segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Sobre meu mês na terra do romance

Vocês já repararam que hoje em dia tudo vira projeto, principalmente entre nós, que somos ~gente da internet~? Tem projeto de corrida, de ginástica, de comida saudável, de fotografia, de decoração e até de caça à Paçoquita Cremosa. Nossos pequenos desafios diários parecem muito mais relevantes e interessantes quando transformados num projeto dividido com o mundo - ou pelo menos a pequena parte dele que se importa o suficiente pra acompanhar. Nada contra, inclusive sou cheia de amigos cheios de projetos, tanto que resolvi fazer um pra chamar de meu - além de todos aqueles que não deram em nada, por isso vocês nunca ficaram sabendo. 

Um dos cinco posts mais lidos do blog é um que eu falo a respeito de preconceito literário, mais especificamente sobre o preconceito direcionado ao YA. Sou contra todo e qualquer tipo de preconceito literário, que nada mais é do que você inferiorizar, julgar ou desprezar um livro pelo gênero. Isso porque no fundo, analisando esses preconceitos, a gente sempre descobre que eles tem origem em outros preconceitos maiores, que vão além do mundo editorial. 

O fato de eu ser contra essa postura e de me considerar uma pessoa esclarecida com relação a isso não me impede, no entanto, de ainda carregar comigo alguns deles. Em julho desse ano, o blog Eu Li, E Agora? promoveu a semana Não Julgue Um Livro Pelo Preconceito junto com outros blogs literários, e nesses dias saíram posts muito bons sobre o preconceito literário em geral, mas também sobre vários gêneros específicos que acabam sendo rejeitados por aí de forma bem injusta. Um deles é o romance, e lendo os textos ótimos a respeito dele que surgiram, percebi que eu. nunca. tinha. lido. um. romance. 

ANNA VITÓRIA, VOCÊ ENXERGA AMOR ATÉ ONDE NÃO TEM, COMO VOCÊ NUNCA LEU UM ROMANCE????////

Tá, esse nunca aí foi mais para efeito dramático. Eu já li sim uns romances na minha vida, como livros da Jane Austen e outros do Machado de Assis na sua fase pré-realista. Se a gente for considerar os chick-lits como uma espécie de romance, sim, também já tive minha cota deles. O negócio é que eu nunca vi nenhum desses livros como um romance (talvez porque os achasse bons demais para meros romances? #questões) desse tipo em que a relação amorosa é a principal parte da premissa. Sei que essa não é a definição mais apropriada para um romance, mas era assim que minha cabeça funcionava. 

E por que eu (logo eu!!!) nunca tinha dado uma chance pra esses livros? Sim, querido leitor, é isso mesmo que você está pensando: porque eu tinha preconceito. 

I know, right

Por que eu tinha preconceito com romances? Eu tinha a impressão (baseada em nada concreto) que todos eram meio piegas e necessariamente machistas, sem falar que costumava ficar um pouco constrangida com cenas de sexo em livros porque achava a maioria delas (maioria do que, cara pálida, você nunca leu nenhum!) muito bregas. Percebendo a bobagem absurda e sem fundamento que era tudo isso, e motivada pelos ótimos textos que li a respeito do gênero (mais especificamente esse e esse), resolvi que passaria o mês de agosto lendo única e exclusivamente romances. 

(Pra variar, Ariel Bissett fazendo uma discussão excelente, dessa vez sobre sexo na literatura, vejam vejam vejam)

E foi assim que começou essa jornada romântica particular. Foram seis livros no total, e na escolha dos títulos eu tentei explorar um pouco dos vários sub-gêneros que a gente pode encontrar dentro do romance. Coincidentemente, acabei lendo numa ordem, digamos assim, do mais quente para o mais frio: comecei com um livro declaradamente erótico e terminei com um em que o maior contato entre os personagens é um beijinho na mão. Foi totalmente aleatório, mas achei bacana o contraste. 

Vamos às leituras?

1) O romance erótico: Beautiful Bastard (Christina Lauren): Passei o olho, li que tinha um casal gato e rato (meu favorito) e que era engraçado. Baixei. Nem sabia que era um romance ~erótico~, e qual foi minha surpresa quando, aos 4% da leitura, a pegação nervosa começou! Ler em inglês me ajudou a gostar mais, porque me livrou dos costumeiros encontros com termos como membro rijo, entumescido, êxtase, etc. A história? Executivo e assistente que se odeiam e se pegam, numa dinâmica bem divertida em que mesmo quando eles estão no meio do vamos ver, eles conseguem se implicar. Personagem feminina bacana e empoderada, que coloca o chefe no lugar quando ele ameaça se tornar um babaca. Não tem história além do relacionamento entre os dois, o que pode deixar o livro cansativo se você não dá cabo dele logo. É o primeiro da série Beautiful Bastard (!), que já tem três livros publicados, além de contos (?) intermediários. Não sei se continuarei, mas foi uma boa primeira experiência com um gênero que eu não conhecia e tinha preconceito. O único estigma que se manteve foi o de que livros assim tem muito sexo. Mas né.  


Sim, o livro tem MUITO sexo, e isso às vezes incomoda um pouco porque no início os personagens são literalmente incapazes de ficar cinco minutos sozinhos num cômodo sem começar a se agarrar. Sim, rola todo aquele negócio de amor instantâneo, quando durante o rala e rola os dedos se entrelaçam, eles param de se chamar pelo sobrenome pra gemer o primeiro nome do outro com paixão (por que as histórias fazem um big deal tão grande com esse negócio de nome?), e aí vem a iluminação: é amor. De brega eu achei mesmo só o fim, quando a intersecção entre amor verdadeiro & erotismo atinge seu ápice e a gente pensa que certos limites metafóricos deveriam ser respeitados.

Escala pop de sensualidade: "Drunk In Love", da Beyoncé. We woke up in the kitching saying how in hell did this shit happen, oh baby?





2) O romance fofo: Álbum de Casamento (Nora Roberts): Quando a Analu me recomendou esse livro, ela me disse que ele era pra momentos em que tudo que a gente precisa é de um romance clichê e a certeza de um casamento no final. É isso que Álbum de Casamento te promete, e é isso que ele entrega. Mocinha cujos pais se divorciaram cedo, o pai se mandou e a mãe é uma manipuladora emocional que vive pulando de um casamento pro outro. Mocinha é cheia de defesas e armaduras, não acredita nesse papo de amor verdadeiro e não se imagina casada. Mocinha conhece Mocinho, rola uma química, Mocinho quer algo sério, Mocinha começa a afastar Mocinho. A gente já viu essa história antes, né? Mas tudo bem, porque o negócio desse livro é que ele é escrito de um jeito tão gostosinho que você não consegue dizer não, principalmente se o Mocinho em questão for um cara como o Carter, ex-professor de literatura de Yale que dá aula no ensino médio porque acredita nos jovens, usa óculos, é romântico, bom moço, desses pra casar e apresentar pra avó. 

Ele é idealizado? Super. Mas a gente se apaixonada por ele mesmo sabendo que é um personagem tipo oldest trick in the book. A Mac já é bem mais real, e me lembrou muito a Meredith, de Grey's Anatomy. Adorei as amigas da Mac, cada uma protagonista dos outros três livros dessa série, Quarteto de Noivas, que eu pretendo ler.  

Sobre questões da alcova, o contraste com  Beautiful Bastard foi gritante, e comparando os dois, dá pra dizer que o sexo em Álbum de Casamento é uma coisa meio novela das oito ousadinha (tipo no primeiro capítulo, quando eles fazem de tudo pra chamar atenção). Um sexo fofo.

Escala pop de sensualidade: "Adore you", da Miley Cyrus. Apenas Mileyzinha apaixonada se querendo demais. 




O romance histórico: O Duque e Eu (Julia Quinn): Apesar da vibe Jane Austen dessa edição da Arqueiro, esse é o que mais se aproxima dos romances de banca de todos que eu li. É o primeiro livro da saga da família Bridgerton: são oito (!) volumes, cada um focado em um dos irmãos. Eu não sabia nada sobre o plot, e li confiando na recomendação veemente da minha amiga Paloma, e de outras mafiosas que seguiram a dica e curtiram muito (temos até um grupo no Whatsapp para falar sobre os Bridgertons!), e mal sabia eu que o mote da história também é um desses clichês que eu adoro: plano ou aposta que sai do controle e termina em amor. No caso, Daphne e o duque Simon fizeram um plano de fingir uma corte para que assim as pessoas parassem de tentar lhes empurrar pares indesejados. Óbvio que eles vão se apaixonar nesse meio tempo, mas o caminho até que isso aconteça é bem divertido. O forte desse livro são os diálogos entre os personagens, porque a Daphne é muito espirituosa e o Simon não fica para trás nessas provocações. O livro tem várias situações divertidas, me fez gargalhar várias vezes, e é bem difícil de largar. 

Com relação ao séquisso, a vibe se aproxima de minissérie ousada da Globo. É meio o que se espera de um romance histórico, e outra autora que segue o gênero, que me foi muito bem recomendada, foi a Tessa Dare.  

Uma coisa que me decepcionou um bocado foi o desenvolvimento da Daphne e do Simon a partir do meio do livro. Os dois tem atitudes que eu absolutamente condenei, e achei que não foram coerentes com a forma como eles vinham sendo escritos até então. Essas falhas de caráter fizeram com que meus FEELS pelo casal diminuíssem muito. Ainda quero ler os outros livros dos Bridgertons, mas já fui alertada pelas minhas amigas que não é bom emendar as leituras, porque a fórmula da Julia Quinn cansa com o tempo. 

Escala pop de sensualidade: "Best Thing I Never Had", da Beyoncé. Muita sensualização envolvida em rendas e lacinhos matrimoniais.





4) O anti-romance: Quinze Tons de Constrangimento (Ana Paula Barbi): Ana Paula Barbi, pra quem não sabe, é a Polly do Te Dou Um Dado? e do Lugar de Mulher. Gosto muito dos textos dela, e esse foi seu segundo livro que eu li - o outro foi Vacaciones, que eu gostei demais. Quinze Tons de Constrangimento é um livro curtinho que eu li enquanto tomava um café na faculdade e esperava o horário da aula, coisa de meia hora no máximo. O livro tem quinze capítulos, e em cada um deles a Polly conta um caso de algum peguete que passou em sua vida. Como tudo na vida da Polly, seus romances também são malucos, improváveis e o livro não mente quando fala de constrangimento logo no título. Algumas histórias, como a da vez que ela vomitou na boca de um cara, vão te fazer esquecer qualquer desastre romântico da sua vida e ter certeza que sempre tem alguém passando por algo pior. São casos extremamente divertidos e eu passei essa meia hora gargalhando sozinha cantina. Não tem nada de romance romântico mimimi the feels aqui, mas histórias narradas de um jeito bem engraçado, com tiradas muito espirituosas da autora. O epílogo é genial: se realmente aprendêssemos com nossos erros, eu seria um gênio. 

Escala pop de sensualidade: "Wrecking Ball", da Miley Cyrus. Uma ideia genial? Um grande erro? Jamais saberemos. 






5) O romance nacional de época: Senhora (José de Alencar): Pendência de anos finalmente resolvida, me apaixonei perdidamente pela história de Aurélia e Fernando. Dos livros que eu li, é o que melhor se encaixa naquilo que a Ariel fala no vídeo lá de cima, sobre uma narrativa não precisar ter sexo explícito e descritivo pra ser extremamente sensual e carregada de tensão. O maior contato entre os personagens desse livro é um único beijo, BUT THE TENSION, AND THE FEELS!!1111 Minhas tripas derreteram com uma valsa e uns olhares. Tipo aquela comunidade no Orkut: não pega ninguém, mas é cada olhada. Com todo o respeito.  Outro ponto a favor de Senhora é que, considerando a época em que foi escrito (1875), é um livro extremamente progressista com relação à representação feminina,  com uma protagonista muito forte e dona do próprio destino. Mesmo tendo sido escrito por um homem, também dá pra dizer que o livro possui um viés feminista forte. Essa conclusão vem de uma leitura superficial da obra, mas é uma análise que definitivamente merece ser feita. 

Queria muito incluir um título nacional nesse projeto, e tive dificuldades de encontrar exemplares que se encaixassem. Além de Helena e Iaiá Garcia, ambos do Machado de Assis, que eu já tinha lido, consegui pensar apenas em Senhora e A Moreninha. Perguntei pros amigos do Twitter e as sugestões ficaram entre esses títulos, sem nenhum exemplo contemporâneo. Estou viajando ou nossa literatura tem poucas histórias cujo enfoque principal é um relacionamento amoroso? Questões. 

Escala pop de sensualidade: "Flawless", da Beyoncé. Aurelinha mandando um BOW DOWN pra quem pensa que heroínas do século XIX não podem ser maravilhosas.






6) O romance novela das seis: As Pupilas do Senhor Reitor (Júlio Dinis): Minha avó me recomenda esse livro há anos, mas nunca dei bola. Coloquei ele na lista mais por ser um romance português, o que deixaria minha seleção mais diversa geograficamente, e no fim das contas, depois de Senhora, foi meu favorito entre todas as leituras. É um romancinho de época absurdamente divertido e delicioso, que conta a história de dois irmãos e duas irmãs, e todo mundo que se mete na vida deles. A história se passa numa aldeia portuguesa, e o clima é de novela das seis de época e de roça, com vizinhos fofoqueiros, um padre que está por trás de todos os grandes acontecimentos, e uma sociedade extremamente hipócrita, que acaba ditando o rumo da vida dos personagens. O relacionamento amoroso em questão é desses inocentes, ingênuos e castos, e é por pouco, muito pouco, que a mocinha não passa como uma rapariga romântica idealizada como tantas da época. Ainda bem que o Júlio Dinis conseguiu lhe imprimir uma substânciazinha - mas o personagem mais interessante é mesmo o mocinho Daniel. 

Apesar da minha edição ser brasileira, não sei se por problemas de tradução ou de propósito mesmo que o texto tem muito da estrutura e do vocabulário do português lusitano. Isso desacelera um pouco o ritmo da leitura, mas deixa as coisas ainda mais divertidas, porque li todos os diálogos com sotaque e as expressões são todas muito boas. 

Escala pop de sensualidade: "Love Story", da Taylor Swift. Com o padre o tempo todo na sala, difícil ir mais longe que isso. We were both young when I first saw you, etc.




Achei minha experiência super positiva, e de uma forma ou de outra, gostei de todos os livros que li. Sei que ainda tem ~nichos~ de romance que não foram contemplados, e pretendo fazer uma segunda edição em breve, só vou me dar uma folga pra ler outras coisas. Sugestões são sempre apreciadas! E pra quem tem preconceito com o gênero (ou com qualquer outro tipo de livro), fica aí meu exemplo: vá atrás dos livros e descubra se é uma questão de gosto ou preconceito (esse post ótimo explica a diferença entre os dois). É super ok não gostar de um determinado gênero literário, o que não vale é sair por aí falando que não gosta sem conhecer.  

domingo, 14 de setembro de 2014

Complicada e perfeitinha

Ou: Big sister to my own sorrows

Não é raro quando, conversando com meus amigos, eu tenha a impressão narcisista que alguém deveria estar escrevendo aquilo que se passa com a gente. Não que sejam vidas tão extraordinárias assim (na verdade são sim, meus amigos são os melhores), mas é só que sinto que estamos vivendo um período da vida peculiar demais para ser ignorado ou então se limitar a lamúrias em 140 caracteres do Twitter. Entre romances inexistentes ou que dão muito errado, vôos e ônibus perdidos, azares a dar com o pau, atropelamento por parapente, chefes escrotos, colegas de trabalho delusionais e um sentimento coletivo de eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida, eu vira e mexe olho para nós, ali tão patéticos tomando sol nesse deck de cilada que é a vida, e penso: alguém deveria estar gravando isso.

E aí, sempre que eu penso isso, como que por reflexo começo a ver a mim e meus pares com as lentes dos Adultos que insistem em nos colocar naquele balaio ridículo que eles chamam de ~millennial~, com um discurso que somos obcecados por nós mesmos, só queremos saber de tirar fotos da nossa própria cara e do nosso prato de comida, e reclamar que é um saco ter que ir ao banco pros nossos colegas do Twitter. É meio que isso às vezes, mas não só, muito menos o tempo inteiro.


De um jeito menos radical, comparo minha vontade de registrar essas experiências, reflexões e crises de identidade com a ambição pretensiosa e meio patética da Hannah, de Girls, de ser a voz de sua geração. E fico pensando se o resultado disso não seria um documentário histérico e ridículo como a TV transformou o trabalho da Lelaina em Reality Bites. Ao mesmo tempo, escuto o pop chiclete da Taylor Swift, sem nenhum pudor falando que aos 22 anos ela é happy-free-confused-and-lonely-in-the-best-way, e penso como é reconfortante ouvir isso, nossa confusão romantizada assim, da mesma forma que é maravilhoso correr por Nova York junto com a Frances Ha, que reconhece não ser uma pessoa de verdade.

Cinismo e auto-depreciação à parte, a verdade é que eu acho que estamos vivendo uma fase de mudanças muito loucas. Tudo é incerto, as pessoas insistem em dizer o tempo inteiro que temos o futuro e o mundo a nossos pés, e essa afirmação, que deveria ser um conforto, acaba deixando as coisas um tanto quanto desesperadoras. Como eu acredito piamente na arte como forma de unir as pessoas e nos ajudar a entender melhor uns aos outros, tal qual Briony Tallis meu impulso inicial é querer escrever escrever escrever sobre tudo isso, numa tentativa solitária de ordenar um pouco do caos que tem sido viver.

E aí que no dia 29 de julho desse ano, saiu o novo CD da Jenny Lewis. Lembro que cheguei tarde em casa de um dia difícil, com a única ambição de lavar meu cabelo, comer alguma coisa, e deitar no meu quarto escuro ouvindo o que o The Voyager tinha a me oferecer. E foi assim que eu fiz, e assim continuo fazendo até hoje, porque dificilmente passo um dia sem ele na minha cabeça.


"Pictures of Success" talvez seja minha música favorita do Rilo Kiley, do primeiro disco deles. Aos 25 anos, Jenny escreveu essa música sobre nossas ambições pequeno-burguesas serem pequenas demais diante do fato que vamos todos morrer um dia (and Mexico can fucking wait!). Na mesma música, no entanto, ela diz "I'm a modern girl, but I fold in half so easily when I put myself in a picture of success". 13 anos depois, tendo encarado o fim da banda, a morte do pai, e severas crises de insônia, ela lança um disco novo.

Jenny Diane Lewis, aos 38 anos, escreve músicas sobre ser complicada demais para os homens, sobre como é ser mulher num meio predominantemente masculino, sobre como é ser cobrada para ter filhos, sobre drogas, sobre férias muito loucas em Paris, sobre o pai, sobre a vida, e conclui que é a única irmã de suas próprias mágoas. Eu, aos 20 anos, danço com os braços pra cima no meu quarto ao som de "She's not me", música que resume toda a minha vida, e me sinto melhor ao saber que a Jenny também olha pro passado e pensa "I bet you tell her I'm crazy". É um conforto saber que depois de todo esse tempo a Jenny Lewis também não tem a vida toda no lugar.


Mesmo assim, é essa mesma Jenny que, em "The New You", puxa nossa orelha e pergunta: "The farther that we run from it, how will we overcome it?", e afirma com assertividade em "Just One Of The Guys": "I'm not gonna break for you" (amen to that sister!) - o que mostra que as coisas estão  confusas e pouco resolvidas, a vida continua uma piada, mas ela tem crescido muito nesse caminho. Sem perder a doçura, porque "Love U Forever" está no disco pra nos lembrar justamente disso.

A gente tem que admirar essa honestidade.

Ao vivo sim porque a ginga de Jennyinha me representa demais

Saber que mesmo adulta, vivida e maravilhosa a minha grande, amada, querida e inspiradora Jenny Lewis (já falei sobre ela antes) não tem tudo resolvido é mais um alívio do que um motivo desespero. Sustenta minha tese de que, no fundo, ninguém nunca tem the shit totally together. A vida é inteira uma coisa muito louca, cheia de mudanças e incertezas, que nunca vai parar de ser difícil e bizarra. Quando eu escuto CDs como o The Voyager, fico muito feliz ao saber que as pessoas estão mesmo escrevendo sobre isso.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Filminhos da vez #6 (ou pelo menos aqueles que eu ainda lembro)

Isso não é um projeto e eu vou parar de pedir desculpas por ele.

Teve uma época que eu gostava de ver filmes, me empenhava, lia sobre eles, fazia listas, metas e objetivos. Foi uma época boa, mas ela acabou. Eu ainda gosto de ver filmes, mas eu prefiro fazer outras coisas - ainda que uma dessas coisas seja ver de novo filmes que eu já vi mil vezes. E tudo bem. Essa seção é só pra eu registrar o que eu assisti, porque do contrário eu vou esquecer. Assim sendo, vamos ao que eu andei vendo nesses cinco meses (!). Juro que serei breve (até porque já esqueci da maioria). 

Short Term 12 (Destin Daniel Cretton, 2013): Quando esse filme entrou no catálogo da Netflix, a Rainbow Rowell praticamente obrigou todos os seus seguidores a assisti-lo, porque simplesmente não. parava. de. falar. a. respeito. Confesso que não lembro de muita coisa, mas gostei muito e fiquei com o emocional em frangalhos. O filme conta a história de uma espécie de casa de acolhimento onde adolescentes abandonados ou órfãos ficam até completar 18 anos. O lugar é administrado por jovens que também estiveram nessa situação, e a personagem principal acaba se vendo muito na história de uma menina nova no lugar, e isso acaba trazendo de volta tudo que ela sofreu quando era mais jovem. É um filme realmente forte, e deve afetar especialmente quem tiver vindo de lares abusivos. 

X-Men: O Confronto Final (Brett Ratner, 2006): Na Páscoa (!) fiz uma maratona de todos os filmes dos X-Men já lançados, para me aquecer até o lançamento do novo filme. O terceiro filme saiu numa época que eu já estava desencanando de X-Men (absurdo!) e nunca cheguei a ver ele inteiro. Como a crítica caiu de pau em cima, e na época eu era uma pessoa que ligava pra isso, nunca fiz muita questão de assistir. De fato, é um filme deveras peculiar e algo me diz que ele vai ser simplesmente ignorado na cronologia da história. Apesar de ter seus momentos de breguice extrema (o que vocês me dizem daquela cena final) e furos de roteiro, eu achei ele bem divertidinho. Gosto mais dele, por exemplo, que do segundo, com quase três horas de duração e um roteiro lentíssimo que demora a chegar em algum lugar. I regret nothing.




X-Men: Primeira Classe (Matthew Vaughn, 2011): Gente, outro nível de filme de super-herói. Seria meu favorito da franquia se não fosse pelo meu apego absurdo pelo primeiro, mas em termos de qualidade é definitivamente o melhor. Esse turma dos anos 60/70 é sensacional, e os personagens dos outros filmes que aparecem mais novos simplesmente matam a pau. Pensei que meu útero explodiria com o James McAvoy de Professor Xavier, mas achei ele Tiago Potter demais pro meu gosto. Agora, Fassbender como Magneto elevou um personagem já sensacional pra um outro nível de awesomeness. Adoro a forma como eles inserem o episódio histórico da Crise dos Mísseis com a trama dos mutantes, amei a forma como a origem do Beast foi explorada (sempre foi um dos meus personagens favoritos, antes até do Nicholas Hoult dar aquela ajuda pra ele) e amei o aprofundamento dado para a história da Mística. É a primeira vez que Jennifer Lawrence me ganha sem ressalvas (viu que eu dou o braço a torcer?) e adoraria um Origens sobre ela.
X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (Bryan Singer, 2014): O lançamento desse ano segue a mesma linha do First Class, mas a turma do passado se junta com o futuro num filme que fica indo e voltando no tempo. Fiquei um pouco confusa, principalmente por causa do final, esses filmes de viagem no tempo sempre me confundem um pouco. #humanas Ele também traz aquilo que funcionou super bem no anterior, que é misturar fatos históricos com a vida dos mutantes. É um filme muito bom, mas não chegou no nível do Primeira Classe de THIS IS FUCKING AWESOME. Nunca li os quadrinhos, mas tenho um amigo obcecado que me doutrinou bastante a respeito da história, por isso me sinto no direito de ficar nervosa pela perda de espaço de vários personagens (you go Kitty Pride) para dar mais destaque ao Wolverine. De resto, amei o Mercury e as piadinhas internas dele.

Vampire Academy (Mark Waters, 2014): Da série: filmes horríveis que são maravilhosos. É zoado nível hard? É. A produção é pobríssima? Sim. A gente fica com vergonha da maquiagem dos vampiros? Demais. É muito muito muito brega? SIIMMMMM!!! É sensacional? HELL YES!!111 Então, é tipo isso mesmo. O filme é zoadão, a produção é bem capenga, nível altíssimo de breguice e vergonha alheia, porém: maravilhoso. Eu realmente adorei a série de livros (preciso muito escrever sobre) e acho que eles mereciam um filme melhorzinho (até porque eu preciso de um segundo filme porque eu preciso de um Adrian personificado), mas esse me divertiu bastante (é o mesmo diretor de Meninas Malvadas!) e acho que a Zoey Deutch foi uma Rosinha absolutamente perfeita. Vem, Frostbite!

A Culpa é das Estrelas (Josh Boone, 2014): Bom, eu já falei sobre todas as emoções que experimentei vendo esse filme no cinema, então acho desnecessário repetir que amei demais. Enquanto adaptação, acho o filme perfeito: respeitou a essência do livro e dos personagens, e acaba corrigindo alguns "defeitos" da obra, que impediram algumas pessoas de curtirem o livro. Shai e Ansel são Hazel e Gus perfeitos, e os coadjuvantes não ficam pra trás (TE AMO, NAT WOLFF). É um filme triste, mas tem momentos onde é possível dar genuínas gargalhadas - e quando é pra chorar a gente chora mesmo. Se pudesse mudar algo, colocaria uma trilha sonora mais expressiva. O mimimi acústico predominante do Ed Sheeram e da Birdy não me emocionou em momento algum (DSCLP), e senti falta da vibe Hectic Glow.

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (Daniel Ribeiro, 2014): Esse filme me enche de orgulho! Acompanho a história desde o curta lançado em 2010 e fiquei muito feliz que a história conseguiu chegar no cinema, com tanta qualidade. Fiquei emocionada por ter a chance de ver o filme no cinema da minha cidade, uma iniciativa de fãs pra levar Hoje Eu Quero Voltar Sozinho pra mais salas do cinema (inclusive no interior), e me apaixonei pelo resultado. Dá gosto de ver um trabalho brasileiro autoral como esse conquistar tanto público e ainda ganhar prêmios dentro e fora do país. Curti demais a transição do curta pro longa, aprovei o desenvolvimento dos personagens e as histórias paralelas. Os atores são ótimos e a trilha sonora é fantástica: Belle & Sebastian como tema principal, além de Cícero e David Bowie. Amor!

Jogo de Cena (Eduardo Coutinho, 2007): Minha professora de TV passou um trecho desse documentário em sala, e eu achei tão incrível que fui atrás dele assim que cheguei em casa. O Coutinho colocou um anúncio no jornal chamando mulheres comuns para contar sua história de vida diante da câmera. O depoimento das mulheres é intercalado com atrizes dando o mesmo texto que elas, e é incrível a forma como ele flerta com a realidade do documentário e a interpretação visceral das atrizes. Em alguns casos, a gente fica meio em dúvida se a atriz está contando a própria história ou simplesmente interpretando o monólogo da vida alheia. As personagens da vida real dele tem histórias de vida muito impressionantes, e a maioria delas também muito forte. Chorei horrores assistindo e passei semanas pensando nelas.

O Espelho (Mike Flanagan, 2013): Eu e minha via crucis em busca de bons filmes de terror contemporâneos. Achei O Espelho bem honesto, e curti bastante a proposta. O roteiro tem uma estrutura bem legal, fazendo com que a história do filme se passe simultaneamente no passado e no presente. Do meio pro final, quando as coisas realmente esquentam, essas duas dimensões meio que se encontram, e ele brinca com a sua percepção. Não dá pra saber o que está acontecendo de verdade, o que é memória dos personagens e o que não passa de ilusão. Como a maioria dos seus companheiros, ele peca pelo excesso no final do filme, ao pesar a mão nas criaturas que aparecem, recurso que eu não curto muito e que acaba tirando um pouco do suspensa da história.


Malévola (Robert Stromberg, 2014): Queridos leitores, achei esse filme uma morte horrível. Fãs que me desculpem, mas ele é uma absoluta enganação. Encheram tanto o peito pra falar que criaram uma Malévola humanizada, diferente do maniqueísmo da animação, que simplesmente se esqueceram de desenvolver os outros personagens. Aurora, o rei, as fadas e todo o resto são simplesmente acessórios para que a história da Malévola se desenrole, o que contribui para que eles não façam o menor sentido. O roteiro é cheio de furos, o filme acaba tão logo entra no ritmo, a Aurora é uma boba alegre e as fadas são retardadas. O que salva o filme é o personagem do Corvo (pouco explorado) e a produção, que recria muito bem cenas do filme clássico e faz cenas de ação interessantes.

Os Homens São de Marte... E é pra lá que eu vou (Marcus Baldini, Homero Olivetto, 2014): Eu sou bem chata com filmes de comédia, então o fato de eu ter gargalhado vendo esse filme, até o ponto de babar e a barriga doer, conta muito. É um filme bestinha, desses que a gente sabe como vai terminar desde o começo, mas a jornada vale a pena porque a Monica Martelli (que protagoniza e assina o roteiro) é uma criatura fantasticamente engraçada, e as situações narradas por ela são hilárias. Os coadjuvantes também funcionam muito bem, principalmente o Paulo Gustavo (mesmo personagem sempre? sim. incrível mesmo assim? oh yes) e a Dani Valente. Filme gostoso de ver domingo à noite, pra morrer de dar risada, se identificar com umas histórias e terminar com o coração quentinho.


Vou encerrar por aqui, senão o post fica muito grande. Semana que vem eu termino de contar o que eu vi nesse longo tempo e o que tenho visto nos últimos dias. Até lá, vocês podem me acompanhar no Filmow, onde tento avaliar e tecer comentários (poucos, juro) sobre o que vejo. Vocês gostam desse formato de post? Me sugiram uns filmes legais, vai que eu me animo!

domingo, 7 de setembro de 2014

Pá de cal

Você percebe que as coisas estão ruins pro seu lado quando começa a contar pros outros que as coisas estão ruins pro seu lado. Não sei vocês, mas eu tenho esse reflexo de, independentemente da realidade, sempre dizer pros outros que está tudo bem. Bem, tranquilo, indo, na correria, sabe como é. Me acostumei a responder isso quando me perguntam como vai a vida, o humor, a faculdade --primeiro porque, na maioria das vezes, quem pergunta não quer realmente saber, é uma pergunta automática, que se faz por educação; depois, sou eu que na maioria das vezes não estou com muita vontade de estender o assunto, pro bem ou pro mal.  

Nos últimos meses, até quem me via lendo jornal na fila do pão sabia que meu semestre estava sendo horrível, e a partir desse fato vocês calculem o quão bacana estava a vida. Cheguei pra visitar meus tios em São Paulo e no primeiro jantar, quando colocávamos as notícias em dia e veio a inevitável pergunta e o curso, como tá?, eu apenas suspirei fundo e respondi: 

- Sinceramente? Uma bosta. 


Aparentemente essa crise de quinto período is a thing, o que até faz sentido quando penso que minha turma estava odiando aquele semestre tanto quanto eu, mas meu problema não era com o curso. Eu gosto do meu curso, eu gosto de jornalismo e essa intempérie não foi aquele cold feet que bate quando a gente chega na segunda metade de algo importante e se pergunta se aquilo é, de fato, o que a gente quer fazer da vida. Eu sei o que eu quero fazer da minha vida. Estava tudo horrível porque a grade daquele período não tinha uma única matéria que me interessasse, e aquelas mais ou menos os professores conseguiram estragar inventando trabalhos que não. faziam. o. menor. sentido. 

Como contei antes, trabalhei o semestre inteiro num projeto sobre morte. O tema foi escolhido primeiro porque é um assunto que realmente me interessa, desde sempre, mas principalmente porque nunca antes as frases QUE MORTE HORRÍVEL ou QUERO MORRER foram ditas com tanta frequência. Nos dias bons era até legal pesquisar a respeito, mas quando você está tendo uma semana horrível, num semestre horrível, visitar mostruários de caixão e ouvir a fonte contar em detalhes como se prepara um corpo pro velório definitivamente são coisas que não contribuem para melhorar o astral. 

























Por causa dessa falta de motivação, fiz uma coisa que nunca tinha feito - e que até então eu julgava quem fazia: larguei. Tirei um mês sabático durante a Copa no qual eu só ia na faculdade quando era realmente indispensável, e pros trabalhos e atividades que valiam menos de dez pontos, minha atitude era: não sou obrigada. Um pequeno dar de ombros pro mundo, um grande passo no meu histórico de caxias. Foi meio libertador jogar tudo pro alto, e a experiência também fez com que eu passasse a admirar todas as pessoas, que não são poucas, que passam a vida ou boa parte dela trabalhando ou estudando aquilo que não gostam. Isso requer uma perseverança que eu obviamente não tenho, e uma força de vontade que eu nunca vi nem comi, só ouço falar. 

Eu preciso acreditar naquilo que eu faço, me apaixonar pelos meus projetos e pelas coisas que eu estudo - e sei lá até que ponto isso pode ser bom. 


Meu nível de desespero era tanto que escrevi um e-mail enorme e dramático pra um jornalista experiente que eu conheço, pedindo um sopro de inspiração ou um puxão de orelha, qualquer coisa que me tirasse daquele marasmo. Pra minha surpresa (e terror), ele basicamente me disse: querida, joga tudo pro alto mesmo, fica aí lendo seus YAs, estude a New Yorker uma vez por mês e vá ser feliz na Califórnia, vai ser muito melhor pra você do que ficar presa numa cadeira de faculdade. Foi um bom conselho pra eu ver que nem tudo estava perdido, foi um péssimo conselho porque só aumentou a vontade que eu estava, que não era pequena, de simplesmente fugir. 

Agosto chegou como um tufão, me obrigando a lidar com tudo aquilo que eu vinha negligenciando nos últimos meses. Foi até melhor assim, se vocês querem saber. Era tanto trabalho e coisa pra correr atrás que eu não tinha tempo pra pensar, ia no ritmo que os compromissos me levavam até que, de repente, depois de um mês que valeu por seis, acabou. 

























E agora que acabou, é como se uma nuvem negra tivesse saído de baixo da minha cabeça. Eu tinha um último artigo pra entregar, que o professor deu prazo até uma semana depois do fim das aulas, e enquanto escrevia já sentia as coisas mais leves. Já estava inventando moda, lendo além do que era necessário, e com uma vontade de estudar e aprender que eu não tinha encontrado nos últimos meses. Foi como ser eu de novo, respirar depois de muito tempo embaixo d'água, voltar a sentir o gosto de comida depois de quinze dias com gripe forte. Pronto, passou.

No fim do primeiro período, eu e meus amigos iniciamos essa tradição de tirar uma foto meditando no meio da rua a cada fim de semestre, um rito de passagem pra abençoar aquilo que estava por vir, um pedido de serenidade, e uma brincadeira que vai ficar incrível quando a gente se formar. Esse período horrível foi tão emblemático que resolvemos mudar um pouco as fotos, por isso nos vestimos de preto e brincamos de morrer na rua - um abraço no pesadelo, que é pra que não fique nada por ser dito e ele possa passar reto. Esse post é a última pá de cal nessa fase ruim que, se Deus quiser, jaz aqui. 

























As fotos incríveis são do Felipe Flores.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A pira da beleza: uma longa história

Esse post faz parte da Blogagem Coletiva do Rotaroots, grupo criado para reunir blogueiros de raiz que sentem falta da blogosfera moleque e pé no chão. Para participar, junte-se a nós no grupo do Facebook mais cheio de nostalgia que já se teve notícia e coloque seu link no rotation. O tema desse mês é: stop the beauty madness. 
Ou: Manifesto pelo fim da loucura com a beleza

No terceiro período da faculdade, fiz uma disciplina optativa sobre imprensa feminina. Me matriculei porque me interesso pelo tema desde sempre, como leitora de anos que fui, como filhote de jornalista que sou, e como alguém que sempre teve vontade de trabalhar com isso. Mas, no fundo, esperava mesmo era uma aula divertida, que servisse como desculpa pra eu comprar um monte de revistas e ficar gongando os textos da Nova. Sou muito profissional.

Só que o que aconteceu foi que essa matéria acabou se tornando um curso que, literalmente, mudou minha vida. A maioria das coisas que eu até então achava saber sobre questões de gênero, moda, beleza e imprensa especializada caiu por terra, e eu nunca vou deixar de ser grata à professora maravilhosa que abriu meus olhos pra tantas coisas novas, nem pros autores sensacionais que li e estudei naqueles quatro meses. 

Era uma cadeira sobre imprensa, mas a maior parte do curso ficou reservada pra estudarmos a história da beleza e a história das mulheres. Foi, de longe, a matéria que mais me ensinou, um aprendizado realmente intenso (na medida em que a gente possa classificar essas coisas como intensas), e é por isso que toda vez que alguém vem falar sobre beleza, corpo e padrões de beleza, meu impulso inicial é despejar de uma vez tudo que eu aprendi naquele semestre. Não pra ser pedantona, mas porque entender como esses conceitos se constroem historicamente nos dá uma diferente perspectiva sobre o assunto, e mostra que a culpa, ao contrário do que o senso comum realmente comum pensa, não é uma questão de nooooossa ditadura da beleza imposta pela mídia que distorce as moças com photoshop nooossaaaaa. 

Esse é apenas um dos sintomas de uma doença muito mais complexa, e se for pra resumir a questão, eu diria que: migas, o buraco é bem mais embaixo. Por isso, bear with me: 


A beleza, principalmente a das mulheres, começou a ser valorizada na época da Renascença. No entanto, até mais ou menos o fim do século XIX, buscar a beleza não era uma coisa tão bem vista assim. Beleza era sinal de caráter, reflexo da alma da pessoa, ou uma questão de sorte na vida. Se você fosse feia de acordo com os padrões da época, paciência. Comprasse um chapéu pra disfarçar a cara na rua, descolasse umas rendas, torcesse pra nascer mais bonita na próxima vida.  Não que as mulheres sofressem menos por terem que aceitar a """"sina""" da """""feiúra"""" - feiúra essa que, tal qual a beleza, também mudou muito de acordo com o tempo - era só uma questão de não ter escapatória.

Essa coisa de buscar a beleza é uma afetação moderna, irmã da revolução industrial, da ascensão da burguesia e do triunfo da razão sobre o pensamento teocêntrico da Idade Média. Se Deus sai do centro das atenções, o homem passa a ser o senhor do mundo e a depender unicamente dele mesmo pra se fazer na vida. A beleza é um reflexo disso também, assim como a modificação do próprio corpo. Porque até então, se você fosse gordo era porque tinha vencido na vida e podia ficar em casa engordando, privilégio de poucos. Depois dessas mudanças, passou a ser massa mostrar que você podia se dominar de tal forma a domesticar até você mesmo. E às mulheres, sempre sujeitas às expectativas dos homens (e tendo que recompensar o mundo pela ousadia de existir, servindo de eye candy geral duzômi), restou a opção de fazer o possível e impossível para estar mais bonita, mais magra - olá maquiagem, olá academia, olá cirurgia plástica, e olá frustração eterna por não sermos perfeitas, máquinas infalíveis e belas sem defeitos.

É assim que nasce um padrão de beleza. A mídia não inventa nada. Ela difunde, satura, e oprime também - mas só dá voz e faz circular um ideal que é parte inexorável da nossa história, da construção da sociedade tal qual a gente conhece. E por isso que é tão foda desconstruir, combater, desmitificar tudo isso. Dizer que tudo bem ser assim, do jeitinho que você é, e que as moças da revista não mudam isso, parece muito fraco diante de uma coisa que vem sendo arquitetada há séculos e que tá tão ligada com a forma como nosso mundo se constrói, que é tão cruel com quem ousa pensar, agir e ser diferente.

- Tá, mas o que isso tem a ver com tirar uma foto sem maquiagem?

Como eu disse, a maquiagem é um dos meios utilizados pra gente se aperfeiçoar. Não é uma invenção moderna, mas a forma como ela é utilizada, sim. A sociedade diz que a  gente que precisa, deve se maquiar para ficar mais bonita, melhor do que aquilo que a gente já é. Mas, mais bonita, e melhor, de acordo com quem? Isso mesmo, com esse padrão aí vigente - que já foi outro, e que vai mudar quando nosso mundo não for mais o mesmo. A beleza é um conceito muito relativo, e a gente pode aceitar aquilo que nosso inconsciente coletivo acredita ser bonito, ou buscar aquilo que é bonito pra gente, do nosso jeito. Que nos liberta e que nos faz feliz.

Tirar uma foto sem maquiagem, sem filtro, e mostrar pra todo mundo, não é motivo de piada, é mais do que ganhar uma aposta com as amigas e esperar uma coxinha de brinde, vai além de querer ser melhor do que as outras por baixo do corretivo. Se você pensa assim, volte três casas, comece de novo. 



Tirar uma foto sem maquiagem, sem filtro, e mostrar pra todo mundo é, primeiro, dar um voto de confiança pra nós mesmas, nos aceitando como somos - mulheres normais, que acordam com uma espinha no queixo porque abusam do chocolate, que têm olheiras porque ficam vendo seriado até mais tarde na TV, que são humanas e não bonecas sem marca de expressão e bochecha rosada 24/7. É também se amar o suficiente pra mostrar pra todo mundo qual é a real. Por fim, é se empoderar e perceber que não precisamos de BB cream, base, corretivo, blush, pó compacto, rímel, cílio postiço, delineador e batom vermelho pra gostar da pessoa que encontramos todo dia no espelho depois de lavar o rosto.

Campanhas como a #stopthebeautymadness e a #TerçaSemMake estão nos convidando a pensar sobre isso, experimentar essa libertação (eu, que nunca tive grandes questões com minha auto-estima, confesso que tirei umas 7584 fotos até achar aquela que me deixasse mais à vontade para compartilhar) e celebrar junto com nossas amigas, irmãs, e mulheres ao redor que: a gente é linda pra cacete.

via Autoajuda do Dia
Sobre isso, uma história (essa é pequena, e eu juro que é a última): Como disse, nunca tive muito problema de auto-estima. No entanto, entre os 13 e 14 anos vivi minha fase mais crítica, aquela do lápis preto pra ir na escola e da vergonha absurda do corpo. E aí que minha viagem de formatura foi pra um resort, onde a principal (e talvez única) diversão era ficar na piscina. Seria a primeira vez desde que aquela coisa chamada adolescência tomou conta do meu corpo que eu iria aparecer de biquíni na frente dos meus colegas, e isso estava me deixando super insegura. Eu achava meu quadril enorme, minha bunda flácida, meus braços gordos e meus peitos pequenos. Só não entrei na piscina de camiseta e shorts porque isso me deixaria com mais vergonha ainda, e escreveria na minha testa o quão mortificada eu estava com aquela situação.

Fui uma das últimas a entrar na piscina, tirei a roupa correndo e logo pulei pra ninguém me notar. O que eu percebi observando as pessoas ao meu redor foi que, assim como eu, ninguém ali era perfeito. Reparava no corpo da menina que eu achava mais bonita e via que ela também tinha estrias e a bunda meio mole, que minha amiga magrinha também estava com vergonha das celulites e da pele branca, que a outra colega tinha ainda menos peito que eu. E eu não achava nenhuma delas menos bonita ou incrível por causa disso, elas continuavam maravilhosas. Só eram meninas normais de 14 anos, coisa que as modelos que eu via na Capricho não eram. Depois que eu percebi isso, nunca mais tive vergonha do meu corpo.

Não quero dizer, de forma alguma, que a gente deve olhar foto das coleguinhas sem maquiagem e se sentir melhor porque fulaninha não é tão bonita assim ou porque você """deu de dez""" na cara lavada dela. É ver que todas, inclusive você, somos maravilhosas. Com ou sem maquiagem.

Aliás, tá permitido gostar de make sim, eu inclusive amo muito, desde sempre, e o batom vermelho é meu melhor companheiro. O importante é virar a chavinha e entender que BB cream, base, corretivo, blush, pó compacto, rímel, cílio postiço, delineador e batom vermelho não têm que nos aprisionar e nos moldar de acordo com aquilo que os outros esperam ou acreditam ser bonito ou melhor, mas sim ser um algo a mais  pra gente se divertir, realçar aquilo que já temos de lindo, ou experimentar a delícia que é se sentir uma pessoa diferente só por causa de uma sombra preta ou de um batom laranja - ou então pra ignorar lindamente e ser bem feliz de cara limpa.


Parem com a loucura da beleza. O que as pessoas dizem que é bonito é só uma invenção de um conceito de beleza, assim e assado porque o mundo hoje gira assim e assado. A beleza de verdade, aquela que ninguém distorce, desconstrói ou rouba, é aquela que está dentro de você, de mim e de todas nós - e é ela que devemos celebrar.