domingo, 31 de agosto de 2014

#BlogDay 2014

Leitores mais antigos devem ter percebido que meu ritmo de postagens mudou muito nos últimos dois anos. Se isso nunca te chamou a atenção, basta dar uma passada de olho nos arquivos para ver que, há menos de dois anos, minha média de posts por mês era de uns 9 ou 10, enquanto hoje me sinto vitoriosa se passo dos cinco. 

Números de lado, o que mais mudou, e espero que só eu sinta isso, é que não blogo mais com a mesma facilidade do princípio. Antes qualquer assunto virava post, e rápido, e hoje eu passo mais de mês ruminando uma história e levo bem umas quatro horas pra escrevê-la. Acho que a faculdade me fez mais crítica comigo mesma, e como escrever é a única coisa que faço na vida, fazê-lo por prazer, porque sim, tem perdido um pouco de espaço na minha rotina. Aquela ressaca de escrita que antes vinha uma ou duas vezes num ano agora bate ponto aqui todo mês, e se eu não mandei tudo pros ares até hoje é porque eu realmente não sei o que é viver sem ter um blog.

Em dezembro a gente completa sete anos, e foi a Dani Arrais que me chamou atenção pra esse detalhe no seu post recente, "A crise dos sete anos". O Don't Touch My Moleskine é uma referência pra mim há anos, e mesmo tendo notado a diminuição expressiva no ritmo de atualização, não conseguia imaginar que logo a Dani, que espalha inspiração por aí e vive cheia dos projetos e das ideias geniais, poderia estar vivendo algo parecido. Aliás, esse papo de crise de blogueiro tem sido uma constante, e uma coisa que tenho percebido é que quanto mais dividimos essas angústias, mais leve fica o fardo. Ufa, não estamos sozinhos nessa, e talvez, juntos, seja mais fácil escapar dessa maré ruim.

É por isso que eu gosto tanto do Rotaroots, iniciativa criada por alguns cânones da blogosfera old-school, pra unir e estimular os blogueiros para voltar à ativa. Estou no grupo há alguns meses e sei que não participo como deveria, mas sempre que entro lá, bisbilhoto (e às vezes dou palpite) as discussões e leio as postagens coletivas do pessoal, sinto meu ânimo renovado para tacar pau nesse meu carrinho. E aí que hoje de manhã, quando comecei a ler os posts do Blog Day - que, pra variar, eu tinha esquecido que era hoje - fui conhecendo tanta gente nova, vendo tantos espaços legais, e me sentindo tão ~acolhida~ nesse universo paralelo que tem sido meu refúgio há quase sete anos (gente é muito ano), que não resisti à brincadeira.

Esse é o quarto #BlogDay que eu participo (2009, 2010, 2011, 2013), mas é especial porque, por trás de cada indicação, além do carinho e da admiração, deixo um agradecimento e um beijo na ponta do nariz de todo mundo que não me deixa sair dessa vida, e que me lembra todos os dias por que eu me meti nessa roubada. Feliz dia do blog, sobreviventes! ♥



Blogs que não saem dos meus feeds


  • O Minha Vida Como Ela é já foi indicado aqui em 2011, mas precisava aparecer de novo porque a Analu está sempre nadando na piscina de cilada junto comigo. Minha companheira de inventar memes, gravar vídeos, que comenta em absolutamente todos os meus posts e ainda monitora se estou sendo bem mimada, com o extra de ser hoje uma das melhores amigas, que eu não teria conhecido não fosse pelo blog. O dela é cheio de casinhos deliciosos do cotidiano, muito papo sobre livros, nenéns fofos e filosofias que martelam na cabeça.
  • O Agora Moro Na Lua, surpreendentemente, nunca tinha aparecido por aqui. Uma lástima das grandes e vou dizer por que: a Milena é uma das pessoas mais legais do mundo inteiro, e acho um privilégio podermos saber o que se passa nessa cabecinha lunática. Os textos dela são tipo uma vanguarda da minha cabeça, porque temos muitas ideias em comuns, mas o raciocínio dela sobre as coisas sempre chega antes do meu, com epifanias geniais sobre a vida, o universo e tudo mais. Botinem a cara dessa menina pra ela postar mais, porque seu BEDA foi uma alegria diária no meu feed!
  • Estrela do primeiro #BlogDay da história do So Contagious, o Sem Formol Não Alisa continua sendo, mesmo depois de cinco anos, uma das minhas leituras favoritas na internet. A Dani consegue fazer um blog pessoal, sobre assuntos que tem a sua cara, que é ao mesmo tempo super utilitário, com muitas dicas bacanas de organização e otimização de tempo que não parecem complicadas ou assustadoras. Vale muito a leitura!
  • A Sarah e a Deb são irmãs e mantém blogs separados, o Freedom e o Ensaio Sobre Mim, respectivamente. Na minha cabeça elas são as Braguinhas, e seus blogs tem vibes bem complementares. Adoro ler as reflexões que a Sarah faz sobre a vida e conhecer um pouco mais sobre a vida de uma estudante de museologia, do mesmo jeito que sempre corro atrás das dicas da Deb e adoro suas fotografias. Aliás, as duas moram no Rio de Janeiro e sempre fazem fotos maravilhosas da cidade, bem como das viagens que elas fazem pela região. Fico babando e morrendo de saudades!
  • Leio a Jana Rosa desde a época do seu blog de modas, o finado (e sempre lembrado com muita saudade) Agora Que Sou Rica. Sou fanzoca mesmo e sempre vou atrás de qualquer coisa que ela esteja escrevendo por aí (inclusive do livro bem bacana que ela lançou junto com a Camila Fremder, o Como Ter Uma Vida Normal Sendo Louca). Agora a Jana está vivendo uma fase muito diferente e feliz na sua vida, viajando loucona pelo mundo e acumulando histórias. No seu blog pessoal temos um apanhado dessas experiências, dicas de viagem (com escala de riqueza da Kim Kardashian) e umas reflexões muito bacanas de quem viveu no mundo glamoroso das modas e it girls, cansou e foi viver la vida loca como normal girl. 

Blogs que eu conheci recentemente 
(não necessariamente por causa do Rotaroots)


  • O Filosofinhas entrou na atualização mais recente do meu blogroll, e já é favorito nível ser aquele blog que eu estou me empanhando pra ler até o final. A Júlia é professora de educação infantil e usa o blog pra contar casos dos seus alunos, que inevitavelmente levam a maravilhosas epifanias sobre a vida. 
  • A Camila Pavanelli, que está por trás do Recordar, Repetir, Elaborar, é uma moça inteligente pra caramba. Acho que é o blog mais ~sério~ da lista, com posts sobre política e comentários sobre atualidades, e o que mais gosto é que ela consegue cavar bem além do senso comum nas suas análises, possui opiniões firmes que sustenta com ótimos argumentos, e sempre, sempre, SEMPRE me faz pensar. Camila, me sinto mais inteligente sempre que leio seu blog. Obrigada!
  • O dia que eu conheci o Milarga, da Vanessa, foi o dia em que eu fiquei chorando de rir, bem alto, na redação lá na faculdade. Eu tinha que enrolar até a hora de ir pra rádio, já tinha terminado o trabalho, de modo que não me restou muita coisa a não ser ficar lendo blogs. A Analu tinha me mandado um link prum post dela, que eu devorei e morri de rir, e assim continuei até a hora de sair. Meu Deus do céu, eu dei muita risada, e continuei dando à medida que ia lendo o blog todo. Ironicamente, fui ler o post mais recente dela, que é justamente a respeito de que essa sua característica incrível - ser muito engraçada, rir de si mesma e contar as melhores histórias - acaba afastando as pessoas quando a graça acaba. Quis pegar o endereço dela, mandar uma carta, um abraço virtual, sei lá. Vanessa, você é foda e e o mundo é horrível assim mesmo. Stay strong! 
  • Não tenho costume de acompanhar muitos blogs literários porque tenho a impressão que são todos meio que mais do mesmo, sempre falando dos mesmos livros. O Eu Li, E Agora? da Mareska foi uma alternativa bem legal, que eu conheci através de uma semana especial contra o preconceito literário que ela participou junto com alguns outros blogs. Gosto muito de suas resenhas, seu texto é ótimo e divertido, e curto mais ainda as divagações a respeito da literatura de modo geral. 

Blogs para sair da rotina

  • Sabe musa inspiradora? A Aline Valek é tipo isso pra mim. Conheci seu trabalho através do site da Carta Capital, onde ela mantém um blog sobre feminismo, e fui atrás de tudo que ela escreve. No seu blog, além de ótimos posts sobre feminismo que sempre me ensinam, me inspiram, e me fazem pensar, a gente encontra também conversas mais gerais sobre cotidiano, vida virtual, ficção científica e outras nerdices. Além disso, a Aline mantém uma newsletter sensacional, a Bobagens Imperdíveis, que eu tento ler sempre, porque é cheia de coisas maravilhosas (e eu sempre levo um sustinho quando, durante o texto, ela me chama pelo nome hehe). 
  • Ainda nessa pauta de feminismo, uma das novidades mais bacanas da internet: o Lugar de Mulher. Ok, não é um blog, mas esse site criado pela Clara Averbuck, junto com a Mari Messias e a Polly, é o tipo de coisa que eu visito todos os dias, re-li-gi-o-sa-men-te, e fico atualizando, aflita, quando não tem mais nada de novo pra ler. Abordando o feminismo nas mais diversas frentes, essas três maravilhosas (e outras colaboradoras esporádicas super especiais) falam de cotidiano, moda, entretenimento, sexo e política, com textos curtos, divertidos e muito informativos. Lugar de mulher é onde ela quiser, e eu fico muito feliz que exista um site brasileiro que nos lembre isso todos os dias.
  • O Pedrinho Fonseca é o tipo de pai que o Phil Dunphy chamaria de pai odiável, simplesmente por ser tão incrível que deixa os outros invejando suas iniciativas. Através do Do Seu Pai, ele escreve cartas para seus três filhos (LINDOS!), João, Irene e Teresa. As cartas vem acompanhadas de fotos lindas que ele tira, e não é raro eu me pegar chorando por conta delas. É muito amor e sensibilidade num lugar só, e só fico imaginando que presentão que essas memórias não vão ser quando João, Irene e Teresa tiverem idade suficiente para lê-las e absorver todo esse carinho e sabedoria. 
  • Nem lembro como conheci o Fê e a Debbie, mas me apeguei tanto ao Pequenos Monstros que já chamo os dois por apelidos e conto caso deles pras pessoas como se fôssemos amigos - e eu nunca nem comentei no blog! O blog do casal é cheio de histórias bacanas de viagem, muitas fotos lindas, e pra praticantes do cachorrismo, o Luca e a Lisa são um caso especial de fofura. Agora os dois estão morando em Berlim, e está sendo incrível acompanhá-los nessa nova aventura. Dá vontade de enfiar tudo numa mochila, colocar Francisco, o poodle, embaixo do braço, e sumir por aí. 
  • Vocês lembram daquela época maravilhosa que as pessoas faziam blogs de moda pra ser uma alternativa àquele mundo das revistas, que não tinham nada a ver com a nossa realidade de normal girl do mundo real? Então, o Tá Tudo Caro conseguiu manter isso mesmo com tantas distorções no meio. Mesmo não senso assídua compradora da China e adjacências, gosto do blog porque o estilo da Bárbara é super parecido com o meu, e seus looks sempre rendem inspiração. 

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Eduarda levada da breca

Esse post é parte do meu projeto 1001 Pessoas, inspirado nesse blog aqui.

Não sei o que acontece comigo, mas eu dou voltas e voltas pra sempre me encontrar envolvida em algum projeto relacionado a escola. A aventura da vez é o meu novo estágio como supervisora do jornal interno de uma escola. Eu queria mudar de ares e achei a proposta totalmente Gilmore Girls, e enxerguei a oportunidade como uma forma de superar a mágoa de nunca ter tido isso nas escolas que estudei. 

Além disso - e eu estou plenamente consciente de que isso vai soar ridiculamente exagerado e dramático pra vocês, mas juro que quero dizer exatamente isso - eu gosto de trabalhar com crianças e adolescentes. Eles me animam, me revitalizam e, é, é bem isso mesmo. 


Antes de começar a fazer o jornal, eu precisava apresentar o projeto pros alunos, e foi assim que eu me vi entrando em turmas de quarta (!) a oitava série para dar uma aula sobre a importância do jornalismo e essas coisas que ninguém se importa ou presta atenção, mas que enchem meu coração (ando tão mexicana). 

Foi assim então que numa segunda-feira de manhã, primeiro horário, eu me vi diante de uma turma de quarta-série, com suas crianças de dez anos de idade (e estatura surpreendentemente baixa) que, apesar dos olhares inocentes, pareciam que comeriam meu fígado com limão e sal antes que eu conseguisse articular um bom dia. 

Foi então que eu conheci a Eduarda.

Eduarda é uma dessas meninas que toda sala tem: não importa se ela tenha meio metro, como a criatura em questão, ou um metro e meio, como eu provavelmente já tinha nessa idade - ela é quase uma instituição das salas de aula. Eduarda fala alto, firme, e sabe de tudo que está acontecendo ao seu redor. Eduarda é confiante, se dirige a todas as pessoas com a mesma desenvoltura e pede poucas desculpas por ser quem é. E quando a professora perguntou por que a Eduarda não tinha ido até agora lhe dar um beijo de bom dia, ela colocou as mãos na cintura e lá do fundo soltou:

- Tia, eu e a Aimé estamos conversando. Quando a gente acabar eu vou aí te dar bom dia. 

O papo eventualmente acabou, e lá veio a Eduarda, toda pimpona. "Viu, tia, já cheguei. Não precisava ficar com ciúmes". Foi só depois do abraço que ela me notou ali no canto, e antes de qualquer apresentação formal ela já se eduardiou pro meu lado:

- Moça, seu cabelo é de verdade? 

Uma linha tênue é traçada quando uma pessoa pergunta se seu cabelo é de verdade. Era um elogio? Era uma piada? Questões. Mas, como eu disse acima, a juventude me renova e me faz acreditar no melhor das pessoas, por isso escolhi entender que, mesmo que ela não quisesse dizer que meu cabelo estava tão bonito que nem parecia real (gente, ninguém começa uma segunda com o cabelo bom), ela provavelmente tinha conhecido poucas moças com cabelo meio laranja na vida. 

Quando a aula começou, vi que o que fazia com que a turma parecesse mais assustadora era, na verdade, sua melhor qualidade. Eles falavam muito, e quando você chega numa turma de quarta série pra falar sobre jornalismo, é meio que essencial que os alunos falem com você. Mas, é claro, a Eduarda falava mais que todo mundo. O que vem na cabeça de vocês quando eu falo em jornalismo? Informação. Comunicação. Jornal Nacional. Repórter. Globo. SENSACIONALISMO, gritou a Eduarda lá do fundo. VOCÊ NEM SABE O QUE É ISSO, respondeu um garoto ali na frente, e a professora abafou a confusão antes que ela tivesse direito à sua tréplica. 

Assim se seguiu aquela aula, com os alunos participando e Eduarda adicionando comentários a praticamente tudo que eu e os outros colegas diziam. E aí que por algum motivo que agora não lembro, a professora que estava comigo perguntou por que duas garotas estavam sentadas em lugares diferentes do mapa de classe, então lá foi a Eduarda explicar toda a confusão que acabou com as duas separadas e sentadas em extremos opostos da sala. Tia, no jornal a gente vai poder contar que Ciclana e Fulana levaram bronca e mudaram de lugar?, perguntou aquele garoto mala lá da frente, ao que a Eduarda prontamente gritou: ISSO NÃO É NOTÍCIA, ISSO É FOFOCA E SENSACIONALISMO. VIU? 


Eduarda, minha nova ídola.

Ídola agora, mas que provavelmente seria odiada por mim se fosse da minha sala de quarta-série, da mesma forma que umas garotas da frente viravam os olhos sempre que ela dizia qualquer coisa. Eu seria uma delas. Se hoje eu me considero uma pessoa introvertida, aos dez anos de idade eu era introvertida, tímida e bastante retraída, e me sentia muito incomodada com as Eduardas ao meu redor. Essas pessoas que falam alto, chamam a atenção, não tem medo de falar com os outros e adoram um holofote - enquanto eu, ali no meu canto, dizia as respostas bem baixinho e ninguém ouvia, e tinha vontade de me enfiar embaixo da mesa sempre que me dirigiam a palavra. A existência de Eduardas era uma ofensa pessoal pra mim; eu, tão pouco à vontade em ser da forma como eu era, e por isso virava os olhos acreditando que elas eram o problema. 

No final da aula, perguntei se eles tinham alguma dúvida.

- Tia, você não vai ficar com a gente até o fim da aula?
- Não, Eduarda, eu tenho que passar nas outras salas também.
- Ah, eu acho que você devia ficar. A gente nunca tem novidades por aqui, e eu gostei de você. Seu cabelo é tão bonito.

Hoje não sou mais tão tímida como antes e tenho menos medo de me impor, mas continuo introvertida e acho que nunca vou gostar de ser o centro das atenções. O total oposto da Eduarda, mas isso não é um problema. Tudo bem que a gente seja assim, tão diferente. Aliás, é isso que faz dela alguém tão legal, como muitas meninas da minha sala deveriam ser também e eu estava ocupada demais querendo mudar quem eu era na marra pra perceber. E eu juro que não estou dizendo isso só porque ela disse que me cabelo era bonito - embora o elogio tenha feito a segunda-feira bem mais feliz. 

Acho que a Eduarda me poupou uns anos de terapia. 

domingo, 24 de agosto de 2014

Aqueles em que eu fiquei acordada a noite inteira

Ou: Pequeno inventário de noites mal dormidas

Quando éramos crianças, o Pedro e eu tínhamos essa obsessão que era passar a noite em claro. Todas as férias, dia após dia, a gente jurava que aquilo ia dar certo, mas ou dormíamos sem nem perceber o que tinha acontecido, ou nossa avó dava um jeito de acabar com a festa chegando muito brava no quarto e fazendo ameaças: só vai comer no McDonalds quem dormir; se eu ouvir mais um pio ninguém joga vídeo-game amanhã. Vencidos pelo sono ou pela barganha, a gente sempre chegava atrasado no nascer do sol.

EXPECTATIVAS


Aí teve a minha viagem de formatura da oitava série, a melhor viagem com a escola que já fiz na vida. Pela primeira vez na história das excursões nós estávamos sem supervisão: duas turmas de oitava série e um só professor pra monitorar tudo - professor este que levou a mulher, os filhos, e estava muito mais interessado em curtir o feriado com eles do que se certificar que estávamos indo dormir na hora certa. Contanto que ninguém morresse, perdesse um braço, ou desistisse de voltar pra casa, por ele tudo bem. 

Duas turmas de oitava série, sem supervisão, soltas num hotel. Façam as contas.

Nós viramos a noite na piscina falando besteira, e acho que só deu certo porque não foi nada combinado. Minha infância me passou a lição de que essa coisa de ficar anunciando em voz alta que não vai dormir só serve pro sono (ou pra bronca) vir com força, então é melhor deixar as coisas acontecerem naturalmente. E aconteceu, porque estávamos nadando e dando gostosas risadas quando alguém percebeu que já eram quase seis da manhã e o sol ia nascer. Vimos o dia raiar e fomos tomar café da manhã numa padaria da cidade, pra só então irmos finalmente pros nossos quartos dormir o sono dos justos. 

Tão justo foi o sono que minha amiga e colega de quarto, que lá pelas duas da manhã cansou da brincadeira e foi dormir, acordou passando muito mal, vomitou a alma, e eu não consegui acordar pra ajudar. Ela joga na minha cara até hoje que teve que ir se arrastando toda verde atrás de água e remédio, correndo o risco de vomitar no corredor, porque me sacolejou, me gritou, arrancou minhas cobertas e eu não esbocei reação - e isso não é coisa que se faça. Não é mesmo e eu sinto muitíssimo até hoje, mas foi mais forte do que eu.

REALIDADE #1


Hoje esses eventos me parecem muito triviais, mas esse episódio me deu uma sensação muito boa de que eu era dona de mim mesma. Ir dormir quando eu bem entendesse ou não dormir de jeito nenhum, sair na rua ao léu atrás de um lugar pra tomar café da manhã numa cidade diferente, são coisas pequenas, mas até então esse tipo de liberdade era uma coisa que não fazia parte da minha vida, e eu gostei da novidade. Eu não estava nem com os meus amigos de sempre, e acho que o fato de eu ser a única testemunha da turma nessa noite só deixa as coisas um pouco mais, well, mágicas. 

Eu sei, é brega, mas é assim que eu me sinto. 

Poucos meses depois, foi a vez de eu virar a noite com aquela amiga que na viagem acabou desistindo no meio do caminho. Foi igualmente espontâneo: ela veio dormir aqui em casa e, conversa vai, conversa vem, de repente o sol estava nascendo lá fora. Lá pelas sete nós inventamos de assistir Elizabethtown e dormimos em cinco minutos. Mais tarde foi a minha vez de acordar passando mal, por conta de todas as coisas que fomos comendo durante a noite. Misturar Toddynho com maçã, gelatina e bolo de chocolate, tudo em doses cavalares, não foi uma ideia muito boa, e quem vomitou a alma dessa vez fui eu, e acho que no fundo minha amiga se sentiu vingada.

REALIDADE #2


E aí teve uma vez que eu perdi o sono numa véspera de prova, e lá pelas três da minhã, quando vi que eu realmente não iria dormir, eu simplesmente levantei e fui pra sala dar mais uma estudada. Matemática, sabe como é. Não sei se esse estudo extra rendeu alguma coisa, nem se eu tive cabeça pra fazer a prova direito. Só lembro que era um sábado, estava tendo churrasco em casa, e eu dormi por umas três horas deitada no chão na beirada da piscina. Meu pai jura que tentou me arrastar de lá, mas, novamente, o sono foi mais forte que eu. 

REALIDADE #3


Nessa terça, depois de anos, virei mais uma noite. O oba-oba da adolescência passou e eu percebi que dormir no mínimo oito horas é vital pra mim, principalmente se forem oito horas durante a noite. No entanto, situações desesperadoras pedem medidas desesperadas, e aquele trabalho mega chato e mega trabalhoso deveria ser entregue na quarta, e terça, às nove da noite, pouquíssima coisa estava pronta. Era um trabalho em grupo que realmente precisava ser feito em grupo, e o *único* horário que todo mundo tinha disponível era depois das nove, então lá pelas dez (depois da novela) a gente começou.

A noite foi longa. Varar a madrugada trabalhando é bem diferente de fazê-lo rindo com amigos, e eu alternava ciclos em que a sensação era de que meu cérebro ia desligar a qualquer momento com outros meio eufóricos de ficar andando pelo apartamento e falando sem parar. Tomamos café, cantamos, xingamos o professor e xingamos a nós mesmos por ter deixado a situação chegar àquele ponto, mas eventualmente acabamos. Às dez e meia da manhã, quando eu finalmente pude sossegar e dar uma encostada antes da aula, meu cérebro parecia uma caricatura dele mesmo pelo cansaço e excesso de cafeína, e até agora não sei onde arranjei forças pra ir pra faculdade, consertar erros que passaram batidos no trabalho, comer, e só depois voltar pra casa e dormir de vez.

REALIDADE #4


Apesar do perrengue e do fato de que, se eu pudesse voltar no tempo, eu obviamente faria o trabalho antes pra não ter que passar por aquilo de novo, a sensação de liberdade da primeira noite em claro se manteve ali. 

Ficar doze horas na frente de um computador é infinitamente pior do que passar esse mesmo tempo plantando bananeira numa piscina aquecida, mas as duas coisas acontecem por causa do mesmo princípio, aquele que faz com que, aos nove anos de idade, uma noite inteirinha sem dormir pareça uma coisa tão atraente: a gente faz porque não tem ninguém pra nos impedir, e isso é uma delícia.


(Na real, tomar sorvete antes do almoço (ou fazer do sorvete o próprio almoço) dá na mesma e confunde bem menos nosso organismo, mas definitivamente não rende uma história. Qual é a de vocês?)

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Vamos todos morrer mesmo

Ano passado eu meio que vi um show do Flaming Lips. Digo meio que porque boa parte dele eu passei andando na lama de braços pra cima em busca dos meus amigos, e outra considerável eu gastei me certificando que um desses amigos não ia desmaiar. Ah, os festivais de róque! Sobrou pouco tempo para admirar Wayne Coyne que aquele bebê bizarro que eu não entendi até agora, mas consegui bater palminhas e cantar "Yoshimi Battles The Pink Robots" e ouvir a minha música favorita da banda ao vivo. A música, no caso, é "Do You Realize??", e logo na primeira estrofe ela já manda: do you realize that everyone you know someday will die? 

Nisso, um avião passou voando sobre nossas cabeças, o que fez com que o vocalista nos mandasse acenar pras pessoas lá de cima, pra depois refletir que olha que legal, em algum lugar do mundo, em algum momento, um acidente de avião iria acontecer e matar um monte de gente. Do you realize?


Olha Coyne, eu até entendo onde você quis chegar. Afinal, sua música mais bonita fala justamente que a gente precisa se ligar que vamos todos morrer em algum momento e que é melhor aproveitar o agora pra fazer e dizer tudo, antes que seja tarde. Eu entendo, eu juro. Mas mesmo assim, achei bem desnecessário na hora, e num momento como esse, voltei a pensar nessa parte do show e achei mais dispensável ainda. 

Eu não tenho medo da morte. Medo de morrer, como o Gilberto Gil, talvez. Assim como a maior parte das pessoas, eu não quero que doa, nem que seja embaixo d'água, e peço a Deus que seja breve. Mas esse medo do fim, juro, não tenho nenhum e inclusive acho que deve ser ótimo - se os mortos falassem, aposto que recomendariam. Isso não me impede, no entanto, de sentar na janelinha da locomotiva dirigida pelo Bergman e copilotada pelo Woody Allen que faz com que eu passe mais tempo do que deve ser considerado saudável pensando sobre a morte.


Talvez por isso eu tenha me enfiado nessa piscina de cilada que foi esse último período num projeto que durou o semestre inteiro justamente sobre morte. Foi muito tempo pesquisando sobre ritos de morte diversos, falando no telefone com agentes funerários, visitando cemitérios e indo parar em  mostruário de caixões. Uma bad vibe como nunca antes vista, até mesmo pra quem, como eu, consegue inserir alguma piada ou trocadilho envolvendo morte em duas de cada três frases diz (imaginem só a enxurrada de constrangimento entrevistar a gerente de uma funerária estando nervosa e sem conseguir parar de ser inapropriada por um segundinho só?).

E aí que numa dessas madrugadas gastas com o trabalho mórbido, achei que era justo fazer um mix temático pra embalar a reta final do projeto. No começo era uma brincadeira com meus amigos, mas quem pensa muito sobre morte acaba tendo um acervo bem impressionante de músicas sobre morte & mortos na biblioteca, ainda que não seja de propósito. Foi assim que surgiu essa mixtape, e achei interessante perceber o modo como várias dessas letras me ajudaram a construir um bocado da minha concepção pessoal sobre o tema e até a lidar melhor com ele. 

No entanto, preciso dizer que essa não é uma mixtape triste. Reflexiva talvez, melancólica também, mas triste eu juro que não é - ao menos não muito. São músicas que fazem pensar, como a letra do Lestics que conta a história de uma moça que consegue ver como todo mundo vai morrer, mas ninguém se interessa por suas visões, mesmo que seja uma premonição bonita. Ou então quando a Jenny Lewis coloca a vida moderna em perspectiva e diz que nossas ambições pequeno-burguesas não fazem muito sentido quando a gente pensa que vai morrer um dia, lá em "Pictures of success". Algumas falam sobre quem já morreu, como na despedida de Elton John em "My father's gun" (que é trilha de Elizabethtown, um filme supimpa que aborda o tema), ou na música mais deliciosamente triste do mundo, que o Paul McCartney escreveu para o John Lennon depois que este morreu. Beatles está ali porque essa música, pra mim, é a trilha sonora perfeita pra um funeral desses de filme, e Shout Out Louds é bem mais banal e sonha com a morte só pra dar um sossega nas ideias erradas da cabeça.

Sei que o tema é espinhoso, mas eu juro que as músicas estão boas. E sempre que estiverem se enfiando em piras improdutivas sobre o assunto, lembrem do que diz o Wilco: please don't cry, we're designed to die - e siga em frente.



01 Do you realize?? (The Flaming Lips)
02 I will follow you into the dark (Death Cab For Cutie)
03 Dom desnecessário (Lestics)
04 Don't lie (Vampire Weekend)
05 Pictures of success (Rilo Kiley)
06 I do believe (Drive-By Truckers)
07 Wish I was dead pt. 2 (Shout Out Louds)
08 Here today (Paul McCartney)
09 Learning how to die (Jon Foreman)
10 My father's gun (Elton John)
11 Rockstars and cigarettes (Beeshop)
12 Canção pra você viver mais (Pato Fu)
13 Last kiss (Pearl Jam)
14 There is a light that never goes out (The Smiths)
15 On and on and on (Wilco)
16 The long and winding road (The Beatles)
17 It just is (Rilo Kiley)

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Me serve um café que o mundo acabou

Minha amiga Renata disse que eu sou a única pessoa que ela conhece que dá um pause no dia, na vida, até, pra tomar um café. Ela acha engraçado que eu desvie do meu caminho pra entrar nos lugares com o único e exclusivo objetivo de tomar um café. Eu ignoro bolinhos de arroz, cremes de framboesa, e martínis com cereja, e peço pro garçom bonito me trazer um café e uma água - sem gás, por favor. Simples assim.


Achei engraçado ela dizer tal coisa, porque se sou assim é porque me acostumaram assim. Não sei se é por conta da minha nobre ascendência da roça, ou se é verdade esse papo de que em Minas a Terra gira mais devagar, mas cresci rodeada por pessoas que dão um pause no dia, e na vida também, pra tomar um café. Não inventei nada disso, estranho pra mim é saber que não funciona assim pra todo mundo. 

Na mesma semana que a Renata fez o comentário, apenas alguns dias antes eu coincidentemente teorizava com o Pedro justamente sobre isso. Porque depois do almoço, naqueles dez minutos que meu pai demora pra escovar os dentes e ler um pedaço solto do jornal antes de sair correndo e me levar junto, eu e ele fomos até os fundos da casa pra tomar um café e comer um quadradinho de chocolate na frente da piscina, observando os bem-te-vis criando coragem pra dar um rasante na água e tomar um banho de dez segundos. Éramos eu e ele ali, silenciosamente, com as nossas xícaras de porcelana fina da vovó, dando um pause no dia, e na vida também, antes de começar tudo de novo.


Como se lesse a minha mente, ele soltou: "Eu gosto de café porque ele obriga a gente a parar, sentar um pouco, tomar um ar e não pensar em nada". E sim, é exatamente isso e só uma pessoa com quem eu me dou tão bem poderia entender dessa forma. Você até pode tomar um café enquanto faz alguma outra coisa, todo mundo faz isso e eu também, mas não é a mesma coisa, não é o jeito certo. A gente nunca queima a língua ou suja a blusa e os papéis quando simplesmente para pra tomar um café, já pensaram nisso? 

Parar pra tomar um café é um ato de resistência. É você contra a realidade tacanha, a obsessão moderna por produtividade, as artimanhas do capitalismo, a parte do mundo que é um moinho. Ousaria dizer até, sem medo nenhum de ultrapassar os limites do ridículo da metáfora, que o cafezinho no meio do dia é a desobediência civil inserida no cotidiano do ser humano comum, do trabalhador brasileiro. Eles contam minhas horas e me pagam mal, mas foda-se essa merda toda que eu vou ali perder uma meia-hora com uma xícara de café, um quadradinho de chocolate, e um papo sobre a novela de ontem.


Se os caras de Pulp Fiction pararam pra tomar um café gourmet antes de limpar as vísceras de um homem de dentro de um carro, a gente também pode fazer uma pausa.

E por que logo café? Ora bolas, porque além de ser minha bebida favorita no mundo inteiro, ele fornece uma dose especial da melhor droga lícita que existe, a cafeína, aquela que dissolve o cenho franzido e alivia a dor de cabeça acima dos olhos, a que quando bate em formato de expresso sobe com uma energia gostosa que é quase como o espinafre do Popeye, e ainda exala um cheiro que toma conta da casa inteira e que consegue me tirar da cama antes das sete. Além disso, o café tem a medida exata para durar aqueles providenciais cinco ou dez minutos e é o casamento perfeito para um tabletinho de chocolate, que termina de adoçar o momento. 

Tem essa música do Eduardo Dussek, meu novo ícone excêntrico dos anos 80, na qual ele descreve um cenário do fim do mundo. "Abri a janela e pasmei", canta ele em Nostradamus, ao observar do outro lado alguns prédios explodindo e pessoas correndo. Ao perceber que se tratava de obra de Deus, Nostradamus, alguma força do bem ou da maldade, ele simplesmente encara Carlota, a cozinheira, morta no chão e apela: "levanta, me serve um café que o mundo acabou". 


Ouvi essa música e alcei o cara automaticamente à condição de ídolo, porque gosto de acreditar que se um dia eu acordar e der de cara com o fim do mundo, eu vou é sentar numa poltrona, tomar um café e observar o sol explodir na janela da minha casa.

Agent Cooper curtiu muito esse post 

sábado, 9 de agosto de 2014

Então eu fui na exposição do Castelo Rá-Tim-Bum



Assim como boa parte da geração anos 90, fui uma dessas crianças cuja infância foi marcada pelo Castelo Rá-Tim-Bum. O programa era, de longe, a minha coisa favorita na televisão, e o peguei naquela fase curiosa da vida em que já temos certo discernimento pra separar realidade de ficção, mas não completamente. Sempre ficava aquele mas será se atrás da orelha, e esse meu grande talvez foi muito importante na experiência que era ver Castelo Rá-Tim-Bum. Porque, no fundo, mesmo que eu não admitisse em voz alta, eu acreditava que aquele castelo poderia existir em algum lugar, com seus objetos mágicos e animais falantes, e era meu sonho conhecê-lo, mais do que qualquer castelo de princesa da Disney. 

Quando soube da exposição, evitei toda e qualquer notícia relacionada, porque não sabia se conseguiria visitar e não queria sofrer. Sendo eu uma pessoa que já chorou lendo resenhas de shows que deixou de ir (madura), eu já deveria saber o que me aguardava quando um dia não resisti e abri o jornal com várias fotos do museu: chorei, chorei mesmo, porque é uma coisa um bocado rara na vida quando aquele sonho delirante de infância se materializa diante de você - e foi naquele momento que eu vi que era uma oportunidade que eu não poderia perder. Meu Deus, eu ia abraçar a Celeste! 


Ser eficiente não é uma coisa com a qual eu estou acostumada, mas é tão bom quando acontece que eu deveria me esforçar pra ser mais assim. Porque em mais ou menos três dias eu já tinha combinado uma data com meu primo-irmão-parceiro-de-cilada paulistano pra eu brotar na porta da sua casa e estava com passagens em mãos, pronta pra conhecer o Castelo. 

Querido leitor, senta que lá vem história.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

1001 pessoas, o Carlinho e a Simone

O melhor do jornalismo são as pessoas, o pior também - e isso meio que se aplica a quase tudo na vida. A parte boa é que das pessoas ruins, que não respondem e-mails, dão entrevistas monossilábicas e me deixam com menos fé no mundo, eu esqueço rápido - já as boas ficam por muito tempo. Ou pelo menos deveriam ficar. 

Quando a Analu veio comentar comigo sobre o blog 1001 Pessoas Que Eu Conheci Antes do Fim do Mundo, eu lembrei que já tinha topado com ele por aí, gastado uma boa parte do meu dia lendo ele inteiro, e tido o mesmo pensamento que ela: que droga, por que eu não tive essa ideia antes?  A proposta é exatamente o que o nome sugere: a Aline resolveu manter um registro das pessoas que conhece pelo mundo, e ajuda um pouco ela ter uma vida cheia de viagens e aventuras incríveis - minha história favorita é a do surfista com café da manhã -, mas acho que se a gente para e presta atenção, descobre na rua de casa vários seres humanos dignos de nota. E foi pensando nisso que Analu me convidou a fazer o mesmo que a Aline, registrar nos nossos blogs as pessoas interessantes que conhecemos por aí. 

É um projeto descompromissado, amador, provavelmente fadado ao fracasso, e sem periodicidade definida, mas a gente promete que vai cuidar dele com carinho e treinar nosso olhar para as boas histórias e boas pessoas que passam pela nossa vida todo dia. Lá no Minha Vida Como Ela É tem um post explicando direitinho nossa ideia e falando mais sobre o projeto que a inspirou, e dona Analu já fez seu primeiro post. Como eu sou afoita e não consigo terminar um texto só com três parágrafos, vou aproveitar a deixa de ter uma história fresca na cabeça e começar hoje, agora, também. Espero que gostem de nos acompanhar. :)