quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Vestida para não lidar

Eu tenho esse par de tênis, sabe, bem bonitos até. Quer dizer, eles eram lindos há quatro anos atrás, quando foram comprados. Os detalhes em dourado ainda tinham brilho, e a parte branca não tinha ficado encardida pelo uso. É um par de tênis com uma vibe meio skatista, ou o mais próximo disso que uma pessoa como eu (que faz as unhas toda semana e passa blush todos os dias) pode chegar: a vontade de arranjar um namorado skatista e ir num show do Blink 182. 

Eu usava eles quase todo dia pra ir pra escola, daí os detalhes em dourado que hoje são apenas um amarelo forte meio tristinho e a parte branca toda encardida, motivos que me levaram a deixá-lo ali no fundo do armário. Também tem o fato de que era uma coisa ok de se usar com calça jeans e o blusa de uniforme da escola, mas desde que abandonei essa vida ingrata de colegial, meu tênis de skatista-com-batom-vermelho não casa mais com meus trajes civis. Me sinto uma daquelas mães que insistem em usar as roupas da filha de 15 anos e ninguém avisa que ela já passou dessa fase - não que eu tenha deixado de ser 14 anos no coração e sabe Deus como eu ainda canto com fervor All The Small Things no carro e no banho, mas é bom tentar manter as aparências. 

O negócio é que mesmo que esses tênis não saiam mais comigo com a frequência de antes, eu nunca consegui me desapegar deles. Vira e mexe eu abro o meu armário e eles são a única coisa que eu quero, porque são os meus sapatos de não-lidar, ideal para aqueles dias em que eu saio da cama com vontade de voltar pra ela, incapaz de encarar de cabeça erguida o dia que me espera. Dias que já começam com o pé esquerdo, com muito sono acumulado e dor nas costas, em que eu passaria de bom grado a chance de interagir com algum ser humano. Meus tênis de não-lidar ainda existem no armário para me ajudar naqueles dias em que eu não tô pra vida, e nessas ocasiões eles são meus sapatinhos de cristal. 

Esse par de tênis pode não ter mais detalhes em dourado e estar meio encardido para todo sempre amém, mas ele é o sapato mais macio que eu tenho. Além disso, eu consigo calçá-lo sem precisar de desamarrar os cadarços e depois amarrá-los de novo, ainda que ele fique com aquela aspecto largo e largado - e eu automaticamente começo a ouvir Nobody's Fool tocando ao fundo, por mais que o primeiro CD da Avril Lavigne esteja esquecido na gaveta há anos (mentira). Se tem uma coisa com a qual eu não gosto de lidar nesses dias de não lidar é com cadarço, mas o pouco de dignidade que me resta me impede de apelar pra um tênis de velcro ou, pior ainda, um Crocs com meia. 

Aí vocês me dizem que não faz sentido eu me dar ao trabalho de calçar um tênis quando posso simplesmente sair de Havaianas e dar uma banana para a sociedade bem calçada uberlandense, mas já teorizei aqui uma vez sobre o poder exercido pelas meias no meu ânimo. Um colchão quentinho e macio para os pés que aquece a alma, um restinho de infância nos pés desafiando a monotonia da vida adulta e o monopólio das meias brancas, uma resistência silenciosa em forma de desenhos das Meninas Super-Poderosas numa fachada de universitária mais ou menos séria. Como complemento perfeito, os tênis de não-lidar, servindo de escudo às meias amuleto, que me lembram que já vivi dias melhores e outros hão de vir.

Somando a esse desleixo ideologicamente construído, a boa e velha legging preta e uma camiseta de banda - alternativa socialmente aceitável que substitui àquela camiseta brinde de congresso (ou lembrança da feira de ciências de 2008) que é um pijama perfeito para noites não-lidáveis, mas no dia-a-dia é sempre bom estabelecer limites. E é assim, querida leitora, que você fica pronta para encarar um dia que passaria melhor se não encarado, mas ninguém aqui está com a vida ganha. Pegue aqueles óculos escuros gigantes, providencie Blink e Avril Lavigne para ouvir no talo com fones de ouvido, e espere pacientemente que o dia passe sem maiores danos.

No meu caso, fico sentada com a mão no queixo evitando qualquer interação, mas não vou mentir que ainda não desisti daquele namorado skatista.

Hoje não, Rodrigo

8 comentários:

  1. "Hoje não, Rodrigo" HAHAHAHA. Amiga, não arrume um namorado skatista. Pfvr Mozão com classe, porque senão ele vai querer jogar as criança tudo na pista de skate e eu sou medrosa, não saberei lidar com Clara rolando, ok? (A outra viaja)
    Não to no prumo hoje, mas ri com seu texto. Nem me fale em roupas de 'não vou lidar hoje não' mesmo quando a gente tem que lidar..
    Beijo <3

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  2. HAHAHAHAH, você é sensacional demais. Não sei lidar com isso. Tenho esse tênis, amiga. E ainda uso. Bem "dane-se". Amei esse texto de paixão. Um dos meus favoritos. E ah, tenho uma amiga que também nunca desistiu do namorado skatista. Não entendo essa paixão, mas ok, hahaha. Beijoss <3

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  3. Eu fico passada que em outros lugares usar um par de Havaianas não é normal hahaha. Gente! Aqui no Rio todoooo mundo vai de havaianas pra faculdade, pro shopping, pra tudo que é canto, vou até pra igreja haha. Eu acho que se morar em um lugar assim não vou me acostumar. Poxa, queria ter visto o tal tênis, fiquei curiosa haha.
    E não desista do cara skatista, meu Deus, isso é o que há de melhor. Aqui então, só gente linda! hahaha
    Beijo

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  4. Acho super digno não desistir do namorado skatista, vale a pena! hahaha
    Eu "cresci", mas continuo usando todo o tipo de roupa e sapato de não lidar porque não sei lidar (oi?) com as roupas que eu deveria usar. hahahah
    beijo
    Reenoceronte

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  5. Nem preciso comentar que ri do começo ao fim, né? HAHAHAHAHHAHAHA Absurdamente genial. HAHAHAHAHAHAH Outro dia eu encontrei uma blusa brinde de um festival do ensino médio QUE EU NUNCA TINHA USADO, aí coloquei ela e uma calça de cotton que tenho desde os 8 anos e ainda serve e esbanjei falta de glamour pela casa inteira. Queria ter visto uma foto do tênis.
    Abraços!

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  6. Eu pensava que eu poderia me vestir exatamente como você descreveu até o fim da minha adolescência sabe? Mas aos 16 anos arrumei um emprego.
    Não me visto mais assim.
    Ô vida

    Novembro Inconstante

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  7. Tenho peças assim no meu armário - e olha que não são poucas.
    Curiosamente, esse ano pratiquei fácil fácil o desapego. Desapeguei das minhas blusas de frio, de um short que já foi calça, de um jeans que eu usava desde o colegial (sério). Me permiti comprar roupas novas, gostar de novos estilos.
    Estou com um tênis branquinho aqui. Mas é um tênis bem de enfermeira mesmo.
    Abraços.

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