terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Doismilestresse


Peço perdão antecipado pelo limite ultrapassado no trocadilho que dá título a esse post, mas essa aglutinação brega é a melhor coisa para dar conta desse meu ano que vai chegar ao fim daqui a algumas horas. Foram três períodos da faculdade em um ano com poucas férias e quase nenhum feriado, um dia-a-dia sem noção e sono suficiente; muito trabalho, mas muita coisa boa e muito crescimento. Por aí tenho ouvido que 2013 foi um ano para fazer jus à fama de azarado de seu último decimal e acompanhei muita gente passando por maus bocados nesses últimos doze meses, mas acho injusto dizer que o meu também foi ruim só porque atravessei a linha de chegada com meio metro de língua pra fora e uma bandeirinha branca. 

Nunca estive tão cansada, é verdade, mas não foi tudo de todo ruim. Aliás, meu 2013 foi uma coleção de dias estressantes em que eu acordava pensando que não ia dar conta, mas o que me fazia levantar era o fato de sempre ter algo bom me esperando lá na frente. Atravessei pequenos desertos, mas encontrei um oásis no fim em todas as vezes. Não consigo reclamar disso. 

Há exatas duas semanas eu e meus amigos da faculdade fizemos uma festa de final de ano. Como cada um é de um canto e não passamos Natal e Ano Novo juntos, a festa era pra unir essas duas comemorações e nos dar um gostinho do que era viver essas datas juntos. Era uma brincadeira, claro, mas fizemos direitinho e o jantar foi comido com pompa de ceia de Natal e à meia-noite nos abraçamos, trocamos votos de tudo de bom nessa vida, uma garrafa de champagne barato foi passando de mão e mão na roda e naquela noite eu voltei pra casa sentindo uma energia diferente, como se eu tivesse mesmo vivido o Natal e o Ano Novo num intervalo de poucas horas. Como minha família não tinha grandes planos para as festas desse ano além dos de sempre (cada ano mais preguiçosos), resolvi que aquele noite tinha sido o meu Natal e meu Ano Novo e talvez por isso os dias que se seguiram, até hoje, passaram fazendo com que eu me sentisse em um limbo bizarro, presa num vão que não era 2013, mas não tinha frescor da folhinha nova no calendário. Sumi da internet, da vida e até um pouco de mim, por isso não vejo a hora de acordar amanhã com aquela sensação maravilhosa de que algo novo está começando, ainda que seja mais do mesmo. 

Para não perder o costume, um pequeno balanço (inspirado no post da Juliana Cunha):

O que foi legal em 2013
- Fui pro Nordeste com a minha família duas vezes e matei minhas saudades do mar;
- Dois encontrões mafiosos;
- São Paulo com os amigos, Lollapalooza, show do Killers;
- Consegui uma iniciação científica com um tema que me interessa de verdade;
- Fiz matérias que mudaram minha cabeça de lugar e me ensinaram mais sobre o que eu sou, o que eu penso e acredito;
- Escrevi bastante - ainda que o blog tenha ficado em quarto plano;
- Aprendi a dirigir de verdade e perdi o medo do trânsito;
- Aprendi a passar delineador;
- Descobri que fotografia é legal;
- Criei coragem pra ficar ruiva e gostei do resultado;
- Senti o quanto meus pais me amam e se importam comigo - nunca duvidei disso, mas esse ano eles demonstraram isso de uma forma diferente e muito mais intensa. São os melhores do mundo;
- Consegui participar mais (no sentindo Charlie da coisa);

O que não foi legal em 2013
- Percebi que não dou conta de fazer tudo que tenho vontade de fazer e tive que largar coisas no meio do caminho;
- Vi que meu pai estava mesmo certo quando dizia que uma hora meu corpo ia cobrar a conta e fiquei muito doente e muito surtada por achar que eu dava conta de tudo;
- Dormi pouco e comi mal;
- Não passei na prova do Detran;
- Bati o carro;
- Só fiz bagunçar meu quarto e bagunçar ainda mais sobre a bagunça e agora eu muito sinceramente não sei como proceder;
- Vi poucos filmes;
- Me irritei desnecessariamente com as coisas ao meu redor;
- Me senti mais ovelha negra do que nunca;

Coisas que quero fazer em 2014, mesmo não acreditando em resoluções de Ano Novo
- Tirar carteira de motorista, pelo amor de Deus, isso já tá ficando ridículo;
- Levar o francês mais a sério e estudar de verdade - não só quando tem prova ou quando é dia de entregar o livro;
- Me organizar melhor para parar de virar noites ou acordar quatro e meia da manhã pra terminar algum trabalho;
- Viajar: com a Máfia, com os amigos e com a família;
- Ler um livro nacional por mês;
- Fazer cartões de Natal para as pessoas que eu gosto (nota mental: começar a fazer na Páscoa);
- Tentar de verdade manter um diário de papel, mesmo que ele seja feito só de quotes, letras de música e recortes de jornal;
- Encarar a papelada e tudo de chato e angustiante que envolve eventualmente estudar fora do país;
- Ler mais jornais e revistas e não só os colunistas que eu gosto e as páginas de artes;
- Fazer força para dormir antes da meia-noite, pelo menos durante a semana (ou no mínimo quando eu tiver que acordar antes das 9h);
- Aprender a mexer na minha câmera analógica e fazer coisas legais com ela;
- Atualizar o iOS do meu celular;
- Comprar um estojo e um caderno novos (pois é);
- Ir mais à igreja;
- Arrumar de verdade meu armário e não só organizar marromenos pra menos de um mês depois estar tudo uma zona de novo;
- Fazer algo legal no meu aniversário e não ficar surtada e deprimida e querendo me esconder das pessoas;
- Dizer mais sim do que não (mas com sabedoria).

New year's resolution - to write something of value
New year's resolution - to write something would be fine


sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Discoteca 2013

Seguindo a tradição iniciada ano passado, vou novamente listar aqui os CDs que mais gostei de ouvir no ano de 2013. Não sou nada apegada a lançamentos e por isso nem ousarei fazer uma lista de favoritos lançados esse ano, essa é só uma listagem absolutamente subjetiva sobre os discos fizeram o meu ano, que contemplará trabalhos dos anos 60, coisas que entraram na lista da Pitchfork de melhores do ano e também aqueles que caíram no ostracismo porém fizeram meu coração. 


"More Adventurous", Rilo Kiley: Esse CD vai completar 10 anos ano que vem e foi a última coisa realmente relevante que o Rilo Kiley produziu - e ainda assim é o meu disco querido de 2013. Estou começando a achar que Rilo Kiley é a banda da minha vida (mais sobre isso em alguma outra oportunidade) porque a elegi ano passado como a banda do ano e não consigo não fazer uma dobradinha nesse. "More Adventurous" esteve comigo de janeiro a dezembro e tem tudo a ver com o que eu vi, fiz, pensei e senti no ano que passou e com tudo que eu vejo, faço, penso e sinto na vida, no geral. Não é a trilha daqueles meses, nem é sobre mim e alguma outra pessoa, mas é a minha, e só minha, alegria egoísta, pau pra toda obra, tatuagem na alma, etc e tal. Jenny, Blake, tamo junto, nos fones e na vida. 
Musiquinha do coração: "Portions for foxes", "Does he love you?"


"Summerteeth", Wilco: Se 2004 não parece remoto o bastante, o segundo disco do meu ano é de 1999. Wilco é uma das minhas bandas favoritas há anos e esse ano o que não faltou foram boatos de que eles finalmente viriam tocar no Brasil. Nada foi anunciado e minhas esperanças estão começando a minguar, mas tenho ouvido Wilco loucamente como se assim pudesse atrai-los pra cá. Nunca tinha prestado atenção no "Sumerteeth", mas graças ao shuffle, que colocou "She's a jar" pra tocar despretensiosamente, tenho passado os últimos meses mergulhada em paixão por esse CD sensacional de 17 faixas, todas elas me fazendo estremecer de amor, identificação e desespero por que COMO PODEM SER TÃO BONS??, POR QUE TODAS AS PESSOAS DO MUNDO NÃO AMAM WILCO TANTO QUANTO EU??? Enfim. Preciso de um show deles. Logo. 
Musiquinhas do coração: "A shot in the arm", "She's a jar", "Via Chicago"


"Monomania", Clarice Falcão: Haters gonna hate o quanto quiserem, eu amo essa mulher. "Monomania" é o melhor nome possível para esse álbum de estreia, porque o efeito dele em mim é de sempre dizer que vou ouvir uma música em específico e me pegar ouvindo ele inteiro, várias vezes seguidas, sem conseguir parar. Não sei por que todo mundo cobra que todo lançamento da música brasileira precisa ser fierce enquanto não temos nada contra cantorinhas fofas americanas. Vamos amolecer esses corações e ser mais felizes, por favor!
Musiquinhas do coração: "Talvez", "Capitão Gancho", "Macaé". 


"The Next Day", David Bowie: Faço minhas as palavras da Lya para resumir minha relação com David Bowie: Não conheço o quanto gostaria. Não ouço o quanto deveria. Respeito pra cacete. Não sou letrada nele, não sei discorrer sobre sua discografia, mas sempre o achei um dos caras mais legais do mundo e nutria um carinho distante porém genuíno. Em 2011 o Flaming Lips lançou uma música se perguntando se ele estaria morrendo, por causa de sua reclusão de anos, e fiquei devastada quando li esse texto ano passado sobre a decadência do camaleão. Então, vibrei quando ele lançou esse CD esse ano, não o disco de um velhinho decadente, mas um puta trabalho que mostra tudo que ele ainda pode fazer. Fiquei feliz de finalmente poder fazer parte de um pedacinho da história da sua carreira e a capa genial de "The Next Day" ainda me deu um gancho bem ótimo pra um trabalho da faculdade que fiz sobre indústria cultural, haha.
Musiquinhas do coração: "Valentine's day", "The stars (are out tonight)", "Dancing out in space".


"AM", Arctic Monkeys: Pego muito no pé dos macaquinhos do Ártico e nossa relação é cheia de altos e baixos (mais sobre isso em outra oportunidade), mas "AM", o álbum do ano pra um monte de gente respeitada, fez com que eu me curvasse em definitivo pro talento desses caras para muito além do charme da bossa de Sr. Alex Turner. "AM" é um trabalho foda da primeira à última música e fico genuinamente satisfeita quando vejo bandas que começaram como sensações hypadas indiezinhas com guitarrinhas rápidas fazerem música de gente grande. O que dizer sobre a turnê desse disco que nunca vi de perto mas já sinto falta pacas?
Musiquinhas do coração: "No.1 party anthem", "Do I wanna know?", "Arabella".


"Days Are Gone", HAIM: HAIM é mais do que a melhor banda dos últimos tempos da última semana surgida em 2013, é um estilo de vida. Alana, Danielle e Este são três irmãs sensacionais da Califórnia que fazem um som que parece um Fleetwood Mac revisitado, cantam sobre os dramas das mocinhas modernosas do século XXI, são pessoas sensacionais e performers fantásticas. Assistir suas apresentações ao vivo e suas entrevistas (todas) no Youtube e salvar todas as suas fotos sendo lindas e inspiradoras numa pastinha do Pinterest é tão necessário quanto ouvir esse disco, um dos meus tesouros desse ano que passou.
Musiquinhas do coração: "My song 5", "Don't save me", "The wire".


"Modern Vampires Of The City", Vampire Weekend: Acompanho Vampire Weekend desde o comecinho, ainda que eu nunca tenha sido fanática por eles. De todo jeito, fica um orgulho gostoso, muito parecido com o que sinto pelos Arctic Monkeys, ao vê-los superando os cinco minutos de amor no coração da indiezada e construindo uma carreira consistente, com trabalhos cada vez mais bacanas. Não tem uma música desse CD novo que eu não goste e ainda que eu não tenha decidido se vou ou não ao Lollapalooza do ano que vem, se eu decidir encarar o Vampire definitivamente vai ter um peso grande nessa decisão. Acho que vai ser demaisão vê-los ao vivo numa fase tão ótima - Ezra Koenig, te amo, te quero. E é sem dúvidas a capa mais bonita de 2013.
Musiquinhas do coração: "Hannah Hunt", "Unbelievers" e "Step".


"Battle Born", The Killers: E por falar em Lollapalooza, esse ano tive a chance de ver o Killers, uma das minhas bandas favoritas da vida. Definitivamente não é a melhor fase deles, e esse CD, lançado ano passado, não me empolgou nem um pouco no início, mas fiz uma imersão nele pra poder aproveitar o show. No fim das contas fiquei chateada que eles não colocaram mais músicas dele no setlist, como "Heart of a Girl" e a cafonérrima (porém querida) "Here With Me". Também foi um dos CDs que mais ouvi dando voltas no quarteirão pelo bairro quando estava aprendendo a dirigir, então ele sempre vai me lembrar de coisas importantes e especiais desse ano.
Musiquinhas do coração: "Miss Atomic Bomb", "The way it was", "Runaways".


"Prolonging The Magic", Cake: O Cake foi outro fruto do Lollapalooza, mas ao contrário do Killers, ele nunca foi uma das minhas bandas favoritas. Na verdade, nunca realmente parei pra ouvir Cake até esse ano, e resolvi baixar a discografia pra aproveitar bem o show - que foi uma delícia! "Prolonging The Magic" foi o disco com o qual eu mais me apeguei, o que foi ruim só porque não é um trabalho muito popular e só duas músicas foram tocadas. Mesmo assim, tenho um carinho enorme por ele e pela banda, que é oficialmente a minha trilha sonora do volante (mais sobre isso em outra oportunidade).
Musiquinhas do coração: "Mexico", "Guitar" e "Walk on by"


"Sacode!", Nevilton: Conheci essa banda simpática através da coletânea "Jeito Felindie", que entrou na minha Discoteca 2012. Baixei o CD mais novo deles, lançado esse ano, pra conhecer um pouco mais e me apaixonei. Acho que finalmente superei o Los Hermanos e por isso estava sentindo falta de uma banda de rock nacional para amar. O som do Nevilton lembra Los Hermanos nos seus primeiros anos, mas com um vigor diferenciado e com muita qualidade. A vibe é de viagem pra praia com os amigos, ainda que eu tenha ouvido sentada na janela do ônibus aqui mesmo em Uberlândia. 
Musiquinhas do coração: "Crônica", "Noite alta", "Friozinho" e "Bailinho particular".


"If You Can Believe Your Eyes And Ears", The Mamas and The Papas: A única coisa boa que a temporada de Dexter trouxe pra mim foi o estímulo pra começar a ouvir The Mamas and The Papas. Não sei o que dizer sobre o por que amei e me apeguei tanto e tão rápido, por que pra mim parece impossível que alguém não ame e se apague a esse quarteto dos anos 60 que nos faz sonhar e flutuar. E Mama Cass, a grande estrela e melhor vocalista, é diva para todo sempre amém. Esse CD de 66 é perfeito para se ouvir nas épocas mais caóticas da vida, porque colocam paz no coração juntamente com as harmonias maravilhosas do grupo. 
Musiquinhas do coração: "Monday monday", "Go where you wanna go", "I call your name". 


Trilha sonora de "The Bling Ring": Sou obcecada pela história real de Bling Ring desde 2010, quando o caso vazou pra mídia e o reality show Pretty Wild estreou na E! Por causa dessa curiosidade permanente, me refastelei esse ano com o livro (decepcionante) e a dramatização no cinema (ótima) do caso dos adolescentes de classe média que invadiam casas de celebridades pra roubar suas roupas e pertences. Quem dirigiu o filme foi meu amor de Coppolinha e é claro que ela matou a pau. Das muitas coisas que chamam atenção, uma delas é a trilha sonora, com muito rap, hip-hop e letras de ostentação - tudo a ver com o espírito do filme. Nunca fui muito ligada a esses batidões, mas tenho curtido cada vez mais, um dos motivos pra trilha do filme não sair do meu celular. 
Musiquinhas do coração: "Crown on the ground" (Sleigh Bells), "Bad girls", "Sunshine" (M.I.A).

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Vestida para não lidar

Eu tenho esse par de tênis, sabe, bem bonitos até. Quer dizer, eles eram lindos há quatro anos atrás, quando foram comprados. Os detalhes em dourado ainda tinham brilho, e a parte branca não tinha ficado encardida pelo uso. É um par de tênis com uma vibe meio skatista, ou o mais próximo disso que uma pessoa como eu (que faz as unhas toda semana e passa blush todos os dias) pode chegar: a vontade de arranjar um namorado skatista e ir num show do Blink 182. 

Eu usava eles quase todo dia pra ir pra escola, daí os detalhes em dourado que hoje são apenas um amarelo forte meio tristinho e a parte branca toda encardida, motivos que me levaram a deixá-lo ali no fundo do armário. Também tem o fato de que era uma coisa ok de se usar com calça jeans e o blusa de uniforme da escola, mas desde que abandonei essa vida ingrata de colegial, meu tênis de skatista-com-batom-vermelho não casa mais com meus trajes civis. Me sinto uma daquelas mães que insistem em usar as roupas da filha de 15 anos e ninguém avisa que ela já passou dessa fase - não que eu tenha deixado de ser 14 anos no coração e sabe Deus como eu ainda canto com fervor All The Small Things no carro e no banho, mas é bom tentar manter as aparências. 

O negócio é que mesmo que esses tênis não saiam mais comigo com a frequência de antes, eu nunca consegui me desapegar deles. Vira e mexe eu abro o meu armário e eles são a única coisa que eu quero, porque são os meus sapatos de não-lidar, ideal para aqueles dias em que eu saio da cama com vontade de voltar pra ela, incapaz de encarar de cabeça erguida o dia que me espera. Dias que já começam com o pé esquerdo, com muito sono acumulado e dor nas costas, em que eu passaria de bom grado a chance de interagir com algum ser humano. Meus tênis de não-lidar ainda existem no armário para me ajudar naqueles dias em que eu não tô pra vida, e nessas ocasiões eles são meus sapatinhos de cristal. 

Esse par de tênis pode não ter mais detalhes em dourado e estar meio encardido para todo sempre amém, mas ele é o sapato mais macio que eu tenho. Além disso, eu consigo calçá-lo sem precisar de desamarrar os cadarços e depois amarrá-los de novo, ainda que ele fique com aquela aspecto largo e largado - e eu automaticamente começo a ouvir Nobody's Fool tocando ao fundo, por mais que o primeiro CD da Avril Lavigne esteja esquecido na gaveta há anos (mentira). Se tem uma coisa com a qual eu não gosto de lidar nesses dias de não lidar é com cadarço, mas o pouco de dignidade que me resta me impede de apelar pra um tênis de velcro ou, pior ainda, um Crocs com meia. 

Aí vocês me dizem que não faz sentido eu me dar ao trabalho de calçar um tênis quando posso simplesmente sair de Havaianas e dar uma banana para a sociedade bem calçada uberlandense, mas já teorizei aqui uma vez sobre o poder exercido pelas meias no meu ânimo. Um colchão quentinho e macio para os pés que aquece a alma, um restinho de infância nos pés desafiando a monotonia da vida adulta e o monopólio das meias brancas, uma resistência silenciosa em forma de desenhos das Meninas Super-Poderosas numa fachada de universitária mais ou menos séria. Como complemento perfeito, os tênis de não-lidar, servindo de escudo às meias amuleto, que me lembram que já vivi dias melhores e outros hão de vir.

Somando a esse desleixo ideologicamente construído, a boa e velha legging preta e uma camiseta de banda - alternativa socialmente aceitável que substitui àquela camiseta brinde de congresso (ou lembrança da feira de ciências de 2008) que é um pijama perfeito para noites não-lidáveis, mas no dia-a-dia é sempre bom estabelecer limites. E é assim, querida leitora, que você fica pronta para encarar um dia que passaria melhor se não encarado, mas ninguém aqui está com a vida ganha. Pegue aqueles óculos escuros gigantes, providencie Blink e Avril Lavigne para ouvir no talo com fones de ouvido, e espere pacientemente que o dia passe sem maiores danos.

No meu caso, fico sentada com a mão no queixo evitando qualquer interação, mas não vou mentir que ainda não desisti daquele namorado skatista.

Hoje não, Rodrigo

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Shadow-kissed Anna

Começou um pouco antes disso, mas nós fomos reparar há duas terças-feiras atrás, quando eu e meu amigo Rodolfo tivemos a mesma ideia sobre o trabalho de diagramação que tínhamos que fazer. Assim que eu perguntei pra professora se era possível fazer da forma como eu tinha imagino, ele olhou pra mim e disse: você roubou a minha ideia. Nem era uma ideia tão boa ou revolucionária assim, por isso não achei nada demais. Mas, na quarta-feira daquela mesma semana, aconteceu de novo: enquanto a professora nos explicava a respeito do trabalho de Radiojornalismo, que consistia em capturarmos o som da cidade, eu tive uma ideia de como fazer o meu. Essa sim, modéstia a parte, foi boa. Tão boa que eu não consegui esperar até o intervalo para dividi-la com minha dupla, e enquanto eu dizia pra ela que nós íamos na missa de domingo fazer a captura de som, logo na fileira ao lado o Rodolfo dizia exatamente a mesma coisa para sua dupla.

Ela, que estava mais perto, ficou me olhando embasbacada. Eu e Rodolfo tivemos a mesma ideia e falamos ela exatamente na mesma hora. Ele foi um cavalheiro, me deixou ficar com a ideia da missa e começou a pensar em outra coisa, mas foi aí que nós começamos a reparar que aquilo era no mínimo estranho. Anna, para de entrar na minha cabeça, foi a forma que ele arranjou de reconhecer o fenômeno. 

A terceira ocorrência, na segunda-feira da semana seguinte, foi a mais assustadora de todas. De novo, eu disse uma coisa que ele estava pensando há muito tempo e não tinha contado pra mais ninguém. De novo, a gente se olhou embasbacado com a coincidência, as pessoas ao redor estavam lá para comprovar que não foi nada combinado, e eu comecei a achar que talvez eu estivesse mesmo passeando pela cabeça do meu amigo. Falei que ele deveria tomar cuidado comigo, que estava possuída por uma esponja sugando tudo que passava por suas ideias. Rimos. Esquecemos. A gente sabe que foi grande. A gente sabe o que estava fazendo no momento. A gente sabe que foi grande o suficiente para nos deixar pensando que de fato estivéssemos nos comunicando por telepatia. E agora a gente esqueceu completamente o que foi. 

Nos últimos dias, tem acontecido direto. No domingo, por exemplo, ele me mandou vários (vários mesmo) exemplos de logo que havia feito pro nosso jornal-laboratório. Eu escolhi dois que havia gostado mais, os mesmos dois que ele tinha definido como seus preferidos. No dia seguinte, mostrei pra ele a capa que eu tinha feito para o jornal, usando como ilustração e manchete uma matéria que eu inventei, mas bem que queria colocar em prática algum dia. Ele tinha pensado na mesmíssima pauta. Hoje fazia frio quando eu acordei, frio o bastante para eu vestir um roupão quentinho antes de ir pra cozinha fazer meu chá. E aí, no início da tarde, o céu se abriu todo azul, fez calor, e eu me arrependi da blusa de mangas compridas que usava. Rodolfo chegou na sala de aula de suéter, xingando o calor que tinha voltado. Meia hora depois o céu ficou cinza e começou a chover. Nós olhamos pra fora. Essa cidade está ESQUIZOFRÊNICA, dissemos juntos. Ênfase no adjetivo. Esquizofrênica. Ninguém pensa nisso ao mesmo tempo se não estiver sendo vítima de uma sintonia telepática brutal. Não é como gritar gol depois de um lance certeiro, não é como berrar de susto na cena do palhaço de Poltergeist. 

A única maneira que encontrei pra explicar esse transmimento de pensação intenso que tem rolado entre a gente tem a ver com os livros da Richelle Mead. Sim, os vampiros. Não, não só não desapeguei como agarrei firme na Vampire Academy (graças ao maravilhoso e cintilante clube do livro da Irena) e em menos de uma semana cheguei ao terceiro volume - minuto de silêncio pela minha dignidade. E aí que no livro a protagonista Rose tem um elo de espírito com sua melhor amiga Lissa, e vira e mexe ela se vê na cabeça da amiga, sentindo o que ela sente, pensando o que ela pensa, vendo o que ela vê. É um elo que funciona de um lado só: enquanto Rose sente literal e visceralmente suas tristezas, angústias e até mesmo está presente nas pegações da amiga, Lissa não consegue compartilhar dos sentimentos da outra mais do que qualquer pessoa normal conseguiria. Isso acontece porque (talvez isso seja um spoiler) Lissa salvou Rose da morte, graças a seu poder de cura que veio de brinde com seus dons do espírito. Assim, é como se Rose tivesse um pedaço da alma de Lissa consigo, o que permite esse elo bizarro que às vezes é uma mão na roda posto que além de amiga, Rose é a guardiã de Lissa, único membro restante de uma família real de vampiros e perseguida por muita mal intencionada (I KNOW RIGHT!!!!) Pesquisando sobre esse fenômeno, Rose descobriu que havia outras ocorrências assim na literatura vampiresca, e que pessoas como ela eram chamadas de shadow-kissed, beijada pelas sombras, um jeitinho cafona de chamar aquela pessoa que já olhou nos olhos da morte e voltou pra contar a história. (fim do talvez-spoiler).

Isso é o que eu chamo de estar com a cabeça no lugar.

E aí tudo se encaixou. Ainda não consigo me lembrar daquele dia loucaço em que eu morri num acidente de carro e o Rodolfo me salvou, mas o elo definitivamente é real. Ou isso ou o simples fato de que eu tenho um amigo com quem eu me dou tão bem que agora a gente pensa as mesmas coisas e tem as mesmas ideias, e que bom que nós trabalhamos muito juntos.

A melhor parte disso tudo é que segundos antes de ele sugerir que essa maluquice virasse uma crônica eu já tinha decidido qual seria o texto de hoje. Nem falei isso na hora para não aparecer marmelada, mas acreditem em mim. Richelle Mead explica.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Lembrança de Itapuã

Sexta-feira, durante aula que parecia não acabar resolvi dar uma olhada no Facebook - não me julgue, caro leitor, eu sei que você também faz isso. Entre gente xingando o Joaquim Barbosa, gente exaltando o Joaquim Barbosa, gente xingando quem xinga ou exalta o Joaquim Barbosa e contagens regressivas para o fim de semana, me deparo com uma foto da minha mãe. De chapéu, óculos escuros e vestido azul de verão, lá estava ela passando uma tarde em Itapuã e fazendo pose ao lado da estátua de Vinícius de Moraes, que agora existe na praia imortalizada por seu poema.

Falando com ela ao telefone no dia seguinte, descubro que de Itapuã mamãe vai levar a foto e a lembrança dos calafrios que fizeram com que ela deixasse a praia em menos de dez minutos. Uma viagem tenebrosa de táxi e duas paradas para vomitar depois e ela estava de volta ao hotel, onde passou os últimos dias de cama, enrolada em lençóis empapados de suor. A culpa era de um camarão com procedência duvidosa que ela, mineira empolgada, comeu em seu primeiro jantar em Salvador. Somando a doença ao péssimo café da manhã do hotel, às praias sujas e ao preço abusivo de tudo - "R$6 uma garrafa de água, imagina na Copa!", o resultado foi a volta da viagem adiantada em dois dias. 

O problema é que as únicas pessoas que souberam dessa pequena grande intempérie das férias de mamãe foram as amigas que estavam com ela e eu. Para o microcosmo que acompanha suas aventuras pelo Facebook, foi uma viagem incrível, pois a ordem lá é ser feliz.

A rede social exibe para o mundo a melhor versão de nós mesmos, construída com esmero por meio de fotos das festas e das férias, um registro eterno daquele efêmero instante em que o meu cabelo estava mais bonito do que nunca e daquela noite em que eu troquei o misto quente de todos os dias por um fotogênico prato de gente grande. No Facebook, até o suco de couve receitado pela nutricionista parece ter gosto de ambrosia. 

No mundo real, acordo de mau humor, tenho olheiras, pontas duplas e posso pegar intoxicação alimentar, desventuras às quais estou suscetível, assim como o resto mundo, pelo simples fato de ser humana. Todavia, essa falibilidade parece insuportável num mundo moderno que me dá controle sobre quase tudo, daí a sedução exercida por redes como Facebook, que me permitem editar minha própria vida de modo a mostrá-la da forma mais curtível possível. 

É uma ilusão patética que criamos, para nós e para os outros, doentia ao ponto de eu sentir inveja da cor do meu próprio cabelo nas fotos, da mesma forma como me frustrei vendo fotos da minha mãe na praia enquanto eu estava na aula. Um pesquisador de Stanford concluiu que por mais sorridentes que estejamos em nossas fotos de perfil, o Facebook é a rede social que mais deixa as pessoas tristes, pois o contraste entre o mundo real e o universo paralelo altamente curtível acaba com o ânimo de qualquer um.

Mentira boa é aquela que nos faz esquecer da verdade, já dizia minha avó, e por isso nós comparamos os bastidores da nossa vida ao espetáculo da vida dos outros - frase maravilhosa que a Analu me disse um dia, mas que a própria não tem certeza se é coisa da sua cabeça ou se foi retirada de algum lugar -, sem lembrar que todo álbum de viagem aparentemente perfeito guarda algum caso de vôo atrasado ou intoxicação alimentar. Ninguém fotografa esses momentos de humanidade pura, mas é um consolo interessante lembrar deles, principalmente numa tarde de sexta-feira, durante aquela aula que não acaba nunca. 

Pensarei nisso da próxima vez que estiver entediada e resolver dar uma olhada no Facebook – ou talvez eu escolha a dedo uma citação de Foucault e diga que estou assistindo à melhor aula da minha vida.

(Apelei e aproveitei uma crônica que escrevi para uma matéria da faculdade, mas juro que é porque o dia foi foda e está longe de acabar. Mesmo numa semana terrível, a missão suicida segue firme, quem vai me acompanhar?)

domingo, 8 de dezembro de 2013

Aquele com o dedão

Todo mundo tem uma história de dedo amassado na porta do carro pra contar, e se ainda não tem pode esperar - e nem adianta prestar atenção antes de fechar a porta. Aliás, todo mundo tem duas histórias de dedo amassado na porta do carro pra contar, sendo a primeira delas culpa dos pais ou adulto responsável e a segunda é nossa mesmo, naquele dia que não prestamos atenção antes de fechar a porta.

Bom, sexta-feira eu consegui cumprir minha cota obrigatória.

Depois de passar anos ouvindo mamãe contar, às vezes com lágrimas nos olhos por conta de uma culpa que teima em não ir embora, sobre aquele dia que ela fechou meus quatro dedos na porta do carro, agora finalmente posso confiar na minha própria memória na hora de descrever para os outros essa dor visceral. Não gritei como fiz aos quatro anos, mas assim como minha mãe fiquei em dúvida se tinha inchado muito rápido ou se meus dedos são gordos daquele jeito mesmo. 

Depois de esperar a semana inteira e uma aula que parecia não ter fim, saí da faculdade borboletando ansiosamente rumo ao shopping. No meio da faixa de pedestres da primeira rua que eu tinha que atravessar para chegar até lá, sinto os grossos pingos de chuva na minha cabeça. De vestido, sandália aberta e sem guarda-chuva, não tive muita opção senão voltar para o campus e mendigar uma carona pra um amigo. Esperei uns bons vinte minutos porque ele enfrentou um cosplay de dilúvio até chegar lá e achou que não fosse conseguir ficar inteiro pra me contar a história, mas no fim das contas lá estávamos nós no estacionamento, vivos e secos, contemplando o horizonte de uma noite de sexta que nos prometia exatamente aquilo que nós, jovens universitários com 35 anos no coração, mais queríamos da vida: Hambúrguer! Filme! Açaí!

Inebriada por essas perspectivas, não prestei atenção antes de fechar a porta e no meio do caminho tinha um polegar, tinha o meu polegar no meio do caminho e meu Jesus Cristinho como doeu.

I'm Jack's broken heart.

A dor de um dedão amassado na porta do carro é o tipo de cacetada que nos acorda pra vida, o tipo de impacto que faz nascer um clube da luta, o tipo de dor que nos lembra da nossa humanidade. A porta do carro foi com tudo no meu dedo, mas eu senti uma coisa ruim no corpo inteiro e só olhando pra minha mão espremida na porta que eu percebi de onde vinha a perturbação. Foi tão forte que de repente eu não sentia mais nada e comecei a rir junto com meu amigo, gargalhar e exclamar em voz quase alta como eu era burra. E no meio da gargalhada eu senti lágrimas quentes na margem dos meus olhos porque as risadas mandaram a adrenalina fora e a dor veio, pulsando, e eu tinha a impressão que a qualquer momento meu dedo ficaria gigante e vermelho, maior que a minha cabeça, como numa história em quadrinhos onde ele ocuparia o quadrinho inteiro, dividido apenas com as onomatopeias das minhas exclamações de dor e talvez as estrelas e passarinhos em volta da minha cabeça.

I'm Jack's raging bile duct.

Dor, gente, fazia tempo que eu não sentia tanta dor. Ao menos não uma dor tão direta. Vocês já pararam pra pensar que basicamente tudo o que a gente vive atualmente é uma experiência mediada e não direta? Seja a tragédia nas Filipinas que faz chorar quando vista pela TV ou aquela cólica horrorosa, que por mais doída que seja ainda acontece entre você e seu útero que contrai nas horas mais impróprias. Fechar o dedão na porta provoca uma dor intensa, brutal e absolutamente direta, só perde para um soco no nariz vindo de um gancho de esquerda nos fundos de um restaurante, pela madrugada.

I'm Jack's wasted life.

Fui no banheiro, passei uma água no rosto, deixei muita água correr no dedo pulsando e fui encarar a fila. E entre a preocupação com o fato de que o filme que iríamos ver não aparecia no telão animado da bilheteria - mais um obstáculo nos separando da noite de sexta perfeita - e a realização de que eu provavelmente perderia minha unha, o mundo começou a girar. Igual filme, talvez pior, eu comecei a ver pontinhos pretos e coisas desfocadas, os sons ficaram distantes e parecia que eu não tinha energia para pegar um chiclete na bolsa e tentar espantar aquilo. Enfim o quadrinho que me mostra vendo estrelas e com vários passarinhos sádicos girando ao redor da minha cabeça. Não sei como não desmaiei no caminho que percorri trançando as pernas até o banco mais próximo.

I'm Jack's cold swet.

E aí, depois do pior as coisas sempre ficam bem. Ou talvez o fato do meu sonhado hambúrguer ter vindo errado, ou a energia acabando no meio do filme e até mesmo o completo desastre de trem que o remake de Carrie - A Estranha se mostrou ser - tudo isso se juntou para que eu esquecesse completamente do meu dedo. Eu nem teria pensado mais nele não fosse pelo fato de que a vida fica muito mais difícil quando não se tem um polegar opositor pra te ajudar a segurar o garfo com firmeza ou descrever freneticamente o quão ruim é o remake de Carrie para a Taryne no Whatsapp. Não é irônico que uma dor assim tão direta se mostre um obstáculo para experiências que nos fazem experimentar a vida de forma mediada do modo como faz um smartphone? Amassar o dedão na porta do carro nos lembra que somos humanos justamente porque ele nos tira um dos traços evolutivos que possibilitou justamente que fossemos complexos o bastante para sonhar com hambúrgueres, produzir filmes e ir ao cinema. E ao mesmo tempo, estúpidos o suficiente para não prestar atenção na hora de fechar a porta.

I'm Jack's inflamed sense of rejection.

Acordei sábado às seis da manhã com dor. O dedo pulsado, dolorido e enjoado. Tentava voltar a dormir mas olhando aquele roxo que se formada na parte de trás quis muito alcançar meu celular e digitar no Google algo que tivesse a ver com gangrena provocada por uma pancada, só para descartar as possibilidades, sabe como é. Depois pensei na minha unha e na tristeza que seria perdê-la. Pior ainda se alguém viesse me dizer que eu poderia ter evitado isso se tivesse colocado gelo na hora, coisa que não fiz porque meu amigo querido, Matheus Fernandes, disse que eu estava sendo manhosa e que não tinha sido nada. Virei pro outro lado e pensei que se minha unha viesse a cair eu iria lhe enviar os restos mortais pelo correio, como numa mensagem mafiosa. Nada de peixe enrolado no jornal ou cabeça de cavalo sangrando na cama, mas uma unha de dedão infeliz, para ele nunca mais subestimar a minha dor.

I'm Jack's smirking revenge.

Fechar o dedão na porta nos lembra que somos humanos e todo mundo mundo vai passar por isso um dia. E essa é a história do meu.


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Te peguei no colo

Ontem minha prima Mariana completou 11 anos de idade, e bem quando eu estava escrevendo uma mensagem pra mandar pra ela, percebi que sem ver tinha escrito que não acreditava que eu já tinha pego ela no colo. Me assustei com essa frase não só porque é absurdo que a prima que eu até hoje vejo como um bebê tenha vividos anos que não cabem mais nos dedos da mão, mas sim porque eu sempre odiei ouvir que os outros já me pegaram no colo. Nada contra colos, nada contra os outros, mas não gosto de adultos nostálgicos, principalmente esses que, diante de evidências da passagem do tempo, adoram lamentar os anos idos como se fosse uma coisa muito ruim crescer.

Acho que é por isso que nunca gostei muito de fazer aniversário, pois isso significa que vou ter que ouvir de um monte de gente que parece que foi ontem que eu cabia em seus colos e que droga eu não ser mais um neném. Como se eu fosse uma pessoa muito pior hoje do que quando babava em suas roupas e como se eu tivesse culpa de alguma coisa. Se pudesse escolher eu também ficaria pra sempre na época em que podia fingir dor de barriga para não ir pra escola e assistir Convenção das Bruxas na Sessão da Tarde, por mais que ache que infância é a fase mais superestimada de todas - mas isso é caso pra outro post. O negócio é que odeio a nostalgia deprimente dos adultos ao meu redor e pior ainda quando ela vem de algum amigo dos meus pais que eu não vejo há quinze anos que vem me perguntar se eu lembro daquela vez que vomitei depois de comer um monte de danoninhos. É claro que não lembra, você era tão pequena. Acredita que já te peguei no colo? 

Só que a Mariana fez 11 anos ontem e a única coisa que eu conseguia pensar era naquela tarde que eu cheguei atrasada na escola porque fiquei na maternidade esperando para segurar ela colo. Li em uma dessas listas de coisas que todo mundo deveria fazer antes de morrer que era preciso ver alguém nascer e se desenvolver para ter uma vida completa. Por mais que meu susto tenha muito daquele pasmo existencial que tão bem descreveu o Antonio Prata ao dizer que vira e mexe descobre que uma coisa que ele pensava ter acontecido há dois anos já conta cinco, o que me atormentou mesmo foi pensar que aquela menina que na minha cabeça tinha parado nos seis anos já é um ser humano tão cheio de ideias, vontades, sonhos e segredos como qualquer outro, como eu fui quando tinha a idade dela e como sou hoje. 

A gente tende a olhar para a nossa infância como se fosse uma vida paralela à nossa, com lembranças que são um misto de registro pessoal e tudo que apreendemos das fotografias, histórias que nossos pais não cansam de repetir e também aquelas que inventamos sem querer. Mas, veja bem, com onze anos eu já era muito eu, se é que vocês me entendem. Euzinha, amiga de muitos dos meus melhores amigos, fãs de bandas que gosto até hoje, vivendo muitas das histórias que hoje conto pros outros e são as mais engraçadas e malucas que eu tenho. Aos onze anos, eu já tinha um blog, queria escrever um livro e fiz uma revista com as minhas amigas na aula de redação da escola. Aos onze anos eu era apaixonada pelo filho da minha professora de Português seis anos mais velho que eu, e a gente conversava sobre The O.C. (!) e eu comecei a ouvir Pearl Jam pra ele me achar muito legal. Aos onze anos eu já tinha uma coleção de blusas de bolinha e só não pintava minhas unhas de preto porque minha mãe não deixava.

Ou seja, pouca coisa mudou de lá pra cá. Hoje eu pinto as unhas de preto, gosto de verdade de Pearl Jam e quando encontrei o filho da professora de português no shopping há um tempo atrás me senti vesga por ter pensado por muitos meses que ele era o cara mais bonito da escola.

Assim como o Antonio Prata (de novo, sempre ele) que não se recupera do susto de olhar sua filha bebê dormindo no berço e perceber que ela existe ("Olivia, você não existia e agora existe: olha só o que você fez, sua doida!"), não me recupero do baque de pensar que, meu Deus, a Mariana também existe. Não só existe como já leu todos os Harry Potter, os Diário da Princesa (essa série eu chegarei nos vinte sem ter concluído) e muito mais livros que eu na idade dela. Ela existe e assiste coisas que eu nunca ouvi falar e quando ouço nome fico me perguntando se é filme, série ou boneca nova da Mattel - mas mesmo assim eu fiz com que ela adorasse A Noviça Rebelde, Grease e o próximo passo é apresentar-lhe Audrey Hepburn. Ela adora One Direction, já desencanou da Lady Gaga e eu espero que daqui uns nove anos ela ainda lembre de todas as letras e possa cantá-las bem alto quando estiver sozinha em casa. E que o One Direction leve logo aos Beatles, mas tudo bem ter um post do Harry no quarto, porque ele é mesmo lindo. Mas Violetta nunca vai ser tão bom quanto The O.C.

Pensando nisso, concluí que tenho coisas muito mais importantes para dizer do que voltar o holofote pra mim e atrapalhar o aniversário dela com minhas lembranças nostálgicas. Muito melhor que isso é dizer que:

1) Prepare-se



2) Acredite


3) Eu prometo que vai ser 


4) Mariana, minha flor, eu te peguei no colo, mas os melhores dias da sua vida virão agora. Aproveite, seja muito feliz e conte comigo para assistir Grease quantas vezes quiser.