sábado, 22 de junho de 2013

Antes que eu me esqueça da minha cabeça

Pulei da cama hoje no maior clima de "Acorda, amor". Não sonhei que tinha gente lá fora batendo no portão, mas dormi com medo da dura numa muito escura viatura. Minha nossa santa criatura, essa onda de protestos está me deixando maluca. Juro pra vocês que hesitei antes de abrir o Twitter, com medo de ter notícias de um golpe ou, pior ainda, não conseguir entrar porque a rede foi suspensa. Eu sei: menos Anna Vitória, bem menos. Foi isso que repeti para mim mesma enquanto respirava fundo e tentava sossegar meu coração alarmista. Mas o negócio é que ontem eu passei o dia inteiro com medo de um golpe militar. Quem me visse na hora do almoço, mastigando rapida e nervosamente, iria jurar que eu estava a beira de uma síncope.

O que aconteceu foi antes de ir pra mesa eu tinha lido uma enxurrada de textos falando pela virada à direita percebida nas manifestações, e o que poderia resultar daquele mar de gente com palavras de ordem ambíguas. Teorias e especulações grandes, graves, mas que na minha cabeça faziam (e ainda fazem) um bocado assustador de sentido. Leio a última postagem do blog e fico abismada com o quanto tudo mudou em menos de dez dias. Na quinta era tudo coisa de marginal, na segunda eu estava em êxtase observando as pessoas na laje do Congresso Nacional, na quinta eu estava decepcionada e na sexta eu estava em pânico.  É revolução, cocaína, ou vai acabar em tristeza? Eita nóis. Que semana. 

Então a Nina Lemos postou um texto muito ótimo sobre esses dias loucos e eu me senti compreendida. Tem gente com a cabeça tão virada quanto a minha, sonhando com teorias da conspiração, sem saber se vai pra rua ou se fica em casa. Não sou a única que acorda cedo para adiantar os trabalhos da faculdade e percebe, ao meio dia, que está assistindo Globo News desde as oito da manhã, vidrada. Como ignorar tudo isso e sentar na frente do computador para fazer um fichamento? Até na Máfia, o refúgio para a maioria dos males do mundo, não conseguimos falar de outra coisa: se antes todo e qualquer tópico acaba se desvirtuando para pautas muito menos nobres, nessa última semana as postagens aleatórias inevitavelmente terminavam em manifestação. Desculpa, mas eu tenho que dividir isso. Eu sei que a gente só fala disso, mas preciso desabafar. Eu prometi que ia mudar de assunto, mas vocês viram esse texto? Ontem eu estava tão descontrolada que mandei para o meu pai uma série de links que mandavam a real sobre o que está acontecendo, porque enquanto eu mastigava nervosamente ele falava que o país tava bonito demais. Não pai, não tá, olha esse texto da Cynara, olha a socióloga, olha o Pablo Vilhaça falando em golpe com todas as letras, olha só as coisas subversivas que sua filha fica lendo! Estou com faringite e completamente sem voz desde a noite de ontem, talvez um sinal pra eu parar de espalhar pânico por aí ou uma evidência que eu ando falando tanto, sem parar, que por estar fragilizada minha gargante deu pane.

Antes que me entendam mal, o povo na rua é lindo sim. Fui para a rua na quinta, como disse que faria, e mesmo desiludida com o que encontrei por lá (pessoas agindo como se aquilo fosse micareta e não política, palavras de ordem reacionárias, hostilização de movimentos sociais, ataque a jornalistas, pessoas protestando contra a homofobia valendo-se de argumentos homofóbicos, etc, etc, etc), não deixei de arrepiar quando tive uma visão do alto de um viaduto inteiro tomado por pessoas, várias cabeças no lugar dos carros e até o vão, na parte de baixo, lotado de gente para se perder de vista, para a frente e também para trás. Foi lindo sentar numa das avenidas mais movimentadas daqui, mas deu vergonha perceber que o movimento tinha ola mas não tinha pauta. De repente começou uma correria e eu com meu sangue frio tampei o nariz e saí em debandada, me separei dos meus amigos e quando vi estava na rua de casa, transtornada, e foi tudo uma grande zoeira. Povo na rua tá bonito demais e esse texto sensato publicado no site Juntos! diz é que é lá que vamos resolver as coisas e as dúvidas, mas eu tenho medo desse gigante que parece ter tomado vodca com energético, para citar de novo a linda da Nina Lemos. 

Uma coisa boa que tiramos disso tudo é que nunca se falou tanto sobre política, o tema espinhoso que já fez vários olhos revirarem (até os meus). Eu, pelo menos, nunca quis tanto ler mais e me informar com mais propriedade sobre vários temas importantes para o nosso país, além daqueles que já chamavam a minha atenção. Percebo essa mudança na atitude de amigos e pessoas aleatórias, e estou curtindo a forma como as redes sociais tem se tornado espaço para debate e troca de ideias. Como tudo na vida, sempre tem os idiotas que quase azedam a coisa toda, compartilham sem ler, repetem sem entender, mas é para esses casos que foram criados os abençoados filtros. 

Aliás, esse papo dos idiotas ajuda a explicar o que está acontecendo. Sempre tem os idiotas. Não seja um deles e aproveite esse momento para ler mais, aprender coisas novas. Pense antes de compartilhar, procure entender o que é que você está escrevendo no seu cartaz, descubra o discurso por trás do seu grito de guerra e da sua bandeira e, como colocou bem demais minha querida amiga Isabela: Acima de tudo, quando entrar em alguma discussão não arrote ignorância com quem tiver conversando com você. Uma discussão saudável não serve pra você convencer o outro de que está certo, pode servir pra você enxergar outro parâmetro e ouvir opiniões diferentes.

Quem quiser começar a ler e se informar um pouco mais, alguns links bacanas: novamente o Don't Touch My Moleskine, que reúne tudo de melhor e mais pertinente que tem aparecido por essa internet de meu Deus; a timeline da Vivian Whiteman, jornalista de modas que sempre admirei pra caramba, e agora que tive contato com seus posicionamentos políticos, curto ainda mais; e a transcrição do discurso do Zizek (obrigada por compartilhar, Isa!), que é sobre o movimento Occupy, mas vem e muito a calhar na atual conjuntura que vivemos. Em inglês, Vanessa Bárbara e Juliana Cunha tentaram explicar a situação do país para quem está lá foraE pra dizer que não falei das flores, Tary, Mayra e Kamilla escreveram ótimos vinte centavos sobre o que está acontecendo e vale bastante a leitura. 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

A alma encantadora das ruas

A única passeata da qual fiz parte na vida foi num movimento elitista e reacionário que, se fosse maior, seria algo do tipo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Nesse nível. Em minha defesa, eu tinha 14 anos e muita titica na cabeça, fui levada pelos diretores da escola mas estava lá mesmo pelo oba-oba. O fato do meu professor mais bacana e esperto, que me ensinou tanto que até hoje lembro dele quando estudo, não ter ido junto com a gente e ainda condenado o ato em sala de aula, pouco antes de sairmos, deveria ter sido um sinal. Ainda bem que não surtiu efeito nenhum e de lembrança só mesmo a vergonha que sinto de mim hoje por estar achando tão revolucionário marchar pela cidade embaixo da garoa. 

O negócio é que eu cresci ouvindo (e às vezes até repetindo) que a minha geração, a minha época, era a da passividade, de gente que muito reclama e pouco faz, que um dia o país já teve vigor o bastante pra levar a galera pras ruas, mas que essa época já passou. Acho injusto para com alguns movimentos organizados e focalizados dizer que todo mundo está sentado de braços cruzados só reverberando queixas, mas se a gente for pensar no impacto nacional (e internacional) e numa ação única que mobilize um contingente razoável de pessoas ao mesmo tempo, é verdade que estávamos dormindo. Não consigo ver as notícias dos protestos recentes sem pensar na letra de "Quando o sol bater na janela do seu quarto", da Legião: até bem pouco tempo atrás poderíamos mudar o mundo, quem roubou nossa coragem?

Penso na letra da música e arrepio inteira ao receber uma enxurrada de tweets com fotos impressionantes provando que recuperamos nossa coragem e fomos correr atrás do que é nosso. Ver a direita voltando atrás e mudando de posição. Não importa se isso é oportunismo, estratégia, mas é um sinal de que o barulho tá alto demais. Não tenho gabarito em política e nem me sinto à vontade para analisar o quadro atual, minha bagagem é pouca e tem gente fazendo melhor do que eu jamais faria (o Don't Touch My Moleskine tem feito uma curadoria bem bacana de textos, imagens e quadrinhos a respeito dos protestos, vale a leitura!). Mas, ao mesmo tempo, não consigo ficar quieta, RTs e shares nas redes sociais não  são suficientes pra dar conta de tudo. É um movimento grande que será lembrado depois e espero que a gente não se esqueça de como tem sido bonito (apesar de eventuais e inevitáveis incidentes indesejados) e deixe isso se perder ou desvirtuar lá na frente. 

Que este post sirva então de registro e que venham mais histórias. Quinta é meu dia de ir pras ruas e estou feliz que meus netos vão saber que comecei mal nessa vida de protestos, mas tomei tenência e abracei a bandeira certa.

Gabriel Bá e Fábio Moon

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Meu primeiro namorado


Eu tinha doze anos e ele muitos a mais que eu. Eu morava em Minas e ele na Califórnia. Pra mim ele foi o primeiro, e, por muito tempo, o único. Já ele, em dois anos sei que teve três. Seth Cohen e eu nos encontrávamos diariamente aos fins de tarde, e também toda quarta-feira à noite. Os episódios se repetiam e eu via a mesma história ser contada várias vezes sem me importar, porque ele estaria ali e eu repetiria suas frases incansavelmente só pra que um dia elas saíssem da minha boca num dia qualquer, de forma espontânea, e eu me riria inteira por dentro ao ver que, tal qual ele, eu era cheia de reações alérgicas ao universo, incapaz de pronunciar a palavra “pudim” sem rir um pouquinho e que quando alguém bate na minha porta e eu não quero atender, tudo que quero era dizer: I’m busy... studying... naked.

Mesmo hoje, seis anos depois de ter assistido The OC pela primeira vez, ainda me pego suspirando por ele. Mesmo sabendo que vai dar tudo certo e ele vai conseguir levar Summer ao baile e fazer o discurso mais lindo de todos os tempos em cima do palco, ainda me aflijo enquanto ele não chega lá e diz que deveria ser o rei, porque ela é a rainha e ele a ama. E meu coração dá pulos quando Summer chega em sua casa após ter desistido de viajar para a Itália com seu então namorado e Cohen, com máscara de Homem Aranha, escorrega do telhado e eles se beijam numa das cenas mais famosas e lindas do seriado. E se eu choro de soluçar toda vez que ele se despede de Anna no aeroporto ao som de If You Leave é porque eu me identifico tanto com esse casal que parece piada, e não deixa de doer um pouquinho pensar que nem mesmo na ficção duas pessoas tão parecidas não conseguem ficar juntas.

Seth Cohen pode ter vários defeitos, e sou a primeira a concordar que muitas vezes ele é tão egocêntrico que deixa de ser engraçado, mas pra mim o pior de todos eles é não existir. Por mais patético que seja, muitas vezes encarei o teto do quarto escuro minutos antes de dormir, ouvindo Transatlanticism – um de nossos CDs favoritos – e sofri um pouquinho por saber que meu par perfeito jamais seria de verdade. Até hoje ainda acho que procuro um pouco dele em todos os caras de carne e osso por quem me apaixono. 

Não importa quantos venham, ele sempre vai ser o primeiro, e o primeiro amor é pra sempre. 


(Não tinha planejado nada pro dia de hoje, mas aí estava organizando uns arquivos no computador e encontrei esse texto, que escrevi para a edição especial de séries da zine da Irena - e hoje ainda é aniversário dela, parabéns, Irena! Achei bonitinho, achei querido, e sei lá, todo dia é um bom dia para se lembrar da existência de Seth Cohen, né?)

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Old sport


Ler livros importantes dá dor de estômago, aponta estudo. O estudo foi feito por mim, baseado na minha própria experiência, mas eu gosto de pensar que vocês também tem crises de ansiedade sempre que se aventuram a abrir os grandes livros que a humanidade já escreveu. Não consigo agir de forma despreocupada e nonchalante diante de algo que já vem carregado de muita expectativa, como é o caso dos chamados grandes clássicos, sejam eles modernos ou de todos os tempos. Porque é meio que um imperativo gostar deles, ou ao menos reconhecer a sua importância, enxergar por que, afinal, tanto se fala, estuda e escreve sobre eles. E foi nessa pilha agradável que eu abri O Grande Gatsby, o dito grande romance americano do século XX.

Demorei um mês e meio pra ler um livrinho de menos de 200 páginas, nas férias. Lia em média dois capítulos por semana, quando muito, e juro que não consigo explicar tamanha lerdeza. Não era falta de tempo ou gosto pela história. Simplesmente não lia. Até que um dia eu peguei pra ler e não sei se é coincidência o fato de ter resolvido engrenar a leitura logo no clímax da história, mas matei o resto das páginas de uma só vez, num só fôlego, e quando acabou ficou um sentimento estranho, como se eu tivesse batido a cabeça ou então acabado de acordar com uma ressaca das brabas que eu nunca tive, e aquelas linhas finais se repetindo como na imagem que o Fitzgerald evoca dos barcos batendo contra a corrente, bem teimosos, ceaselessly into the past. 

Um baita livro e eu só fui perceber a sua força no fim. A narrativa do Fitzgerald é perfeita, envolvente e constrói umas imagens muito bonitas e tristes, como num livro visual sem figuras, com domínio tão absurdo das palavras que é capaz de te fazer enxergar um sorriso singular sem necessidade de foto ou de um rosto emprestado pra servir de corpo pro espírito cheio de esperanças de Jay Gatsby. No entanto, a magnitude, o significado e a melancolia da história toda se formaram na minha frente só mesmo no final, por conta daqueles três últimos parágrafos. Quis reler o livro imediatamente porque tenho certeza que ele guarda muito mais coisas, mas até lá estou me deliciando com a maravilhosa introdução da minha edição bonitona. Obrigada Penguin Classics pelo capricho estético e por esses prefácios que deixam eu sentir o gostinho de uma aula de literatura sobre Fitzgerald. 

Terminei o livro no fim do dia e à noite fui logo assistir a uma das adaptações para o cinema, a de 1974 com o roteiro assinado pelo Coppolão. Achei a adaptação muito fiel, com uma Mia Farrow afetadíssima e insuportável, mas ok. O problema é que é isso, um filme correto que não consegue chegar lá. Li recentemente que o pecado daqueles que tentam (e falham) adaptar esse livro é o de se preocupar somente com as ações que se desenrolam (que são poucas) e esquecer da carga simbólica da história, que é o que justifica todo o status de grande romance americano do século XX


Fitzgerald lança cinzas sobre o sonho americano, principalmente, mas não só. É um troço muito universal querer algo que não se pode ter ou então achar que se pode reaver o passado, e o que esse livro faz é mostrar que o que a luz verde nos revela é uma mensagem apagada lá no fundo dizendo: nunca serão. Nem nós, nem Gatsby, nem Nick, Daisy e muito menos Tom. Um amigo meu resumiu isso de forma bem mais simples e direta: essa vida é um grande migué. Nem usando palavra por palavra do final do livro numa narração em off  essa mensagem se torna palpável no cinema, ou pelo menos os que tentaram não conseguiram chegar lá. 

Assisti ao filme do Baz Luhrmann há poucas horas e saí da sala sem opinião formada. Evitei ler qualquer coisa a respeito, mas estava mais propensa a odiar do que amar. Não amei, mas também não odiei. O filme tem muitos problemas, é grande demais, didático demais, e muito efusivo, mas não é de se jogar no lixo. Cortando quarenta minutos, o 3D e três quartos do orçamento pra se produzir aquelas festas e mantendo o Leonardo DiCaprio no papel central, poderíamos conversar. O que pra muitos xiitas é uma vantagem acaba sendo o fator que mais me incomoda, que é o da literalidade e a falta de ousadia. Quando uma história diz muito mais através do que não é dito diretamente, o pessoal do cinema tem que rebolar.

Na minha humilde opinião de quem nunca fez um filme na vida, acho que para se adaptar adequadamente o livro seria necessário que se desconstruísse a história. Menos apego à reprodução literal das falas e dos acontecimentos e mais cuidado com o espírito geral da coisa, não é possível que esses cineastas jogaram fora a cartilha do expressionismo. Falta glamour decadente, bêbados deselegantes e maquiagem borrada. Anna Karenina é um livro que até diz bastante em suas quase 900 páginas, mas é uma história muito introspectiva, com poucas ações concretas para serem transpostas para a tela. Joe Wright foi lá e misturou a estética do teatro, desconstruiu cenários e se apropriou de símbolos diversos para traduzir o que se passava no íntimo de seus personagens envoltos em novelos de âmago atormentado que só os russos costuram e olha só que filme maravilhoso ele conseguiu!

Sdds Norma Desmond!
Se uma adaptação eu fosse dirigir, um filme noir eu faria. Fiquei com essa ideia na cabeça porque o clímax do livro é muitíssimo parecido com o final de Crepúsculo dos Deuses, quem já assistiu certamente sabe do que eu estou falando. Nesse filme sensacional do Billy Wilder consegui encontrar elementos que se encaixariam muito bem na história de esbórnia e vazio do Fitzgerald, até porque ele próprio trabalha o tema da decadência e a busca desesperada pelo passado. Era isso que queria ver e Baz Luhrmann não me ofereceu, perdido demais em suas serpentinas e fogos de artifício para escurecer os quadros, dar espaço para uns solos melancólicos de saxofone e deixar a megalomania de lado para lembrar que ninguém ali estava se divertindo de verdade. Deveriam ressuscitar o Billy Wilder para fazer uma adaptação definitiva, porque ele sabe o caminho das pedras. 

 Só não tirem o Leonardo DiCaprio da frente da tela, por favor.


segunda-feira, 3 de junho de 2013

Nunca quis dirigir

(Me senti contemplada nesse post da Analu e resolvi escrever uma resposta, ou só a minha versão da mesma problemática)

O título desse post não seria necessário se eu simplesmente dissesse que dei entrada no processo pra começar a tirar carteira de motorista em agosto do ano passado e até hoje não tenho ela em mãos. Ele se torna ainda mais redundante quando conto que mesmo passando na prova de primeira, comecei as aulas práticas em fevereiro e terminei as horas obrigatórias só semana passada. Eu basicamente redefino todo o parâmetro pra lerdeza que existe no mundo e não, nunca quis dirigir, mas segunda-feira passada, depois de duas horas fazendo baliza, resolvi que está na hora de colocar um fim nessa história.

A primeira vez que sentei do lado do motorista na vida foi num mini New Beetle no Parque da Mônica, num brinquedo chamado Cidade dos Carrinhos. Na minha época ele era um percurso circular pelo qual você ia dirigindo feliz da vida. Eles te davam uma carteira com pontos pra perder e tudo. Eu perdi a minha antes de conseguir dar meia volta. Pior ainda, perdi minha carteira de mentira antes mesmo de conseguir sair com o carro. Quando tentava fazer isso, arrancava pra frente e batia. Então eu dava ré e batia de novo, e nesse vai e vem patético eu fiquei até que alguma pessoa com bom senso achou melhor me tirar de lá.

Antes da minha primeira aula, imaginei que, uma vez no comando de um carro, eu seria representada por:

a) Sheldon Cooper


b) Annie Hall


Nem um nem outro, minha primeira semana me mostrou que sou uma motorista surpreendentemente equilibrada. Claro que estou desconsiderando dois pequenos incidentes:
  1. A primeira vez que um carro chegou perto de mim, logo na primeira aula. Fiz o que qualquer pessoa sensata faria: à moda dos tempos que eu era goleira de handbol na aula de educação física, gritei e me encolhi no banco como se um balaço errante fosse me atingir com tudo na cabeça. O instrutor achou melhor esperar mais um pouco antes de me levar pra cidade.
  2. A primeira vez que dirigi no centro da cidade: início da segunda semana de aula, meu aniversário, véspera de prova. Estava nervosa, deprimida e desconcentrada e passei a aula inteira errando tudo. Meu instrutor, cheio de tato, passou uma hora dizendo que eu tinha regredido no aprendizado e era como se eu tivesse esquecido tudo que aprendi na semana anterior. Como se não bastasse, ele achou de bom tom me levar pro centro às 8h da manhã e eu, com a cabeça em outro mundo como estava, só fui perceber já no olho do furacão. Eu pedi calmamente umas duas vezes pra parar o carro e trocar de lugar com ele, que ficava me dizendo que ali não tinha como parar. Então eu comecei a berrar. Cena de novela mesmo, eu urrando QUERO SAIR DAQUI, ME TIRA DAQUI, VOU PARAR NO MEIO DA RUA e ele do outro lado, ajudando horrores PASSA A MARCHA, OLHA O RETROVISOR, DÁ A SETA, PISA NA EMBREAGEM DIREITO. Cheguei na garagem cuspindo meu coração e mantive a vibe novelística: bati a porta do carro quando desci e a única coisa que disse pra ele antes de ir embora foi que eu estava indo pra casa ter um ataque do coração, porque dá pra citar Pulp Fiction até nas horas mais difíceis. Não tive um ataque do coração, mas chorei por horas quando cheguei em casa. Um dia feliz na vida das minhas inimigas.
Depois dessa gritaria no trânsito, discuti seriamente minha relação com o instrutor, disse que não gostava de ser pega de surpresa e não suportava que fossem condescendentes comigo. Ele pediu desculpas, passou a me avisar antes de ter qualquer ideia extraordinária e parou de falar comigo como se eu fosse uma garotinha retardada. O resto das aulas se desenvolveram na santa paz do Senhor, dirigi à noite, dirigi no centro, dirigi embaixo de chuva e já estava até conseguindo conversar potoca e passar marcha ao mesmo tempo. Até que chegou a hora de aprender baliza.

Ah, as balizas! Nobody said it was easy e eu me preparei pro pior, mas ainda assim com uma esperança inconfessa de que eu fosse me revelar uma exceção e pegar a manha nos primeiros dias. Ha. Ingênua. Tudo que peguei naquela primeira manhã foi uma senhora dor nos braços nunca antes sentida. E como boa pessoa perseverante que sou, sumi das aulas por quase um mês. 

Semana passada voltei, pronta para encarar as balizas de frente. Na segunda, foram quase duas horas inteiras só tirando e colocando o carro na vaga - era manhã, fazia frio, e poucas vezes eu suei tanto nessa vida. À medida que eu continuava a subir no meio-fio ou a deixar o carro morrer, meu instrutor recuperava o tom condescendente daquela primeira vez no centro. Falando comigo como se eu fosse uma bobinha que precisava de desenho pra entender. Você nunca vai conseguir se não controlar a embreagem. Se descontrolar desse jeito você vai continuar comendo meio-fio. Só uma arrancada dessas já te elimina da prova. Quantas vezes você já derrubou esse cone hoje? 

Se eu gostasse de histórias de superação, ia dizer que de certo modo o tom dele me fez bem, porque transformou a situação em um desafio onde cabia a mim superar minhas próprias limitações. Mas como minha vocação pra Monica Geller é bem maior, o que ele fez mesmo foi tornar a coisa pessoal e minha veia competitiva precisava ganhar aquilo pra calar a boca daquele homem. Simples assim. Passei quase dois minutos inteiros só encarando todos os cones, e mais um tempo olhando pros pedais e fui. Só balizas perfeitas até o fim da aula. 

Saí fazendo a dança da vitória e, pela primeira vez desde que dei início ao processo, quis tirar a carta logo. Não para dirigir pela cidade cantando e nem para não deixar mais de sair só porque meus pais não querem me buscar e não tenho carona, mas só para não ter que viver aquilo por muito mais tempo. Tal qual Scarlett O'Hara, fiz Deus de testemunha ao jurar pra mim mesma que iria morrer de fazer balizas nas aulas que ainda restavam e marcaria minha prova logo que surgisse uma vaga. E se não for pra passar de primeira, que eu erre qualquer outra coisa menos a maldita da baliza. Que eu fure um sinal vermelho, ignore uma parada obrigatória ou deixe o carro apagar no meio de uma ladeira, qualquer coisa. Se Scarlett não passa mais fome, eu não como mais meio-fio nessa vida e tenho dito.


Ou não me chamo Maria Joaquina. 

sábado, 1 de junho de 2013

Quando a água quente bater nas suas costas

Vocês já devem estar com os dedos enrugados de saber que eu adoro tomar banho ouvindo música e que meu somzinho portátil já deve estar lelé da cuca por conta de toda a umidade com a qual ele é obrigado a conviver. Já fiz uma mixtape com músicas para ouvir naqueles dias em que tudo que você quer fazer é cantar alto e brincar com o sabão, e hoje venho vos oferecer a trilha sonora perfeita para os banhos introspectivos, aquela fossa acompanhada de água quente e Cat Power, ou só uma coleção simpática de músicas para quando você não está afim de pensar em muita coisa.

A seleção abre com Wilco e um dos meus solos de guitarra favoritos, desses que varrem qualquer pensamento inoportuno e preocupação banal para fora da cabeça. Camera Obscura e Smashing Pumpkins vão abraçar seu corpo junto com a água quentinha, e Mallu, Thiago Pethit e Rita Lee vão dar uma animada na situação pra que você tenha motivação para sair desse refúgio. Acho que peguei pesado emendando Vanguart, Damien Rice e Cat Power, mas She's Got You High fecha a bagunça com um tom de esperança e dia nascendo porque tem que existir vida depois do banho, principalmente depois daqueles que fazem a gente mergulhar em nós mesmos.

Espero que se divirtam e não esqueçam que o pai de ninguém é sócio da CEMIG, da Light, ou qualquer fornecedora de energia que sua mãe usa como exemplo pra te forçar a sair do banho. 



01 Side with the seeds (Wilco)
02 Dory Previn (Camera Obscura)
03 1979 (Smashing Pumpkins)
04 Ô Ana (Mallu Magalhães)
05 So long, new love (Thiago Pethit)
06 Bwana (Rita Lee)
07 Ceremony (New Order)
08 Coração vagabundo (Ana Cañas)
09 Both sides now (Joni Mitchell)
10 Na sala de justiça (Gianoukas Papoulas)
11 Nessa cidade (Vanguart)
12 Delicate (Damien Rice)
13 Sea of love (Cat Power)
14 She's got you high (Mumm-Ra)