Vocês já repararam que hoje em dia tudo vira projeto, principalmente entre nós, que somos ~gente da internet~? Tem projeto de corrida, de ginástica, de comida saudável, de fotografia, de decoração e até de caça à Paçoquita Cremosa. Nossos pequenos desafios diários parecem muito mais relevantes e interessantes quando transformados num projeto dividido com o mundo - ou pelo menos a pequena parte dele que se importa o suficiente pra acompanhar. Nada contra, inclusive sou cheia de amigos cheios de projetos, tanto que resolvi fazer um pra chamar de meu - além de todos aqueles que não deram em nada, por isso vocês nunca ficaram sabendo.
Um dos cinco posts mais lidos do blog é um que eu falo a respeito de preconceito literário, mais especificamente sobre o preconceito direcionado ao YA. Sou contra todo e qualquer tipo de preconceito literário, que nada mais é do que você inferiorizar, julgar ou desprezar um livro pelo gênero. Isso porque no fundo, analisando esses preconceitos, a gente sempre descobre que eles tem origem em outros preconceitos maiores, que vão além do mundo editorial.
O fato de eu ser contra essa postura e de me considerar uma pessoa esclarecida com relação a isso não me impede, no entanto, de ainda carregar comigo alguns deles. Em julho desse ano, o blog Eu Li, E Agora? promoveu a semana Não Julgue Um Livro Pelo Preconceito junto com outros blogs literários, e nesses dias saíram posts muito bons sobre o preconceito literário em geral, mas também sobre vários gêneros específicos que acabam sendo rejeitados por aí de forma bem injusta. Um deles é o romance, e lendo os textos ótimos a respeito dele que surgiram, percebi que eu. nunca. tinha. lido. um. romance.
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ANNA VITÓRIA, VOCÊ ENXERGA AMOR ATÉ ONDE NÃO TEM, COMO VOCÊ NUNCA LEU UM ROMANCE????////
Tá, esse nunca aí foi mais para efeito dramático. Eu já li sim uns romances na minha vida, como livros da Jane Austen e outros do Machado de Assis na sua fase pré-realista. Se a gente for considerar os chick-lits como uma espécie de romance, sim, também já tive minha cota deles. O negócio é que eu nunca vi nenhum desses livros como um romance (talvez porque os achasse bons demais para meros romances? #questões) desse tipo em que a relação amorosa é a principal parte da premissa. Sei que essa não é a definição mais apropriada para um romance, mas era assim que minha cabeça funcionava.
E por que eu (logo eu!!!) nunca tinha dado uma chance pra esses livros? Sim, querido leitor, é isso mesmo que você está pensando: porque eu tinha preconceito.
I know, right
Por que eu tinha preconceito com romances? Eu tinha a impressão (baseada em nada concreto) que todos eram meio piegas e necessariamente machistas, sem falar que costumava ficar um pouco constrangida com cenas de sexo em livros porque achava a maioria delas (maioria do que, cara pálida, você nunca leu nenhum!) muito bregas. Percebendo a bobagem absurda e sem fundamento que era tudo isso, e motivada pelos ótimos textos que li a respeito do gênero (mais especificamente esse e esse), resolvi que passaria o mês de agosto lendo única e exclusivamente romances.
(Pra variar, Ariel Bissett fazendo uma discussão excelente, dessa vez sobre sexo na literatura, vejam vejam vejam)
E foi assim que começou essa jornada romântica particular. Foram seis livros no total, e na escolha dos títulos eu tentei explorar um pouco dos vários sub-gêneros que a gente pode encontrar dentro do romance. Coincidentemente, acabei lendo numa ordem, digamos assim, do mais quente para o mais frio: comecei com um livro declaradamente erótico e terminei com um em que o maior contato entre os personagens é um beijinho na mão. Foi totalmente aleatório, mas achei bacana o contraste.
Vamos às leituras?
1) O romance erótico: Beautiful Bastard (Christina Lauren): Passei o olho, li que tinha um casal gato e rato (meu favorito) e que era engraçado. Baixei. Nem sabia que era um romance ~erótico~, e qual foi minha surpresa quando, aos 4% da leitura, a pegação nervosa começou! Ler em inglês me ajudou a gostar mais, porque me livrou dos costumeiros encontros com termos como membro rijo, entumescido, êxtase, etc. A história? Executivo e assistente que se odeiam e se pegam, numa dinâmica bem divertida em que mesmo quando eles estão no meio do vamos ver, eles conseguem se implicar. Personagem feminina bacana e empoderada, que coloca o chefe no lugar quando ele ameaça se tornar um babaca. Não tem história além do relacionamento entre os dois, o que pode deixar o livro cansativo se você não dá cabo dele logo. É o primeiro da série Beautiful Bastard (!), que já tem três livros publicados, além de contos (?) intermediários. Não sei se continuarei, mas foi uma boa primeira experiência com um gênero que eu não conhecia e tinha preconceito. O único estigma que se manteve foi o de que livros assim tem muito sexo. Mas né.
Sim, o livro tem MUITO sexo, e isso às vezes incomoda um pouco porque no início os personagens são literalmente incapazes de ficar cinco minutos sozinhos num cômodo sem começar a se agarrar. Sim, rola todo aquele negócio de amor instantâneo, quando durante o rala e rola os dedos se entrelaçam, eles param de se chamar pelo sobrenome pra gemer o primeiro nome do outro com paixão (por que as histórias fazem um big deal tão grande com esse negócio de nome?), e aí vem a iluminação: é amor. De brega eu achei mesmo só o fim, quando a intersecção entre amor verdadeiro & erotismo atinge seu ápice e a gente pensa que certos limites metafóricos deveriam ser respeitados.
Escala pop de sensualidade: "Drunk In Love", da Beyoncé. We woke up in the kitching saying how in hell did this shit happen, oh baby?
2) O romance fofo: Álbum de Casamento (Nora Roberts): Quando a Analu me recomendou esse livro, ela me disse que ele era pra momentos em que tudo que a gente precisa é de um romance clichê e a certeza de um casamento no final. É isso que Álbum de Casamento te promete, e é isso que ele entrega. Mocinha cujos pais se divorciaram cedo, o pai se mandou e a mãe é uma manipuladora emocional que vive pulando de um casamento pro outro. Mocinha é cheia de defesas e armaduras, não acredita nesse papo de amor verdadeiro e não se imagina casada. Mocinha conhece Mocinho, rola uma química, Mocinho quer algo sério, Mocinha começa a afastar Mocinho. A gente já viu essa história antes, né? Mas tudo bem, porque o negócio desse livro é que ele é escrito de um jeito tão gostosinho que você não consegue dizer não, principalmente se o Mocinho em questão for um cara como o Carter, ex-professor de literatura de Yale que dá aula no ensino médio porque acredita nos jovens, usa óculos, é romântico, bom moço, desses pra casar e apresentar pra avó.
Ele é idealizado? Super. Mas a gente se apaixonada por ele mesmo sabendo que é um personagem tipo oldest trick in the book. A Mac já é bem mais real, e me lembrou muito a Meredith, de Grey's Anatomy. Adorei as amigas da Mac, cada uma protagonista dos outros três livros dessa série, Quarteto de Noivas, que eu pretendo ler.
Sobre questões da alcova, o contraste com Beautiful Bastard foi gritante, e comparando os dois, dá pra dizer que o sexo em Álbum de Casamento é uma coisa meio novela das oito ousadinha (tipo no primeiro capítulo, quando eles fazem de tudo pra chamar atenção). Um sexo fofo.
Escala pop de sensualidade: "Adore you", da Miley Cyrus. Apenas Mileyzinha apaixonada se querendo demais.
O romance histórico: O Duque e Eu (Julia Quinn): Apesar da vibe Jane Austen dessa edição da Arqueiro, esse é o que mais se aproxima dos romances de banca de todos que eu li. É o primeiro livro da saga da família Bridgerton: são oito (!) volumes, cada um focado em um dos irmãos. Eu não sabia nada sobre o plot, e li confiando na recomendação veemente da minha amiga Paloma, e de outras mafiosas que seguiram a dica e curtiram muito (temos até um grupo no Whatsapp para falar sobre os Bridgertons!), e mal sabia eu que o mote da história também é um desses clichês que eu adoro: plano ou aposta que sai do controle e termina em amor. No caso, Daphne e o duque Simon fizeram um plano de fingir uma corte para que assim as pessoas parassem de tentar lhes empurrar pares indesejados. Óbvio que eles vão se apaixonar nesse meio tempo, mas o caminho até que isso aconteça é bem divertido. O forte desse livro são os diálogos entre os personagens, porque a Daphne é muito espirituosa e o Simon não fica para trás nessas provocações. O livro tem várias situações divertidas, me fez gargalhar várias vezes, e é bem difícil de largar.
Com relação ao séquisso, a vibe se aproxima de minissérie ousada da Globo. É meio o que se espera de um romance histórico, e outra autora que segue o gênero, que me foi muito bem recomendada, foi a Tessa Dare.
Uma coisa que me decepcionou um bocado foi o desenvolvimento da Daphne e do Simon a partir do meio do livro. Os dois tem atitudes que eu absolutamente condenei, e achei que não foram coerentes com a forma como eles vinham sendo escritos até então. Essas falhas de caráter fizeram com que meus FEELS pelo casal diminuíssem muito. Ainda quero ler os outros livros dos Bridgertons, mas já fui alertada pelas minhas amigas que não é bom emendar as leituras, porque a fórmula da Julia Quinn cansa com o tempo.
Escala pop de sensualidade: "Best Thing I Never Had", da Beyoncé. Muita sensualização envolvida em rendas e lacinhos matrimoniais.
4) O anti-romance: Quinze Tons de Constrangimento (Ana Paula Barbi): Ana Paula Barbi, pra quem não sabe, é a Polly do Te Dou Um Dado? e do Lugar de Mulher. Gosto muito dos textos dela, e esse foi seu segundo livro que eu li - o outro foi Vacaciones, que eu gostei demais. Quinze Tons de Constrangimento é um livro curtinho que eu li enquanto tomava um café na faculdade e esperava o horário da aula, coisa de meia hora no máximo. O livro tem quinze capítulos, e em cada um deles a Polly conta um caso de algum peguete que passou em sua vida. Como tudo na vida da Polly, seus romances também são malucos, improváveis e o livro não mente quando fala de constrangimento logo no título. Algumas histórias, como a da vez que ela vomitou na boca de um cara, vão te fazer esquecer qualquer desastre romântico da sua vida e ter certeza que sempre tem alguém passando por algo pior. São casos extremamente divertidos e eu passei essa meia hora gargalhando sozinha cantina. Não tem nada de romance romântico mimimi the feels aqui, mas histórias narradas de um jeito bem engraçado, com tiradas muito espirituosas da autora. O epílogo é genial: se realmente aprendêssemos com nossos erros, eu seria um gênio.
Escala pop de sensualidade: "Wrecking Ball", da Miley Cyrus. Uma ideia genial? Um grande erro? Jamais saberemos. 5) O romance nacional de época: Senhora (José de Alencar): Pendência de anos finalmente resolvida, me apaixonei perdidamente pela história de Aurélia e Fernando. Dos livros que eu li, é o que melhor se encaixa naquilo que a Ariel fala no vídeo lá de cima, sobre uma narrativa não precisar ter sexo explícito e descritivo pra ser extremamente sensual e carregada de tensão. O maior contato entre os personagens desse livro é um único beijo, BUT THE TENSION, AND THE FEELS!!1111 Minhas tripas derreteram com uma valsa e uns olhares. Tipo aquela comunidade no Orkut: não pega ninguém, mas é cada olhada. Com todo o respeito. Outro ponto a favor de Senhora é que, considerando a época em que foi escrito (1875), é um livro extremamente progressista com relação à representação feminina, com uma protagonista muito forte e dona do próprio destino. Mesmo tendo sido escrito por um homem, também dá pra dizer que o livro possui um viés feminista forte. Essa conclusão vem de uma leitura superficial da obra, mas é uma análise que definitivamente merece ser feita. Queria muito incluir um título nacional nesse projeto, e tive dificuldades de encontrar exemplares que se encaixassem. Além de Helena e Iaiá Garcia, ambos do Machado de Assis, que eu já tinha lido, consegui pensar apenas em Senhora e A Moreninha. Perguntei pros amigos do Twitter e as sugestões ficaram entre esses títulos, sem nenhum exemplo contemporâneo. Estou viajando ou nossa literatura tem poucas histórias cujo enfoque principal é um relacionamento amoroso? Questões. Escala pop de sensualidade: "Flawless", da Beyoncé. Aurelinha mandando um BOW DOWN pra quem pensa que heroínas do século XIX não podem ser maravilhosas. 6) O romance novela das seis: As Pupilas do Senhor Reitor (Júlio Dinis): Minha avó me recomenda esse livro há anos, mas nunca dei bola. Coloquei ele na lista mais por ser um romance português, o que deixaria minha seleção mais diversa geograficamente, e no fim das contas, depois de Senhora, foi meu favorito entre todas as leituras. É um romancinho de época absurdamente divertido e delicioso, que conta a história de dois irmãos e duas irmãs, e todo mundo que se mete na vida deles. A história se passa numa aldeia portuguesa, e o clima é de novela das seis de época e de roça, com vizinhos fofoqueiros, um padre que está por trás de todos os grandes acontecimentos, e uma sociedade extremamente hipócrita, que acaba ditando o rumo da vida dos personagens. O relacionamento amoroso em questão é desses inocentes, ingênuos e castos, e é por pouco, muito pouco, que a mocinha não passa como uma rapariga romântica idealizada como tantas da época. Ainda bem que o Júlio Dinis conseguiu lhe imprimir uma substânciazinha - mas o personagem mais interessante é mesmo o mocinho Daniel. Apesar da minha edição ser brasileira, não sei se por problemas de tradução ou de propósito mesmo que o texto tem muito da estrutura e do vocabulário do português lusitano. Isso desacelera um pouco o ritmo da leitura, mas deixa as coisas ainda mais divertidas, porque li todos os diálogos com sotaque e as expressões são todas muito boas. Escala pop de sensualidade: "Love Story", da Taylor Swift. Com o padre o tempo todo na sala, difícil ir mais longe que isso. We were both young when I first saw you, etc.
Achei minha experiência super positiva, e de uma forma ou de outra, gostei de todos os livros que li. Sei que ainda tem ~nichos~ de romance que não foram contemplados, e pretendo fazer uma segunda edição em breve, só vou me dar uma folga pra ler outras coisas. Sugestões são sempre apreciadas! E pra quem tem preconceito com o gênero (ou com qualquer outro tipo de livro), fica aí meu exemplo: vá atrás dos livros e descubra se é uma questão de gosto ou preconceito (esse post ótimo explica a diferença entre os dois). É super ok não gostar de um determinado gênero literário, o que não vale é sair por aí falando que não gosta sem conhecer.
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