terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O dia do renovo.

A primeira segunda feira de férias carrega consigo um frescor e uma liberdade nunca antes vistas, a antiga angústia trazida pelo dia, jaz agora guardadinha no fundo de um armário, junto com livros, cadernos e restos de uma borracha já no fim. Aquele dia fora meticulosamente combinado pelos corredores da escola, o filme perfeito, os salgadinhos calóricos e o brigadeiro de panela, estaríamos assim espalhadas no sofá sem nada na cabeça.

Um probleminha operacional fez com que eu precisasse de um dvd extra, liguei logo pra você comprar quando estivesse a caminho, e claro que você não comprou, sugerindo que fôssemos juntas atrás do bendito. Os poucos quarteirões da ida foram-se logo, mas alongaram-se na volta, quando uma chuva fina, porém molhada e fria o suficiente para desalinhar-nos os cabelos e fazer-te escorregar do sapato toda hora, o que te pôs a reclamar insistentemente.

Queria um dia encontrar um sapato - que não tuas sapameias - que não te machucasse em nada. Quando eu estava com o dedo machucado, você poderia contar com os band-aids que nunca saíam da minha bolsa, íamos em um canto, fazíamos um curativo desacambrido e dava pra segurar até o resto do passeio. Meu pé sarou e o seu continuou machucando com todo e qualquer sapato que usa, fazendo com que as duas - com a maior cara de pau do mundo - cheguem ao ponto de procurar a recepcionista de uma festa para pedir-lhe um kit de primeiros socorros; no meio da festa, lá estávamos nós sentadas no sofá, penteadas, pomposas e perfumadas, e você com um pé descalço, rindo do próprio infortúnio e dizendo que é nisso que dá ter um pé lindo e delicado que todos amam, inclusive a Ilda.

Voltando ao dia da chuva, você andava se arrastando um metro e meio atrás de mim, e reclamava de um jeito chato que só você faz. Queria encurtar a distância e chegar mais rápido, inventou que queria correr: "Pois corra, Anaisa, mal consegue andar quero ver você correr nesse chão molhado" e lá saiu você, num movimento que não vou saber definir, parecia mais um burrinho manco tentando trotar, um pé escorregava, o colete rendado ameaçava cair, um tropeção e uma pisada em falso e eu já não sabia quem ria mais, se era você que escorregava, tossia, gargalhava e praguejava ao mesmo tempo, ou eu e Sofia ali atrás, já sem conseguir andar só pra rir ao ver sua tentativa frustrada de correr.

Entramos em casa e você veio direto pro meu quarto, espalhou-se na cama, jogou as almofadas no chão e se aconchegou lá como tantas outras vezes fizera, como naquela em que você dormiu enquanto eu distraída conversava com você e mexia no computador, ou na outra em que pensamos que havia um alien dentro da sua barriga e naquelas tantas em que você já pronta pra sair esperava eu me aprontar, e trocar a combinação até que eu ficasse feliz e satisfeita.

Dezesseis anos só fazendo com que os outros parassem tudo que faziam para fazer qualquer besteira que você queria, seja sair da lanchonete pra tomar sorvete na praça, seja interromper um jogo para que você vá explorar um vale, seja mudar de assunto para que você possa participar. Escrevo pra você aqui todos os anos, nesse mesmo dia em especial, e pode parecer repetitivo ficar dizendo a mesma coisa sempre, mas enquanto não sai tua biografia, ficam essas pequenas lembranças dizendo que pra sempre eu amo tanto esse teu jeito de esgruvinhar.

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