domingo, 31 de janeiro de 2010

Minhas cenas memoráveis.

Domingo passado a Folha Mais trouxe como reportagem de capa vários profissionais do ramo cinematográfico e entusiastas do mesmo (José Wilker, oi) para selecionarem o seu momento favorito na história do cinema, ou melhor, as cenas que sintetizam a história do cinema. As escolhas foram um tanto previsíveis, muitas até mesmo repetidas - mas nem por isso pouco louváveis: o corte do osso em "2001", os olhos do "Bebê de Rosemary", o resto vocês conferem aqui. Fato é que eu ainda tenho muitos filmes pra assistir nessa vida para precisamente dar meu pitaco sobre tal tópico, mas não posso deixar de listar aqui as minhas cenas favoritas (lembrem-se: esse é um tópico que pode ser abordado por aqui muitas vezes, me aguardem).

Já aviso, essa coisa de escolher senas (desculpa, não resisti!) é extremamente pessoal. Determinado momento que eu considero sensacional, para vocês pode ser apenas uma sequência como outras tantas. Portanto, não se decepcionem com as minhas escolhidas.

Cena inicial de "Breakfast At Tiffany's".



A verdade é que eu não consigo explicar o efeito dessa cena sobre mim. Holly (Audrey Hepburn) sai do táxi no início da manhã e anda até a loja da Tiffany's, onde passa alguns minutos contemplando a vitrine enquanto toma café da manhã. No decorrer da história, descobrimos que Holly sempre vai até a Tiffany's quando se sente triste, porque lá ela sente que nada de ruim pode lhe acontecer. Ao fundo, "Moon River" toca no instrumental. Depois de ver o filme, você percebe que essa cena resume toda a história. E aos dois minutos de filme eu já estou chorando.

Dança de Lizzie e Mr. Darcy em "Orgulho e Preconceito".


Depois de ter dito que ao contrário de sua irmã Jane - a única moça bonita da região - Lizzie era apenas razoável, e que não dançaria com ela, Mr. Darcy, no baile dado em Netherfield, de repente a convida para dançar. Nos primeiros segundos da coreografia, Lizzie já começa a alfinetar o parceiro, que responde a altura. Pouco depois, já estão discutindo, e todos os outros pares parecem sumir enquanto os dois batem de frente ao som da linda música "A Postcard To Henry Purcell". Outra cena dessas que resumem o filme inteiro. Sou perdidamente apaixonada por esse filme, pelo livro que lhe inspirou, e a cena foi filmada num ritmo tão bom que os diálogos conseguem atingir a troca de farpas intensa como mostra o livro.

Chicks Who Love Guns, em "Jackie Brown".


Esse é um filme do Tarantino que nem é tão legal assim, se comparado aos seus grande "Pulp Fiction" e "Cães de Aluguel", mas eu garanto que o tédio que bate lá para o fim desse vale muito a pena, porque a primeira cena do filme - esta - faz qualquer coisa valer a pena. Uma converse nonsense, bem errada, entre Ordell (Samuel L. Jackson), um traficante de armas, com Louis (Robert de Niro), seu novo comparsa. O vídeo que eles assistem, de mulheres de biquini com metralhadoras é o "catálogo" de Ordell. De chorar de rir, Tarantino está inteiro nessa cena.

"I'm gonna make him an offer he can't refuse", em "O Poderoso Chefão".



Essa cena, logo no começo do primeiro Poderoso Chefão nos mostra que Don Vitto Corleone não é pouca porcaria não. Um de seus afilhados, um cantor em decadência Johnny Fontane, quer realavancar sua carreira participando de um filme. O problema é que o diretor declarou que não dará o papel para Johnny sob hipótese alguma. Tom Haghen é enviado para tentar negociar, porém não obtem sucesso. Assim, don Vitto Corleone faz uma oferta irrecusável, que apresentada na cena acima. A cabeça do cavalo, que fique clara, pertencia ao cavalo mais caro da coleção do diretor. É uma cena chocante, dramática, a câmera é muito bem posicionada e a trilha não poderia ser mais apropriada. Beijo, Coppola!


"Como lo sabía!" em "Vicky Cristina Barcelona".


Penépe Cruz está fora do comum nesse filme. Talvez seja suspeita pra falar, porque eu gosto muito dela, mas se isso ajuda, acho que dois terços do meu amor por ela veio por causa de Maria Elena, a artista desequilibrada, a esposa maluca de Juan Antonio (Javier Barden - me liga!) interpretada por ela nesse filme. Ela está incrível em todo filme (inclusive ganhou o Oscar por ele. Btw, ela ter ganhado o Oscar ano passado me fez recuperar minha fé na premiação), mas essa cena é sensacional. Maria Elena e Juan Antonio viviam uma conturbada relação, se amavam perdidamente, mas brigavam como animais. Quando decidem se separar, Juan Antonio conhece a americana Cristina, uma garota sonhadora e aventureira, por quem logo se apaixona e vai morar com ele. Porém, quando Maria Elena tenta suicídio, Juan Antonio tem que cuidar dela, que no começo tem atritos sérios com Cristina. Com o tempo, elas se conhecem melhor, e todos passam a viver um cor-de-rosa romance a três. Até que Cristina, que sofre de insatisfação crônica (como Maria Elena diz) resolve ir embora, que é o que mostra a cena. Vocês tem também a impressão de que esse filme tem muito mais cara de Almodóvar do que de Woody Allen?

Quando estiver sofrendo de falta de inspiração, volto com outras cinco cenas para vocês. Espero que gostem! :)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O novo filme mais assustador de todos os tempos.

Tenho que me acostumar com essa idéia que os filmes que eu acho medonhos nunca vão ser vistos assim pela maioria das pessoas. Na verdade, tenho que me acostumar com o fato de que meu tipo de suspense - logo, meu tipo de medo - é diferente do da maioria das pessoas; e pior, ainda é o que a maioria acha bobo. Eu tenho medo do nada. Reagan vomitando meleca verde, pessoas comendo cérebros alheios e sanguinolência não me fazem cócegas, mas coloca um barulho de passos, uma porta que fecha sozinha e uma sombra repentina pra ver se eu não fico encolhida até não poder mais.

"Atividade Paranormal" foi bem isso. Fui pro cinema com a cabeça leve, afinal quando o hype é muito grande a gente desconfia (Avatar, oi), só que o filme mal tinha começado pra eu pensar comigo mesma: "o que é mesmo que eu vim fazer aqui?". Explico. "Atividade Paranormal" é um discípulo de "A Bruxa de Blair", pioneira no chamado verita-horror, aquele estilo de filme de suspense/terror normalmente feito com filmagem caseira, elenco desconhecido, aproximando aquilo ao máximo da realidade. "Cloverfield", "REC", e muitos já beberam dessa fonte, mas só "Atividade Paranormal" atingiu a excelência do primeiro, que no meu caso, é me tirar do sério.

O roteiro é bem simples, e ao mesmo tempo tão bem sacado que abre margem pra muitas coisas: uma mulher que desde criança presencia estranhos acontecimentos sobrenaturais esporadicamente, percebe que algo estranho está acontecendo novamente e então seu namorado decide comprar uma câmera para que eles possam filmar os possíveis acontecimentos. Simples assim. A primeira parte do filme é - teoricamente - bem tranquila, afinal, nada acontece. O que muitos acharam entediante, ou seja, as cenas que mostram apenas os dois dormindo, servem para criar a tensão e o constante clima de desconforto de que algo ruim pode acontecer a qualquer momento. É a mesma coisa em O Iluminado, a expectativa vai sendo criada pouco a pouco, para que de repente, BUM, "here's Johnny!". Aos poucos coisas curiosas vão acontecendo: uma porta que fecha sozinha, um barulho estranho de passos, um estranho "sonambulismo-desperto" na personagem principal, uma sombra passando de relance...


Foi o primeiro filme de suspense/terror que eu assisti no cinema. Isso contribuiu bastante, pelo menos nesse filme, acredito que não seria a mesma coisa se eu visse na tevê de casa. Por segurança, lá pela metade já me agarrei ao braço de Sofia (minha única amiga corajosa que topou me acompanhar) e esperei o circo pegar fogo. E pegou. Lá pela metade eu já estava pensando, "acho que vai bater O Bebê de Rosemary", mas a medida que as cenas finais se aproximavam, eu gritava de horror, e só pensava na Katie (personagem principal) batendo na bunda do pobre bebê em seu berço preto do Polanski. O diferencial foi que "O Bebê de Rosemary" não dá medo, dá horror, dá repulsa, dá uma sensação ruim, já o "Atividade" (somos íntimos) dá medo mesmo, pavor, me tirem daqui que essa coisa vai me pegar. Eu nunca tinha gritado no cinema. Na verdade, foi a terceira vez que gritei vendo filme. A primeira foi no susto do palhaço em "Poltergeist" e segunda no final de "Carrie - A Estranha".

Eu saí do cinema tão apavorada que meu arrepio não passava. Fiquei cerca de 15 minutos com um arrepio permanente nos braços, pernas e nuca. Meu pai foi me buscar e contando pra ele, meus olhos enchiam d'água tamanho era o horror. E olha que eu sou macho pra filmes de suspense/terror, não é qualquer coisa que me assusta. Tanto que foi a primeira vez que tive um desconforto pra dormir, eu não queria apagar a luz de jeito nenhum. Fiquei lendo poesias até não me aguentar mais de sono, para então apagar as luzes e enfiar a cara no travesseiro.

Não vou me incomodar se vocês comentarem dizendo que o filme não fez nem cócegas, ou foi bobo e entendiante. Depois da revolta de ver meu tio saindo da sala de cinema depois de ter assistido a esse filme, na sessão da meia-noite, com a sala praticamente vazia, dizendo que deu 4 no fator de medo numa escala de 0 a 10, nada mais me decepciona nessa vida.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Me escreveram.

No último dia de aula nós enchemos nossas bocas com o máximo de brigadeiros que conseguimos. A idéia era só esta, até que eu tentei falar alguma coisa, e então a brincadeira passou a ser dois retardados tentando falar com a boca cheia de chocolate derretido no meio da saliva. Só que no meio, nenhum dos dois conseguiu se manter firme no propósito e desatamos - eu e ela - a rir feito loucos. Eu cheguei a engasgar e ela começou a socar as minhas costas, achou que estivesse ajudando, pois é. Daí começou a rir ainda mais, das caras que eu fazia. Doeu pra burro. Mas foi assim. Começamos a rir e rir e rir, e depois a chorar. Foi assim mesmo rir e chorar. E nos abraçamos, chorando, porque as aulas tinham terminado, e junto com elas nossos cadernos-messenger e nossos pôneis. As playlists para cada disciplina, a amiga maluca que decorava fórmulas cantando refrões do Radiohead. Eu me lembro quando te vi pela primeira vez, sua maluca. Você estava entrando na escola, vestindo aqueles óculos que eu sempre digo que só acho bonito em você. Usava um batom vermelho, como aqueles que você e as meninas da sala trocavam no meio da aula de Química. Me lembro até hoje do professor fanho, quando resolveu mudar o rumo da aula e usou os batons de vocês para explicar a tabela periódica. Você achou que ele estivesse brincando, e ele estava falando sério. Lembra? Seus vermelhos, todos os vermelhos. Me fez ficar paranóico, porque tudo o que vejo que é vermelho, eu me lembro de você. Previsível, porque nos seus aniversários sei que qualquer coisa que der será legal, se for vermelho. Você se lembra quando conversamos pela primeira vez, Anna? Você estava escutando o cd dos Strokes e eu, ali sentado atrás de você e escutando tudo porque você escuta música no último volume (enfim!), escrevi em um pedaço de papel que a faixa que eu mais gostava era a quinta. Foram duas linhas, no máximo. O papel virou livro, sua resposta não foi resposta: foi uma resenha! Ali descobri que você entendia de música, ali fiquei com medo de você. Será que ela luta boxe? Você riu daquele jeito engraçado quando eu te contei que achava que você lutava boxe. Acho uma sacanagem tirarem a gente da escola, Anna Vitória. As coisas não funcionam assim, te obrigam a ir pra escola todos os dias - mesmo que você não queira. Você começa a achar a coisa legal, este lance de ir pra escola. Começa a curtir os professores (até os fanhos), os colegas. Na verdade você começa a amar os colegas. Nunca te falei desta coisa de amar, né. Mas sair igual a um louco pelo quarteirão, naquele sábado de manhã, para achar uma papelaria aberta só pra te comprar grafite, só pode ser amor. Sou preguiçoso pacas. Mas sacanagem, porque quando você se apega e passa a curtir a coisa pra valer, as aulas terminam tudo termina. Te jogam na rua, no meio da bagunça e é isso aí: se vira, agora. Quem é que vai me trazer músicas novas? Quem vai me fazer rir dos certos e errados de moda na hora do intervalo? Quem vai ficar repetindo que eu sou retardado? Quem vai fazer as redações pra mim e ler os malditos livros? Quem é que vai largar tudo o que está fazendo pra ir na minha casa em qualquer sábado à noite só pra se sentar ao meu lado e ficar sem dizer nada, escutando música? Nunca te contei, mas naquela noite que você foi em casa e ficamos escutando Oasis no chão do meu quarto (você babou no meu ombro), o telefone tocou, você não ouviu. Era o meu pai. Arrastei o sem fio pelo carpete do quarto e coloquei no ouvido, sem dizer nada. Eu lembro que o Oasis já estava no refrão quando ele disse que sentia muito, que não era nenhum super herói como queria ser e deveria ser, mas que me amava. Emiti lágrimas. Toda uma solenidade pra não te confessar que eu choreeeei, chorei mesmo. Lágrimas gordas e cheguei a soluçar também. Não sei, Anna. Se um dia me perguntarem o que foi que eu aprendi na escola, não vou poder mentir. O fato é que na semana seguinte eu já tinha esquecido daquela porcaria daquele logaritmo. Tudo vai pro brejo. Lembro no máximo de polaridade e apolaridade - e ainda sim porque foi você quem me explicou (comendo pizza e emendando as explicações com os refrões dos Strokes) no chão da sala da casa do seu pai. Até hoje me lembro da matéria quando canto "alone, together". Aliás, preciso cantar pra lembrar! A professora me mandou calar a boca, e eu tive que explicar pra ela que eu só lembro a matéria se cantar. Você me ensinou que tudo o que eu preciso (além de ver esta sua cara de brigadeiro derretido todos os dias) é ter uma playlist decente pra aguentar o tranco e uma boa amiga que tenha bons ombros e ótima audição. Vou continuar reclamando do mau humor da professora de Literatura. Vou continuar colando nas provas pra passar de ano e te pedindo com aquela cara de pau de sempre a resposta da questão 5 (já reparou que é sempre a quinta?). A coisa mais legal que aconteceu comigo na escola foi ter encontrado companhia para não entender nada. Mas não vou reclamar se um dia você passar a entender - o mundo, as pessoas, a Matemática, a Alice - e se quiser me contar tudo. Vou até desligar o som, pra te ouvir. Quer dizer. Se é que a tua explicação não vem no meio de alguma música. Deve ser por isso, Anna Vitória, que eu só consigo aprender com você.

Por Melissa Brienda


Este texto foi um dos presentes mais lindos que eu já ganhei. Chegou pouco depois do Natal na minha caixa de entrada, e sei que eu demorei um bocado para conseguir parar de lê-lo over and over again. Já ganhei coisas lindas nessa vida, sejam escritos ou desenhos, mas esse texto da Mel me deixou toda engasgada porque além de ser de uma delicadeza descomunal dela lembrar de todos os meus detalhes e besteiras, ela, que pessoalmente não me conhece e que há relativamente pouco tempo virou grande amiga minha das internétes, escreveu sobre mim numa perspectiva que tenho certeza que se meu melhor amigo de década já (tô velha) fosse escrever, não detalharia tanto assim. Só preciso declarar que não sou assim tão legal e que não tenho coragem (ainda!) de ir de batom vermelho pra escola. E como ela foi adivinhar que eu faço músicas para decorar a matéria? Se meus amigos toparem, um dia gravo um vídeo com a paródia da música de abertura da novela ("Sei Lá", de Tom, Miúcha e Chico) que fizemos para aprender Biologia.

sábado, 23 de janeiro de 2010

A loira do banheiro.

Falávamos de filmes de terror no caminho de volta pra casa, e eu e Pedro confessamos que morríamos de medo do banheiro do quarto de vovó. A verdade é que eu sempre tive um desconforto com banheiros, hoje é trauma superado, mas confesso que minha relutância em assistir O Chamado (o único filme que falta para eu ter assistido todos os filmes de suspense/terror que (eu acho que) valem a pena) é que eu não quero voltar a ter medo de banheiros. Começou quando eu era pequena e uma amiga, que amava histórias de terror, inventou de fazer o negócio da loira do banheiro em um dia que passamos na casa da avó dela. E assim, foram anos dessa que vos fala tremendo nas bases toda vez que entrava em um, dava descarga, lavava as mãos e saía correndo, como se realmente algo muito ruim fosse acontecer comigo lá. Ir no banheiro da escola então, se dava o azar de estar lá dentro sozinha, que aflição era aquela!

(Acho muito inteligente cena em banheiro em filmes de suspense/terror, porque se for bem feita, a pessoa invariavelmente vai se lembrar daquilo toda vez que for visitar a casinha - como dizem por aí. Até porque é um lugar onde na maioria das vezes estamos sozinhos. É a mesma linha de pensamento de Atividade Paranormal, todo mundo dorme, como não voltar à lembrança alguma cena depois que as luzes apagam?)

(um dos banheiros do filme O Iluminado)

Voltando ao banheiro da casa da minha avó, ele tem todos os elementos que dão medo: é daqueles que ficam dentro do armário (que óbviamente tem uma porta que range), tem banheira parecida com a do Iluminado, cuja cortininha na verdade é uma pedra parecida com um mármore escuro. Mas o pior de tudo é o box: ele é fechado com essa mesma pedra escura e a única abertura é a porta de vidro que nos fornece uma visão panorâmica da banheira. E além de tudo, ele tem um ponto cego, que claro, cobre uma parte da banheira, a parte que não é coberta pela tal pedra escura. E sai sangue da pia (só quem assistiu It - A Coisa vai entender). Toda vez que eu vou dormir, ou só tomar banho lá na casa da minha avó, ela sempre oferece o banheiro dela, diz que o chuveiro é muito melhor (isso é verdade), tem um espelho grandão, e mesmo que eu já tenha superado meu trauma, eu categoricamente recuso sua oferta todas as vezes.

"A gente tinha que levar a Anna no banheiro da Casa das Rosas", foi o que meu tio disse depois que confessei meu medo infantil. "Nooooooooooossa, aquilo sim é banheiro de filme de terror!", adicionou, empolgado, meu primo. Os três me descreveram minuciosamente o banheiro do lugar (que é uma casa de cultura lindíssima em São Paulo, de arquitetura antiga e formidável, bem no meio da Avenida Paulista), que tinha banheiro e pedras medonhas, todo cor-de-rosa antigo e com uma janela grande que dava para o jardim com várias árvores, cujos galhos batiam no vidro por conta do vento. E digo mais: reza a lenda que uma mulher já foi assassinada lá. Dentro da banheira. Pois ficou decidido que no domingo, aproveitando os eventos que estão acontecendo lá esse mês por conta do aniversário da cidade, iríamos lá inspecionar o banheiro.

O choque talvez não foi tão grande porque estava de dia e eu estava com meus tios e meu primo (o banheiro é só para visitação), mas ainda assim eu achei bem aflitivo. Aquelas coisas cor-de-rosas só me lembravam a casa dos velhinhos do filme O Bebê de Rosemary. O outro banheiro (que pode ser utilizado) também é bem ruim, é todo verde, e bem mais escuro que o rosa, e o pior de tudo é que o vaso sanitário fica dentro de um "puxadinho" fechado, por causa da enorme janela que dá para a varanda. Não me matou de medo, mas eu não voltaria lá sozinha e durante a noite. (Fotos: banheiro rosa e banheiro verde)

(Essa é a escada da casa. Fala que também não é cenário de filme? #Profeciafeelings)

Falando em estar lá sozinha e durante a noite, a melhor história definitivamente foi a do susto que meu tio e meu primo levaram por lá. No Halloween rolam uns eventos na casa, todos temáticos, nada mais adequado. Estava meu tio lá perambulando, quando passa pelo banheiro e dá de cara com uma mulher loira, do cabelo escorrido, vestido branco, descalça, passando batom. Disse ele que seu lado sensato repetia o tempo inteiro que ela era uma das atrizes da peça que iria ser apresentada, que estava caracterizada, que aquele era um evento de terror e blablabla. Mas confessou também que saiu dali logo, e o coração demorou a voltar ao seu ritmo normal.




(Preciso declarar antes que me apaixonei completamente por aquele lugar. O jardim é um espetáculo a parte, com roseiras (!), fonte, e tudo que um lugar lindo precisa ter. O projeto é do Ramos de Azevedo, e até que o governo tombasse o patrimônio, serviu de casa para as filhas do arquiteto. Hoje o espaço tem um grande acervo de livros, e materiais relacionados ao poeta Haroldo de Azevedo, e recebe muitas apresentações musicais, teatrais, etc. Mais informações.)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sampa.

Alguma coisa acontece no meu coração quando me encontro por lá. Não sei porém dizer o que é, sei que é algo, e sei que é no fundo do coração, parece pular todas as vezes que ando - de carro, metrô ou a pé - por aquelas ruas cheias de carros enlouquecidos, cercadas de prédios enormes e pessoas passando apressadas. Desde pequena a terra da garoa exerce um fascínio sobre mim que não sei explicar. O fato de tios muito queridos e meu primo que é mais do que irmão morarem lá talvez contribua, mas eu sempre soube que tinha algo mais, lembro muito de mim bem pequena entrando na cidade nas primeiras horas da manhã, grudada ao vidro da janela do carro, sem tirar um segundo os olhos daquilo que passava por mim e tendo certeza absoluta de que eu poderia observar aquilo pra sempre. Ou então da vez que pela manhã fui comer pastel na feira e tomar fanta uva sentada no meio fio em frente ao prédio dos meus tios com meu primo, não sei o que era, mas era e ainda é diferente.

É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas


Nos dias em que me encontrei por lá - quase duas semanas - devo ter feito tudo o que eu mais gosto de fazer nessa vida: passeios a pé pela Paulista, vi muitos filmes, assisti Friends e Twin Peaks até sair pelos olhos, conheci a Pinacoteca e a Casa das Rosas, fui em sebos e brechós, peguei a sessão da meia noite no cinema, comi comida mexicana, italiana, árabe, um bom hamburguer, andei de bicicleta no Vila-Lobos, tomei banho de chuva, desci e subi ladeiras até não poder mais, decorei o nome das ruas, aprendi a andar de ônibus (!), quase morri de alergia por causa das gatas, ganhei a confiança da gata brava dos meus tios, passei pelos botecos charmosinhos, joguei Banco Imobiliário, perdi a noção do tempo dentro da Fnac, comi a melhor torta de limão da minha vida e o resto, meus queridos, o resto é a história, que com certeza será contada aqui em alguns posts, porque vocês sabem que se tem uma coisa que eu não sou, é resumida.

E apesar de todas essas coisas boas, o principal mesmo é ainda aquela coisa, a pequena coisa que acontece no meu coração toda vez que estou por lá, que faz com que depois de dois dias que voltei de viagem, eu já esteja morrendo de vontade de voltar.

(E não preciso dizer que também chocada com tudo que está acontecendo em decorrência das chuvas. Onde é que esse mundo vai parar?)

E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Carolina

Parte 3
(parte 2)

Fazia mais frio que o normal naquele dia, e ela passou mais tempo na porta da sala de embarque, camuflada por um grande painel de recados instalado na entrada. Estava tão absorta na história que criaria para a pessoa escolhida que mal viu quando um homem sentou-se ao seu lado. Sem cerimônias, ele desatou a falar: "Então você gosta deles também, digo, das pessoas? São inspiradoras, e como. Eu venho aqui vez ou outra, sou escritor e quando a inspiração me foge, procuro-a aqui. Tantas emoções numa sala só, não acha? Gente feliz, gente triste, as pessoas disfarçam pouco por aqui". Foi pega de surpresa por um reconhecimento tão súbito, por alguém adivinhando suas atividades assim tão de repente, e acima de tudo, por saber que alguém também gostava de aeroportos, e via nas pessoas uma inspiração. "Não, não acho que as pessoas disfarçam, na verdade, acho todas óbvias demais, você não?" "De forma alguma, todos se escondem dentro de si, só mostram pro mundo aquilo que eles querem, e aqui não, a saudade, a felicidade, a tristeza de partir não pedem licença pra entrar. Alguns seguram, mas mesmo assim, denunciam-se na tentativa de conter aquilo que não se oprime. As pessoas deviam ser todas assim que nem você." "Como eu?" "É. Consigo ver-te inteira atrás desses seus olhos azuis, ainda não consegui ver porque você é tão triste, e porque você está aqui sozinha sendo assim tão bonita e aparentemente interessante; mas eu não sou tão bom assim com as pessoas." "Desculpe, mas é um engano. Eu não sou triste, e você não viu nada através dos meus olhos, que não são azuis. Com licença."

Levantou-se e saiu apressada, desviando com dificuldade das pessoas que passavam com pressa, enroscando o pé nas malas espalhadas pelo saguão. Ele não sabia de nada, ele não podia saber, ela era indecifrável e misteriosa, e de forma alguma era triste. Entrou no táxi, chorando copiosamente como há muito não fazia, como não fazia desde a vez que saíra desabalada em busca da vida, pra ver como eram as felizes pessoas que viviam. O taxista vez ou outra lançava um olhar de relance para trás, e ela já não mais se preocupava se ele a visse chorar tanto assim. Quem nunca chorou no banco de trás de um táxi definitivamente não sabe o que é sofrer. E naquele momento ela sofria, e por Deus, como doía aquilo que gritava dentro de si em alto e bom som, que ela pensava estar escondido tão bem escondido num canto escurto, que nunca mais viria à tona.

Ela demorara tanto para construir o muro em torno de si, e aquele homem, aquele homem atrevido, chegara pensando que podia pegar uma marreta e destruir tudo assim tão de repente. E ele notara seus olhos azuis. As pessoas tinham que estudá-la por um tempo para perceber as nuances anis saltando-lhe do orbe ocular branco. E ele vira assim tão fácil, e ele vira assim tão simples. Ainda lhe dissera que as pessoas disfarçam, que as pessoas mentem, que não são o que aparentam. E o que ela fazia agora com toda a transparência, todo o óbvio, todo aquele emaranhado adorável de atitudes previsíveis? Seus empregos, seus nomes, seus problemas, era tudo uma farsa? Dois anos perdidos supondo mentiras, achando que sabia de tudo enquanto não sabia de nada, regozijando-se por ser impenetrável enquanto era provavelmente a mais vulnerável que já andara por todo aquele aeroporto?

Entrou em casa, e aos tropeções retornou ao jardim. Estava todo florido, haviam lírios pomposos por todo o canto, e por quanto tempo? Alguns já ameaçavam deixar a vida, e ela nunca os notara ali, na frente de sua casa. O que mais havia perdido durante todo esse tempo que se encontrara sentada, circundada por um muro em cujas paredes ela pintara o mundo que julgava ver. Voltou para dentro de casa e arrancou das paredes todos os esboços de vidas que havia um dia criado, crendo ser verdade. Pegou enfim um papel, e para provar que todos aqueles anos não foram em vão, por uma última vez, pôs se a escrever sobre estranhos, pôs-se a escrever sobre o atrevido homem que lhe abordara mais cedo.

Não conseguia imaginar nada, todavia, tudo o que sabia era o que ele havia lhe dito antes, e ela lhe viu tão de perto, ele lhe disse tanto, e não sabia nada sobre ele.

Estava por demais entertida em criar vidas que não existiam.

Se ele lhe falava daquele jeito sem rodeios, deveria ser também sem rodeios para revelar-se. Mas, como quase toda uma vida, ele lhe passara por suas janelas azuis, e só Carolina não vira.

It's so easy to laugh
It's so easy to hate
It takes guts to be gentle and kind
Over, over
Love is Natural and Real
But not for you, my love
Not tonight, my love
(I Know It's Over - The Smiths)
FIM.

Mudei o título, viram que loucura? Mas esse "E passeia sozinha pelo aeroporto" era provisório, porque eu não tinha um título concreto. Pus porque foi dessa frase, da música "Teu Inglês" da bada Fellini, que eu tirei a idéia central. Só que tendo terminado, vejo que "Carolina" combina mais, porque eu sempre achei que a música merecia ter um conto, e essa é minha modesta homenagem à essa música tão linda do Chico Buarque.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Carolina

Parte 2
(parte 1)
No Natal isso mudava. De férias coletivas, ela ia ao aeroporto todos os dias, perambulava no meio das filas, das malas, das pessoas, com seu casaco azul turquesa traçando uma trilha própria em meio àquele monte de sobretudos pretos. Era mais difícil achar um local vazio e quieto para sentar-se, mas ao mesmo tempo, era mais fácil escapar ilesa dos olhares de curiosos e de aeromoças que achavam sua presença familiar. O movimento era tão intenso, tanto entra e sai, tantos abraços, pais de família passando com suas camisas de veraneio, prontos para abandonar o frio e aproveitar as férias num local a beira mar. Ela podia até sorrir vendo todas aquelas pessoas, tão felizes, tão convictas de seu mundo, tão transparentes, óbvias e adoravelmente previsíveis! Sentia-se afortunada por poder admirar-lhes a distância, protegida por seu redoma banhado no utópico mistério que ela mesma criara ao seu redor. Era quase como observar formigas em um terrário. A idéia de que ela estaria sempre oculta, sempre protegida, sempre sã e salva de algum olhar furtivo que pudesse lhe flagrar e então dar-lhe nome, casa, filhos e problemas imaginários. Que belo conforto era o de saber que ninguém via nada através de seus olhos e assim não poderiam fazer suposições absurdas.

Isso começara como que por acidente. Estava em casa, estava triste, estava sozinha. Acabara de voltar de um encontro com as amigas da faculdade, algumas estavam casadas, tinham filhos até, outras moraram fora, estudavam metafísica, e ela, bem, ela continuava ali. Na sua vez de falar, permaneceu calada, um tanto constrangida, não fazia idéia do que poderia dizer. Não sabia, e teve a certeza absoluta naquele momento de que era porque não vivia, apenas observava os dias passarem. Ela não fazia nada, passava os dias esperando que as horas fossem embora, esperava a hora de sair do trabalho, esperava o horário de almoço passar, esperava o noticiário acabar, e esperava a noite ir embora. Mas pessoas não poderiam saber disso, não sabiam nada sobre ela, e essa verdade, essa que lhe dóia nas entranhas, ela esconderia até de si mesma, esconderiatão fundo que até se esqueceria do dia que a perdeu. Saiu então correndo pra ver a vida, ver as pessoas vivendo, ver o mundo em sua dinâmica natural, para ver se estava perdendo algo importante, e acabou no aeroporto, observando as pessoas. E lhes adivinhando a vida, ela poderia sentir que vivia para alguma coisa.

(Continua...)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Carolina

Parte 1

A aeromoça passava apressada ajeitando o lenço ao pescoço, mas a pressa não a impediu de, por um minuto, deter seu olhar na mulher sentada no chão, olhando pra lugar nenhum. Aquilo não agradou a moça distraída, não era um olhar de surpresa, espanto ou curiosidade, mas sim um olhar de reconhecimento. Ela não gostava de ser reconhecida, e nem que as pessoas flagrassem seus hábitos, o que poderia dar-lhes a falsa sensação de que a conheciam, e isso suscitava nela um profundo sentimento de que era ordinária e previsível, e isso lhe dava nos nervos. Almoçava sempre no mesmo restaurante pois não tinha escolha, mas raramente repetia o mesmo sabor de suco e muito menos a sobremesa, não suportava o olhar gentil dos garçons querendo adivinhar suas preferências. Esse mistério que ela mesma criava em torno de si lhe dava uma confortável idéia - ainda que vã - de que era misteriosa e indecifrável, e isso confortava-lhe deveras, pois fazia-a acreditar que era tão incompreensível aos olhos alheios por vontade própria. Se contou essa mentira por tantos anos que acabou por acreditar nela.

Tinha os olhos azuis, mas era um azul escondido. Desse que não se nota facilmente. O único namorado que tivera só percebera isso depois de três meses que estavam juntos, quando depois de um minucioso exame de seu rosto, pediu-lhe que tornasse a face na direção do sol. Exclamou que os olhos eram azuis como um arqueólogo que acaba de descobrir uma arca com jóias egípcias cravejadas das famosas pedras de lápis-lazúli. Naquela semana ela terminara com o namorado, porque ele, conhecendo seus olhos azuis, tirara-lhe todo o mistério, aquele era seu segredo, o brilho extraordinário que guardava pra si com as pálpebras rijas, impedindo o mundo de apreciar tão belo contraste do azul claríssimo com os cabelos pretos e a face alva. O namorado a cobrira de azul e ela sentia-se nua diante disso. Acabou com o namoro, e não namorou mais ninguém desde então, não queria que um enamorado apaixonado descobrisse seu segredo, e a descobrisse consequentemente.

Além do restaurante, o único hábito que cultivava era o de passear pelo aeroporto. Viajava pouquíssimo, e nunca estava lá para acompanhar ou receber ninguém, não tinha particular interesse pelas lojas de souvenir e menos ainda pelo café saído da máquina de espresso antiga da única cafeteria do local. Entretanto, pelo menos uma vez por semana estava lá, porque gostava das pessoas, as achava tão transparentes e óbvias que seu passatempo preferido era sentar-se em algum canto ou da sala de embarque, ou da sala de desembarque, observá-las e adivinhar suas vidas. Os homens apressados, entediados e preocupados, eram executivos, as mulheres pomposas e perfumosas, madames, os jovens animados e cheios de mochilas, aventureiros. Essa era a típica fauna dos aeroportos, nada tão extraordinário, pois não morava em uma cidade turística, mas essas eram suas companhias semanais em momentos de devaneios solitários. Sempre ao sair, escolhia a pessoa que achara mais interessante, e escrevia sobre ela. Criava sua vida, dava-lhe nome, casa, filhos e problemas, e pendurava o texto na parede. Deitava-se na cama e dormia, com todos aqueles estranhos adoravelmente previsíveis a velá-la direto do mural.

(continua)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O dia do renovo.

A primeira segunda feira de férias carrega consigo um frescor e uma liberdade nunca antes vistas, a antiga angústia trazida pelo dia, jaz agora guardadinha no fundo de um armário, junto com livros, cadernos e restos de uma borracha já no fim. Aquele dia fora meticulosamente combinado pelos corredores da escola, o filme perfeito, os salgadinhos calóricos e o brigadeiro de panela, estaríamos assim espalhadas no sofá sem nada na cabeça.

Um probleminha operacional fez com que eu precisasse de um dvd extra, liguei logo pra você comprar quando estivesse a caminho, e claro que você não comprou, sugerindo que fôssemos juntas atrás do bendito. Os poucos quarteirões da ida foram-se logo, mas alongaram-se na volta, quando uma chuva fina, porém molhada e fria o suficiente para desalinhar-nos os cabelos e fazer-te escorregar do sapato toda hora, o que te pôs a reclamar insistentemente.

Queria um dia encontrar um sapato - que não tuas sapameias - que não te machucasse em nada. Quando eu estava com o dedo machucado, você poderia contar com os band-aids que nunca saíam da minha bolsa, íamos em um canto, fazíamos um curativo desacambrido e dava pra segurar até o resto do passeio. Meu pé sarou e o seu continuou machucando com todo e qualquer sapato que usa, fazendo com que as duas - com a maior cara de pau do mundo - cheguem ao ponto de procurar a recepcionista de uma festa para pedir-lhe um kit de primeiros socorros; no meio da festa, lá estávamos nós sentadas no sofá, penteadas, pomposas e perfumadas, e você com um pé descalço, rindo do próprio infortúnio e dizendo que é nisso que dá ter um pé lindo e delicado que todos amam, inclusive a Ilda.

Voltando ao dia da chuva, você andava se arrastando um metro e meio atrás de mim, e reclamava de um jeito chato que só você faz. Queria encurtar a distância e chegar mais rápido, inventou que queria correr: "Pois corra, Anaisa, mal consegue andar quero ver você correr nesse chão molhado" e lá saiu você, num movimento que não vou saber definir, parecia mais um burrinho manco tentando trotar, um pé escorregava, o colete rendado ameaçava cair, um tropeção e uma pisada em falso e eu já não sabia quem ria mais, se era você que escorregava, tossia, gargalhava e praguejava ao mesmo tempo, ou eu e Sofia ali atrás, já sem conseguir andar só pra rir ao ver sua tentativa frustrada de correr.

Entramos em casa e você veio direto pro meu quarto, espalhou-se na cama, jogou as almofadas no chão e se aconchegou lá como tantas outras vezes fizera, como naquela em que você dormiu enquanto eu distraída conversava com você e mexia no computador, ou na outra em que pensamos que havia um alien dentro da sua barriga e naquelas tantas em que você já pronta pra sair esperava eu me aprontar, e trocar a combinação até que eu ficasse feliz e satisfeita.

Dezesseis anos só fazendo com que os outros parassem tudo que faziam para fazer qualquer besteira que você queria, seja sair da lanchonete pra tomar sorvete na praça, seja interromper um jogo para que você vá explorar um vale, seja mudar de assunto para que você possa participar. Escrevo pra você aqui todos os anos, nesse mesmo dia em especial, e pode parecer repetitivo ficar dizendo a mesma coisa sempre, mas enquanto não sai tua biografia, ficam essas pequenas lembranças dizendo que pra sempre eu amo tanto esse teu jeito de esgruvinhar.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Socorro, virei a minha mãe!

Se por um lado a presença dos meus primos bebês aqui de visita me colocam com um pé e dois braços na infância, me fazendo assistir de livre e espontânea vontade à maratona de 50 horas do Bob Esponja, bater boca com meu primo na locadora porque queria alugar filmes infantis e ter um surto saudosista que me levou ao ponto de me oferecer para brincar de Barbie; por outro lado, meu outro pé e o resto do corpo foi arrastado para o terrível lado do mundo dos adultos, mais especificamente me fazendo virar uma cópia da minha mãe só que menos loira e com as unhas pintadas de azul.

Eles sempre vem nas férias e ficam hospedados na casa da minha avó. Para ajudá-la e também para aprovitar, praticamente me mudo para lá na semana em que eles estão aqui. Os dois - uma menina de 7 e um menino de 3 - são muito grudados comigo, ficando sob minha responsabilidade em algumas partes do dia e fazendo nascer em mim um ser insuportável que checa a cada minuto se eles já escovaram os dentes e se estão com os cabelos devidamente penteados.

No dia 31, quando Mariana saiu toda saltitante do banho, passei-lhe um rastro de onça e a fiz trazer um pente para que eu pudesse desembaraçar seus cabelos direito, alegando que seus fios estavam parecendo mais um ninho de rato. Outro dia, quando os pequenos punham o quarto a baixo, vomitei a frase: "Vamos parar com essa bagunça, os dois tratem de arrumar uma brincadeira mais sossegada, chega de folia, vamos lá montar um quebra-cabeça que eu não quero mais ouvir menino gritando e derrubando coisas aqui dentro! E tenho dito!" e tudo isso dito com uma cara de brava e um tom de voz irritantemente autoritário flagrado somente em nossas mães ao chegarem em casa e darem de cara com todos os brinquedos espalhados pelo chão da sala de visitas.

Confesso que com o pequeno Gustavinho eu sou mais mole, não sei se são as bochechas ou o pedido de casamento que ele me fez ano passado, mas assumo que demoro mais a perder a paciência com ele, deixando-o até me atacar como se eu fosse a mulher gato (ele adora Batman) e me despentear, me dar mini-socos ("toma, toma, toma gata malvada, eu sou o bátima e vou salvar got citi") e me babar inteira. Entretanto hoje, depois de ver que ele estava enrolando, enrolando, sem almoçar direito, disse-lhe com a mesma cara de louca que era melhor que ele raspasse o prato senão não iria ao McDonalds naquela tarde.

Mas acho que a pior das coisas que eu já fiz foi uma vez que Mariana me chamou pra brincar de Barbie e eu não estava nem um pouco afim, mas topei pra ela parar de me aporrinhar, só que o tempo inteiro eu deixei minha Barbie dormindo alegando que ela era catatônica. Quando questionada por ela sobre o que seria ser catatônica, mandei que ela fosse perguntar pra alguém. Isso foi horrível, horrível mesmo. Talvez pra vocês não soe tão terrível assim, mas a verdade é que eu sempre joguei na cara da minha mãe que quando ela ia brincar de Barbie comigo, punha as pobres Barbies pra dormir o dia todo, e nem se dava ao trabalhado de justificar o sono, simplesmente elas dormiam o dia todo e se eu estava achando ruim, que fosse brincar de outra coisa.

Não pensem que mamãe era malvada ou algo do tipo, mas só convivendo com criança pequena por um tempo para ver como esses comportamentos são completamente justificáveis quando se tem a paciência de um ser humano normal. Mamãe, quando eu era pequena, foi realmente implicante em se tratando de escovar os dentes, pentear os cabelos e se portar bem à mesa - coisa que toda criança parece se recusar a fazer. Hoje, porém, preciso por as mãos pro céu, porque ela melhorou muito, e até regrediu um tanto fazendo que eu me sinta muito mais adulta dentro de casa do que ela, que as vezes é um protótipo de garota de quinze anos, só que mais loira e sem as unhas pintadas de azul.