Esse post faz parte da Blogagem Coletiva do Rotaroots, grupo criado para reunir blogueiros de raiz que sentem falta da blogosfera moleque e pé no chão. Para participar, junte-se a nós no grupo do Facebook mais cheio de nostalgia que já se teve notícia e coloque seu link no rotation. O tema desse mês é: A primeira vez que eu ouvi minha banda favoritaNão lembro exatamente se era janeiro ou julho, mas sei que era São Paulo e que chovia lá fora, exatamente como acontece agora na minha janela enquanto escuto Either Way, mais uma de muitas e muitas outras vezes, que começaram a ser acumuladas naquela manhã cinza de janeiro ou julho, certamente em 2009.
Meu tio foi pegar o jornal lá fora e voltou já rasgando uma caixa da Amazon, como se tivesse seis anos de idade e encontrasse um Nintendo 64 embaixo da árvore de Natal, com seu nome na etiqueta. Dentro da caixa estava um vinil do Sky Blue Sky, sexto álbum de estúdio do Wilco, o primeiro deles que eu ouvi, com a capa mais bonita do mundo inteiro, ainda mais bonita no formato enorme e sofisticado do vinil. Eu nunca tinha ouvido falar daquela banda, e lá estava meu tio, um homem feito, quase chorando de felicidade por conta de um vinil. Ele, que coleciona discos, me contou que raramente compra vinis novos, mas que esse lançamento do Wilco foi um presente de aniversário dele pra ele mesmo, uma auto-indulgência que valeu cada dólar gasto e todos os dias de espera, porque o Wilco é esse tipo de banda.
Eu não fazia ideia do que esperar do Wilco. Meu tio tem um gosto bem diversificado, e sua coleção vai de Racionais a Jenny Lewis, Radiohead a Snoop Dogg, Roberto Carlos a Death Cab For Cutie. Qualquer coisa podia sair daqueles alto-falantes. Mas, mesmo se eu soubesse o que me aguardava, acho que nada poderia me fazer antever o efeito que a primeira música, Either Way, causaria me mim. Nem trinta segundos de música e Jeff Tweedy já tinha derretido minhas tripas, a primeira de muitas e muitas outras vezes, nesses cinco anos de Wilco na minha vida.
(Trivia: uma vez mandei essa música para um mocinho aí, num delírio romântico que me fez acreditar que se ele gostasse daquilo tanto quanto eu, experimentaríamos um outro nível de conexão emocional, seja isso o que for. Ele nem amou tanto assim, e agora que o romance não vingou, acho que fiquei mais chateada por ele não ter gostado de Wilco do que por ele não ter ligado pra mim.)
O resto das férias se passou com o disco girando todos os dias na vitrola da sala, e não demorou para que eu aprendesse a assobiar algumas melodias e cantarolasse baixinho as minhas favoritas. O Wilco não se parecia com nada que eu, aos quinze anos, tivesse ouvido antes. Não conhecia nenhuma banda que fizesse um som tão sofisticado, tão limpo, que misturava arranjos de piano a solos de guitarra de mais de três minutos, com aquelas letras que eram ora cheias de urgência, ora de uma tristezinha resignada, mas sempre com uma esperança de fundo apesar da invariável melancolia. Afinal, what would we be without wishful thinking?
Voltei pra casa com Wilco na cabeça, nos fones e a discografia deles num pendrive, mas demorei anos para desbravar alguma coisa além do Sky Blue Sky, meu velho conhecido. Hoje já gosto bem mais de outros trabalhos, como Yankee Hotel Foxtrot (o favorito do mundo inteiro), Summerteeth, The Whole Love e Kicking Television, mas demorou um pouco até que a gente se encontrasse. Acho que precisei desses anos para maturar as coisas dentro de mim e abrir espaço pro Wilco finalmente ter a chance de deixar de ser só a banda diferente daquele verão (ou será que foi inverno?) de 2009 para ser uma banda toda minha, e contar um pouco da minha história - mais ou menos o que eu gosto de acreditar que o Jeff quis dizer quando escreveu que this world of words and meanings makes you feel outside something you feel already deep inside you've denied na letra de On And On And On.
Foi só nesse ano que Wilco se tornou a minha banda favorita. Esse conceito é algo tão absoluto e definitivo que a afirmação ainda me assusta, por isso vou me apoiar no conforto do momento e dizer que pelo menos nos últimos seis meses não existiu nenhuma outra banda que eu tivesse necessidade de ouvir todos os dias, invariavelmente, nem qualquer outra coisa que provocasse o mesmo efeito que uma música do Yankee Hotel Foxtrot, que se toca uma vez, aleatoriamente, tem que ser seguida do CD inteiro, de novo e de novo e de novo.
E sempre que o dia está muito ruim, como ontem esteve horrível, eu me permito dez minutos de delírio nos quais eu fujo pra Chicago para vê-los tocando, e grito e pulo ao som de Pot Kettle Black estragando o vídeo que eu tento inutilmente gravar.
Quando eu disse isso pra um amigo, ele falou que eu era nova demais pra gostar tanto assim da banda e que eles fazem músicas pra homens de meia-idade, provavelmente em crise. Todos os rabiscos que já fiz na seção de apreciação ao Wilco que mantenho num caderno (sim) depõem contra isso, e meu pai nunca achou nada demais na banda apesar das minhas tentativas de aproximar os dois, mas se isso for verdade, farei questão de coçar minha careca imaginária com consternação sempre que experimentar a sensação de ter minhas tripas derretidas por Jeff Tweedy e sua turma, nos primeiros trinta segundos de uma música qualquer.