Antigamente, suicídio pra mim era algo maluco, absurdo, insano, extremo até dizer chega, coisa de gente doida. Os anos, no entanto, foram me fazendo menos ingênua e consegui ver que, apesar de o buraco ser bem embaixo, a coisa é muito mais simples do que eu pensava. Precisamos de um propósito para viver, um motivo que nos faz levantar da cama todos os dias. Sem isso, perdemos o rumo. Quem vive por alguma coisa, da mais superficial à mais metafísica, possui esse porto-seguro - e se ele é válido ou não a questão é outra. No entanto, por mais que teorizemos, enxergo o ato de dar cabo à própria vida como algo muito particular, de maneira que só mesmo quem chegou lá - ou quase - pra dizer com propriedade sobre a coragem ou a covardia, o medo ou a tranquilidade, o que acontece antes e durante o singular momento que você faz uma navalha cortar seus próprios pulsos. E há quem se agrade mais da teoria do vazio existencial, de instituições falhas, do sistema que sempre é culpado, de um aprisionamento invisível, e se aprofundar em tais questões é um trabalho que outros fizeram e farão melhor que eu, que só aproveito para confessar, meio com vergonha, a curiosidade mórbida que tive de ler O Suicídio, de Durkheim, desde que o estudei no ano passado.
É esse quebra-cabeças que um grupo de garotos, moleques, tentam montar a respeito da vida e da morte de cinco garotas - Cecilia, Lux, Bonnie, Thereza e Mary Lisbon - que eles investigaram, especularam, amaram e jamais esqueceram. As Virgens Suicidas talvez seja o melhor e mais impressionante livro que li esse ano. Conta com o diferencial de ser narrado na primeira pessoa do plural, como se fosse um relatório final muito minucioso de tudo que os tais garotos descobriram com anos de observação e dedicação àquelas garotas que eram praticamente um mito, quase etéreas, absortas em seus mundos cheios de aflições e desejos e praticamente um só vazio. Cecilia, a mais jovem, foi a primeira a partir pulando da janela 3 semanas após a tentativa frustrada de cortar os pulsos. As outras demoraram um ano para acompanhá-la, mas passaram-no morrendo aos poucos, presas dentro de casa, existindo, porque é isso que os outros estão fazendo.
A contra-capa do livro garante que, apesar de tudo, aquela não é uma história triste. Discordo. É uma das coisas mais tristes e melancólicas que já li em toda a minha vida, mas o livro não deixa de ser adorável. Observar o universo feminino pelos olhos de garotos que tão pouco sabiam dele e que queriam tanto desvendá-lo é muito especial, e rende uma narrativa muito descritiva que nunca é chata, mas faz com que as garotas e o subúrbio em que viviam se materialize na nossa frente e dá até pra sentir o cheiro de chiclete de melancia saindo da boca de Lux. O livro consegue mesclar algo tão mórbido como o tema dos suicídios e o clima de morte sempre pairando - o horror da casa da família que, totalmente descuidada, vai apodrecendo assim com quem está ali - com situações juvenis que John Hughes gostaria de filmar: os beijos misturados com licor de pêssego nas arquibancadas da escola, o baile, as danças, conversas no telefone através de músicas... Ao longo do tempo os meninos juntaram 5 malas inteiras de relíquias, como num santuário: roupas, diários, fios de cabelo, fotos, imagens de santos, sutiãs. Tanta coisa que, na verdade, levou à tão poucas conclusões concretas, mas não é isso que importa.
E eu disse que essa história era alguma coisa que o John Hughes gostaria de filmar, mas quem o fez foi minha querida Coppolinha linda, e eu não consigo pensar em alguém melhor pra mostrar algo tão melancólico em cores tão bonitas. Ela consegue reproduzir na tela exatamente a atmosfera um tanto fascinante que parece rondar as cinco Lisbon, deixando curiosos e impressionandos até mesmo aqueles que, lendo o livro, pensaram que todo o frissom em torno delas era muito barulho por nada.
Anotem aí e confiem em mim: vocês precisam ler esse livro (e assistir ao filme também).