Não sei o que há de errado comigo, mas odeio festas de fim de ano. Não é que eu faça a linha ermitão-way-of-life e odeie as pessoas e não tenha ninguém, ou que eu não acredite em nada ou seja do tipo militante anti-capitalista que acha que tudo é uma conspiração dos caras para nos fazer comprar cada vez mais. Talvez seja, mas não é isso que me faz desgostar das festas. É só que eu fico irritada com os shoppings lotados, e a neve falsa e o Papai Noel com sua roupa de veludo vermelho enquanto lá na rua está fazendo 40º na sombra; fico aborrecida ao receber mensagens de pessoas que só falam comigo nessa época do ano e vem dizer que sentem saudades, que é pra gente marcar de sair qualquer dia desses; o clima sentimentaloide do período me deprime, as confraternizações de turma onde todo mundo de repente se ama me dá preguiça; odeio os especiais de Natal da Globo e a maneira como eles transformam todos os programas num espetáculo patético de exploração das histórias de vida alheias e do sofrimento dos outros. Só queria um dia poder dormir dia 10 de dezembro e acordar 02 de janeiro. Seria pedir demais?
Todo ano, quando chega dezembro, passo por um período de crise interna que muito se assemelha com as seis fases do luto:
Negação
Começa quando vejo as primeiras lojas decoradas para o Natal ali pelo final de outubro. Quero vomitar e arrancar tudo dali, e fico repetindo pra mim mesma que aquilo é um absurdo, um disparate, e que o Natal não está chegando.
Raiva
Me transformo na Bruxa Má do Oeste a cada vez que escuto uma música natalina. Tenho vontade de quebrar a televisão quando a Globo lança sua mensagem de fim de ano. Digo que vou sabotar o amigo secreto da sala. Tenho vontade de jogar fora meus filmes natalinos e pego uma birra enorme de todos os episódios de séries com temática de fim de ano.
Barganha
Mãe, e se fizéssemos um Natal diferente? Sem uva-passa, sem peru e panetone, só eu você, a vovó e o vovô em casa, com a tv desligada, comendo quibe com ovo, jogando Scrabble e ouvindo Frank Sinatra? Mãe, por favor, vamos inventar um doce novo, eu não quero panetone, eu odeio panetone. Que tal se a gente viajasse pra uma ilha deserta ou pra China, um lugar onde não se comemore o Natal, vai ser tão melhor, vamos evitar o tumulto, o jingle bell... pra que tudo isso? Mãe, por favor!
Depressão
De repente eu fico triste sem motivo. Tudo me deprime e eu me lembro de tudo que há de ruim no mundo, em quem não tem nada pra comer, nos cachorros sem dono, nas crianças sem família, na minha solteirice e tenho vontade de chorar com qualquer coisa boba que me digam. É a hora em que as pessoas se aproveitam do meu coração fragilizado e me arrastam para o shopping pra que eu ajude nas compras. É sempre assim, todo mundo me aluga (de graça, detalhe) pra escolher os presentes da família toda. Nessa época eu me lembro de quanto eu amo todas as pessoas e que a vida é efêmera, fico pensando na morte da bezerra e de todos a minha volta, e resolvo escrever cartas florzinha pra todo mundo que conheço.
Raiva (de novo)
Chegamos ao dia 23 de dezembro. Quero ficar trancada no quarto o dia todo e a casa vai se enchendo daquelas pessoas que visitam sem avisar, são inconvenientes e ficam me fazendo perguntas inoportunas. É o dia em que não aguento mais ouvir música natalina e pensar em compras, e sempre alguém me pergunta o que deve comprar pra fulano e siclano e minha vontade é responder: um envelope de Anthrax. O cheiro de assados impregna, uvas-passa aparecem em quantidade industrial e eu ainda tenho que fingir que está tudo bem.
Aceitação
Ela demora, mas chega. No fim do dia 24 de dezembro, quando me recolho para me aprontar para a festa de Natal, sou invadida por um espírito de resignação. Resolvo que o melhor mesmo é mandar mensagens fofas para pessoas que importam, penso em coisas bonitas para dizer pros outros, e canto Jingle Bell Rock no banho. O alívio que o fim do Natal me traz é substituído por uma ansiedade louca pelo dia 31 de dezembro, porque eu só quero que aquilo passe logo, que os fogos de artifício encham o saco de uma vez e que as pessoas acordem na segunda sabendo que aquela dieta não vai rolar, que a vida continua e é um dia feliz pois sei que nunca vai faltar tanto tempo para as festividades daquele ano como falta naquele dia.
Aí começa minha crise pré- aniversário, mas já fui muito mal humorada prum post só.
Vou viajar e não sei se terei tempo de voltar aqui antes que o ano acabe. Apesar de tudo que disse acima, desejo de verdade que vocês tenham tido um Natal bacana, e que no último ano antes do fim do mundo (ai como eu queria!) a gente possa fazer muita coisa legal e ter histórias engraçadas pra contar.