quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Estive em 1989 com o Ryan Adams e conto o que ouvimos juntos

Então o Ryan Adams regravou todo o 1989. Da Taylor Swift. O Ryan Adams. 

Não satisfeito, ele foi além: quando divulgou seu novo projeto, Ryan Adams disse que seu 1989 seria gravado "ao estilo de The Smiths", mas também inspirado no Nebraska, do Bruce Springsteen.  Parecia uma ideia péssima - logo, fiquei obcecada imediatamente.


Aos não iniciados, um pequeno contexto: quem é Ryan Adams, de onde ele vem, do que ele se alimenta? Bom, como ele próprio se define, Ryan Adams é aquele cara esquisito que resolveu regravar "Wonderwall" pra colocar no próprio disco. Foi assim que a gente se conheceu. O cover dele pra música do Oasis toca num episódio da primeira temporada de The O.C., um dos meus preferidos, aquele do dia dos namorados que termina com Seth e Summer dançando no quarto. Eu sei praticamente todas as falas desse episódio, principalmente dessa cena. Acompanhem comigo:

- You're so cheesy, Cohen!
- C'mon, I'm sweeping you off your feet

- Well, the sad part is you kind of are
(ALL THE FEELS)

Estou divagando. Voltemos ao Ryan Adams: coincidentemente ou não, o episódio se chama The Heartbreak, que é (quase) o nome de um dos discos do Ryan Adams. Aliás, o nome dos seus discos diz muito sobre a pessoa do Ryan Adams: Heartbreaker. Love Is Hell. Ele também é ótimo pra dar nome às suas músicas, vide "To Be Young (Is to be Sad, Is to be High" (good vibes) ou "Damn, Sam (I Love a Woman That Rains)". Eu amo uma mulher que chove, meu Deus!!! A gente precisa respeitar esse cara. O som dele é meio folk, country alternativo, sei lá, gêneros não são caixas fechadas, definir-se é limitar-se, etc. O importante é que ele tem esse pé no country, e o que esses cowboys sabem fazer é sofrer.

If all this love is real, how will we know?
If we're only scared of losing it, how will it last?
{If I'm a Stranger - Ryan Adams}

O Ryan Adams também está na trilha sonora mais importante de todos os tempos, que, coincidência ou não, é a minha favorita: falo, obviamente, de Elizabethtown. Ryan Adams contribui com o filme com a música "Come Pick Me Up", que toca quando a Claire e o Drew passam a noite inteira falando no telefone. 

MOMENTOS
Bom, como se não bastasse estar intimamente ligado ao meu seriado e ao meu filme preferido, o Ryan Adams produziu o disco mais recente da Jenny Lewis, minha cantora favorita, do qual eu já falei bastante por aqui. Sim, os riffs de "She's Not Me" são dele. Apreciem comigo:


Depois dessas evidências deu pra perceber que eu tenho um carinho nada gratuito pelo Ryan Adams. Eu gosto dele de verdade, acho gente boa, adoro o sofrimento brejeiro e sei apreciar um cara que sofre sem medo de ser infeliz e deixar que todo mundo saiba disso. Ele, inclusive, foi casado com a Mandy Moore, e a inspiração para gravar o 1989 veio do divórcio (parei por um momento para pesquisar sobre os dois e agora estou sofrendo com o fim de um relacionamento que até algumas semanas atrás eu nem sabia que existia). Sozinho pela primeira vez em seis anos para as festas de Natal e Ano Novo, ele enxergou uma luz nas músicas da Taylor Swift. Sua justificativa para regravar o manifesto pop da nossa melhor amiga famosa foi que, embora ele tenha achado o álbum perfeito (palavras dele, não minhas), ele sentiu que tinha algo a contribuir. Em músicas tão iluminadas e cheias de vigor, esperança, poder e juventude, ele encontrou umas notas tristes que quis explorar.

Então, com sua jaquetinha jeans, seus braços cheios de pulseiras e seu cabelo bagunçado de garoto de 15 anos, Ryan Adams, sem saber que era impossível, foi lá e fez - ou pelo menos tentou de verdade. Sei lá, eu queria um globinho de neve com o Ryan Adams dentro pra ficar balançando enquanto ele sofre e toca guitarra.

"Love is hell" ADAMS, Ryan.
Depois de uma longa espera (mentira, ele gravou isso num tempo ridículo), a pergunta que fica é: PRESTOU? Antes de responder, queria fazer algumas considerações. A primeira é que eu amo covers e isso me faz gostar automaticamente do projeto. Gosto porque acho muito interessante como uma mesma música pode soar totalmente diferente dependendo da perspectiva de quem canta. Ver o Ryan Adams interpretando Taylor Swift é duplamente interessante porque os dois vem do mesmo lugar - o country -, mas se encontram num momento totalmente diferente agora. O 1989 é o primeiro disco declaradamente pop de Taytay, e ouvi-lo através do Ryan Adams é uma forma de sabermos como ele soaria se ela ainda ostentasse a cabeleira cacheada e não tivesse trocado os vestidos rodados e o jeans rasgado por hot pants e blusas com barriga de fora.

Por outro lado, eu realmente odeio essa tendência em que artistas """sérios""" regravam músicas pop, às vezes ironicamente, com uma condescendência ridícula de quem acha que pode validar o coleguinha, acreditando que é superior só porque não é pop. Aliás, superem o pop - acho muito mais genuíno do que esses acústicos de voz rouca que não dizem absolutamente nada, só transformam as músicas dos outros (que, como em todos os outros gêneros, possui exemplares autênticos e outros enlatados) numa mesma coisa e ainda por cima tratam o trabalho alheio, por mais questionável que seja, com desrespeito. Superem.


Não acho que a ideia do Ryan Adams fosse fazer sua versão séria com selo de qualidade musical do 1989, muito menos que sua intenção fosse mostrar que olha, apesar de ser um disco pop feito por uma garota, as músicas são até que boas e vou provar isso pra vocês. Não. Achei muito genuíno tudo que ele disse sobre a Taylor e suas músicas, e acredito de verdade que seu 1989 vem de uma posição de admiração, respeito, e, principalmente, identificação - os pontos fortes do trabalho que a Taylor Swift consegue fazer. Palavras dele, não minhas: "De compositor para compositor, eu acho que ela é extraordinária. Ela trabalha duro e é realmente uma boa pessoa, e eu a admiro pra caramba. Muito disso veio do fato de eu amar não apenas seus discos, mas sua voz na música - e querer me perder nisso. E eu amo essas músicas e pensei que elas poderiam me levar a uma jornada.".

O problema é que as pessoas, meu Deus, AS PESSOAS. O disco mal saiu e já bateu errado, porque a maioria das coisas que li a respeito do disco - e olha que eu tenho um empenho pra fazer clipping de coisas relacionadas a Taylor Swift que eu não tenho nem com meu TCC - estão tratando o trabalho do Ryan Adams como a versão da Taylor Swift que elas finalmente podem admitir que gostam. Ele, o cara do country, o cara sério da guitarra e das músicas tristes, foi o salvador da pátria que corrigiu tudo que estava de errado, colocou seu selo de qualidade, e agora as donzelas podem sair da sua torre de marfim e ouvir o resultado - só pra dizer que olha, ouvindo desse jeito até que presta, sim. 


A Folha de São Paulo, no texto mais babaca e esnobe que li em muito tempo, disse que Ryan Adams "converteu Taylor Swift em gênio" ao despir suas músicas da embalagem pop pasteurizada e descartável, pra revelar que por trás de tudo ela sabe, sim, escrever. Amigo, só não sabia disso quem é limitado o bastante pra descartar um álbum só porque é pop feito por uma garota. O Mary Sue fez um paralelo bacana que eu concordo demais: não coincidência que a música pop seja considerada inferior ou superficial justamente por ser um terreno dominado majoritariamente por mulheres. É como a "literatura feminina", ou chick-lit, vista como entretenimento vazio, uma coisa bobinha para passar o tempo, porque uma mulher não pode escrever algo genuíno, de qualidade, se está escrevendo sobre seus sentimentos com bom humor - isso só se torna genuíno e digno de nota quando chega um cara com sua guitarra e com sua voz rouca e repete as suas palavras.

'Cuz darling I'm a nightmare dressed like a daydream
Porque o 1989 (eu fiz um faixa a faixa em outubro, lembra?) é isso: de novo, Taylor Swift está escrevendo sobre sua vida, suas experiências e abrindo o coração. A diferença desse disco pros outros é que dessa vez ela fala de um lugar mais empoderado, em que o amor não é mais eterno, o coração partido foi guardado numa gaveta, e ela se descobriu feliz num mundo em que não está apaixonada. Ela pisca o olho na cara de quem ouve, rebola diante dos críticos e faz piadas com a imagem que a mídia constrói dela. Ela é dona do mundo - e da própria vida - e sabe disso, celebra isso. E é por isso que o 1989 é pop em sua essência: alto, vibrante, virtuoso e divertido.

E é por isso que o Ryan Adams - embora tenha tentado, tentando com afinco, e tentando bonito - não vai chegar lá, e ele também sabe disso, celebra isso. Seu objetivo não é melhorar ou corrigir o álbum, mas sim oferecer seu ponto de vista e mostrar de que modo aquelas músicas conversaram com ele, e aí sim é mágico ver como uma mudança de perspectiva altera absolutamente tudo. Pessoalmente, não gostei de "Blank Space", muito menos de "Out of the Woods", mas achei incrível como na voz dele as músicas contam uma história completamente diferente. Taylor faz graça da sua lista de ex-namorados, Ryan Adams lamenta todos os corações que já quebrou, e todas as vezes que o seu foi quebrado. Taylor se joga numa relação incerta, mas se empolga com isso e vê uma saída no meio das árvores, enquanto Ryan aceita que não há nenhuma saída e talvez as árvores sejam mesmo os seus monstros.


Os pontos altos pra mim estão em "Style" (onde ele substitui "James Dean daydream look in your eyes" por "Daydream Nation look in your eyes", em referência ao disco do Sonic Youth), "All You Had To Do Was Stay" e "Wildest Dreams". Eu adoro como as músicas ainda mantém aquele feeling dos anos 80, essencial ao espírito do disco, mas de um lugar completamente diferente. Consigo ouvir elas tocando num filme John Hughes com muita facilidade. Realmente repudiei "Shake It Off" e acho que fui a única, mas realmente não consigo ouvir a versão sem imaginar o Ryan Adams como um tio estranho e tarado tentando falar a língua dos jovens para dar em cima das amigas da sobrinha.

Como o Stereogum colocou muito bem (a resenha deles está impecável, não deixem de ler), o que estamos ouvindo é um exercício pessoal de escrita, onde um compositor desconstrói e reconstrói o trabalho de outro para tentar entender e aprender com seu processo. Mas, ao mesmo tempo, we’re hearing a sad, lonely middle-aged man attempting to reckon, for maybe the first time, that he’s become a sad, lonely middle-aged man, and using the songs of Taylor Swift as a vehicle to do it. There’s something beautiful about that.



Eu já disse isso algumas vezes, mas o que eu mais gosto no trabalho da Taylor Swift é que ela consegue falar de coisas infinitamente pessoais e transformá-la em sentimentos universais que, quando atingem o ouvinte, se transformam em algo infinitamente pessoal - e nosso. Eu e Ryan Adams já descobrimos isso, e queria que mais pessoas pudessem ver isso também.

Alguns links para saber (e ouvir) mais:

  • Avaliação prematura que o Stereogum fez sobre o disco, e a melhor coisa que li até agora sobre ele. Queria dormir de conchinha com esse texto porque além dele chamar de psicopatas as pessoas do culto a caras-tristes-com-suas-guitarras-fazendo-cover-irônico-de-música-pop, ele ainda é um exemplo incrível de como uma resenha pode ser ao mesmo tempo lúcida, coerente e entusiasmada;
  • O A.V. Club também escreveu um texto bem bacana a respeito;
  • A New Yorker também;
  • Já indiquei o do Mary Sue também, mas vou indicar de novo porque é muito bom;
  • Entrevista bem legal e completa com o Ryan Adams sobre o projeto, com muitas coisas bacanas sobre processo criativo e composição;
  • 5 covers de músicas da Taylor Swift feita por artistas improváveis (gosto muito da do Vaccines pra "We're Never Ever Getting Back Together", que acaba sendo muito parecida com a que a Taylor está fazendo na tour 1989, e a do Screaming Females pra "Shake It Off" é diferente de tudo que eu poderia imaginar e acho que dá surpreendentemente certo);
> Perdão pela overdose de links em inglês, mas a imprensa nacional não está nem um tico interessada no assunto como nossos amigos gringos estão - e quando se interessam, é pra falar merda.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

All the lonely people

> Esse texto foi publicado originalmente na edição de agosto da Pólen, cujo tema era Identidade, mas resolvi trazê-lo pra cá primeiro porque não tenho conseguido escrever nada e ver o blog às moscas me dá aflição, e segundo porque eu realmente gosto desse texto e a final do Masterchef essa semana me fez pensar novamente sobre essa coletividade louca que é a internet. Espero que gostem. E não deixem de ler a Pólen

Lembro nitidamente do dia que a banda larga chegou na minha casa. Eu tinha 11 anos, era sexta-feira, e sem nenhum aviso prévio, quando cheguei da escola, meu pai contou a novidade. O computador chegara alguns anos antes, eu devia ter uns 6 ou 7, e durante todo esse tempo tive que conviver com a realidade torturante de uma internet discada. Era aquela coisa: quando começava a ficar bom, tinha que parar. Não é hora de criança ficar acordada, olha a conta do telefone, não tem nada pra você fazer aí, não precisa de internet pra colorir no Paint.

Mães, elas nunca entendem.

Mesmo com tão pouco, eu era absolutamente fissurada pela internet. As vizinhas tinham um computador com banda larga em casa – o irmão fazia faculdade de Sistemas de Informação e foi a primeira vez que mexi num Windows XP (achava muito revolucionário os detalhes em azul na interface, me pareciam milhões de vezes mais bonitos que o cinza triste do Windows 98) – e sempre que eu ia pra lá, implorava para mexermos no computador. Elas não viam a mesma graça que eu, então a brincadeira nunca durava tanto quanto eu queria, e na condição de visita eu era sempre a que brincava por último e a que brincava menos.

Às vezes, depois da escola, eu ia pro trabalho do meu pai e lá eu também podia usar a internet livremente. Foi lá que criei meu primeiro e-mail (alguma variação de britneyspears@bol.com.br), entrei pela primeira vez no chat Uol (nada disso que vocês estão pensando) e tentei, inutilmente, brincar no ICQ (não tinha amigos). Se não me engano, foi lá também que criei o meu primeiro blog.

                              


Então, dá pra imaginar a revolução que foi na minha vida quando a banda larga chegou em casa. As possibilidades eram tantas que acho que paralisei por alguns minutos, mais ou menos como acontece até hoje quando entro no Netflix sem nenhuma ideia do que assistir. Passei essa primeira tarde de sexta brincando no Dolls e em todos os sites de doll-maker que eu conhecia. Não tinha ninguém regulando o horário, ninguém pra jogar depois, aquele computador era meu (do meu pai) e o céu era o limite. Acho que meu objetivo era numa tarde só montar todas as possibilidades de look que o site oferecia, pra depois salvar todas as bonecas no Paint e esquecer aquilo pra sempre nos arquivos do computador.

No dia seguinte, chamei minha então melhor amiga para passar a tarde em casa e nosso objetivo era aprender a trocar o layout do Uol Blog. Não sei se vocês são dessa época, mas tinha todo um mistério envolvido. Conseguimos, trocamos o layout dos nossos blogs sei lá quantas vezes na mesma tarde, e enchemos a side bar com todas as tranqueiras que encontramos por aí, de gifs animados da Hello Kitty aos contadores misteriosos daquele site japonês (ou seria coreano?) que era o sonho de consumo de todas as meninas da época.

Alguns dias depois eu já tinha avançado algumas casas na minha vida virtual e conseguia entender HTML o suficiente pra fazer meus próprios layouts funcionarem a partir de um código base. Aos 11 anos eu já tinha baixado e crackeado um Photoshop, sabia acessar os códigos-fonte dos sites (e era através deles que eu estudava HTML), passava a maior parte dos meus dias em fóruns de blogs, internet e design, e antes dos 13 dois HDs do meu pai foram completamente apagados por razões que a razão desconhece (mas ele tem certeza que eu estava envolvida nos dois casos).

Muito bom essas fotos (e texto) no Mashable sobre os 20 anos do Windows 95
Contei toda essa história pra dizer que desde sempre sou gente da internet. Foi nessa dimensão virtual e abstrata, que ainda é um mistério pra muitos, que eu encontrei minha turma. Apesar de sempre ter tido bons amigos em todas as fases da minha vida (inclusive vários feitos por causa da internet), na internet encontrei pessoas que tinham algo que eu nunca tinha encontrado naqueles que estavam ao meu redor. Interesses específicos e particulares, e uma vontade muito grande de investir uma enorme quantidade de tempo em prêmios que julgavam quem tinha desde o layout até o link button mais bonito.

Na internet encontrei pessoas que gostavam dos mesmos filmes que eu, aqueles empoeirados na locadora que eu tinha a impressão que só eu alugava, e gente que se importava em discutir quem era melhor, Lindsay Lohan ou Hilary Duff. Era um pessoal que se ligava nas mesmas coisas que eu, coisas que na vida real ninguém entendia direito, muito menos achava graça. Eu era fã de bobagens de e-mail, que foram evoluindo para comunidades engraçadas no Orkut, os primeiros virais da internet 1.0 e que hoje se reproduzem em progressão geométrica no Twitter para renascer, com alguns meses de atraso, em memes do Facebook e correntes dos grupos de família no Whatsapp.

Uma vez parei pra pensar em coisas que faziam com que eu me sentisse conectada com o universo, e depois daquelas respostas óbvias e automáticas (mar, shows, viagens de carro), pensei em uma outra. No começo fiquei com vergonha de dizer em voz alta, mas era tão verdadeiro que não resisti: uma das coisas que mais faz com que eu me sinta conectada ao ~universo~ é participar de eventos coletivos no Twitter. Pode ser um episódio de Masterchef, o último capítulo da novela, a festa do Oscar ou jogos de futebol: assistir e comentar aquilo com mais ou menos 730 pessoas (número de pessoas que eu sigo no Twitter) faz com que eu me sinta muito conectada a algo maior.


Parece besteira? Sim. E talvez seja. Mas é real e está ali: num momento, pessoas de diferentes cidades, idades, histórias de vida e profissões param o que estão fazendo pra se concentrar em xingar o mesmo participante de reality show, fazer o maior número possível de piadas de duplo sentido envolvendo linguiça ou ainda postar o primeiro CENAS LAMENTÁVEIS da timeline diante do primeiro sinal de treta no jogo de domingo. São pessoas que um dia pararam pra pensar no emoticon de ovelha do finado MSN, e viram naquilo um humor muito peculiar. A internet sempre foi um lugar em que encontrei ressonância em coisas que por muito tempo eu pensei sozinha, mas olha só o tanto de gente com espírito de porco igual ao meu no mundo, não sou a única a shippar Draco e Gina, olha só que coisa!

Sempre que converso sobre isso com outras pessoas que são gente de internet, os relatos são muito parecidos, principalmente com relação ao início da vida virtual de cada um. O foco de interesse muda, claro – Fulano é da turma do RPG, Ciclana ia atrás de gravações raras do Oasis pra disponibilizar no Kazaa, Beltrano depois da escola era Susaninha no chat do Uol e enganava vários homens, Anna Vitória lia fanfiction e escrevia sobre a própria vida, etc – mas todo mundo encontrou ali uma espécie da casa, ponto de partida, e a vida nunca mais foi a mesma.

Fico pensando no quanto de informação de internet existe na pessoa que me tornei. Se eu não tivesse encontrado outras pessoas que escreviam, talvez nunca tivesse começado a escrever, e aí não teria feito faculdade de jornalismo, não teria o meu blog, não teria conhecido a Milena e a Lorena, e não estaria escrevendo aqui. E tudo isso começou naquela tarde de sexta, ou alguns anos antes, no meu primeiro computador cinza, e a interface triste do Windows 98.

Os adultos adoram dizer que a infância da minha geração foi menos real do que a deles, ralando o joelho e empinando pipa na rua, mas não acho as duas propostas muito diferentes. Os anos passam, as coisas mudam, mas no fundo estamos todos –eu no computador, meu pai na rua de casa, minha avó no passeio público da cidade – tateando o mundo fora do ambiente seguro das nossas casas e de tudo que conhecemos até agora, tentando encontrar ali de fora um pouco mais sobre nós, fazendo coisas que nossos pais nunca vão entender.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Diário de viagem: quando chove no Rio de Janeiro

Para ler ouvindo:


Diz-se por aí que casa é onde nosso coração está, e foi pra sentir o meu batendo perto de mim que no último feriado voltei ao Rio de Janeiro. Minha relação com essa cidade é tipo a música da Vagabanda: eu posso tentar te esquecer / mas você sempre será / a onda / que me arrasta / que me leva / pro seu mar, com a pequena diferença que eu nem tento esquecer o Rio. Mas aí acaba o dinheiro e as milhas aéreas, mas eis que surge no meu caminho um oportuno congresso acadêmico, com ônibus gratuito oferecido pela universidade. Com uma perspectiva de doze a quinze horas de viagem, de bom grado fui pois só se é jovem uma vez (e há de se tirar proveito disso em algum momento). 

A parte ruim é que choveu e fez """frio""" todos os dias. A boa é que descobri todo um outro nível de amor pela cidade, pois nem isso me tirou a alegria de estar ali - e é absolutamente adorável ver os cariocas de jaqueta de couro e botas quando faz 23 graus lá fora. 

Cheguei já levando truque de taxista, porque não existe jeito melhor de pegar a atmosfera do local. Era um senhorzinho fofo, ouvindo rádio gospel, pensei: não é essa criatura de Deus que vai ludibriar esses jovens amassados e cheios de malas, não é mesmo? E foi assim que fui parar no morro da Babilônia. Ha. Ingênua. Como alguém pensa que um prédio localizado em frente a uma estação de metrô pode ficar no alto de uma ladeira é algo que meu entendimento ainda não compreende. Depois de momentos de tensão e hostilidade, brigamos pelo preço, afloramos os ânimos, e as malas foram praticamente jogadas na calçada. 

Ah, o Rio!

cariocas não gostam de dias nublados
Depois de nos instalarmos no nosso novo lar (me sinto tão adulta alugando apartamentos em cidades estranhas)(mas ainda acho muito estranho que deixem a gente assim, sem supervisão), almoçamos na orla de Copacabana e de lá fui direto encontrar minhas pessoas. Passei o dia na Livraria Cultura da Cinelândia na companhia de Gabriela Couth, Giuliana Rebeca, e a princesa Milena, a maior carioca do mundo refugiada em São Paulo, que por uma feliz coincidência estava na cidade. Pessoas normais (meus amigos da faculdade) acham estranho a ideia de se passar a tarde inteira numa livraria, mas, sério, não tem como escapar daquele lugar. 

O xodó do Brasil é a Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, que, sim, é impressionante, linda e enorme. Mas a do Rio fica num prédio que era o antigo cine Vitória (não faço ideia do que isso significa, mas aparentemente é uma informação importante), no centro do Rio de Janeiro. Você sai do metrô, dá de cara com o Teatro Municipal, e vai andando pelas ruazinhas até chegar naquele prédio incrível em art decó, com piso antigo, a estrutura toda preservada, e livros, livros, milhões de livros. Faltam os famosos pufes com Conjunto Nacional, mas não existe nada mais convidativo que as almofadas e o carpete da seção infantil, um lugar pra se deitar e rolar a tarde inteira enquanto folheia livros caros demais pra levar pra casa. 

Dessa vez preferimos ficar no café comendo doces e incomodando as pessoas, o que é uma opção igualmente válida. Imagem forte a seguir.


No início da noite, encontramos doutora Paloma no metrô e voltamos para Copacabana, para encontrar doutora Deyse Filgueiras, outra feliz coincidência da viagem. Quais as chances de eu e minha amiga maranhense que eu não via desde maio do ano passado marcamos viagem pro mesmo lugar, no mesmo feriado? Acontecem coisas no Rio de Janeiro. A ideia era irmos ao Pavão Azul, uma atração imperdível da cidade de acordo com o conceituado blog Pudding, mas estava bem cheio e a garoa não era muito convidativa à proposta de ficar na calçada. Fomos, então, ao Cervantes comer sanduíches sem abacaxi e brindar o aniversário da Beyoncé (!) com a caipirinha mais forte do mundo (recomendo a todos). 

Como se não fosse suficiente, fomos para a praia beber mais caipirinhas. Parecia uma boa ideia no momento, como me pareceu extremamente apropriado na volta pra casa aceitar ir com os amigos para a Lapa, mesmo estando eu já alcoolizada (ou talvez justamente por isso), molhada de chuvas diversas, de short e chinelo mesmo com todos saindo de sobretudo e meia-calça. Momentos. Me aprontei em dois minutos e logo estava diante dos arcos da Lapa, desconfiada que já tinha tomado decisões mais sábias na vida.


Queria ter algo incrível a dizer sobre uma das noites mais famosas do Brasil, mas a verdade é que não aproveitei nada porque é difícil aproveitar quando se está numa turma de quinze pessoas, à meia noite, numa sexta de feriadão no fervo carioca, depois de andar o dia todo e ter passado a noite num ônibus. Eu só queria sentar. De longe parecia tudo muito legal e todos muito bonitos, e um dia eu volto lá pra contar essa história, mas passado o efeito das pingas aceitei a derrota, entrei num táxi e fui pra casa dormir - um grande clássico da minha vida.

Sábado foi dia de aproveitar a cidade com os amigos. Estava oficialmente friozinho, de modo que trajando uma calça jeans (SHAME) fomos conhecer Ipanema. Eu já tinha conhecido a praia em outra oportunidade, mas nunca passeado na orla, com calma, pelo calçadão. Encontramos um quiosque simpático onde comemos uma quantidade absurda de camarões enormes, e um peixe frito que, segundo o garçom, é o favorito do príncipe Harry. A informação carece de fontes concretas, mas algo em mim gosta de saber que eu e ele agora temos esse vínculo em forma de ômega 3 e óleo de fritura. 

De lá fomos tomar sorvete na Vero, outra recomendação certeira da Couth, e eu pude matar as saudades do maravilhoso sorvete de caramelo com flor de sal (sim, você leu certo). Além dos tradicionais, a sorveteria tem vários sabores bem diferenciados (e maravilhosos), e dessa vez experimentei também o de limão siciliano com lavanda. Invejosos dirão que tem gosto de Bom Ar, eu achei sucesso. 

A ideia era aplaudir o dia nublado no Arpoador e depois andar pela praia até o Leblon, mas fomos surpreendidos pela chuva e eu nunca fui tão humilhada na minha vida como no momento em que passei na porta do Fasano embrulhada na minha canga de bolinhas pra tentar salvar meu cabelo da chuva. Momentos, queridos, momentos.



encontre a mineira da foto (dica: é a pessoa que pisa na areia descalça mesmo estando ela molhada)


Domingo fui com Paloma, Couth, MB e Mimi na Bienal do Livro. Em comparação com a de São Paulo, achei a do Rio mais agradável, pelo simples motivo que não estava tão cheia e era possível circular pelo lugar, missão um pouco complicada lá em São Paulo. Apesar de ter passado o dia por lá acho que andamos pouco, porque não visitei a maioria das editoras até porque estava pobre pobre pobre de marré marré marré e os preços estavam absurdos e não vi a Jout Jout, mas mesmo assim me diverti explorando as baciadas de promoção com Paloma, comprei meu primeiro Alice Munro, e ainda consegui ir na sessão de autógrafos da Capitolina (um corredor polonês de meninas maravilhosas, com os livros passando de mão em mão, e ficando lindos, rabiscados, e cheios de amor no caminho). No fim das contas, acho que valeu a distância percorrida (MEU DEUS COMO É LONGE).

Por fim, na segunda, não podia ir embora sem visitar a Urca, provavelmente o lugar que faz meu coração bater mais forte em todo o Rio de Janeiro. Mesmo quando eu só conhecia a cidade por fotos, as da Urca eram minhas favoritas, e sempre que estou lá sinto algo diferente, tanto pelas lembranças acumuladas, como pelo fato de ser tudo lindo de um jeito especial.


na igreja Nossa Senhora do Brasil, aka capelinha do Roberto Carlos

as fotos na Urca são do migo talentoso Felipe Flores
Dessa vez ainda consegui dois feitos nobres: o primeiro foi vencer o Bar Urca em horário de almoço no feriado, me pendurando no balcão e negociando minhas empadas aos berros com os atendentes, mais carioca do que nunca. O segundo foi que FINALMENTE consegui encontrar as Bragas, Sarah, Debs e Ester. Seria meio ridículo ir ao Rio de Janeiro pela quinta vez e não conseguir sair com elas. Foi rapidinho, mas valeu totalmente a espera.

Quanto ao congresso, risos, dizem que foi bom. Da minha parte, só posso dizer que o Rio de Janeiro continua lindo.


Saldo da viagem:
Cariocas conquistados: 0 (uma baixa horrível nas minhas estatísticas)
Dias em que fiquei bêbada: 2
Dias em que o cabelo colaborou: -4 (não apenas não colaborou como fez questão de ficar completamente cagado todos os dias, a umidade relativa do ar é um conceito distante)
Dias em que tomei chuva: 3
Livros comprados: 2 (autocontrole, teu nome é Anna Vitória)
Reais gastos inconsequentemente: R$3689060555,58
Etapas concluídas no curso sequencial de carioquização: 3 - disputar uma empada no Bar Urca, andar por Copacabana sozinha sem me perder, levar trucão do taxista (mas perceber antes de ser muito tarde)