domingo, 10 de janeiro de 2010

Carolina

Parte 2
(parte 1)
No Natal isso mudava. De férias coletivas, ela ia ao aeroporto todos os dias, perambulava no meio das filas, das malas, das pessoas, com seu casaco azul turquesa traçando uma trilha própria em meio àquele monte de sobretudos pretos. Era mais difícil achar um local vazio e quieto para sentar-se, mas ao mesmo tempo, era mais fácil escapar ilesa dos olhares de curiosos e de aeromoças que achavam sua presença familiar. O movimento era tão intenso, tanto entra e sai, tantos abraços, pais de família passando com suas camisas de veraneio, prontos para abandonar o frio e aproveitar as férias num local a beira mar. Ela podia até sorrir vendo todas aquelas pessoas, tão felizes, tão convictas de seu mundo, tão transparentes, óbvias e adoravelmente previsíveis! Sentia-se afortunada por poder admirar-lhes a distância, protegida por seu redoma banhado no utópico mistério que ela mesma criara ao seu redor. Era quase como observar formigas em um terrário. A idéia de que ela estaria sempre oculta, sempre protegida, sempre sã e salva de algum olhar furtivo que pudesse lhe flagrar e então dar-lhe nome, casa, filhos e problemas imaginários. Que belo conforto era o de saber que ninguém via nada através de seus olhos e assim não poderiam fazer suposições absurdas.

Isso começara como que por acidente. Estava em casa, estava triste, estava sozinha. Acabara de voltar de um encontro com as amigas da faculdade, algumas estavam casadas, tinham filhos até, outras moraram fora, estudavam metafísica, e ela, bem, ela continuava ali. Na sua vez de falar, permaneceu calada, um tanto constrangida, não fazia idéia do que poderia dizer. Não sabia, e teve a certeza absoluta naquele momento de que era porque não vivia, apenas observava os dias passarem. Ela não fazia nada, passava os dias esperando que as horas fossem embora, esperava a hora de sair do trabalho, esperava o horário de almoço passar, esperava o noticiário acabar, e esperava a noite ir embora. Mas pessoas não poderiam saber disso, não sabiam nada sobre ela, e essa verdade, essa que lhe dóia nas entranhas, ela esconderia até de si mesma, esconderiatão fundo que até se esqueceria do dia que a perdeu. Saiu então correndo pra ver a vida, ver as pessoas vivendo, ver o mundo em sua dinâmica natural, para ver se estava perdendo algo importante, e acabou no aeroporto, observando as pessoas. E lhes adivinhando a vida, ela poderia sentir que vivia para alguma coisa.

(Continua...)

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