segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Como é que eu vou dizer que acabou?

Para ler ouvindo:


Não escrevo nada aqui há cinco meses e há uns quatro parei de sofrer por causa disso, mas já não tenho vontade de escrever aqui há muito mais tempo. Falar sobre o fim é difícil mesmo quando ele já aconteceu. Eu vou do início:

Há exatamente um ano eu anunciei que faria o BEDA, me propondo o desafio de postar todos os dias durante um mês inteiro. Eu estava trabalhando, fazendo TCC, com problemas em casa, tentando virar adulta e já não tinha mais idade pra isso, mas sem pensar muito eu fui lá e fiz - e foi incrível. Me diverti com o blog como há anos não acontecia e isso só evidenciou como blogar havia se tornado algo que eu fazia muito mais por hábito, muito mais por nem me lembrar direito como era a vida sem ter um blog, do que porque sim, porque é divertido, porque eu quero, porque é tão melhor que todo o resto.

O BEDA foi a festa do divórcio, aquela viagem para Paris que um casal resolve fazer pra tentar salvar o casamento de anos sabendo que na volta eles vão do aeroporto direito pro escritório do advogado, aliviados por já terem começado a fazer as malas. 

Veja bem, a viagem foi ótima: eles passearam de mãos dadas, se beijaram na chuva, transaram com vigor adolescente na segurança de seus corpos adultos que sabem exatamente o que querem da vida e do outro. Foram jantares longos, restaurantes caros, sobremesas finas e vinhos deliciosos. Foi uma extravagância merecida. Ele não pensou em trabalho, ela esqueceu o celular, eles se permitiram dormir até mais tarde e conversar a noite inteira. Paris nunca esteve tão linda, eles nunca se amaram tanto, e isso deixou claro que eles já não se amavam mais. 

Aquilo não era a vida real e um casamento não é feito de viagens a Paris, mas de arroz com carne moída naquela quarta-feira, promoção de vinho, cantoria no carro e o charme daquele velho pijama furado. Se é preciso de Paris para ter graça e amor, é porque acabou. Eles estavam se amando sobre os escombros. 

Eu vou sentir falta daqui como quem sente falta daquele namorado que era perfeito, até que não foi mais. Aquele que a gente lembra com carinho e saudade, mas não se arrepende de ter seguido em frente. Voltar pra ele seria voltar para a pessoa que você era antes, e ela já não existe mais. É por isso que acabou. Eu já não existo mais aqui, como não existo mais na pele daquela Anna Vitória adolescente de 13 anos que um dia resolveu que começaria um blog pra valer. Eu não teria chegado aqui sem ela, mas é hora de descobrir todas as outras pessoas que eu ainda posso ser. 

Por que a insistência em tecer analogias entre o blog e um namoro? Porque junto com três ou quatro amizades, o blog é o relacionamento sério mais longo que eu tive e, como qualquer relacionamento, ele me mudou pra sempre e deixou marcas indeléveis na minha vida. Foi aqui que me transformei em gente que escreve, algo que tenho certeza que vou ser pra sempre. Nos últimos meses minha vida mudou bastante e sinto que tudo que aconteceu é uma consequência direta e indireta de um dia ter começado esse blog. Se fui sozinha para uma cidade enorme e nunca me faltou companhia pra almoçar, jantar e cantar no karaokê, foi porque um dia depois da escola eu sentei na frente do computador decidida a escrever sobre alguma coisa, qualquer coisa, porque sim, porque era divertido, porque eu queria e porque aquilo era tão melhor que todo o resto. Quando me lembro, são anos dourados.

Hoje começa mais um BEDA e várias pessoas legais vão participar. Isso me deixou nostálgica, quase que com vontade de entrar nessa de novo, mesmo que no fundo eu tenha certeza absoluta de que esse barco partiu faz tempo. Não quero insistir nessa viagem e me afogar. É como cruzar com uma pessoa que usa a mesma loção pós-barba daquele antigo namorado e de repente sentir tanta saudade a ponto de pensar em ligar bêbada pedindo pra ele voltar. É sempre desconcertante rever o grande amor.

Então resolvi escrever esse post, porque se eu não falar do fim o blog vai continuar aqui existindo como um blog platônico e acho que a gente merece mais que isso. No fim de semana contei para alguns amigos que faria isso e todos ficaram meio tristes (o que me deixou feliz de um jeito bem vaidoso), mas não sei até que ponto é melhor um final nunca dito, eternamente no ar, do que um ponto final claro e honesto. Já não escrevo aqui faz tempo e todos sobrevivemos. Como diz um dos meus poemas favoritos (hoje estou cheia de referências): seu destino foi curto longo e bom, não o choreis. No que depender de mim ele vai ficar no ar pra sempre, até porque eu virei aqui sempre que quiser relembrar algo especial dos últimos OITO ANOS da minha vida.

Como falei, eu sou e sempre vou ser gente que escreve e continuo escrevendo. Se você gosta e se identifica com as coisas que eu faço, ou se eu sou o tipo de pessoa que você lê pra ficar com raiva, você pode me encontrar em diversos lugares:

> Semanalmente, eu mando um e-mail pessoal esquisito para os assinantes da minha newsletter. Para receber também (são anedotas, crônicas, textões, o que estou lendo, ouvindo, assistindo e alguma foto de animal de roupinha), basta assinar a No Recreio

Qual a diferença disso pra um blog pessoal?, você se pergunta. Nenhuma e toda, eu respondo. É como receber o blog direto na sua caixa de entrada, só que de um jeito mais íntimo, complicado e perfeitinho. Existe uma sociedade secreta bacana, querida e crescente nas caixas de entrada (e a Aline Valek se deu ao enorme trabalho de fazer uma listagem dessas newsletters) e é o lugar que me sinto à vontade para escrever no momento. A newsletter é aquela coisa legal que eu faço porque sim, porque eu quero, porque é divertido e porque é tão melhor que todo o resto - e isso basta. O amanhã a Deus pertence.

> Há três meses lancei com algumas amigas o Valkirias, um site onde a gente escreve sobre cultura pop, feminismo e problematiza o impossível. Você pode conhecer o site, curtir nossa página, seguir a gente no Twitter e assinar nossa newsletter. Se tiver alguma ideia dentro do nosso nicho de interesse, pode até escrever junto com a gente.

> Eu continuo escrevendo na Pólen, porque alguém precisa cultivar o lugar de colaboradora mais enrolada e irresponsável de uma publicação absolutamente adorável.

> Também criei uma conta no Medium, porque um dia eu escrevi um textão que não se encaixava em nenhum outro lugar onde eu costumo publicar textões. Mas Anna você odeia o Medium!!! Pois é, mas às vezes ele se faz necessário. Caso essas circunstâncias se repitam, escreverei lá novamente e vida que segue. A VIDA É COMO UMA CAIXA DE BOMBONS, VOCÊ NUNCA SABE O QUE VEM DENTRO!!!!!!!!

> Todos os dias, o dia inteiro, estou no Twitter escrevendo tudo quanto é lixo que se passa na minha cabeça. Ainda é meu lugar favorito na internet porque todo mundo ali sabe que a gente está nos escombros da rede mundial de computadores e precisamos manter essa locomotiva funcionando. 

> Eu também tenho Instagram, Skoob, Goodreads e abandonei o Snapchat, graças a Deus. Tenho também um portfólio online mais ou menos profissional, caso você, futuro empregador, esteja se perguntando. 

> Eu quero escrever um livro em algum momento. Manterei vocês informados.


Já que estamos falando de amor, deixo vocês com essa conclusão: em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba. Vejo vocês do outro lado e muito obrigada. Mesmo. Um milhão de vezes. Por tudo que esse blog já me fez ser, crescer e fazer, é realmente inagradecível. E como de praxe, me desculpem por ser ridícula.

Se essa é a lápide desse blog, essas são minhas mensagens finais (são várias, porque eu não sei escolher):

Sentimentos são os únicos fatos

Vamos todos morrer mesmo

O universo está se expandindo

Shakespeare e os gregos já disseram tudo antes

Vai Corinthians

Paz


segunda-feira, 28 de março de 2016

Máquina de lavar

Para ler ouvindo:



A televisão foi a primeira coisa a ser trocada. Nesses doze anos já foram duas. Depois foi o móvel da sala: o antigo agora fica no corredor, dando lugar ao aparador de madeira rústica que minha mãe tanto queria. O sofá ganhou outro forro e as cadeiras também; já é tempo, aliás, de trocar tudo de novo. O microondas foi ideia minha, um dia acordei sismada que o nosso estava emitindo radiação. Não tem como confiar num microondas de mais de dez anos. Já a geladeira foi ideia da minha mãe. A nossa antiga, grande, vazava sem explicação e fazia uns barulhos muito estranhos no meio da noite. Era o nosso bicho papão doméstico, que sempre assustava minhas amigas que vinham dormir em casa. Ela foi substituída por outra, bem menor, que inexplicavelmente abria do lado contrário.

Não tinha nada de errado com ela além disso, mas um dia acordei com uma geladeira enorme me esperando na portaria. Minha mãe sismou que aquela era muito pequena e resolveu trocar. Sobrou pra mim administrar tudo isso, ela esqueceu de me ensinar o que fazer quando entregam uma geladeira na sua casa e obviamente esqueceu também de estar em casa para recebê-la. Não bastasse a geladeira, minha mãe comprou um novo fogão. Eu não pensei que esse dia fosse chegar tão cedo. Nosso fogão era velho, caquético, e só acendia com fósforo, mas segundo ela não se fazem mais fogões desse jeito e comprar outro era assinar um contrato dizendo que ela nunca mais ia passar cinco anos sem trocar o fogão. Depois que ganhamos aquele forno elétrico até parei de me incomodar com o antigo e fiquei até meio triste de vê-lo ir embora, mas não muito. Foi uma mágoa que durou até eu ver que o fogão novo tinha aquela boca gigante no meio, excelente para se fazer um arroz em dez minutos. 

Daí tocam o interfone e avisam: tem um fogão e uma geladeira pra você. Eu não sabia o que fazer. Pedi ajuda pro porteiro, a quem eu peço tantas ajudas ridículas que deve achar que sou meio boba, e ele perguntava as coisas e eu só dizia "não sei". O que vocês vão fazer com as coisas antigas? Não sei. Elevador ou escada? Não sei. Não é mais fácil deixar isso na garagem? Não sei. Onde fica o registro do gás? Não sei moço, nem sabia que gás tinha registro. Olá, meu nome é Anna Vitória e eu sou idiota. No fim das contas o fogão novo foi instalado (o porteiro sabia onde era o registro do gás), o antigo foi para a garagem, a geladeira nova ficou no lugar e a antiga foi pro meio da sala. Depois que eles foram embora comecei a chorar, e até hoje, diante dos desafios da vida, eu e Analu sempre ponderamos que pelo menos não é um entregador de geladeiras surpresa no meio do dia.

No fim do último mês trocamos a máquina de lavar, o último resquício do casamento dos meus pais que ainda existia aqui em casa além de mim. 

Gente, a máquina de lavar. Eu poderia escrever um livro sobre nossa antiga máquina de lavar. Pra começar, desde que me entendo por gente a máquina está meio estragada. Cada dia era uma coisa diferente, mas ela nunca esteve completamente funcional. Minha mãe era a única que mexia nela porque era a única que conseguia fazer com que ela funcionasse. Ela tem essa alavanca que em teoria era só puxar para iniciar a lavagem, mas nada é tão simples quanto parece. Não é força, é jeito - dizem - mas era um jeito tão, mas tão específico que parecia bruxaria. Ou pegadinha. Já consegui fazê-la funcionar algumas vezes, no entanto nunca sabia como e muito menos conseguia repetir o feito. Simplesmente acontecia. Minha mãe era a única que colocava a mão lá como se nada fosse e botava a máquina pra funcionar. Além disso a máquina pulava e fazia barulhos horríveis. E quando eu digo pulava, quero dizer que um dia ela apareceu no meio da cozinha, alagando a casa inteira. Quando digo barulhos horríveis, quero dizer ruim o suficiente para assustar Francisco, o poodle, que não se abala com nada e não apenas latia pra máquina como morria de medo dela. Minha avó passou alguns anos acendendo velas pra que ela nunca explodisse com a gente dentro de casa. 

Minha mãe, no entanto, insistia em repetir o discurso do fogão: não se fazem mais máquinas de lavar como antigamente e comprar uma nova é aceitar que a cada cinco anos (com sorte!) terei que sempre comprar uma nova. Na cabeça dela isso economizava mais dinheiro do que gastar uns 200 reais de dois em dois meses com o mecânico, presença cativa aqui em casa. Seu Raimundo frequenta tanto nossa área de serviço que me viu crescer, de tempos em tempos batendo ponto por aqui, repondo peças, perguntando da escola, a faculdade, não acredito que você formou, o que a máquina aprontou dessa vez? 

Eis que no início do ano minha mãe resolveu: quero uma máquina de lavar nova. Assim, do nada. De repente ela não suportava mais olhar a máquina antiga, tudo era ruim, meu Deus esse barulho, não aguento mais, sua avó está certa, a máquina vai explodir. Coube a mim a missão de escolher uma nova, então eu pesquisei, li mil resenhas, e em três dias sabia mais sobre máquinas de lavar do que soube durante minha vida inteira (o que era bem pouco, pra ser sincera). Poderia citar os prós e contras de uma front load contra uma top load, e até sabia o que diabos era uma front load e uma top load. Pensando em tamanho, energia e preço, escolhemos o modelo, fizemos o pedido e esperamos esse novo paradigma acontecer.

De acordo com o site era pra máquina ser entregue no dia catorze de março, mas ainda era fevereiro quando cheguei em casa e o porteiro disse: tem uma coisa aí pra você. Quando chego na porta de casa, lá está ela, uma máquina de lavar surpresa no meio da tarde. Sem entregador! O que você vai fazer com ela?, perguntou o porteiro. Excelente pergunta, seu José, inclusive queria saber se o senhor tem uma sugestão. 

Seu José me ajudou a colocar a máquina dentro de casa e ela ficou ali no meio da sala até minha mãe resolver o que faríamos com a antiga. Até que foi rápido: Marta, nossa diarista, reivindicou a posse da máquina que ela temeu por todos esses anos que trabalhou aqui, e num dia em que eu não estava em casa (glória) ela foi retirada e a nova foi colocada no lugar com pouca cerimônia. Seu destino foi longo e bom... Não a choreis, diria o poeta.

Já a máquina de lavar nova, que bonita ela é. Coube ao Seu Raimundo as honras de instalá-la, o que ele fez meio borocochô, talvez pensando que não poderia mais contar com o dinheiro quase fixo que ganhava aqui em casa às custas da antiga. Ele me chamou dentro de casa pra me ensinar a mexer, pediu que eu prestasse atenção, só faltou dizer que só ia explicar uma vez. Demonstrou todas as funções daquele painel digital bonito, disse o que a gente podia e não podia fazer, ensinou truques, avisou mil vezes pra não deixá-la na tomada sem necessidade, nunca esquecer o botão de play e pause. Agora tenho uma máquina com play e pause, logo eu, vinte e dois anos lidando com uma máquina que tinha uma única alavanca que eu não sabia puxar. Assentia com a cabeça, entendendo horrores, quando na verdade esquecia tudo tão logo ele ia falando. Depois que ele foi embora fui ler o manual e submeti minha mãe à mesma seção de do's e don'ts, tendo certeza absoluta que ela também não prestava atenção em nada e ia fazer tudo do seu jeito.

Então agora temos uma máquina de lavar de verdade e estou experimentando seus benefícios pela primeira vez, maravilhada, como uma dona de casa de classe média dos anos 50. Por conta de todo o jogo de cintura que a antiga envolvia, a problemática da alavanca, os pulos e barulhos e tudo mais, eu raramente lavava roupa. Eu lavo, você estende, era o que minha mãe sempre dizia, e estender roupas é meu calvário particular. Lavar, no entanto, é uma alegria, me acalma. Gosto de separar as cores e os tipos, usar os ciclos certos, exagerar sem querer no amaciante, ficar ali de cara com a tampa transparente vendo tudo girar, as roupas ficando limpas quase que como mágica, o cheiro gostoso que fica quando elas saem dali. Somos um pontinho azul no meio do nada, poeira das estrelas e vamos todos morrer mesmo, muito provavelmente matando uns aos outros, mas mesmo assim fomos longe o suficiente pra inventar uma máquina que lava roupas. Isso é que é evolução.

Falando assim é como se eu lavasse roupas todos os dias, o que é uma mentira. A verdade é que eu sou metódica, o que me deixa completamente incapacitada de dividir a máquina com a minha mãe. Só uso quando ela viaja, porque tem que ser do meu jeito e eu não suporto vê-la ali apertando os botões sem nenhuma destreza, fazendo tudo como acha que deve, e a gente sempre acaba brigando. Ela, com uma autoridade segura de quem faz isso há anos e sabe melhor, e eu que cheguei agora, achando que sei tudo porque domino o brilhante painel digital. Diante da máquina de lavar reproduzimos a mesma dinâmica desses últimos anos, cada uma a seu tempo deixando pra trás aquilo que não era bom e construindo uma história de novas peças, novos cheiros e programações mais avançadas - assustadas diante de tudo que é novo, porém não menos encantadas com a possibilidade de novos ciclos.

Rápido. Dia-a-dia. Delicado. Cama & Banho. Água quente e fria. Play e pause. Que maravilha é a máquina de lavar.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Diálogo?

Às vezes eu lembro de umas coisas aleatórias. Hoje lembrei que o nome do primeiro disco do NX Zero é Diálogo?, assim, com uma interrogação no final. Acho incrível como um sinal de pontuação faz toda a diferença. Eu provavelmente não lembraria se fosse simplesmente Diálogo. Diálogo? deixa as coisas mais dramáticas, como uma conversa que você pega no meio, um casal falando alto num restaurante em que todo mundo fala baixo: 

- Diálogo? Diálogo, Lidiane? - ele diz, logo antes de jogar o guardanapo de tecido no prato e se levantar de repente, fazendo a mesa toda balançar. As pessoas que antes já falavam muito baixo agora pararam completamente de falar para observar a cena. Marcos chegou rápido até a esquina enquanto Lídia cortava mais um pedaço do cordeiro, os olhos fixos no prato, tentando entender o que tinha dito de tão errado. Diálogo, ué. Ele sair assim só mostrava como ela estava correta. 

Eu poderia continuar pelo resto da noite. 

***

O negócio é que eu lembrei que o nome do primeiro disco do NX Zero é Diálogo?, o que me fez lembrar que ouvi NX Zero pela primeira vez num programa da MTV chamado Chapa Coco, com o Felipe Solari e um outro cara que eu sei o nome. A banda estava no estúdio porque era a estreia do primeiro clipe deles. O Di usava camiseta branca com um colar de sementes vermelhas e eu achei ele o maior gatinho, por isso fui assistir o clipe de novo logo que o programa acabou. Essa seria uma lembrança relevante se eu tivesse sido uma grande fã de NX Zero na minha adolescência - a gente sempre tem histórias sobre como foi ouvir bandas importantes pela primeira vez - mas não. Foi só uma coisa que eu lembrei.

Eu estava pensando sobre diálogos (Diálogo?) porque li uma resenha de Batman vs. Superman que dizia já no título: dava pra resolver conversando, e eu sabia que concordava com aquele texto mesmo antes de assistir ao filme. Saindo do cinema repeti a mesma coisa, dava pra resolver conversando, e hoje, quando me perguntaram como tinha sido o filme ontem, disse que um diálogo pouparia Batman e Superman de uma tremenda dor nas costas e Gotham (ou foi Metropolis?) de uma destruição quase completa. 

É uma premissa bem estúpida colocar os dois heróis mais importantes (de acordo com algumas pessoas) para lutar entre si se eles estão fundamentalmente do mesmo lado. Sei lá, os dois não querem o bem e a paz mundial? Na minha módica opinião a gente troca uma ideia antes de resolver as diferenças no braço, principalmente quando esse braço significa quebrar uma cidade inteira. Então eles estão lá quebrando a porra toda e no fim é tudo por causa de um mal entendido. Que poderia ter sido evitado se os bonitões CONVERSASSEM. 

- Diálogo? - pergunta Bruce Wayne sem disfarçar o escárnio enquanto sai do restaurante às pressas com uma lança de kriptonita das mãos - Eu não tenho tempo pra diálogos. - disse, agora com uma voz mecânica e grave que não era mais a sua, mas a de Batman.

***

Eu queria que as pessoas conversassem. Veja bem, conversar é diferente de falar, argumentar, discutir. Conversar, sabe? Diálogo. Uma pessoa fala. A outra escuta. Pondera. Depois responde. É uma troca.

Desde que estourou todo esse rebosteio pelo país tem me incomodado muito a gritaria generalizada, com as pessoas berrando na cara umas das outras aquilo que acreditam e deixam de acreditar, incapazes de ouvir o que o outro lado diz. Acredito que a polarização é uma configuração estúpida para qualquer sociedade, a começar pelo fato de ela não ser real, já que a vida não existe no preto ou no branco, mas num caminho possível entre os dois. Enquanto a gente só ouve quem diz a mesma coisa que a gente e repete só aquilo que a gente já concorda, deixando de ouvir quem está do outro lado, demonizando qualquer posicionamento que fuja à nossa cartilha perfeita de como as coisas devem ser e o que estiver diferente merece morrer, sério, a gente não vai pra lugar algum. 

Imagine aquele monstro do filme, oportunamente batizado de Apocalypse, e é mais ou menos assim que vamos continuar vivendo. 

Entrando no Facebook

- Diálogo? - pergunta Apocalypse, de acordo com o tradutor residente - AJKDHKNNKJHKJFHEIBSKSNKKBGWKGBSODJSINRGKBKBCDHDJJSJSKSDNNSHUAAAAAA [destroys everything in kryptonian monster language]

***

Esse mês eu li Modern Romance, livro sobre relacionamentos na era digital escrito pelo Aziz Ansari (!). Logo no início ele fala sobre a situação ridícula que a modernidade (ou a pós-modernidade, caso você prefira assim) nos coloca que é a de ficar calculando quanto tempo devemos esperar pra responder a mensagem daquela pessoa que a gente gosta. Porque, sabe como é, não dá pra responder muito rápido senão vai parecer que a gente está ali com o celular na mão esperando aquele oi, ainda que a gente esteja. Ninguém quer se mostrar muito disponível e nem ser aquela pessoa que gosta demais. Então a gente espera dez minutos. Vinte. Sete a mais do que a outro esperou pra responder, porque não sou eu que vou sair perdendo caso alguém esteja acompanhando o placar.

Enquanto isso tem dois bobocas de olho no celular e no relógio, perdendo o maior tempo e tendo crises de ansiedade, enquanto tudo seria resolvido com um diálogo. 

- Oi, gostei de você.

- Eu também.

- VAMO SE BEIJAR?

- Bora

A Taylor Swift (lógico) já escreveu mais ou menos sobre essa sensação em The Story Of Us: Now I'm standing alone in a crowded room and we're not speaking / And I'm dying to know is it killing you like it's killing me? 

A parte mais idiota disso tudo é que 1) o maldito do jogo funciona e 2) mesmo sabendo que é estúpido a gente joga junto. Recentemente me vi no meio de uma dessas histórias de mensagens e silêncios calculados, morrendo um pouco a cada vez que pegava meu celular e não via ali nenhuma notificação, pensando que tudo isso seria evitado se eu tivesse um pouquinho mais de coragem de dialogar. Eu tenho esse monte de filosofias, mas infelizmente ainda não sou adepta de todas elas. Por causa desse monte de bobeiras uma história nunca começou, e nem estou dizendo que seria uma boa história, mas seria melhor que esse disco furado na faixa introdutória. 

Algumas histórias não aconteceriam se houvesse diálogo, vide Batman vs. Superman, mas outras tantas se perdem quando a gente escolhe não dizer nada. Já era para eu ter superado esse caso, eu já tinha superado esse caso, mas às vezes eu lembro de umas coisas aleatórias, como lembrei do Diálogo?, disco do NX Zero, que me lembrou de Batman vs. Superman, e da Conjuntura Política Atual, mas também me lembrou de Fresno, e de como aquele moço gostava de Fresno na adolescência, o suficiente para se lembrar, assim como eu, de como tinha ouvido a banda pela primeira vez, e a gente estava no mesmo show, e tudo isso me fez pensar nos nossos diálogos que nunca aconteceram, jamais vão acontecer, e tudo isso me trouxe até aqui. 

- Diálogo? - ela disse, descrente, como se falasse para si mesma ou para ninguém. 


terça-feira, 8 de março de 2016

Você não é obrigada a nada

Oi miga. 

Tudo bem?

Antes de eu dizer qualquer coisa, peço que leia de novo o título desse post. Leu? Ok, agora escuta o que eu tô te dizendo: você não é obrigada a nada. Eu juro. Só pra garantir que você entendeu, repete pra você mesma: eu não sou obrigada a nada. Agora diz isso em voz alta, mesmo que baixinho. Eu não sou obrigada a nada. EU NÃO SOU OBRIGADA A NADA. 

Ok, agora podemos continuar. 


Sabe, sempre que converso com alguma menina sobre feminismo e ela diz que não é feminista embora concorde com sua definição básica (vamos lá: feminista, uma pessoa que é a favor da igualdade econômica, social e política entre os sexos), existe aquele MAS que justifica o seu posicionamento. 

Quando digo alguma menina, estou dizendo, também, eu mesma, que por muito tempo disse que, sim, sou a favor da luta feminista MAS não odeio os homens, MAS gosto de homens, MAS não quero ser homem, MAS gosto de passar batom, MAS adoro moda, MAS quero casar e ter filhos, MAS sonho em ser dona de casa, MAS gosto que abram a porta pra mim, MAS quero continuar me depilando, MAS sou delicada, MAS não gosto de passeatas, MAS não abortaria meu filho, MAS acredito em Deus, MAS não beijo garotas, MAS quero flores e bombons, MAS quero vestir de noiva, MAS quero casar virgem, MAS quero dar pra todo mundo, MAS não quero dar pra ninguém, MAS quero rebolar minha bunda sábado à noite, MAS gostei do disco novo do Justin Bieber, MAS qualquer outra coisa que faça você quem você é. 

Entendo esse seu receio, entendo os motivos que podem levar você a não querer se sentar nessa rodinha, porque eu também cresci cercada desse imaginário coletivo, formado por anos e anos e anos de representação torta e pré-conceitos, que me ensinou que feministas eram bruxas abortistas que, em troca de uma carteirinha, iam tirar de mim meus batons, meus vestidinhos, meu véu e grinalda, e minha felicidade ao dançar Sorry. O que talvez você não saiba, e eu também demorei a saber, é que feminismo não é sobre isso. Você não é obrigada a nada e eu também não. Feminismo é sobre isso. 

Minha primeira epifania feminista, que eu já contei aqui antes, veio através da minha professora de Sociologia do ensino médio. Ela, feministézima, contou que cresceu dizendo que não ia se casar, muito menos se vestir de noiva. Então ela se apaixonou. E foi pedida em casamento. E aceitou. E no meio de tudo isso, ela descobriu que queria se vestir de noiva. Eita, e agora? Ela contou que no início teve todo um conflito de identidade, até que ela viu que isso era uma grande besteira, foi lá, se vestiu de noiva e curtiu cada segundo desse momento. Porque era o que ela queria, e feminismo é isso: a gente é contra a obrigação de toda mulher se casar de branco, com um homem, virgem e imaculada; a gente é contra a obrigação porque a gente não é obrigada a nada. Mas a gente também é a favor, muito a favor, da liberdade, e liberdade é não casar se não quiser e não ser julgada por isso. Liberdade é casar se quiser, com quem quiser. De branco, véu e grinalda, inclusive. 

A gente já tem um mundo inteiro nos dizendo o que fazer, o que ser e o que não ser. Não é um movimento sobre liberdade que vai te obrigar a fazer ou ser qualquer coisa. Com toda a desconstrução e problematização que vem no pacote a gente só quer mostrar que nossos gostos e preferências pessoais não existem no vácuo, elas se constroem de acordo com a nossa socialização e nossa socialização é, sim, machista. Mas você não é mais ou menos livre se escolhe qualquer coisa que esteja "de acordo" com a cartilha machista, porque a escolha consciente te empodera.

Outra epifania que tive foi lendo O Segundo Sexo, da Simone de Beauvoir. O livro não é sobre feminismo, mas sobre a condição feminina, denunciando as condições que, desde o nascimento (nosso e do mundo) colocam a mulher como segundo sexo (!) na hierarquia da vida. Ela diz que ao questionar certas condições, seu argumento é existencialista. 

É do ponto de vista das oportunidades concretas dadas aos indivíduos que julgamos as instituições. Mas não confundimos tampouco a ideia de interesse privado com a de felicidade, ponto de vista que se encontra frequentemente. As mulheres de harém não são mais felizes do que uma eleitora? Não é a dona de casa mais feliz do que a operária? Não se sabe muito precisamente o que significa a palavra felicidade, nem que valores autênticos ela envolve. Não há nenhuma possibilidade de medir a felicidade de outrem e é sempre fácil declarar feliz a situação que se lhe quer impor. Os que condenamos à estagnação, nós os declaramos felizes sob o pretexto de que a felicidade é a imobilidade. É, portanto, uma noção a que não nos referimos. A perspectiva que adotamos é a da moral existencialista. Todo sujeito coloca-se concretamente através de projetos como uma transcendência; só alcança sua liberdade pela sua constante superação em vista de outras liberdades; não há outra justificação da existência presente senão sua expansão para um futuro indefinidamente aberto. Cada vez que a transcendência cai na imanência, há degradação da existência em "em si", da liberdade em facticidade; essa queda é uma falha moral, se consentida pelo sujeito. Se lhe é infligida, assume o aspecto de frustração ou opressão. Em ambos os casos, é um mal absoluto.

Então, ela não vai questionar o que faz uma mulher mais ou menos feliz, porque não existe um critério objetivo para se determinar isso. Ela argumenta sempre no sentido de oportunidades, porque a gente só pode descobrir quem é, o que quer fazer e o que nos faz feliz quando temos a OPORTUNIDADE de fazer tudo. 

Então, quando nós, feministas, nos posicionamos a favor da descriminalização do aborto, não estamos querendo que ninguém aborte. Estamos querendo que, se você quiser ou precisar, você possa abortar com segurança. Quando lutamos pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo, não queremos obrigar ninguém a gostar de alguém do mesmo sexo, mas queremos que quem gostar de alguém do mesmo sexo tenha a oportunidade de viver esse amor em plenitude - de mãos dadas por aí, existindo em livros, novelas e programas de TV com representação justa, se casando no papel, de véu e grinalda ou não. Quando nos rebelamos contra os padrões de beleza, a gente não quer que ninguém deixe de usar batom. Eu adoro batom. Mas não quero viver num mundo onde só é bonita quem usa batom, onde eu preciso usar batom. Eu não sou obrigada a nada. Nem você. 

A gente fala sobre trabalho, estudos e carreira porque esses espaços ainda são restritos para as mulheres, existem portas que precisam ser abertas (ou arrombadas). Isso não quer dizer que você não pode dedicar sua vida a cuidar dos seus filhos. Isso é pra você poder escolher cuidar dos seus filhos OU ser a próxima CEO da empresa. Não é sobre o que é melhor ou pior, é sobre escolhas e oportunidades. O feminismo quer abrir todas as portas para que cada mulher possa escolher por conta própria em qual quer entrar. E depois poder sair e escolher outra. E aí entrar de novo. Ou sentar no meio do corredor e jogar conversa fora por um tempo.

O feminismo é um movimento feito por pessoas, muitas pessoas, com vivências e experiências diferentes. Pessoas que falham e não sabem de tudo e nem acertam o tempo inteiro e estão sempre aprendendo. Então, a gente precisa entender que tudo bem haver discordâncias dentro do feminismo, e tudo bem não ter uma opinião formada, tudo bem admitir que não sabe a resposta, tudo bem questionar. Isso não te faz mais ou menos feminista e ninguém vai querer roubar sua carteirinha. Quer dizer, algumas pessoas vão, mas você não precisa invalidar todo um movimento por conta de uma exceção equivocada. Pode ser que alguma mulher te diga que você é obrigada a alguma coisa, e pode ser que ela faça isso sob o guarda-chuva do feminismo, mas você não precisa sair da roda por causa dela. Você não é obrigada a nada e de repente pode até lembrá-la que ela também não é. Não há nada mais feminista do que dar a mão para sua amiga e dizer que ela é livre, andar junto com ela nesse caminho rumo à liberdade - que não é fácil, por isso precisamos ir juntas.

Então hoje estou aqui pra lembrar que você não precisa fugir do feminismo para ser quem você é, mas se quiser pode fugir também, porque você não é obrigada a nada. 

Beijos de luz.


Update 10/03: Depois que publiquei esse post, com base em alguns comentários e nos muitos compartilhamentos (acima da média com a qual estou acostumada), fiquei pensando se tinha sido realmente clara no post, ou melhor, se todo mundo que concordou com o post tinha realmente entendido o que eu quis dizer com ele. Depois que minha amiga Pássara deixou um comentário aqui ontem, voltei a pensar no assunto e achei melhor fazer esse adendo. Quando digo que não somos obrigadas a nada, não estou dizendo que devemos ignorar tudo aquilo que nos é imposto através da socialização e nem deixar de questionar o quanto dessa socialização quase coercitiva (porém velada) existe nos nossos gostos e preferências pessoais. Com a palavra, Passarica:

Agora antes que eu divague demais e não dê tempo de desmentir EU CONCORDO que ninguém é obrigada a nada, tá? Ainda não saí confiscando batom nem fazendo piquete em estúdio de depilação. Eu só acho que, ainda que não sejamos obrigadas a nada ostensivamente falando (como muito bem dita a constituição), na prática muita das coisas que a gente faz a gente faz porque é obrigada, né. Vamos combinar que eu não me sinto muito feliz e livre todo mês chorando na mesa de depilação, ainda que eu tenha chegado lá com as minhas perninhas. Acho que mais importante do que acreditar que ~não somos obrigadas a nada~ é perceber que SOMOS SIM, e desconstruir o tanto quanto possível, mesmo que eu não acredite em uma desconstrução total de quem viveu a vida toda sob o peso da socialização machista.

Outro ponto é que eu não desprezo e nem diminuo a importância do feminismo ou de se afirmar feminista. Acho importante que, como disse nossa deusa-louca-feiticeira, Chimamanda Adichie, sejamos todas feministas. Disse que ninguém é obrigada a ser feminista porque, bom, ninguém é mesmo. Mas como lembrou, de novo, a Paloma e também a Craudia num papo que tivemos, quando não lutamos contra a opressão - no caso aqui o machismo -, ainda que não estejamos de acordo com ele, estamos deixando ele vencer. Então se você é contra o machismo e o patriarcado e toda essa trupe do mal, se você acha que isso deve acabar, então, bom, você é feminista.


- Eu não preciso dizer que ser livre não te dá o direito a desrespeitar a liberdade dos outros, né? Obrigação é pagar imposto, dar preferência ao pedestre e deixar a esquerda livre, mas também é respeitar os outros (e as outras!), entender que eles têm tanto direito de ser livres como você.

- Quando eu digo vamos juntas eu digo vamos juntas mesmo. Quer conversar sobre o post ou tirar alguma dúvida ou contra-argumentar esse texto (sem agressividade)? Comente nesse post ou escreva para mim: rocha.annavitoria@gmail.com

sábado, 5 de março de 2016

O prego (ou: um discurso de formatura)

Então eu formei. 

O discurso a seguir foi escrito por mim para ser lido na cerimônia de colação de grau, que aconteceu no dia do meu aniversário de 22 anos. Tenho um fraco por discursos de formatura e voltei aos meus favoritos (Neil Gaiman, Jonathan Franzen (sim), Marina Keegan e Rory Gilmore) em busca de inspiração, mas quando vi estava, de novo, falando da Amanda Palmer. Eu não ligo para solenidades, mas naquela noite, cercada de amigos queridos, sendo assistida pela minha família amada, vestindo uma linda beca vermelha, me senti extraordinariamente pronta. Algumas vezes achei que a formatura chegou muito rápido, e em outros momentos parecia que não chegaria nunca. Dia 26, no entanto, senti que tudo aconteceu na hora certa. Foi uma noite muito feliz e gostaria de dividir um pedaço dela por aqui, porque esse blog me acompanha desde o início do ensino médio (!) e sabe Deus onde estaria se nunca tivesse começado a escrever. 

O PREGO
(inventei esse título agora)

Só sei tirar foto sozinha fazendo papel de idiota
Com todo o respeito a essa instituição e a solenidade acontecendo aqui, mas a verdade é que um diploma não significa nada. É só um pedaço de papel, e, como aprendemos em uma ou várias aulas, papel aceita tudo. E se um papel bonito e timbrado num canudo aveludado pode aceitar de tudo, o que dizer a respeito do papel jornal, com sua tinta que mancha nossos dedos, e aquele cheiro típico de peixe que aparece depois de vinte e quatro horas? Dá pra piorar: o que dizer da internet, que além de aceitar tudo, aceita qualquer coisa, de qualquer um?

Nossas mães diriam que a gente poderia ter escolhido melhor. 

No entanto, quatro anos depois, aqui estamos. Jornalistas. Não é um diploma, um pedaço de papel - muito bonito, aliás -, que torna isso mais ou menos real. Quem possui o poder de fazer isso somos nós, cada um no seu tempo. Alguns inclusive já chegaram sabendo, o curso só serviu para sedimentar a certeza. Pode ser que outros ainda precisem de mais uns dias, ou até anos, pra descobrir. Mesmo assim, cada um da sua forma, todos tivemos (ou ainda vamos ter) os nossos momentos - aquele momento - em que simplesmente soubemos: caramba, eu sou jornalista!

Pode ter sido no primeiro dia de aula, ou no último, na defesa do TCC ou naquele em você finalmente pegou o jeito do Scribus. Pode ter sido depois do primeiro chá de cadeira, o primeiro bolo, a primeira fonte desaparecida, o primeiro telefone batido na cara - todo mundo sabe que jornalista é aquela pessoa que precisa falar com todo mundo e com quem ninguém quer realmente falar. Pode ter sido num fechamento do Senso, ou melhor, naquele dia que você sentiu saudades de um fechamento do Senso. Era horrível, mas também era muito bom, né? Caso um dia bata uma insegurança, não se esqueça de que você passou em Teorias I. E II. E PEX. I e II. TCC também, vocês conhecem a história. 

Se alguém aqui ainda não se sente jornalista, basta lembrar das reclamações, porque a gente passou quatro anos - ou mais - reclamando. Dos textos, dos trabalhos, dos prazos, da quantidade de caracteres, das pessoas, das fotos, do alinhamento dos textos, das logos, das pautas, e de novo dos prazos, e mais um pouco das pessoas. Jornalista, aliás, é o primeiro a reclamar de qualquer coisa, principalmente de outros jornalistas, do jornalismo, e da própria condição de jornalista. 

Foi o George Orwell que disse que jornalismo é publicar algo que alguém não quer que se publique, aquilo que incomoda. Todo o resto é propaganda. Nossa profissão é incômoda, para os outros mas principalmente para nós. Ao longo desses oito semestres, aprendemos que quase nada é o que parece e que é muito difícil mudar o mundo. Aprendemos que as pessoas mentem, nem sempre colaboram, e que existe um interesse por trás de tudo. São necessárias umas cinquenta fotos antes da perfeita, matérias legais caem porque alguém não respondeu um e-mail a tempo, tripés são pesados, gravadores falham, caracteres sobram, a internet cai e alguns programas fecham sem salvar o que foi feito. Às vezes as pessoas são horríveis, os ângulos retratados não são honestos, e como o papel aceita tudo é muito fácil construir versões diferentes de uma mesma história e nem sempre vai haver espaço pra nossa voz. A profissão é difícil, perigosa, desconhece feriados, todo mundo sempre acha que é só escrever uns textinhos e dizer boa noite, e o salário ó…

Mesmo assim, de novo, aqui estamos. Por quê? 

Eu precisava muito desse momento, fiquei feliz que não foi preciso implorar por ele
Amanda Palmer, uma artista que já foi stripper, estátua viva, cantora e agora também escreve, contou em seu livro a história de um cachorro e seu dono. Era mais ou menos assim: um homem passa e escuta um cachorro ganindo de dor. Vendo a situação ele pergunta pro dono por que o cachorro está chorando, e o dono responde que é porque ele está sentado em um prego. “Mas então por que ele não levanta do prego?”, pergunta o moço. “Porque ainda não dói o suficiente”, diz o dono. 

O jornalismo é incômodo porque a zona de conforto não é notícia. Outra historinha, que ouvimos algumas vezes em sala de aula, diz que a notícia é quando o dono morde o cachorro e não o contrário. O mundo anda cada vez mais complicado, viver é complexo, e o jornalismo nos leva a ver as coisas de modo a doer o suficiente, porque só assim a gente consegue levantar do prego. E é só levantando do prego que podemos começar a pensar em mudar o mundo. 

Que esse incômodo vindo das coisas que não podemos desver ou ignorar nos possa levar sempre adiante, e que ao levantar do prego possamos ganhar as ruas e estar em contato com histórias reais, de pessoas reais, que nos ajudem a construir mensagens com poder de incomodar tanto os outros, de jeitos bons e ruins, que a sociedade como um todo se veja obrigada a sair do prego, seja ele qual for. E então quem sabe que rumo a vida tomará?

Não é um diploma que nos torna jornalistas, assim como não é uma palavra escrita numa folha de jornal que torna uma notícia verdadeira para alguém. Aprendemos que é a credibilidade faz isso, e acredito que tudo que passamos nos dá crédito o suficiente para nos afirmarmos jornalistas e validarmos aquele pedaço de papel timbrado - e não o contrário. Espero que doa o suficiente.

A última!
- Como todas as fotos bonitas e originais que já estiveram nesse blog, as fotos desse post também foram feitas pelo super Felipe Flowers.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

OSCAR 2016: Survivor edition #2

Dando sequência ao nosso rito de preparação para o Oscar, na segunda parte do nosso especial (veja a primeira aqui!) estarei falando a respeito de mais três filmes e meio: A Grande Aposta, Brooklyn, Spotlight e Ponte dos Espiões. No final, como de costume, elenco os vencedores do meu coração para a estatueta da noite. E logo mais tem agito no Twitter, comentando o tapete vermelho, falando groselha na hora dos prêmios chatos, e assistindo a história ser feita, com Leonardo DiCaprio e Lady Gaga se tornando artistas premiados com um Oscar, que é o Oscar do Oscar. 

"Filha, vem ver que vai começar um filme bom agora na HBO"
Ponte dos Espiões (2015, Steven Spielberg)

Sobre o que é? Um filme que nossos pais gostariam de assistir numa tarde de domingo.

Sobrevivi? Preferi não. Todo ano me dou ao direito de me sentir desobrigada de assistir um filme da lista de indicados e esse ano o escolhido foi esse. Ter os Coen por trás do roteiro me fez olhar pra ele com um pouco mais de boa vontade, mas no fim das contas acabei não assistindo. A gente realmente precisa de mais um filme quadrado e americano sobre Guerra Fria?

Unpopular opinion: Ter preguiça do Spielberg já é quase um consenso, né?

E o Oscar? Esse ano tem mais o que fazer, graças a Deus.

#jornalismo #sério
Spotlight (2015, Thomas McCarthy)

Sobre o que é? História real da equipe de jornalismo investigativo do Boston Globe que conseguiu desvendar um esquema da Igreja Católica que protegia padres acusados de pedofilia. 

Sobrevivi? Sim, e muito bem. É uma história realmente muito legal e impressionante, um filme tradicional, mas um tradicional muito bem feito. Sabe aquela história que é melhor saber fazer um arroz com feijão gostoso do que um ossobuco (?) marromeno? Então, Spotlight é aquele arroz com feijão e bacon, gostoso e sem erros, o tipo de filme que você pode sugerir pra qualquer pessoa, da sua colega de trabalho ao seu pai que nem gosta tanto assim de filmes, que eles vão achar bacana. O Mark Ruffalo está incrível e achei toda a construção da atmosfera jornalística bem realista: pessoas pálidas, com cabelo sem corte, roupas beges de caimento estranho, muita planilha no Excel e seus planos fodidos porque surgiu um assunto mais importante.

Unpopular opinion: É aquela coisa: a gente gosta de um arroz com feijão, mas dificilmente vai citar ele como prato favorito. Essa é minha opinião séria sobre Spotlight, é um filme bom, mas que não me impressionou e dificilmente vai ficar na memória. E pra citar meu amigo Victor, Rachel McAdams foi indicada por sua incrível capacidade de demonstrar verdade ao anotar num bloquinho. 


It's funny — one of the other fellows I worked with on "The West Wing," Lawrence O’Donnell, who's a fantastic MSNBC talking head these days, said to me, "How are you going to make that exciting? Good journalism is not what you see in the movies. It’s just people sitting around, having patience and waiting for people to tell them the right stuff at the right time. I don’t know how that’s a movie." I literally turned to him and said, "Yeah, exactly. That’s exactly what the movie is, and we’re going to make it exciting."

E o Oscar? É a pergunta que todo mundo está se fazendo. Acho que se O Regresso não estivesse na disputa, ele poderia muito bem ser o grande vencedor da noite. É um filme sério, bem tradicional, sobre uma questão importante - basicamente tudo aquilo que os tios da Academia adoram premiar. Mas repito o que disse no último post, ainda acho que vai dar O Regresso, e aí Spotlight sai pela tangente com um prêmio de roteiro. Absolutamente amei o Mark Ruffalo nesse papel e seria merecido demais se ele ganhasse, mas também não vai rolar. 

queria todas essas roupíneas
Brooklyn (2015, John Crowley)

Sobre o que é? Uma garota irlandesa vai ganhar a vida na América e precisa descobrir onde é o seu lar.

Sobrevivi? Quase me afoguei nas minhas lágrimas e nos meus sentimentos. Eu AMEI esse filme, de todo o meu coração. Senti horrores e me identifiquei muito com tudo, ainda que nunca tenha vivido uma situação parecida com a protagonista. Sabe aquele filme que você ama cada pedacinho? O elenco, os olhares, os diálogos, as voltas do roteiro, as roupas, o final? Então. Também é um filme tradicional, até clichê em alguns momentos, mas é lindo, lindo, lindo e tem o coração no lugar certo, batendo com força.

suahuahdajfhkjhkjhjjkjajhrkhr
Unpopular opinion: Gostei muito do final, que foi diferente do que eu esperava que fosse acontecer logo no início. Me apaixonei instantaneamente pelo sorriso e pelos olhos daquele italianinho maravilhoso, deu até vontade de arrumar um namorado um pouquinho menor que eu pra passear de braços dados com a cabeça encaixada no pescocinho dele daquele jeito fofo. O problema é que a competição do outro lado é o Domhnall Gleeson e isso é muito desleal. Domhnall Gleeson, gente. Na praia com você, existindo e sendo maravilhoso. Que difícil ser Eillis. 

oh boy
02 leituras interessantes: uma crítica relevante sobre o desenvolvimento da história e onde ela deu errado (embora tenha gostado do filme como um todo, concordo bastante com esse ponto) e um texto pessoal da Anne T. Donahue sobre escolher e reconhecer o próprio lar.

E o Oscar? Acho que o filme não corre o risco de ser premiado, mas gostaria de verdade de ver a Saoirse Ronan ganhar o Oscar dela - se não agora, em algum momento. Sou muito fã desde que ela fez a Briony, em Atonement, e nesse filme ela está perfeita.

#ai #homens (mas ei! é o Ryan Gosling)
A Grande Aposta (2015, Adam McKay)

Sobre o que é? Um grupo de pessoas que conseguiu enxergar a bolha imobiliária de 2008 antes que ela estourasse.

Sobrevivi? Sim! E ainda achei divertido! Poucos sabem, mas em 2010, quando eu estava no 2º ano do ensino médio, tive um professor que realmente gastou um tempo dando aulas sobre mercado financeiro pra minha turma, de um jeito que não só me fez entender o funcionamento das coisas, como me fez achar aquilo legal. Um legal tipo wow isso parecia muito complicado mas acho que peguei a lógica das coisas sou foda, que serviu para me deixar interessada sobre a crise de 2008. Eu assisti Inside Job duas vezes e achei o movimento Occupy Wall Street a coisa mais legal do mundo. Ainda é um tema espinhoso e eu já esqueci a maioria das coisas que aprendi na escola, de modo que fiz cara de paisagem e fingi entender várias coisas do filme, mas gostei bem e adorei o senso de humor e aquele tom de pastiche.

Unpopular opinion: É um filme tão masculino, mas tão masculino, que em vários momentos me senti dando risadas num vestiário enquanto coçava meu saco imaginário. Also: de péssimo gosto o uso de Margot Robbie e Selena Gomez para explicar conceitos econômicos. 

E o Oscar? Bom, esse é o filme que deixa aquela expectativa gostosa de zebra. Na mesma onda de Spotlight, é um filme que teria chances de ser o campeão da noite não fosse pela concorrência forte de O Regresso.  Mas acho o fator zebra aqui mais forte porque é um filme mais ousado, que se leva menos a sério e ri na cara de muita gente. 

AND THE OSCAR GOES TO


Melhor Filme: Mad Max
Melhor Diretor: George Miller (Mad Max)
Melhor Ator: Leonardo DiCaprio
Melhor Atriz: Saoirse Ronan
Melhor Ator Coadjuvante: Tom Hardy
Melhor Atriz Coadjuvante: Rooney Mara
Melhor Roteiro Original: Ex-Machina (não vi mas já amo ¯\_(ツ)_/¯)
Melhor Roteiro Adaptado: Emma Donoghue (Room)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

OSCAR 2016: Survivor edition #1

Queridos leitores, sejam bem vindos ao sétimo ano (!) da cobertura do Oscar neste cantinho que vocês conhecem e amam (e que já esteve muito melhor, mas não se pode ter tudo) que é o meu blog. Como de costume fiz tudo nas coxas, mesmo com tempo de sobra pra ver todos os filmes, inclusive os estrangeiros. Ah, mas eu poderia ter me organizado! Poderia. Ah, mas eu poderia ter tido um pouquinho mais de compromisso! Poderia. Ah, mas eu poderia ter levado isso a sério pelo menos uma vez n vida! Poderia. Ah, mas eu poderia ser paga pra fazer isso! Mas não sou, e por isso me dou o direito de fazer essa cobertura da forma torta de sempre, acho que esse é o meu charme.

Como falei numa edição recente da newslettinha, ultimamente o que mais levo em conta na hora de avaliar se gostei ou não de um filme foi se ele me fez sentir coisas. Minha relação com os indicados desse ano foi assim: de cara, achei a maioria desinteressante, pouca coisa chamou minha atenção e por isso demorei tanto a efetivamente começar minha maratona. Sabe, Mad Men não vai se assistir sozinha e eu ainda tenho prioridades nessa vida. Depois de ver os filmes fui surpreendida positivamente por vários, no fundo eles não eram tão chatos assim. No entanto, poucos realmente mexeram comigo, então fica esse sentimento meio tava bom, tava meio ruim também, aí parece que piorou

Que Beyoncé, Kelly e Michelle nos protejam
Por isso chamo a edição de 2016 de Survivor Edition. Apesar dos pesares cheguei viva até aqui, com um número considerável de filmes assistidos e pouca vontade de falar mal deles na internet (cause my mamma tought me better than that). Coincidentemente, vários dos indicados a Melhor Filme desse ano giram em torno de sobrevivência. Isso me fez ver que meus instintos de sobrevivência não são lá grandes coisas, porque se me visse em situações como as de O Regresso, Perdido em Marte, Room e Mad Max, só penso que Deus me livre viver. Seria a primeira a me oferecer pra dormir de conchinha com o urso e foi bom conhecer todos vocês. 

Como nem todo mundo é tão bunda mole quanto eu, temos esses filmes para prestigiar na primeira parte do nosso especial. Querido leitor, tome um banho gostoso, se acomode na poltrona, agradeça silenciosamente por não ser com você, e vem comigo:

Furiosa: Fury Road
Mad Max (2015, George Miller)

Sobre o que é? Uma perseguição bem louca numa estrada mais louca ainda em que a Furiosa vai ajudar um monte de mulheres a fugir da exploração pela mão dos homens num pesadelo pós-apocalíptico.

Sobrevivi? Não apenas sobrevivi como fui além, pois esse filme me deu vida. Não estava com preguiça de descrever a história quando resumi tudo a uma perseguição, porque o filme inteiro é bem isso mesmo. Salve-se quem puder, ninguém é de ninguém e PROTEGE AS MINA. Poucos diálogos, poucas explicações, mas nada disso faz falta pra história ser completa. O filme é potência e volume máximos, e o fato de pouquíssima coisa ter sido criada digitalmente deixa tudo ainda mais impressionante. Como já disse várias vezes, é um filme que tem tudo que eu não gosto num filme (ação, barulho, distopia e gente suja) e mesmo assim é o meu favorito da leva.

Unpopular opinion: Tenho minhas dúvidas se gostaria tanto do filme se tivesse visto em casa, acho que esse é um daqueles casos que você realmente precisa ver no cinema - um bom cinema - para ter uma experiência completa e necessária pra pegar a energia do filme.

02 leituras interessantes: a resenha da Isabela Boscov com vários detalhes da produção e esse de autoria desta que vos escreve, que pesquisou bastante para falar sobre a trilha sonora e a história do maluco tocando a guitarra que lança chamas em cima de um tanque.

E o Oscar? Deveria levar tudo, tenho medo de não levar nada.


E o Tom Hardy? A gente custa a lembrar que ele - que faz o personagem título do filme - está lá, mas ele está desempenhando um ótimo papel: just sit there and be pretty. Gosto assim.

Is there life on Mars?
Perdido em Marte (2015, Ridley Scott)

Sobre o que é? Um astronauta que fica perdido em Marte (kkkk) e sobrevive graças a umas físicas doidas e batatas plantadas com um adubo feito do seu próprio cocô. 

Sobrevivi? É uma história desesperadora contada de um jeito muito bem-humorado, com um protagonista que ri de si mesmo e da própria desgraça, algo que eu totalmente faria no lugar dele. Nossas semelhanças acabam por aí, porque toda a sua engenhosidade ao pensar em soluções tendo como base ciência pura é algo que infelizmente eu não poderia oferecer e seria o fim do filme da minha vida - mas adorei acompanhar, parabéns. Como Mark Watney prestou atenção nas aulas, a história continua e aí confesso que achei toda a parte terrena, com as articulações do pessoal da NASA para trazê-lo de volta, meio chatinha. Gostaria mais se fosse o filme todo pela perspectiva do Matt Damon, e olha que eu nem gosto tanto assim do Matt Damon (mas achei ele bem gato no filme). 

Unpopular opinion: Todo mundo falou sobre a surpresa que foi uma trilha sonora cheia de músicas disco, mas achei bem qualquer nota. Escolhas pouco inspiradas e não tivemos nenhum #momento de verdade, nem quando eles apelaram pra Starman. Tenho como referência Guardiões da Galáxia, um filme que realmente leva a mistura de espaço e anos 70 pra outro nível. 
E o Oscar? Uns tapinhas nas costas e a comida de graça estão de bom tamanho pra ele.

#agora #vai
O Retorno (2015, Alejandro Gonzales Iñarritu)

Sobre o que é? Leonardo DiCaprio vivendo as piores coisas do mundo e sobrevivendo pra contar a história.

Sobrevivi? São questões. Esse filme realmente me deixou abalada, um desconforto físico e mental. Saí do cinema querendo dar um banho em todos os personagens e sonhando com o Domhnall Gleeson (que está nesse filme, como está em todos) lavando meu cabelo. É tudo muito brutal, violento, visceral, quase insuportável de assistir em alguns momentos, mas muito bonito também - não apenas pelas paisagens e a fotografia, mas pelos sopros de delicadeza imensa no meio a uma natureza impiedosa. É um filme pretensiosão e enorme em vários sentidos, coisas que não gosto, mas pensando no Iñarritu e seu histórico de filmes pretensiosões, enormes e cheios de plano sequência, gostei mais do que esperava. Ele quer muito te impressionar e impressiona, mas será que isso basta?

Does The Revenant pull the viewer in? Yes. Is it well made? Undeniably. Is Tom Hardy once again scarily convincing and pretty much capable of anything? Of course. But this is a movie that sweats and bellows and stomps so loud, for so long, that it’s ultimately an exhausting exercise in what happens when an Oscar winner decides he’s going to do some demystifying.

Unpopular opinion: Leozinho realmente se empanhou aqui, gemeu em todas as horas certas, e como se não bastasse ter enfiado uma vela onde vela nenhuma deveria ser enfiada quando foi O Lobo de Wall Street, aqui ele dorme dentro de uma carcaça de cavalo, nada em águas congelantes e suporta todos os caprichos do Iñarritu. No entanto, Tom Hardy chamou bem mais a minha atenção. Ah, e eu torci pelo urso. 


E o Oscar? Eu apostaria nele como favorito da noite sem pensar muito não fosse o fato de Birdman ter levado ano passado e Spotlight e The Big Short terem levado outros prêmios significativos. De qualquer modo, meu feeling é de que ele seja consagrado, mesmo que não role dobradinha de Filme-Diretor. Ah, já disse que queria um Oscar pro Tom Hardy mais do que queria pro DiCaprio? 

olar
Ainda estou obcecada por ursos e agora? Assistam Grizzly Man, um documentário do Herzog sobre vida selvagem e ursos realmente sinistro. 

Queria dar um banho nela também
Room (2015, Lenny Abrahamson)

Sobre o que é? Uma mãe e seu filho presos em cativeiro conseguem se libertar, tendo de se adaptar novamente ao mundo fora do Quarto - ela depois de anos e ele pela primeira vez.

Sobrevivi? Tinha que, né? O que mais gostei nesse filme é que ele fala não sobre o abuso, não sobre uma vida em cativeiro, não sobre um plano de fuga, mas a vida depois disso. Sobreviver não é o suficiente. É de partir o coração observar a forma como uma situação assim afeta uma pessoa, a impossibilidade de simplesmente seguir com a vida deixando o trauma pra trás. Achei tudo muito doído, muito real, e Brie Larson e o menino Trembley seguram de forma absurda os seus personagens. A cena de Jack interagindo com um cachorro pela primeira vez é uma das coisas mais lindas que já vi, Mas Essa Sou Eu.

Unpopular opinion: Não tenho a menor vontade de ler o livro e se pudesse dizer qualquer coisa pra Brie Larson essa coisa seria: amiga, por favor, melhore essa postura antes de segurar o seu Oscar.

E o Oscar? Brie é favoritaça, vai ser necessário uma zebra muito grande pra tirar esse prêmio dela. Não sei se é o melhor, mas queria ver Emma Donaghue sendo premiada pelo roteiro adaptado do seu livro de mesmo nome que, embora eu não tenha lido, me parece engenhoso de ser adaptado.

Gosto de histórias tristes, desgraçamento emocional e traumas insuperáveis, o que ver agora? Short Term 12, também com a Brie Larson, também sobre as consequências de abuso.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

20 músicas ou algo assim

Minha amiga Rafinha me convidou recentemente para responder uma TAG meme (#savememe #freememe #resistênciameme) musical, que é o tipo de coisa que eu adoro fazer, apesar de ficar com aquela sensação de que poucas pessoas estão realmente interessadas. Ainda assim não resisto a esse tipo de proposta, acho que a playlist da nossa vida diz muito sobre quem somos e adoro descobrir as pessoas pelas músicas que elas ouvem. Pode ser algo assustador, como nos lembra a Keira Knightley em Begin Again, mas pode ser divertido como andar por Nova York com fones de ouvido compartilhados com alguém que você deseja muito descobrir, pronto para ser descoberto. 

O questionário foi traduzido pela Karol Pinheiro lá no canal dela e respondido por pessoas ilustres como a Lu Ferreira e agora esta que vos escreve, em textão, gifs e muitos links (que é pra vocês clicarem), porque todos concordamos que minha carreira no Youtube já nasceu morta. Vou repassar a bola para as amigas Sharon, Plan, Larie, Nambs, Lidy e Nicas, fiquem a vontade para responder ou não. E você, querido leitor, sente aqui do meu lado, aceite este fone de ouvido que com tanto carinho te ofereço, e finja que é Nova York, imagine o Mark Ruffalo ou a Keira Knightley do lado de cá e me conte suas músicas favoritas nos comentários. Posso aumentar o som?



1. Música favorita



You Are What You Love (Jenny Lewis): Se Taylor Swift é minha melhor amiga famosa e Beyoncé minha fada madrinha, Jenny Lewis é a irmã mais velha das minhas mágoas, como ela insiste em dizer, ou do meu coração, como eu prefiro acreditar, alguém pra se desejar ser quando crescer. Como a maioria das suas músicas, essa não é lá muito otimista: Jenny escancara seus medos e maiores fraquezas, diz que vamos estar sempre sozinhos e não há pessoa ou milhões de cervejas capazes de reverter essa situação. No entanto, ela diz tudo isso de um jeito tão bonito que me leva sempre a acreditar que apesar de tudo é uma vida que vale a pena ser vivida, e ter com quem dividir o peso de ser apaixonada por ilusões e ter um ataque cardíaco todas as manhãs talvez signifique que não somos, afinal, tão sozinhos assim. Você é o que você ama, e não o que te ama de volta: a opinião e os sentimentos de alguém não podem determinar quem a gente é. Talvez seja um caminho solitário esse que fazemos para ser a nossa própria pessoa, mas só assim podemos ser completamente livres.   

To you I'm a symbol or a monument
Your rite of passage to fulfillment
But I'm not yours for the taking


2. Música que mais odeia 



Pillowtalk (Zayn Malik): Vocês lembram quando ano passado eu dei todo meu apoio para esse senhor sair do One Direction e ser um Garoto Normal de 22 Anos? É verdade, ele é só um garoto, precisa levar uma vida normal, olha que maduro, ele poderia ter escolhido a cocaína mas foi pelo caminho do bem, eu pensava, com meu coração maternal. Então vocês imaginam minha cara de tacho quando o Garoto Normal de 23 Anos lançou um single poucas semanas depois de sair da banda, que só piorou com as declarações que ele fez sobre seu passado, cuspindo no prato que comeu. Sabe, ele não é obrigado a gostar de One Direction, mas se não fosse pela banda ele estaria até agora dormindo em casa, incapaz de emitir suas opiniões ou lançar clipes MEDONHOS como esse. Odeio Pillowtalk porque ela reflete a forma patética como o Zayn quer se provar como Artista Sério porque uuuuuuh ele está falando de sexo uuuuh ele está usando a palavra com F uuuuh ele transa tanto que acorda os vizinhos. Odeio o fato da Gigi ser imortalizada ao lado dele nessa história. Odeio o fato da música conquistar minhas amigas, uma a uma, simplesmente pelo fato dela grudar mesmo na cabeça (IN THE BED ALL DAY BED ALL DAY). Mas odeio principalmente não conseguir odiar esse garoto - às vezes por alguns segundos, só por odiar (ou por ele ser a PIOR PESSOA), mas aquele 1% sempre pensa que é bonito demais o rosto. It's a paradise and it's a war zone.

3. Música que te deixa triste



Querido leitor, você pode substituir música que me deixa triste por música que acaba com a minha vida, porque ela basicamente fala sobre o desejo de ser amada por alguém o suficiente para que aquela pessoa ame sua marca de nascença que quase ninguém vê e saiba que você gosta de três colheres de açúcar no chá, ainda que você diga que são duas - afinal, o que é o amor se não essa pequena coleção de detalhes e a lembrança perfeita do sorriso de alguém naquele primeiro dia que vocês se conheceram? É uma música sobre amar alguém desse jeito e não ser amada de volta, uma música sobre todas as vezes que eu pensei em alguém enquanto encarava o teto do meu quarto e cantarolei baixinho I wish I was your favorite girl, mas infelizmente não deu. 


4. Música que te lembra alguém



Sparks Fly (Taylor Swift): Assim como quase todas as músicas Taylor, essa música me lembra A Gente. Não de um momento específico, mas de todos eles. A gente passa a maior parte do tempo andando e cantando e essa é uma música que não falha nunca: sempre alguém vai dizer DROP EVERYTHING NOW e nós vamos largar tudo para cantar ela inteira, na praia, na livraria, na rua, no metrô, em táxis ou carros, com ou sem a presença de algum pai ou mãe que com certeza deve pensar "onde foi que eu errei com essa menina?". Temos muitas músicas, mas essa traduz perfeitamente a sensação de estar com as minhas pessoas, olhar ao redor e ver faíscas saindo por todos os lugares #amizades #românticas. 

5. Música que te deixa feliz



No Control (One Direction): One Direction é definitivamente a banda que mais me deixa feliz, uma felicidade que só meninos lindos dizendo como você é maneira através de batidas pop irresistíveis podem provocar. Uma história engraçada: num dos piores dias da dengue, eu estava me sentindo tão fraca e deprimida que comecei a lembrar daquele dia antes de eu adoecer em que fiquei pulando pela casa ouvindo essa música, pensando de forma bem dramática se algum dia, ó Deus, eu iria sair daquela cama e conseguir dançar No Control novamente, afinal PRIORIDADES. 

e ainda tem VÍDEO com a coreografia viver é bom demais 
6. Música que te lembra um momento específico



Take On Me (a-ha): Olha a situação: você está no carro, parado naquele trânsito de sexta-feira sete da noite, numa avenida congestionada esperando o semáforo abrir, mesmo sabendo que você só vai conseguir passar daqui uns quatro turnos (para andar cem metros e parar novamente em outro sinaleiro). O que isso significa? Isso mesmo, EMERGENCY DANCE PARTY. Foi assim que eu e o Matheus fechamos os vidros, aumentamos o som e começamos a dançar. Mas dançar mesmo, dançar horrores, de fechar os olhos e abrir os braços, sentindo a música, sentindo a vibe, sentindo o momento de forma intensa o suficiente para não percebemos que do lado tinha um carro praticamente atravessado, desesperadamente tentando dar sinal pra gente e pedir passagem. Pela cara do motorista parecia que já tinha um tempinho que ele estava observando nosso #momento e não estava muito impressionado ¯\_(ツ)_/¯

7. Música que você sabe a letra inteira



It's The End Of The World (REM): O que dizer sobre aquelas férias em que eu e o Pedro estabelecemos como projeto aprender a cantar essa música? Ela parece absurda quando você escuta, mas a letra nem é tão grande assim. Difícil mesmo é cantar. É o pior trava línguas de todos os tempos, mas a letra eu sei de cor. Ainda vou colocar na minha bio do Tinder que tenho um bom papo, sei até dançar e decorei It's The End Of The World. Quantos matches apocalípticos será que eu consigo?

8. Música que te faz dançar



Sorry (Justin Bieber): ¯\_(ツ)_/¯¯\_(ツ)_/¯¯\_(ツ)_/¯ SORRY ¯\_(ツ)_/¯¯\_(ツ)_/¯¯\_(ツ)_/¯ SORRY ¯\_(ツ)_/¯¯\_(ツ)_/¯¯\_(ツ)_/¯ SORRY YEAH I KNOW THAT I LET YOU DOWN IS IT TOO LATE TO SAY SORRY NOW? ¯\_(ツ)_/¯¯\_(ツ)_/¯¯\_(ツ)_/¯  SORRY



9. Música que te ajuda a dormir



The Long Day Is Over (Norah Jones): Jet setter pobrinha que sou, possuo razoável experiência com longas viagens interestaduais de ônibus. Com elas aprendi que a principal regra para sobreviver a longas viagens é: não fale sobre longas viagens tenha uma playlist que te permita relaxar e dormir com a garantia de que não vai aparecer uma música alta e barulhenta no meio pra te acordar achando que é o fim do mundo. Não tenho uma playlist e sim um disco que me acompanha em TODAS as viagens longas: Come Away With Me, da Norah Jones. Sou tão condicionada a dormir com ele que dificilmente chego na terceira faixa, mas quando o sono some ele também é ótimo para ficar imaginando fanfics mentais vendo a estrada passar pela janela.

10. Música que você gosta em segredo



Amor Maior (Jota Quest): Faz tempo que eu parei de perder tempo me envergonhando dos meus gostos e pedindo desculpa por eles. No entanto, eu tenho praticamente uma militância contra o Jota Quest e mesmo assim essa música está no meu celular. E eu sinto coisinhas toda vez que ela toca no aleatório. Os responsáveis? Diogo, Luciana, e um amor de primo que destruiu a minha vida.