Não sou uma pessoa fina e cheia de frescuras em se tratando de comida. Sou mineira do interior, e por mais que tenha sido criada em cativeiro e me transformado nesse ser urbanoide que sou, não nego que tenho cá meu pé na roça. Fui criada na base de frango caipira, farofa e doce de compota. Gosto de mesas e pratos fartos e esse papo de que em restaurante fino de chef celebridade a gente vai pra ~degustar~ e não encher a barriga me deprime um bocado. Qual a graça de comer sem se fartar? Odeio porções pequenas, odeio frescurites e acima de tudo, odeio beber café na xícara.
Minha mãe sempre foi viciada com café, vício que herdou da minha avó - cuja casa serve café fresco a qualquer hora do dia - e mesmo quando era a única que bebia em casa, não deixava de, todas as tardes, preparar uma garrafa só pra ela e tomar sozinha. Até o dia que eu resolvi experimentar aquilo que era tão cheiroso, e que ela tomava com tanto gosto e amor, e me apaixonei também. Desde então, somos duas cafeinômanas que tomam uma garrafa inteirinha de café aos fins de tarde e manhãs preguiçosas de fim de semana.
Foi mamãe que me ensinou a fazer café e me disse que não existe esse papo de medida certa. É uma coisa de olho, tanto pra água, como para o pó e o açúcar. Assim faço desde que ela me ensinou, e são poucas as vezes que erro a mão e meu café não fica sensacional. Que me perdoem a falta de modéstia, mas não troco meu café por nenhum café do mundo. Por muitas vezes já desejei uma máquina estilo Nespresso ou Dolce Gusto, mas sei que elas só me valeriam para capuccino ou para as raras vezes que tomo um espresso, porque acredito num café roots, desses de coador. Espresso bom é espresso cowboy, e desses só consigo tomar quando estou muito necessitada de uma energizada diferente, o faço como se fosse uma dose: viro de uma vez e não se fala mais nisso.
Meu avô só bebe café no copo de vidro, aquele americano de boteco sujinho ou então o bom e velho copo de requeijão. Quando sai o café fresco ele chega, coloca três dedos no fundo do copo e sai. Em Tupaciguara eu também só tomo café no copo e acho que tem toda uma bossa especial que não sei explicar. Aqui em casa somos adeptas das canecas, temos uma coleção. Canecas coloridas, canecas de bichinhos, canecas desenhadas, canecas da Hello Kitty, temos de tudo um pouco. O segredo é encher de café até um pouco abaixo da metade, porção que serve bem, apesar de eu sempre tomar duas (ou três), e não esfria se o papo estiver bom. Tomo café em tudo quanto é lugar, menos na xícara.
Em um episódio de Gilmore Girls, Lorelai teve uma de suas tantas brigas com o Luke e as duas precisam arranjar um outro lugar para tomar café-da-manhã. Encontram uma casa de chás até charmosinha, mas Rory não deixa de esconder seu horror ao ver que lá se serve café na xícara. Que inapropriado! Que afronta! Me senti compreendida no fundo da alma: eu não estava sozinha. Xícaras de café são minúsculas e, pra início de conversa, a boca da gente mal cabe lá dentro. O outro - e maior, e mais óbvio - problema é o da quantidade. É sério que tem gente que se satifaz com aquela dose de passarinho? É sério que tem gente que chega numa cafeteria, paga uns três reais por aquele golinho, se levanta e vai embora?
Quem bebe café na xícara está perdendo uma grande experiência de vida, que é a de tomar um bom café numa enorme caneca, dessas que chegam a tampar nosso rosto quando viradas. Isso é que é vida, isso é que é felicidade. Café na xícara é uma espécie de coito interrompido da cafeína, com o perdão da grotesca metáfora. É por isso que quando chego nos lugares que servem café, sempre opto pelo capuccino e raramente tomo café fora de casa. Na casa dos outros tenho que fazer a fina e tomar umas 5 xícaras não pega muito bem, e nas cafeterias eles inventam tanta moda com os cafés que sempre acabo frustrada. O capuccino pelo menos vem numa xícara grande e permite mais invencionices sem que a coisa dê errado com facilidade.
Para as xícaras abro só uma excessão: o cafézinho que se toma após o almoço. Nesse caso, a xícara torna-se a medida ideial. Depois do almoço ninguém quer café pra ser feliz, quer só "dar um tempo pra comida assentar", como se diz por aqui, relaxar antes de seguir com o dia ou uma desculpa para mais dez minutos de conversa. De resto, por mim, xícaras seriam abolidas dos chiques jogos de porcelana e substituídas por coloridas e fofas canecas gigantes.