quarta-feira, 31 de julho de 2013

Colchão velho para um corpo cansado

Reza a lenda que o colchão da minha cama é mais velho que eu, mas mesmo se ele fosse novo quando eu tivesse deitado nele pela primeira vez, poderíamos lhe atribuir com facilidade uns 15 anos - mais que isso, até, se estiver certa a suposição da minha mãe de que ele apareceu em nossas vidas quando eu abandonei o berço. Reza a lenda também que a gente deve trocar o colchão a cada cinco anos e se isso for verdade eu deveria doar meu corpo, principalmente minha coluna e meu sistema respiratório, para a ciência. O negócio é que vira e mexe minha mãe se lembra disso e começa a encher meu saco para trocar o meu colchão, e eu vira e mexe desconverso e a gente acaba trocando algum móvel da sala e fica tudo bem.

Hoje foi um daqueles dias em que minha mãe me enche o saco para trocar o colchão e disse que ficava abismada com a minha incapacidade de me desprender das coisas. Nem ouso dizer que isso é uma calúnia das grandes já que confessei no post passado que não jogo nem ingresso de cinema fora, quiçá um colchão que literalmente has my back desde o dia que tive controle o suficiente sobre mim mesma para não cair da cama, bater a cabeça e morrer. No entanto, essa minha característica de nada adianta na hora de explicar por que eu me recuso a trocar de colchão. Ora, não é como se eu fosse mantê-lo atrás da porta da despensa de casa como faço com aqueles três sacos de revistas e jornais que eu juro que vou levar para a reciclagem, mas sempre volto para olhar e folhear de novo e pensar que um dia eu vou precisar exatamente daquela página para um trabalho muito importante e não vou ter. Não é como se eu fosse dormir a nossa última noite juntos relembrando as sonecas da tarde que ele já me presenciou ou quantas histórias já não ouviu. 

O buraco é mais embaixo: o colchão é meu marido barrigudo e sua troca é a minha crise de meia idade.

Sempre que minha mãe elenca todos os motivos que justificariam a troca do colchão (são vários, de colocar qualquer pessoa mais normal de cabelos em pé), eu me sinto como uma mulher de cinquenta e poucos anos ouvindo da mãe gagá que o culpado pela minha vida sem graça é aquele traste bebedor de cerveja que está casado comigo. Eu escuto complacente, olhando de relance para o dito cujo que coça sua barriga grande e peluda e penso que mamãe tem razão, principalmente quando ele percebe meu olhar e pergunta que horas o jantar estará pronto. E eu, que com açúcar com afeto fiz seu doce predileto para ver se ele para em casa, assisto o marido pular a sobremesa para sair de casa sem hora para voltar e penso que, nossa, como mamãe está certa, semana que vem procuro um advogado e mudo de vida. E aí, naquela cama fria e vazia, eu penso em tudo que eu poderia ser sem ele, que voltaria a usar estampas, entraria num curso de italiano e em outro de dança de salão, e usaria minhas economias para fazer aquela viagem para o Peru que ele sempre disse ser besteira, que era melhor trocar a TV. Eu poderia tirar aquele vestido justo do armário, sentar num bar durante o happy hour e esperar que um homem grisalho, cheiroso, elegante e boa pinta me pague uma gin-tônica, porque é isso que as mulheres que aceitam bebidas de caras grisalhos e boa pinta pedem nos filmes. Nós viveríamos um tórrido romance, que poderia até render um livro e eu acabaria na Marília Gabriela contando como uma crise de meia idade revolucionou meu destino e me tirou da minha vida sem graça, me levando ao estrelato. 

Só que então o marido iria chegar fazendo barulho e fedendo a cigarro, mas comeria uma fatia do doce antes de ir para a cama. E quando ele dormisse, pela força do hábito me abraçaria forte e, no aconchego do seu peito e com a parte de baixo das minhas costas que sempre se arrepia de frio aquecida por aquela barriga enorme que durante o dia só me causa horror, eu concluiria que nenhum George Clooney de bar seria capaz de me oferecer aquilo. Ia concluir também que eu não flerto com ninguém desde os quinze anos e dificilmente saberia lidar com qualquer abordagem masculina, e por isso ia passar a noite sozinha bebendo na bancada do bar. E que nenhum homem me abraçaria como aquele que, mesmo com cheiro de pinga e de mulher da vida, me abraça, porque ele faz isso há mais de vinte cinco e anos e em meio a tantos erros, algo deve ter feito de certo para durar esse tempo todo. O abraço é a certeza que me faria apertar os olhos e esquecer dessas ideias. Mamãe está caduca.

O colchão é meu marido pançudo pois eu olho para ele já todo descanhotado e mole e penso que mereço mais que isso. Minha mãe, na verdade, insiste tanto pois se corrói em culpa já que trocou sua cama ano passado e hoje jura que dorme feito rainha enquanto me vê noite após noite encolher-me no meu colchãozinho velho que afunda quando a gente senta e nem é de um jeito bom. E hoje, depois que ela veio aqui me dizer que era ridículo e até perigoso eu estar há tanto tempo sem trocar meu colchão, eu pensei que era hora de mudar e concordei que poderíamos pensar em sair em busca de uma nova cama para mim. Minutos depois, como a mulher de cinquenta anos que sonha com a vida livre, me imaginei afundada numa enorme cama de molas, ao melhor estilo colchão de hotel. Imaginei uma cama firme como a da minha avó, que eu tanto invejo, e até me perguntei se minha mãe toparia me dar um colchão de água. As possibilidades são infinitas e a vida é curta demais para que a gente não passe uma tarde inteira deitando num sem número de colchões nas lojas até achar o ideal. 

Só que aí eu deitei na cama depois do banho, escondida no meu roupão amarelo que também é mais velho do que eu, e pensei que eu nunca acharia um colchão que se encaixa tão bem ao meu corpo como aquele. Pensei, com um frio na espinha, que poderia acabar comprando uma cama nova para, algumas semanas depois, descobrir que ela pega ali no meu nervo, como a cama do quarto de hóspedes que é uma maravilha nos seis primeiros dias, mas depois faz minha coluna queimar de dor. Pensei em todos colchões que já experimentei, dos de acampamento e até o do melhor hotel, e concluí, pesarosa, que nenhum deles me fez promessas pela vida inteira ou pelo menos me fez sentir que aquilo tinha chances de durar. E então temos o meu colchão, mole e maltrapilho, mas que conhece cada centímetro do meu corpo e sabe exatamente onde o calo aperta, e isso basta para que eu seja feliz - ou pelo menos o ature até que algum dito cujo me leve a abandonar minha vida de cama de solteira.

Eu tenho um problema de apego, mas eu tenho outro muito maior que é o medo das mudanças. Eu não mexo em time que está ganhando por outro que pode ganhar com mais vontade mas que pode também me decepcionar. Eu mudo meu cabelo a cada seis meses e não suporto rotina, mas só consigo fazer isso porque sei que posso contar com a vista da minha janela, os almoços de domingo e meu colchão velho no fim do dia. Cortar a franja pela milésima vez e odiar é uma coisa com a qual eu consigo lidar, mas isso não seria possível se numa sexta-feira eu acordasse com a ciática atacada por conta de um colchão novo. 

É demais para mim, e por isso eu vou dormir pensando que os planos do colchão novo podem ficar para o ano que vem (e eu realmente estou precisando de uma estante de livros), não sem antes beijar o retrato do marido barrigudo bebedor de cerveja e para ele abrir meus braços. Mamãe está caduca.  

Na saúde e na doença

sexta-feira, 26 de julho de 2013

47 whatevers sobre mim

Questionei muito se deveria ou não postar esse vídeo aqui. Pra começar, quase morri de dificuldade ao fazê-lo, tento gravar desde domingo, uma vez por dia, e sempre dá errado. Não que esse tenha dado muito certo: pulei três itens da lista, conversei como se fosse uma adolescente retardada e não sei o que me deu pra repetir tanto "sabe" e "assim". Eu juro que na vida real eu me saio melhor, surpreendentemente. Também divaguei demais por puro nervosismo (esqueci de falar que quando fico nervosa eu falo demais) e por isso o vídeo é cheio de cortes - e mesmo assim está enorme! Outra dificuldade foi cavar tantas coisas sobre mim que eu não tenha falado aqui, afinal, são cinco anos e meio falando sobre mim. E tem aquela parte em que eu acho tudo muito inútil e fico imaginando vocês assistindo e pensando: por que essa menina acha que eu devo saber disso? Mas aí vejo que até hoje um dos posts mais lidos do blog é uma lista de coisas que vocês poderiam morrer sem saber, então se ainda tem gente lendo que eu odeio azeitona, vai ter quem queira assistir eu falando que odeio reticências também (opa, spoiler). Por fim, quem me convidou a fazer esse vídeo foi a Analu e não sei se vocês sabem, mas a gente não diz não para a Ana Luísa e esse talvez seja o real motivo de eu não ter desistido do vídeo.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

A hora do lobo


No filme do Bergman que dá título a esse post, a hora do lobo é o período entre o fim da madrugada e a aurora onde coisas sinistras acontecem. Lobisomens uivam, crianças choram, homens de bem questionam sua sanidade e são postos cara a cara com a própria loucura. É um filme quase insuportável de assistir de tão perturbador, mas a insanidade do Bergman é fichinha perto do lobo com o qual eu venho me digladiando há uns meses.

Minha hora do lobo acontece quando as luzes ainda estão acesas e é cheia de gente falando sem parar, vai ver é esse o problema. Ela começa por volta das sete da noite, quando eu chego em casa e ligo o computador pra olhar qualquer coisinha, e termina quando, por volta da meia noite, eu me encontro nocauteada, vendo meus netos correndo pela sala, que aparentemente nasceram enquanto eu dava aquela olhadinha no Facebook. Pensei que só eu passasse por isso, mas conversei com um amigo esses dias e ele confirmou: existe algo de bizarro que acontece na internet por volta das sete da noite. Pessoas de bem se sentam em frente ao computador para dar aquela espairecida básica depois da aula, no fim do expediente, e então caímos de cabeça num limbo absurdo onde as percepções de espaço e tempo se confundem. Quando nos damos conta, é quase meia noite, a gente nem tomou banho ou terminou de escrever aquele e-mail que nos trouxe ao computador pra início de conversa. O que se passa nessas quase cinco horas? Não faço ideia, mas minha cabeça é um buraco negro que mistura culpa, um monte de opiniões que ninguém pediu e um punhado de fotos feias. 

Antonio Prata tem uma crônica muito boa que fala sobre esse ciclo vicioso de procrastinação na internet - não vou procurar o texto porque sei que se eu me embrenhar nesses arquivos esse texto nunca vai sair da pasta de rascunhos desse blog, que já conta com mais de cem textos que foram trocados porque cliquei naquele link para ouvir a música nova do Radiohead e quando dei por mim já estava na terceira página do arquivo do blog de uma menina que eu nem gosto. Tudo que é sólido desmancha no ar, já reconhecia o sábio barbudo Karl Marx. Se até um sistema inteiro é capaz de desvanecer por aí, o que dizer da concentração, essa danada? Pior ainda se for a minha concentração, que nunca foi boa das pernas - hoje, por exemplo, deixei a carteira no balcão da padaria. 

É por isso que a internet tem me afligido cada vez mais. Uma coisa é você simplesmente perder quatro horas do seu dia fazendo absolutamente nada na rede e se dar conta disso como uma troça do destino  e a outra é ter certeza absoluta do que está acontecendo com você, saber que é ruim e não conseguir controlar. Ignorance is bliss. Conversei com a Milena esses dias a respeito disso e nós duas concluímos muito pesarosas que estamos nos transformando nesses sujeitos de atenção difusa, incapaz de se concentrar em algo por mais de quinze minutos que os apocalípticos da internet tanto alardeiam. Me sinto muito mal quando estou deitada no sofá de casa lendo um livro, por exemplo, e percebo que não passo meia hora sem pegar no celular ou pelo menos pensar em pegá-lo. Quando eu me dou conta já estou lendo toda a timeline do Twitter, vendo o álbum de fotos daquela pessoa, e o livro já caiu no chão e a concentração bateu asas. 

A Luiza Voll escreveu um texto muito bacana sobre sua experiência sem Facebook e disse algo muito interessante: ela reaprendeu a usar a internet. Nós ficamos tão reféns das atualizações das páginas que curtimos que acabamos nos esquecendo de explorar o que a internet tem a oferecer. Nem lembro mais qual foi a última vez que entrei num site assim, como quem não quer nada, para ver qual era. Outra coisa que ela escreve, e esse é bem mais óbvia, foi o tempo que ela ganhou. Na crônica sobre procrastinação, o Antonio Prata diz enquanto procrastinamos não estamos fazendo nada de realmente útil e vai além: deixar de trabalhar pra ir ao cinema é uma vagabundagem louvável, mas adiar a conclusão daquele relatório para ler as postagens na página daquele evento é um mal, no mínimo.  

E é por isso que eu venho pensando cada vez mais em sumir do Facebook. Não posso dar um perdido de repente porque, querendo ou não, boa parte da minha vida está concentrada ali, seja com os assuntos da faculdade, contatos que preciso para matérias, sem falar nas amigas que moram longe e toda a nossa história construída entre curtidas e surtos compartilhados. Mas não descarto fugir, ao menos por umas semanas. Dizem que reconhecer o problema é o primeiro passo para a mudança, e cá estou eu limpando a maquiagem de Amy Winehouse e aceitando a rehab de bom grado. Um belo dia bato asas para longe da rede social que já é o terceiro país mais populoso do mundo em busca da minha concentração, do meu tempo e do meu foco, que há muito tem batido as deles junto às borboletas do mundo real. 

terça-feira, 16 de julho de 2013

Nariz enfiado nos livros

Eu e a Rúvila passamos no vestibular para Jornalismo no mesmo ano e a Lu, que sempre deu a maior força para entrarmos nesse time de pessoas que leem jornal desconstruindo os textos de modo automático e acham surreal quando alguém diz que não leu Adorno, fez um post na época nos indicando cinco livros para inspirar o início da nossa graduação. Anotei as dicas dela num caderninho (junto com milhares de outras indicações) e recentemente, folheando o início dele, fiquei surpresa por já ter riscado três livros. Como as leituras foram muito proveitosas, não só no sentido profissional, resolvi fazer um vídeo contando um pouquinho sobre elas e sobre mais um livro que li para a faculdade nesse semestre e achei válido comentar. No vídeo, falo d'O Livro Amarelo do Terminal (Vanessa Barbara), A Sangue Frio (Truman Capote), Fama & Anonimato (Gay Talese) e O Olho da Rua (Eliane Brum). 


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Moro no segundo andar, mas nunca encontrei você na escada

Ou: você está em alguma dessas esquinas

É como aquela cena de Closer: as pessoas andando na calçada em câmera lenta, os passos seguindo o ritmo da música de fundo. Dois olhares se cruzam, se prendem um no outro, e então a Natalie Portman é atropelada, o Jude Law corre em seu encalço - hello stranger, e o resto é um filme inteiro, mesmo sem final feliz. Mas eu estava pensando na cena final: a mesma calçada cheia de gente, os passos rápidos que desaceleram por conta de um efeito de vídeo, a mesma música do Damien Rice. Só que dessa vez a Natalie Portman não prende seu olhar no de ninguém e o filme acaba com esse ponto de interrogação no ar.

É como se eu andasse nessa calçada também, e tivesse uma série de histórias para contar sobre rostos embaçados que viram olhares, encaradas de 10 segundos ou mais, uma esbarrada de ombro, quem sabe. O problema é que por mais sintonia que exista nesses olhares de 10 segundos ou mais, um relance dificilmente é um lance, muito menos uma história. No máximo um haikai: olhei/olhou de volta/não era pra ser/seguimos em frente. 

É como aquela música da Clarice Falcão, se o mundo desfocasse e só se visse a gente e todas as pessoas que sobrassem fossem meros figurantes. O problema é como a letra continua: só mesmo trocando de roteirista e gênero uma vida inteira para sermos protagonistas da história que escolhermos. Mas a rescisão de contrato é muito alta para quem tem fé. Sim, eu tenho, mas às vezes eu canso e tem dias que o sono não vem. 

No fim é como aquela música do Cartola, finda a tempestade o sol nascerá e a gente segue em frente, na mesma rua movimentada, com os rostos embaçados e as histórias em potencial, esperando só um ajuste de foco, a mudança de trilha sonora (...And one fine morning-), em busca do grande Talvez. 


domingo, 7 de julho de 2013

Dias numerados


Se eu fosse resumir o primeiro Encontrão mafioso, usaria a palavra euforia. Era tudo inacreditável demais, surreal demais, intenso, absurdo e muito improvável. Cada segundo foi vivido como se a gente tivesse ganhado aquele fim de semana depois de esfregar uma lâmpada mágica e precisasse usufruir de cada minutinho porque, se parássemos para respirar, o milagre se desmancharia no ar. Por isso a gente gritava. Gritamos no shopping, no ônibus, no metrô, na Bienal, no meio da rua, na escada rolante, na loja de maquiagem, no karaokê, no aeroporto. Era tudo na base do grito, das dancinhas, dos abraços com pulinhos que vinham quando a gente se dava conta de que estávamos ali. Porque era um milagre e nem mesmo um trajeto a pé de uma loja até a outra poderia ser passado sem que fizéssemos dele uma história

Já o segundo Encontrão pode ser definido pela palavra sintonia. Teve bagunça, euforia, perda de controle e muita gritaria, afinal somos nós, mas eu senti uma vibe diferente. Não tinha mais aquele pasmo essencial de antes e não parecia surreal estarmos ali juntas. Pelo contrário, parecia tudo muito lógico. Não eram mais as amigas do blog que eu finalmente estava conhecendo, eram minhas amigas. É natural, portanto, que eu tenha passado a sexta-feira à noite zapeando pelos canais da TV e conversando besteira com minhas amigas, é normal sair para comprar livros com elas, trocar figurinhas sobre maquiagem, pedir o lápis de olho emprestado e perguntar se minha roupa tá boa. É normal dormir no ombro da amiga depois de ferver o dia inteiro tendo acordado cedo, normal cantar no carro, reclamar das nossas mães, ajudar a lavar a louça, Milena me passa a pizza, Analu tem maionese na sua cara, olha a Couth enfiando queijo no café e a Deyse misturando bisnaguinha na canjica!

O problema é que isso deixa de ser normal quando cada uma de nós mora num canto do país. E por mais legal, incrível e extraordinário que nosso encontro nesse mundão de meu Deus tenha sido, não deixa de doer   pensar que a gente tem chance de viver coisas normais de amiga uma vez por ano - se tivermos sorte! A internet ajuda, é verdade, e se não fosse por ela nós literalmente não teríamos o que temos hoje, mas ela definitivamente não substitui nem os momentos épicos, como cantar Legião Urbana na Paulista, e nem aqueles singelos, porém necessários. Não dá pra ver a Mayra babar queijo ralado pela internet, não tem graça ver as notícias com a Irala por whatsapp, ou então pegar referências de Friends no ar com a Rafinha via chat do Facebook. 

Eu pensei em tudo isso no domingo de manhã quando, depois de fechar minha mala, fui acordar a Analu. Deitei no sofá com ela e logo a Tary, que dormia no chão, acordou também e colocou a cabeça na almofada. Então a Couth chegou e se deitou meio em cima da gente e ficamos ali, meio dormindo meio não querendo acordar, e eu deixei umas lágrimas caírem, porque a saudade já estava doendo antes mesmo de nos separarmos. E se tem uma pessoa que sempre se esforça para agradecer pela chance de viver certas coisas ao invés de se lamentar pelo fim delas, essa pessoa sou eu, mas naquela manhã gelada de domingo eu dei uma choradinha porque me senti injustiçada de verdade.

A marra com o universo passou quando cheguei em casa e vi o vídeo que a Rafinha postou, e a frase no final dele não poderia fazer mais sentido: Hazel Grace, personagem do livro que une visceralmente tantas de nós, escrito pelo autor que amamos em uníssono, diz que alguns infinitos são maiores que outros e tem dias que tudo que eu quero são pedaços maiores do aqueles que me são dados. 

Mas, assim como a Hazel, dou graças a Deus pela chance de viver o infinito em nossos dias numerados (paradoxo tão lindo e genial que virou nome de blog) e, como ela, eu não trocaria o nosso por nada. 

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Altar particular

Eu sou uma bagunça, quem já viu de perto sabe. Meu estado normal é andar com o mundo desmoronando sobre a minha cabeça, mas eu tenho angústia existencial de pensar em colocar minha vida em gavetas e listas, então é assim que eu vou levando. Isso não significa, porém, que eu não faça planos, muito menos que eu não fique pra lá de satisfeita quando eles de fato se concretizam do jeitinho que eu imaginei que seria. Minutos antes de dormir eu penso na minha vida como quadradinhos que se encaixam em gavetas e etapas que ficam lindas nas listas e às vezes nem eu mesma consigo me sabotar e jogar tudo pra fora.

Melhor do que terminar o dia tendo feito tudo que queria fazer, em fechar a semana sem coisas para ler no domingo à noite é quando a gente olha pra trás e viu que conseguiu fazer aquilo que não imaginava que aconteceria. Aquilo que a gente sonhou que um dia faria e um dia pensou que fosse só um sonho da boca pra fora. Há anos eu leio a Analu falando sobre as suas peças e desde de Vamos Falar De Amor Sem Dizer Eu Te Amo eu comentava no blog dela dizendo que meu sonho era um dia poder aplaudi-la de pé, com lágrimas nos olhos. E era um sonho mesmo, mas juro que muitas vezes eu pensei que o mais perto que eu chegaria disso seria assistir a peça por DVD ou ler o texto junto com ela pelo Skype. 

Só que, como eu ia dizendo, de vez em quando as coisas acontecem como a gente planeja. A gente já tinha falado sério sobre eu ir vê-la em junho pra assistir ao seu musical de formatura, mas aconteceu tanta coisa, de greves que estragaram minhas férias às companhias aéreas que queriam cobrar o equivalente a dois terços do meu fígado para me levar pra perto do palco do Cena Hum e eu estava conformada de que não rolaria. Mas aconteceu de dar certo e no último sábado lá estava eu naquela escola de teatro sobre a qual já li tantas descrições, olhando para a cara de pessoas de quem já tinha ouvido falar tantas vezes, com as amigas que sempre disseram também sonhar em um dia estar ali e a gente riu por ter percebido ao mesmo tempo que olhávamos aquela situação como se estivéssemos lendo um livro, ou o blog da Analu ou a própria história da nossa vida.

E eu fui parar na primeira fileira e a Tary tremia do meu lado e eu ri por dentro por lembrar que mais cedo a gente estava se perguntando se íamos ou não chorar. Porque é claro que eu já estava chorando antes de entrar no teatro e é claro que eu tive que fazer muita força pra não soluçar quando a Analu começou a cantar. Porque era a última peça dela, o musical dela, e era a gente ali na plateia arfando de chorar antes, durante e depois, aplaudindo de pé e babando de amor e orgulho. Dava vontade de gritar e apontar: tá vendo aquela menina de rosa ali no palco cantando em francês? Pois é, é minha amiga e mais cedo a gente estava cantando Taylor Swift no carro e eu já vi ela com a cara suja de maionese, aquela mesmo que agora tá chutando traseiros no palco!

Analu queria uma resenha sobre Histórias Para a Liberdade, mas eu já disse que não sei falar sobre o que eu amo demais (principalmente porque eu não sei nada sobre teatro). Espero que ela se contente com o tratamento que tudo que eu amo demais recebe por aqui, que é uma babadinha de paixão e uma puxação de saco sem fim. Vocês, que leem ela contando cheia de amor sobre o teatro, saibam que toda a mágica é real, e que a menina do Minha Vida Como Ela É, além de escrever bem e abraçar mais apertado que todas, ainda canta que é uma coisa linda de ver e ouvir. Vocês perderam. 

terça-feira, 2 de julho de 2013

Aquele em que perdemos as nossas malas

Eis que dez meses depois a Máfia (ou pelo menos uma parte representativa dela) se encontra novamente. Por uma daquelas conjunturas mágicas em que um belo fim de semana um monte de gente encontra passagens aéreas baratas para um mesmo final de semana, que calha de ser aquele em que a Analu estreia o seu musical, na última sexta nos reunimos novamente. Parece que foi fácil e no início foi mesmo, mas se eu achava que a pior parte daquele dia seria pular da cama às três e meia da manhã para pegar um avião, eu estava muito enganada.

Não achando suficiente ter me feito passar pela semana mais cã do semestre até agora, com direito a cabelos perdidos por conta de relatórios atrasados e incontáveis horas de sono passadas ao lado do Word, o universo achou que ainda tinha mais contas a acertar antes de me entregar nos braços do meu fim de semana de folia, amigas e delícias. Porque eu já estava no ônibus rodando pela pista do aeroporto de Congonhas pronta para embarcar para Curitiba quando, depois de uma volta consideravelmente longa, sou informada de que meu voo havia sido cancelado. Meu sangue parou de circular e antes de pisar novamente na sala de embarque eu já tinha penhorado com Deus tudo que tenho de mais valioso (inclusive a saúde do meu sistema digestório, como diria a Milena) em troca daquela viagem sair. Logo. Como desespero pouco é bobagem, descubro que o voo da Rafinha e da Deyse também tinham sido cancelados e que o aeroporto de Curitiba estava fechado. 

O negócio é que estávamos no inverno e Curitiba é uma cidade com muita névoa. Analu já nos havia alertado disso, mas é difícil ser racional quando aquele fim de semana mágico, planejado, sonhado e idealizado por meses estava em jogo. Felizmente, em pouco mais de meia hora o aeroporto foi reaberto e embarquei, dessa vez de verdade, com menos de uma hora de atrasado. Por volta das onze da manhã já estávamos todas em solo Curitibano, gritando no aeroporto e quase quebrando portas de vidro por motivos de emoção e saudades extremas.

Acontece que o aeroporto de Curitiba, na verdade, não fica em Curitiba. Para chegarmos ao centro da cidade é preciso tomar um ônibus que faz as viagens do aeroporto até a cidade, que costumam demorar mais ou menos uma hora, dependendo do trânsito. Fomos o caminho inteiro conversando e rindo sem parar,  ou melhor, gralhando, como faz questão de colocar a mãe da Analu (sdds, tia Mônica!). Porque se no Facebook nós temos o caps lock, ao vivo e a cores não podemos simplesmente falar alto e sermos histéricas, temos que GRALHAR para o terror dos outros passageiros. Imbuídas desse espírito de empolgação que descemos no ponto e conhecemos a tia Mônica, e estava indo tudo muito bem até que o ônibus arranca e a gente se dá conta de que as malas estão lá dentro. 

A Tary e a Deyse juram que estavam paradas em frente ao bagageiro esperando o motorista descer para abrir a porta para nós, mas eu confesso que nem lembrava mais que tinha mala. Foi só mesmo quando vi o busãozinho cinza descer a rua que lembrei da minha mala vermelha, das roupas de frio que estavam lá dentro e da cesta de cinco quilos que minha mãe inventou de comprar como um presente para os Bussular por terem me hospedado. Enquanto nós, as gralhas, olhávamos perplexas e paralisadas, gargalhando de nervoso e incredulidade do momento Friends que acabava de nos ocorrer, tia Mônica foi a única que pensou rápido o bastante para correr atrás do ônibus e bater na lateral. E nada. O motorista até ameaçou parar, mas achou de bom tom seguir em frente e cumprir com seus horários. 

Suspeito motivos de vingança contra as seis garotas gralhas que resolveram perturbar a sua paz matinal. Porque ele sabia quem nós éramos. Sabia que tínhamos malas. Não é por nada não, mas seis garotas cheias de malas e falando sem parar não é o tipo de coisa que passa despercebido, então suponho que ele escolheu nos ignorar para ver quanto tempo levaria até que a falta de mala nos fizesse calar a boca. Ou então ele simplesmente não estava a fim de carregar minha cesta de quitutes mineiros muito pesados novamente. 

Sei que nós rimos, rimos bastante, porque não havia mais o que fazer. Tia Mônica cuidou da parte do barraco e algumas horas depois conseguimos recuperar nossas trouxinhas. Mas, como bem disse a Dedê, a gente estava rindo porque tinha uma adulta sensata entre nós para lidar com a situação, do contrário estaríamos deitadas em posição fetal embaixo do banco, chorando e barganhando nossos bens mais preciosos e leiloando o sistema digestório inteirinho (com um rim de brinde) em troca das bagagens (e eu, se estivesse sozinha, só daria pela falta delas horas depois, quando fosse buscar algo na mala) - que foram cheias de roupas de frio e voltaram com  histórias. Essas, pelo menos, eu não esqueço no ônibus. 

Chandler e Joey nos representam