motorista.

* Estão me perguntando sobre os livros que eu cito: o primeiro é Dom Casmurro, o segundo é Alta Fidelidade e o terceiro é Um Dia :)

domingo, 2 de março de 2014

Filminhos da vez #4: Oscar 2014 edition

Eis que chega aquele dia do ano pelo qual todos nós estávamos aguardando: o domingo do Oscar. Depois de semanas usando todo o tempo livre para ver os filmes (e mesmo assim sem conseguir ver tudo, pra variar) e monopolizando os papos com os amigos sobre impressões, apostas e revoltas, esse é aquele domingo maravilhoso em que a gente acorda feliz e saltitante como Monica Geller no dia do seu casamento e passa o dia inteiro na expectativa de sentar no sofá às oito da noite e só levantar as duas da manhã. 


Esse ano a temporada de premiações coincidiu terrivelmente com meu fim de semestre, o que acabou contribuindo para que eu tropeçasse nas voltas finais da maratona cinematográfica e chegasse no dia de hoje sem ter visto trêsdois, dos nove indicados a Melhor Filme. Sonho com um dia em que verei não só esses, mas também as animações, os documentários e os estrangeiros, mas acho que isso só acontecerá quando eu morar numa cidade cujos cinemas tem o mínimo de decência, já que nem o grande favorito na categoria principal chegou aqui. 

Sem mais mimimi, tecerei considerações sobre os seissete filmes que consegui ver, em ordem crescente de preferência (tentarei assistir Philomena mais tarde, caso consiga editarei o post). Preciso adicionar que achei o nível desse ano bem alto: dos nove indicados, só um (Capitão Phillips) não me interessou em nada e dos seis que eu vi só desgostei de um. Os outros cinco eu gostei demais e levarei dois como candidatos a favoritos ever em potencial 

7) Trapaça (David O. Russell, 2013):


Esse filme é minha nemesis desse ano, por ser o grande superestimado da temporada, que ainda por cima é uma versão preguiçosa e pouco interessante do meu grande favorito. Minha antipatia pelo David O. Russell não é novidade pra ninguém, mas preciso repetir que eu tenho muita raiva desse cara e queria entender qual esquema obscuro ele tem com a Academia e outros institutos para conseguir vender essas porcarias banais (e chaaaaatas) como o mais novo grande filme americano do ano. Me explica como um filme chato pra dedéu, nada original, e com tão poucos argumentos sobre os tempos atuais pode ser um favorito a roteiro. Sério. Não consegui me envolver com a história do casal de golpistas trabalhando em parceria com o FBI e só aguentei até o fim porque já tinha pago o ingresso o elenco é realmente muito carismático (Amy Adams, quero ser você e acho que você merece o Oscar que infelizmente não vai ganhar) e pela ambientação setentista maravilhosa. Deus seja louvado por todo o lamê e Electric Light Orchestra na trilha sonora. 
O que merece levar: Amy Adams como Melhor Atriz e Melhor Figurino.
O que vai levar: Corre o sério risco de levar Roteiro (gente hahahaha) e a ameaça Jennifer Lawrence papando o prêmio de Atriz Coadjuvante está sempre sobre nós. 

6) Philomena (Stephen Frears, 2013): 



Pensei bastante sobre a posição que esse filme ocupava na minha escala de estima e ainda sinto que não lhe fiz muita justiça, mas deixa eu tentar me explicar: "Philomena" é um filme que conta a história de uma mãe irlandesa em busca de seu filho, adotado contra sua vontade numa época em que as freiras do convento onde ela morava a manipularam para acreditar que era o mais justo já que o filho era fruto do pecado. 50 anos depois, com a ajuda de um jornalista meio perdido na carreira e na vida, ela sai em busca de seu Anthony. É um filme lindo, que me emocionou bastante, e eu fico muito feliz que tenha sido realizado por uma equipe britânica. Gosto demais do cinema britânico por ser contido o bastante e passar longe de exageros e xaropadas fáceis. Apesar desses postos e da atuação incrível da Judi Dench, acho que outros filmes foram mais incisivos e originais. "Philomena" não é ruim, mas é um daqueles filmes que passam todo domingo do Telecine Touch e a gente não se cansa nunca, mas não passa muito disso. Ah, a matéria de interesse humano que Martin Sixsmith iria escrever sobre a busca de Philomena Lee acabou virando um livro que eu estou com bastante vontade de ler.
O que merece levar: Judi Dench como Melhor Atriz, definitivamente.
O que vai levar: Não sei falar sobre as categorias técnicas, mas acho que nas principais ele sai de mãos abanando. 

5) Dallas Buyers Cub (Jean-Marc Vallée, 2013): 


Gostei bem mais do que imaginei que gostaria. A premissa inicial parece meio árida e pouco interessante, com a história do vaqueiro que contrai o HIV no final dos anos 80 e depois de quase morrer por causa do AZT, droga experimental de eficácia duvidosa que representava riscos para a maioria da população doente, começa a traficar medicamentos e vitaminas do México e repassá-las aos portadores do vírus membros de seu clube de compras. Mas o negócio é que a dupla Matthew McConaughey e Jared Leto está simplesmente tão ótima em seus papéis, que dá pra gente se apegar de verdade à história por causa deles, que vão além do que a superfície promete dando aos personagens um verniz de ternura que me fez chorar.
O que merece levar:  Minha torcida não é para eles, mas sei que se rolar, e é isso que todo mundo aposta, vai ser bem merecido: Matthew McConaughey e Jared Leto em Melhor Ator e Ator Coadjuvante.
O que vai levar: Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante.

4) 12 Anos de Escravidão (Steve McQueen, 2013):


Na minha monomania relacionada ao Oscar, li por aí que um filme importante não é necessariamente o melhor dos filmes. É assim que me sinto com relação a 12 Anos: reconheço a importância, entendo o frenesi, mas não consigo dizer que é o melhor dos filmes. Como disse a Taryne (aliás, beijo pra minha companheira incansável de debates cinematográficos), é um filme cheio de culpa e os americanos (e a Academia) adoram isso. Nos primeiros quinze minutos eu já estava me sentindo tão mal que pensei que não fosse conseguir terminar de ver - e o personagem do Fassbender nem tinha aparecido. A fotografia é absolutamente maravilhosa (um contraste que eu ainda não consegui decidir se é interessante ou de péssimo gosto para um filme cheio de horrores), mas a história carece um pouco de originalidade. Achei um tanto quanto clichê e maniqueísta e os personagens são pouco surpreendentes. E eu sempre vou gostar mais de fins amargos do que aqueles redentores para o espectador se sentir bem, apesar de tudo. 
O que merece levar: Jonah Hill era meu favorito para Ator Coadjuvante e num mundo ideal ele levaria, mas Michael Fassbender me deixou hipnotizada com seu escravocrata cruel e delirante. Como Atriz Coadjuvante, a deusa Lupita também é minha favorita.
O que vai levar: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz Codjuvante para a Lupitinha, se essa Academia tiver o mínimo de critério na vida. 

3) Gravidade (Alfonso Cuarón, 2013):


Eu gosto demais dessa ideia de fazer um filme no espaço que não é sobre o espaço. Quem entrou no cinema esperando explosões no céu e ameaças intergaláticas saiu desenganado - e provavelmente desmerecendo esse filmaço. O que temos é Sandra Bullock flutuando na órbita da Terra e tentando sobreviver. Não sei se aqueles que não assistiram no cinema tem noção da dimensão sensorial dessa história, que é outro dos seus grandes diferenciais: é um filme sobre sobrevivência que apela para nossos instintos mais primitivos. Como foi bom respirar diante de uma janela aberta depois dessa sessão! Além de tudo, o trabalho técnico para se recriar o ambiente mais hostil e fascinante do mundo é de se tirar o chapéu, assim como Sandra Bullock - que agora sim merecia um Oscar - sozinha em tela, atuando com movimentos limitados e passando quase 12 horas por dia dentro de uma caixa pendurada por um cabo de aço. 
O que merece levar: Melhor Direção, com Alfonso Cuarón e Melhor Atriz, com Sandrinha Bullock. Minha torcida não é deles, mas acho que merecem.
O que vai levar:  Cuarón deve ganhar o prêmio de direção, e o filme deve levar também com fotografia e outras categorias técnicas.

2) Her (Spike Jonze, 2013):


A fofoca dos bastidores é que esse filme é uma resposta de Spike Jonze à sua ex-mulher Sofia Coppola, que teria feito "Encontros e Desencontros" para contar a história do relacionamento dos dois. Se você viu os dois filmes é bem fácil fazer os paralelos - e aqui tem um link bem ótimo que faz isso pra você. Se fosse só uma história de pé na bunda e dor de cotovelo já seria ótimo, mas "Her" vai tão além! É uma história sobre nós, todos nós, e nosso medo do amor, do fracasso, e da entrega - que com as novas possibilidades facilitadas pela intermediação da tecnologia tem feito com que seja possível se relacionar sem criar laços. É um filme sobre medo e solidão, que me fez pensar que estamos muito ferrados. Embora a história gire em torno de um homem que começa a superar o divórcio se acaba se apaixonando por seu sistema operacional - que no futuro que se passa o filme atinge um nível de inteligência artificial capaz de se expandir e expressar emoções - o que dá todas as munições possíveis para pensarmos numa relação triste e unilateral, é impossível não acreditar na história de Theodore e Samantha. E eu muito sinceramente não sei o que pensar sobre isso. 
O que merece levar: Roteiro Original, e acredito que definitivamente Joaquin Phoenix e Scarlett Johanson mereciam pelo menos indicações por suas atuações - Phoenix por fazer a melhor interpretação alone, together ever e meu Deus como esse homem é sexy, e Scarlett, por não aparecer em momento nenhum, mas que faz sua presença ser sentida como uma entidade na tela. 
O que vai levar: Apesar de "Trapaça" já ter levado alguns prêmios na categoria, gosto de acreditar no critério da Academia e aposto no filme pro prêmio de Roteiro Original. 

1) O Lobo de Wall Street (Martin Scorsese, 2013):

Barrigudinho maravilhoso



Foi um dos primeiros filmes que eu assisti esse ano e já acho que seja o melhor que eu vi em 2014 e talvez o melhor que eu vá ver em muito tempo. Scorsese não brinca em serviço e chega na voadora, com o pé na porta, e conta uma história de ganância, de gente apaixonada por dinheiro pelo dinheiro, de pessoas que reagem histericamente e cultuam como um deus pagão um cara escroto e absolutamente fascinante que lhes promete que o dinheiro é o maior barato que se pode pedir da vida - e isso vem de um cara de deveria ser estudado pela ciência pela quantidade de drogas que já colocou no seu corpo. É um filme no volume máximo: muita droga, muito sexo, muitos milhões de dólares e muito engraçado. Nem sei o que dizer sobre Leonardo DiCaprio e Jonah Hill nesse filme, porque a sequência dos dois mortalmente chapados e brigando pelo telefone é uma das coisas mais absurdas, incômodas, sensacionais e hilárias que eu já assisti. As pessoas se incomodam com o fato de o filme não ter redenção alguma e que seus personagens não encontram o fim que merecem, mas como fazer isso quando o cara que inspirou o protagonista (o filme foi baseado em sua autobiografia) continua ganhando rios de dinheiro em cima de sua experiência sórdida de vida? Tio Marty e o roteirista Terence Winter também não julgam seus personagens, permitindo que eles sejam construídos de uma forma carismática que só Leozinho e Hill conseguem entregar, porque quem coloca os caras maus como caras feios, bobos e chatos está indo pelo caminho mais fácil - caminho esse que acho que a turma de "12 Anos" escolheu - e perdendo a chance de aproximar esses monstros de nós - coisa que o David O. Russell nem sabe o que é. 
Wolfie, tô contigo. Scorsese, é noix. Leozinho, me beija. 
O que merece levar: Tudo.
O que vai levar: O páreo é duro mas dá pra acreditar no Oscar de DiCaprio.