sábado, 5 de março de 2016

O prego (ou: um discurso de formatura)

Então eu formei. 

O discurso a seguir foi escrito por mim para ser lido na cerimônia de colação de grau, que aconteceu no dia do meu aniversário de 22 anos. Tenho um fraco por discursos de formatura e voltei aos meus favoritos (Neil Gaiman, Jonathan Franzen (sim), Marina Keegan e Rory Gilmore) em busca de inspiração, mas quando vi estava, de novo, falando da Amanda Palmer. Eu não ligo para solenidades, mas naquela noite, cercada de amigos queridos, sendo assistida pela minha família amada, vestindo uma linda beca vermelha, me senti extraordinariamente pronta. Algumas vezes achei que a formatura chegou muito rápido, e em outros momentos parecia que não chegaria nunca. Dia 26, no entanto, senti que tudo aconteceu na hora certa. Foi uma noite muito feliz e gostaria de dividir um pedaço dela por aqui, porque esse blog me acompanha desde o início do ensino médio (!) e sabe Deus onde estaria se nunca tivesse começado a escrever. 

O PREGO
(inventei esse título agora)

Só sei tirar foto sozinha fazendo papel de idiota
Com todo o respeito a essa instituição e a solenidade acontecendo aqui, mas a verdade é que um diploma não significa nada. É só um pedaço de papel, e, como aprendemos em uma ou várias aulas, papel aceita tudo. E se um papel bonito e timbrado num canudo aveludado pode aceitar de tudo, o que dizer a respeito do papel jornal, com sua tinta que mancha nossos dedos, e aquele cheiro típico de peixe que aparece depois de vinte e quatro horas? Dá pra piorar: o que dizer da internet, que além de aceitar tudo, aceita qualquer coisa, de qualquer um?

Nossas mães diriam que a gente poderia ter escolhido melhor. 

No entanto, quatro anos depois, aqui estamos. Jornalistas. Não é um diploma, um pedaço de papel - muito bonito, aliás -, que torna isso mais ou menos real. Quem possui o poder de fazer isso somos nós, cada um no seu tempo. Alguns inclusive já chegaram sabendo, o curso só serviu para sedimentar a certeza. Pode ser que outros ainda precisem de mais uns dias, ou até anos, pra descobrir. Mesmo assim, cada um da sua forma, todos tivemos (ou ainda vamos ter) os nossos momentos - aquele momento - em que simplesmente soubemos: caramba, eu sou jornalista!

Pode ter sido no primeiro dia de aula, ou no último, na defesa do TCC ou naquele em você finalmente pegou o jeito do Scribus. Pode ter sido depois do primeiro chá de cadeira, o primeiro bolo, a primeira fonte desaparecida, o primeiro telefone batido na cara - todo mundo sabe que jornalista é aquela pessoa que precisa falar com todo mundo e com quem ninguém quer realmente falar. Pode ter sido num fechamento do Senso, ou melhor, naquele dia que você sentiu saudades de um fechamento do Senso. Era horrível, mas também era muito bom, né? Caso um dia bata uma insegurança, não se esqueça de que você passou em Teorias I. E II. E PEX. I e II. TCC também, vocês conhecem a história. 

Se alguém aqui ainda não se sente jornalista, basta lembrar das reclamações, porque a gente passou quatro anos - ou mais - reclamando. Dos textos, dos trabalhos, dos prazos, da quantidade de caracteres, das pessoas, das fotos, do alinhamento dos textos, das logos, das pautas, e de novo dos prazos, e mais um pouco das pessoas. Jornalista, aliás, é o primeiro a reclamar de qualquer coisa, principalmente de outros jornalistas, do jornalismo, e da própria condição de jornalista. 

Foi o George Orwell que disse que jornalismo é publicar algo que alguém não quer que se publique, aquilo que incomoda. Todo o resto é propaganda. Nossa profissão é incômoda, para os outros mas principalmente para nós. Ao longo desses oito semestres, aprendemos que quase nada é o que parece e que é muito difícil mudar o mundo. Aprendemos que as pessoas mentem, nem sempre colaboram, e que existe um interesse por trás de tudo. São necessárias umas cinquenta fotos antes da perfeita, matérias legais caem porque alguém não respondeu um e-mail a tempo, tripés são pesados, gravadores falham, caracteres sobram, a internet cai e alguns programas fecham sem salvar o que foi feito. Às vezes as pessoas são horríveis, os ângulos retratados não são honestos, e como o papel aceita tudo é muito fácil construir versões diferentes de uma mesma história e nem sempre vai haver espaço pra nossa voz. A profissão é difícil, perigosa, desconhece feriados, todo mundo sempre acha que é só escrever uns textinhos e dizer boa noite, e o salário ó…

Mesmo assim, de novo, aqui estamos. Por quê? 

Eu precisava muito desse momento, fiquei feliz que não foi preciso implorar por ele
Amanda Palmer, uma artista que já foi stripper, estátua viva, cantora e agora também escreve, contou em seu livro a história de um cachorro e seu dono. Era mais ou menos assim: um homem passa e escuta um cachorro ganindo de dor. Vendo a situação ele pergunta pro dono por que o cachorro está chorando, e o dono responde que é porque ele está sentado em um prego. “Mas então por que ele não levanta do prego?”, pergunta o moço. “Porque ainda não dói o suficiente”, diz o dono. 

O jornalismo é incômodo porque a zona de conforto não é notícia. Outra historinha, que ouvimos algumas vezes em sala de aula, diz que a notícia é quando o dono morde o cachorro e não o contrário. O mundo anda cada vez mais complicado, viver é complexo, e o jornalismo nos leva a ver as coisas de modo a doer o suficiente, porque só assim a gente consegue levantar do prego. E é só levantando do prego que podemos começar a pensar em mudar o mundo. 

Que esse incômodo vindo das coisas que não podemos desver ou ignorar nos possa levar sempre adiante, e que ao levantar do prego possamos ganhar as ruas e estar em contato com histórias reais, de pessoas reais, que nos ajudem a construir mensagens com poder de incomodar tanto os outros, de jeitos bons e ruins, que a sociedade como um todo se veja obrigada a sair do prego, seja ele qual for. E então quem sabe que rumo a vida tomará?

Não é um diploma que nos torna jornalistas, assim como não é uma palavra escrita numa folha de jornal que torna uma notícia verdadeira para alguém. Aprendemos que é a credibilidade faz isso, e acredito que tudo que passamos nos dá crédito o suficiente para nos afirmarmos jornalistas e validarmos aquele pedaço de papel timbrado - e não o contrário. Espero que doa o suficiente.

A última!
- Como todas as fotos bonitas e originais que já estiveram nesse blog, as fotos desse post também foram feitas pelo super Felipe Flowers.

8 comentários:

  1. Primeiro : eu amei
    segundo: prometi a mim que quando passasse em jornalismo viria aqui, em uma das minhas maiores inspirações do mundo virtual e profissionalmente.
    Eu passei,soube hoje, eu consegui, estou ansiosa pelos meus quatro anos, reclamando dos prazoas, dos caracteres, novamente dos prazos e de tantas outras coisas. Que pena não poder topar com você entre uma aula e outra no campus da UFU seria uma honra, (até pq por incrivel que pareça mesmo morando pertinho, eu ainda tenho uma visão distante de você sabe aquelas pessoas da internet q sentimos que nunca vamos conhecer ? Pois é, Sonhei uma vida inteira por esse momento, estou com medo, mas estou pronta. Esse post é mais uma piscadinha do universo dizendo "A próxima é você". Mais uma vez obriga. Boa sorte, que nessa nova fase que virá pós faculdade seja tão incrível quanto ou até mais.

    escrevendodepijama.blogspot.com.br

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  2. MEU DEUS ESSA PRIMEIRA FOTO! Tá maravilhosa em TANTOS, TANTOS NÍVEIS. Tô sem ar! <3

    Anna, eu sei que você é maravilhosa. Mas se eu não soubesse, você buscou Rory Gilmore para o seu discurso de formatura. Só que eu sempre soube. Eu soube quando comecei a entrar aqui e levei um susto de cair da cadeira quando descobri a sua idade, tão mais nova que nós (e tão gente grande, tão estimada na blogosfera). Soube mais ainda naquela época do BEDA, cada coisa sua que eu lia, eu queria escrever também, você me lembrou que somos gente que escreve. E como gente que escreve, saio daqui com aquele sentimento de que você falou na nossa rede social preferida esses dias: muito feliz, por ter lido esse discurso tão incrível e ao mesmo tempo triste, por saber que nunca vou escrever assim.

    Você é incrível e você agora é jornalista!

    E MEU DEUS DO CÉU QUE MUITO MARAVILHOSO TUDO ISSO!!!

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  3. Anna seu cabelo tava incrivelmente lindo nessa primeira foto - não que ele não seja normalmente, mas se superou -, segundo: amei esses discurso! Quase deu pra ouvir sua voz dentro da minha cabeça dizendo essas palavras... Você disse no twitter que foi um discurso amargo, eu não achei. De verdade, achei verdadeiro, emocionante e forte, mas jamais amargo! Te desejo todo sucesso do mundo no jornalismo e em todas as outras coisas nas quais você quiser se aventurar (;

    beijo!

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  4. ANNNAAAAA!

    Tantos séculos que não venho aqui, perdão! A vida, acontecendo de maneiras estranhas. hehehehe

    Eu só quero repetir o que já te disse inúmeras vezes: Você é incrível! Você escreve maravilhosamente bem e olha, agora é JORNALISTA! Coisa mais linda!
    Lindo esse discurso - que eu nunca seria capaz de escrever - linda você de beca vermelha, linda as fotos e A foto tradicional que acompanhei sempre no instagram. Que a sua - nova - vida, seja ainda mais linda e gentil com você, mas claro, que doa o suficiente! <33

    Sucesso enorme e mal posso esperar pelo que está por vir!

    Beijos

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  5. Oi Anna!
    Eu te acompanho desde o seu ensino médio, acompanhei a época do vestibular, você passando na faculdade e agora... sua formatura! Nunca comentei aqui, sempre fiquei só observando, mas sinto a necessidade de escrever para ti hoje.
    Passamos por todas as épocas da vida juntas e eu também me formo esse ano, porém, em odontologia! Estou muito feliz por você e quero te desejar um início de carreira incrível! Você não merece menos que o melhor! Continue nos escrevendo sempre que estarei aqui para ler.
    Beijos, Laís.

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  6. Que legal Anna, sabe sempre acompanho seu blog, desde de...a um tempinho nem sempre comento é verdade, mas lembro quando você passou no vestibular, lembro dos seus últimos textos do ensino médio. Sabe seus textos tão bem construidos, tão fáceis de ler e de se empolgar. Você não poderia ter escolhido profissão melhor...essa é minha opinião, a opinião de alguém que ler seus textos e aplaude, fico pensando, nem somos amigas de blog pra que eu diga assim abertamente que essa escolha foi a mais acertada. Mas lá na frente se descobrir que não foi, tenho certeza que todo o caminho percorrido terá valido a pena só pelo fato desse momento. Enfim... Parabéns!! pela formatura, espero que o Jornalismo tenha ganho uma profissional comprometida com a ética e a verdade. é o que estamos precisando!!! PS: a primeira foto está simplesmente FANTÁSTICA!!

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  7. Amiga, sua newsletter faz minha madrugada de domingo pra segunda ser mais feliz - principalmente hoje quando deixei o menino no aeroporto e voltei para a cama com um pedaço faltando. Aí vi que você tinha postado, perdi o sono, resolvi que tinha que vir comentar E botar mais tenência na minha vida. Até postei, veja só, e são só 9 horas de segunda. Parece que esse mimo não diz nada com nada né? Mas o que eu quero dizer é que, dessa vez, você fez o prego doer o suficiente e eu levantei para FAZER COISAS. Sobre o discurso, claro, não preciso dizer que ficou lindo - E ESSA FOTO <33333
    Te amo! <3

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  8. Ai que lindo *-* Parabéééns!

    Amei toda a ideia do prego e de precisar doer o suficiente. E tem um grupo de profissionais que estudam pra fazer doer o suficiente e que bom que vocês existem. Pra ter quem transporte pra frente da nossa cara o que não queremos ver do mundo ao nosso redor.

    As fotos ficaram lindas!

    Abraço e boa sorte na vida de jornalista (oficialmente).

    Ps: amo o discurso do Neil Gaiman Faça Boa Arte :)

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