sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

365 dias com 2010


Dos muitos momentos de 500 Days Of Summer que me marcaram profundamente, um deles me veio na lembrança nesse fim de ano. Em uma cena a irmã do Tom fala que para que ele esqueça a Summer, ele deveria começar a se lembrar dos momentos ruins que eles passaram, das vezes que a conduta dela desviou da perfeição da qual ela era feito escravo, para que ele enxergasse que a relação deles não era perfeita e ideal como ele imaginava ao manter na memória só os momentos felizes.

Tenho comigo hoje a sensação de que 2010 foi um ano ok. Por ok vocês entendam: passou longe de ser ótimo, mas também não ouso dizer que foi péssimo. Entretanto, se paro para pensar no por que de tamanha falta de graça, vejo na minha retrospectiva mental apenas os momentos felizes, as risadas, os shows, as conquistas, as boas notas, as festas e saídas e outras coisas que documentei fartamente aqui ao longo dos meses; daí eu ponho a mão na cintura e vos pergunto onde está o ok nessa história, a falta de graça e o mais ou menos? Dito isto, compartilho com vocês uma das grandes descobertas desse ano, feita por mim em relação a mim mesma: eu sou uma pessoa otimista.

Muitas vezes as pessoas confundiam - e até eu me julguei de forma equivocada - a minha mania de sofrer e agonizar por um leite que nem derramou com pessimismo. Porém, só quem já me viu em momentos de crise sabe que quando a coisa aperta eu tenho um troço muito forte em mim que me faz crer com unhas e dentes que as coisas vão dar certo, porque elas simplesmente tem que dar certo. Eu só não percebia isso porque perco muito tempo sofrendo pra valer com coisas que nem aconteceram, com a prova que eu ainda nem fiz mas sei que vou tirar zero, com a coisa que eu nem disse mas sei que vai dar em briga, e isso é um saco. Só que quando me lembro das coisas que passaram me esqueço das desventuras rapidinho e ponho a mão no queixo e reflito: por que estou reclamando, já que tive um ano tão bom?

Viram só? Otimista, half full, bright and shiny.

Sendo assim, a principal coisa que desejo pra 2011 é me lembrar é disso mais vezes, com frequência, de forma obsessiva se for preciso, e não perceber que o copo tava meio cheio só depois que bebi de guti-guti.

Feliz ano novo!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

2010 em músicas: quase uma retrospectiva

Ando com tanto bode desse final de ano, numa vontade tão enorme de simplesmente apagar todas essas festas do calendário e acordar dia 02 de janeiro com uma agenda nova e linda ,que tinha decidido ignorar as tradições festivas ao menos por aqui. Só que eu mesma não me respeito e já estava pensando numa retrospectiva. Queria fazer por fotos, como fez a Analu, mas aí lembrei que quase não tirei fotos esse ano, e a maioria das poucas que tirei foram as do celular do Matheus durante as aulas e vocês realmente não precisam me ver de uniforme, descabelada e sem maquiagem. Sendo assim, uma vez que resolvi me mexer e fazer mixtapes pro blog, a ideia de relembrar 2010 por músicas me pareceu brilhante.

A proposta, a priori, deveria ser simples: uma música por mês; confesso, porém, que estava bastante confusa e perdida tentando lembrar qual música mais tinha me marcado em cada mês do ano, de modo que com a ajuda do Google descobri um esquema supimpa pra resolver o imbróglio: um site que mostra as músicas mais ouvidas em casa mês a partir dos scrobbles do LastFm. Perfeito! Admito que mudei uma ou outra, para ficar mais coerente com a proposta e tentar deixar a lista um pouco menos heterogênea (apesar de que esse também é um dos trunfos da proposta, já que pelas músicas dá pra sacar bem quais foram os altos e baixos do ano, embora eu tenha uma quedinha natural por músicas melancólicas ainda que em dias ensolarados).

Outro adendo é a respeito das faixas bônus: coisas que definitivamente não fazem parte da minha vida - tanto que ouvi com o scrobble desligado - mas que sempre que forem ouvidas vão me lembrar desse ano que passou. Era meu dever fazer essa menção, pouco honrosa, mas de coração.

P.S.: Acho que mais aleatória que essa seleção, só essa capa. Como a temática é bem abrangente, me dei ao direito de vasculhar coisas bonitas por aí e foi isso que saiu. Tem até um pouquinho a ver com esse papo de retrospectiva, já que passei o ano sonhando com sapatos Miu Miu e esses passarinhos no vestido da mocinha da contracapa, além de lembrarem os sapatos, lembram muito a capa de dois discos que ouvi demais esse ano, "Sky Blue Sky", do Wilco, e "Hello Hurricane", do Switchfoot.

P.S².: A imagem de capa foi encontrada no We Heart It e a ilustração da contracapa é da mui talentosa Cécile Mancion.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A maldição da manicure traída

Estava enfiada numa salinha minúscula, suando em bicas, quando meu celular tocou. "Oi Anna, é a Paula. Você vai fazer a unha hoje?" "Então Paula, vou te dar o bolo hoje. É. Só minha mãe vai fazer. Uai, tenho uma festinha de Natal pra ir hoje, sabe como é, revelação de amigo secreto, bem na nossa hora... vou ter que te dispensar por hoje. Tá bom? Aí a gente se vê antes do Ano Novo, tá? Beijo, feliz Natal!"

Eu não estava mentindo. Eu realmente tinha essa festa pra ir, bem na minha tradicional hora de fazer as unhas e tive que dispensar minha manicure naquela semana. Eu só não mencionei que naquele momento eu estava dentro de um salão, com os pés numa bacia de água quente, e as mãos nas mãos de uma outra mulher, que acabava de me perguntar se eu gostava das minhas unhas lixadas de forma quadrada ou redonda. Paula está na minha vida desde 2006 e nesses quatro anos foram poucas as vezes que eu, digamos assim, pulei a cerca e fiz a unha com outras pessoas. E juro que só o fiz quando não havia outra opção. Ainda assim, paguei caro.

Naquela quarta-feira de manhã eu estava num salão minúsculo que abriu a pouco tempo na esquina de casa. Eram 10 horas da manhã e eu suava como nunca, ainda mais depois de colocar os pés naquela bacia quente. Uma moça lixava as unhas da minha mão enquanto tagarelava sem parar com uma outra, que folheava uma Contigo antiga. Não me importo com manicure tagarela, até porque a minha conversa mais que a língua, mas sabe Deus por que a falação daquelas duas estava me dando nos nervos. Nos pouco mais de 60 minutos que fiquei lá dentro soube da vida amorosa completa de uma delas. Porque o Netinho, ex-namorado de muitos anos, estava querendo voltar e falava isso pra todo mundo menos pra própria, porque o irmão mais novo dele, o Alexandre, não parava de dar em cima e ficar todo assanhadinho e ela, coitada, não conseguia dizer pra ele se afastar. Aí a alternativa foi jogar a Isabela, amiga dela, pra cima do tal do Alexandre pra ver se ele largava do pé, mas não funcionou muito, porque na outra noite mesmo ele apareceu na hora do jantar e disse que a fulana era burra porque tinha escolhido o irmão errado desde o começo. Um drama só. E nesse falatório eu devo ter perdido quase um quilo de pele, tamanha a destreza da Maria Regina com o alicate.

Outra tristeza foi descobrir que lá não tinha muito esmalte, só os basicões. Vermelhos, rosados e clarinhos. E eu tinha esquecido de levar um vidrinho com mais emoção de casa. Que seja vermelho. Na semana do Natal. Igual a todo mundo.

Quando saí de lá elas falavam sobre Fernanda, filha da que estava fazendo minhas unhas. Porque se ela fosse homem ia chamar João Victor, e se ela não tivesse nascido a mãe poderia estar morando com umas amigas que acabaram de montar uma república. Só que a Fernanda estava doente e não parava de tossir, e o falatório frenético das duas ficava atrapalhando minhas ideias ainda embaralhadas de quem está de férias e qualquer hora antes das 11h é cedo demais. Assim que ela acabou saí de lá quase correndo e pimba, estraguei a unha do dedão na hora de tirar o dinheiro do bolso. "Não, não precisa consertar", disse automaticamente, só de pensar no horror de ter que ficar lá mais cinco minutos ouvindo do Netinho que deu pra ficar de papo com a Ciele agora que eles estão trabalhando juntos. Dedos cortados, checked, unha do dedão estragada com esmalte vermelho, checked.

Já na hora do almoço olhei minhas unhas e com um olhar cheio de pânico constatei que haviam ali bolinhas. Muitas. Em todos os dedos. Não bastasse isso o esmalte ameaçava ficar embaçado em alguns dedos, tendência que terminou de dominar toda a mão ao longo da semana. A unha do pé lascou com um dia de sapato fechado e três unhas da mão quebraram só hoje. Fiz as unhas na quarta e parece que tem três semanas que não vejo um alicate, e sim, os cortes ainda doem.

Paula, nunca mais te troco por ninguém.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Chocotone

Não nego que sou meio Grinch. Em outubro (e cada vez mais cedo) quando o shopping começa a se decorar pro Natal e as lojas de departamento fazem seus jingles ridículos sinto um arrepio me percorrer a espinha, suspiro e penso que vai começar tudo de novo. As lojas cada vez mais lotadas, o centro da cidade movimentado a qualquer hora do dia, os especiais de Natal deprimentes da Globo e os panetones entrando em profusão aqui em casa. Mamãe é tão viciada neles que começa a comprar assim que eles aparecem na loja, e nos nossos cafés da tarde eu como minha tradicional fatia de pão integral com requeijão sozinha, ela trocou nossa tradição pelos panetones.

Esse ano ela me prometeu um chocotone de trufa, aquela da Cacau Show que passa na propaganda e eu quase choro de vontade. A gente tinha se prometido um Natal calmo, tranquilo e pequeno igual foi ano passado. Eu, ela, meus avós, um cd antigo da Gal Costa no som, jogo de tabuleiro e conversa jogada fora. Muito peru, porque é tradição ir dormir se sentindo meio mal. Só que os planos mudaram e vamos passar o dia 24 na casa de um tio, numa festa grande. Festa estranha com gente esquisita. Vou passar o Natal respondendo que não tenho namorado e acho que vou prestar Jornalismo. "Mas eu ouvi dizer que não precisa mais de diploma" "É, mas eu acho importante". Vou chegar lá já morrendo de vontade de voltar pra casa, tirar o vestido e os sapatos lindos comprados pra essa ocasião, botar o pijama e me sentar na mesa com mamãe e meus avós queridos, abrir o chocotone de trufa, deixar o Chico lamber meus dedos depois e jogar conversa fora até dormir. Isso pra mim é Natal.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Amigo secreto blogueiro!

Nunca fui fã de amigos secretos, nunca. Sempre saí com aquela pessoa que eu nunca conversei na vida, com aquele garoto estranho do fundo da classe que come cola e rosna, com aquela menina que aos 14 anos brinca de pique-esconde na escola e usa bolsa em forma de poodle. Sempre. Era até sem graça tirar o papelzinho, porque eu sabia que não era ninguém legal. E quando era, pode apostar, alguma coisa sairia errado e o sorteio teria de ser refeito. E também nunca me dava bem na hora de ganhar presente, só ganhava coisas totalmente aleatórias de quem provavelmente não sabia nada sobre mim. No episódio de Natal da quarta temporada de House, ele diz que o melhor jeito de se criar uma tensão entre duas pessoas é numa troca de presentes porque, segundo ele, presentear alguém é demonstrar o quanto você não a conhece, na maioria dos casos.

Ano passado no Amigo Secreto de fim de ano da minha sala eu saí com uma pessoa legal pela primeira vez na vida. E também alguém legal saiu comigo. Isso porque eu e meus amigos, bem... nós sabotamos o Amigo Secreto. Não me julguem por isso, aliás, a ideia suja foi toda dos meus amigos e eu só não me opus. Foi divertido, vai.

Esse ano minha sorte com amigos secretos começou a mudar e ainda sem qualquer interferência ou marmelada. Na brincadeira que fiz com um grupo de amigos saí com uma pessoa muito querida e tenho certeza que quem saiu comigo também é bem bacana, porque né. A revelação ainda não foi feita. Além desse, me dei extremamente bem num Amigo Secreto bem diferente, organizado pela linda da Amandoca, entre blogueiros e pessoinhas da internet. Estava bem ansiosa para o sorteio, para descobrir quem afinal eu deveria presentear, e qual foi minha surpresa quando vi a fotinha da... Kamilla!

Não sei quando comecei a acompanhar a Kamilla no Mundo Efêmero, mas o blog dela logo me conquistou pelas opiniões e gostos semelhantes que partilhamos, principalmente a nossa paixão por Chico Buarque, Tiago Leifert e Guaraná Mineiro! Ela mora em Patos de Minas, que é aqui pertinho de Uberlândia e costuma dar um pulo aqui vez ou outra, mas ainda não tive a chance de conhecê-la pessoalmente e já a intimei pra algum encontrinho nessas férias. Comprar seu presente foi uma novela. Eu sou muito chata e exigente com praticamente tudo, e com presentes não seria diferente, ainda mais quando é presente pra uma pessoa querida. Conhecendo minha enrolação típica, com bastante antecedência já fui vasculhar sua wishlist para escolher algo bem especial. E eis que me bateu uma indecisão tremenda. Tinha decidido que daria um livro, porque sei que ela adora ler e além de tudo colocou como sugestão uma variedade enorme de títulos., mas qual? Desespero. E agora, José?

Me decidi inicialmente por dar-lhe O Morro dos Ventos Uivantes, que além de fantástico ainda é um dos meus favoritos e conhecendo um pouco de suas predileções literárias eu sabia que era uma coisa praticamente sem erro. Já o outro foi o mais difícil. Ela colocou como sugestão dezenas de títulos do John Grisham e eu resolvi que lhe daria também um daqueles, já que ela passou o ano ralando pra prestar vestibular pra Direito, nada mais coerente. O problema é que eu nunca li nada dele, e não fazia ideia de qual comprar. Completamente perdida e quase ao ponto de abortar o plano e mandar junto de Heathcliff e Cathy um dvd do Woody Allen para apaziguar os ânimos, resolvi ligar pra minha avó e pedir um norte. Ela, que já leu quase todos os livros do autor, me deu uns dois ou três títulos e eu acabei por escolher O Júri, porque eu sei que tem um filme baseado nele que na verdade eu nem sei se é bom, mas é com o John Cusack.

Agora, felicidade maior foi receber o meu presente! Na minha última tarde de quinta-feira de aulas cheguei em casa e tinha um pacotinho do Submarino me esperando. Ah, a glória do saquinho azul! Abri feito criança, rasgando tudo vorazmente a ponto de deixar o Chico constrangido, e imaginem minha alegria ao ver lá um exemplar de Helena, do meu querido Machado de Assis, e um DVD de... tchãn tchãn tchãn tchããããn... Psicose! Sou fã de suspense mas me iniciei no Hitchcock só esse ano. Podem me julgar. Não sei como passei 16 anos e muitos meses da minha vida sem assistir a esse filme, que o clássico dos clássicos do gênero. Já sabia do roteiro e conhecia várias cenas (e a trilha, lógico), mas nunca tinha de fato assistido ao filme. Adorei! Qualquer outro dia falo melhor dele, só quero dizer que a escolha foi muito bem feita. Sobre Helena, ainda não li, mas o farei em breve; entretanto, não tenho dúvidas de que vou gostar muito.

(O sorriso psycho é pra disfarçar a cara de sono)

E melhor que ganhar foi saber quem me deu... a própria Amanda! Eu e ela nos acompanhamos nessa blogosfera há séculos e ela já passou de colega de comentários para amiga ultra querida. Quando vejo no meu celular o prefixo 81 corro pra atender só pra bater papo com essa arretada, fofocar e rir muito! Não desconfiava que era ela, só pensei que fosse alguém mais próximo por causa da escolha do Helena, que não estava na wishlist, portanto só poderia ter vindo de alguém que conhece meus gostos, e conhece muito bem!

Foi ótimo ter participado desse amigo secreto inusitado e fiquei mais do que feliz tanto com a pessoa que presenteei como com aquela que me presentou! Definitivamente, valeu a pena!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

V-au-sinha

Ele era ranzinza, rabugento e preguiçoso. Em compensação, tinha uns olhos doces de fazer derreter o coração de qualquer um que se aventurasse a prestar uma atenção mais demorada naquela imensidão cor de âmbar adornadas com manchas feitas pelo tempo e a infância sofrida. Não era mau, sem sombra de dúvidas, quem bem o conhecia sabia que era dono de um coração puro e sincero, apenas não era muito chegado a estranhos. Passava a maior parte dos dias na sacada do apartamento, observando o movimento externo. Para ser um James Stewart em A Janela Indiscreta só lhe faltava mesmo a pequena luneta e a perna quebrada, apesar de que suas pernas eram tão brancas que poderiam até fazer as vezes de gesso.

Gostava particularmente de se colocar em seu observatório no final do dia. O sol já não estava mais tão quente, e seus raios na atmosfera proporcionavam àquela hora específica um espetáculo primoroso de cores e nunces variadas por todo céu, brincando também com as nuvens. Tudo parecia mais bonito naquela hora do dia, o brilho do sol nas folhas, a sombra delas no paralelepípedo das ruas, as senhorinhas varrendo a porta de casa, o cheiro de noite, o cantar dos pássaros mesclado com um silêncio quase celestial: no fundo, bem no fundo, ele era um sentimental. A única coisa que interrompia e azedava sua contemplação do entardecer era uma certa presença que tinha o hábito de passear por ali diariamente, a essa mesma e fatídica hora.

Nunca gostara dela. O semblante altivo, o nariz empinado, o porte de inabalável... bastavam essas características para que uma antipatia ímpar lhe brotasse, ao ponto de fazê-lo abandonar seu posto e ir para dentro da casa, se instalar no quarto escuro, murmurando e maldizendo-a. Ela lhe lembrava seu irmão falecido, com quem ele nunca se dera bem. Tinham os mesmos olhos curiosos, astutos e falsamente complecentes. Era dona de um traseiro peculiar, magro mas detentor de uma ginga inabalável. Odiava o rebolado daquela magrela. Odiava as roupas que usava. E, principalmente, odiava a maneira como ela passava reto por seu prédio e fingia não ouvir os imprópérios que ele lhe proferia, quando a cólera era muita e não havia ninguém próximo para repreendê-lo.

Ela nunca entendera o por que de tanta raiva. Ele chegava a fazer pena ali o dia todo, dependurado naquela maldita sacada, resmungando pro mundo. Primeiro pensou que fosse louco e só, mas depois viu que era pessoal. O problema era ela. Chegou a lhe responder vez ou outra, mas quando descobriu o jogo dele percebeu que melhor do que insultá-lo era deixá-lo brigar sozinho. Quanto mais alheia e tranquila ela cruzava a rua maiores eram as ofensas dele, feito bobo preso no segundo andar. Se ao menos fosse macho para descer e ir resolver - o quê? - seus desentendimentos com ela, mas nem a isso se prestava. O pessoal da rua, outros fuxiqueiros que costumavam sair a essa hora diziam que ele nunca punha os pés nos paralelepípedos enquanto por ali houvesse gente. E se havia, espantava todos com seus brados e jeito bêbado-maníaco-depressivo.

Numa terça-feira sem graça, em que o tempo estava cinza, num chove e não molha tedioso, ele resolveu sair para uma caminhada mais cedo, pensando que a ameaça de chuva iria espantar os outros transeuntes das ruas. Andava de forma calma, caminhando sobre o meio fio, até que um cheiro peculiar fê-lo virar seu rosto. Era ela. Quis fingir que não a vira, mas algo mais forte prendeu seu corpo na direção dela, que caminhava decidida ao encontro dele. Ele também passou a andar na direção dela, os olhos grudados um no outro, em chamas. Nos poucos segundos que o trajeto durou ele pensava em mil coisas, se deveria xingá-la, passar reto, esbofetear-lhe a face, cuspir... e quando os dois finalmente se cruzaram, ficou estático. Ela também. Giraram, trocando de lado, mas sem desgrudar os olhos um do outro, até que ela sorriu. Não sabia bem porque havia feito isso, mas a figura dele frente a frente parecia tão menos ameaçadora, quase frágil e amigável que quis simplesmente sorrir, baixar a guarda.

Ele esperava tudo dela. Que gritasse, tirando satisfação; que corresse, de medo; e até mesmo que mordesse, como vingança por todos os últimos meses em que ele a havia ofendido sem motivo aparente. Aliás, o motivo primeiro das implicâncias agora lhe parecia distante e infantil. Era só porque ela tinha os mesmos olhos que o irmão, que o importunara muito, é verdade, mas que agora nem ali estava mais. Poderia até dizer que sentia falta dele, vez ou outra. A verdade é que no fundo gostava do irmão e se arrependia dos dias turbulentos que viveram juntos, e agora que ele se fora o que sentia era uma enorme culpa e um vazio sem precedentes. E os olhos dela lhe lembravam disso a todo momento e sentia tanta raiva de si mesmo que chegou a pensar que sentia raiva dela. Coitada. Nunca reparara como era engraçadinha, era a primeira vez que a via de perto.

O que aconteceu depois foi tão rápido que até hoje os dois não conseguiram entender. Lá estavam eles, um em frente ao outro, sentindo uma mistura de medo, confusão e súbita simpatia mútua. No segundo seguinte estavam agarrados. Foi ele que lhe envolveu o pescoço com os braços um tanto curtos mas firmes, e ela retribuía com intensos carinhos e beijos e lambidas e até leves mordidas que poderiam constranger o resto da rua que os assistia, mas era uma reconciliação tão urgente e doce que não havia espaço para repressão puritana. E foi tanta felicidade que toda a cidade se iluminou. E foram tantos beijos loucos, tantos ganidoss roucos como não se ouvia mais.

Separaram-se tão rápido como haviam se unido. Nos dias que se seguiam ele continuou a observá-la passar, mas dessa vez em silêncio. Ela também não dizia nada ao passar por sua rua, apenas virava o rosto em sua direção, olhando-o fixamente. Ele se levantava e ia andando ao longo da sacada até que não mais pudesse vê-la, e depois voltava ao seu posto. Decidiu que não iria encontrá-la mais, a cumplicidade no olhar era o máximo e o melhor que poderia se esperar de uma relação entre um poodle e uma pug. Sentia por vezes uma vontade imensa de repetir o feito do primeiro encontro, e chorava baixinho ao vê-la passar, de saudades do toque de sua pele cor de abricot na sua muito branca. Um dia ouviu alguém chamá-la e descobriu depois de meses seu nome, Meg, que ele achou lindo e muito parecido com ela. Até que combinava um pouco com o seu, que era Chico. Sonhava em ver os dois escritos com caligrafia rebuscada e dourada numa espécie bizarra de convite de casamento.

Entretanto, se contentava em olhá-la, e ela o olhava de volta. E o mundo compreendia, e o resto das noites caíram em paz.
(Baseado em fatos reais)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Baby, you're a rich man

Quinta-feira passada eu deveria estar estudando, mas estava no telefone com a Naná stalkeando um garoto gracinha da nossa turma de revisão. Com poucos cliques descobrimos praticamente toda a vida do garoto e nossas curiosidades foram satisfeitas quase que por completo. Tudo tão prático, fácil e automático. Você conhece alguém, se interessa, dá uns cliques no Facebook ou no Orkut e se não for igual eu que só se interessa por garotos que praticamente não tem vida virtual, descobre informações e referências valiosas rapidinho. E quando não existia essa parafernália toda? E quando para descobrir algo sobre alguém você deveria, sei lá, sentar e conversar e tentar descobrir algo? Era nesse tipo de coisa que eu não parava de pensar enquanto assistia A Rede Social.

Para quem não sabe esse é o filme que conta a história da criação do Facebook, de como Mark Zuckerburg se tornou bilionário em poucos meses construindo uma rede social que fez parte da via de mais quinhentas milhões de pessoas, e tudo começou com uma dor de cotovelo e uma noite de tédio, bastante cerveja e algorítimos no seu dormitório em Harvard.

Em uma cena do filme, Sean Parker, criador do Napster que entra na barca da rede que nasceu como The Facebook - e ele deu a ideia de tirar o 'the' -, diz que na sociedade que vivemos hoje viver virou uma coisa secundária, um objetivo intermediário: mais importante é mostrar pros outros aquilo que você acabou de viver. Mesmo se a festa de ontem foi meio miada o negócio é postar aquele monte de fotos e dizer pra todo mundo que foi incrível. E se você não consegue manter uma conversa com uma pessoa real por mais de cinco minutos sem gaguejar ou ter um tique no olho não tem problema, contanto que socialize online com mais pessoas do que já conheceu em toda sua vida. Sem contar com aquele velho e pertinente papo que ninguém quer te conhecer de verdade, eles querem a sua ideia, a imagem que você constrói de você mesmo. Quantas vezes você já não percebeu que ela pessoa que online parecia super legal na verdade era um mala, ou então desencanou de alguém só porque o perfil da pessoa era meio queima-filme? É a desilusão orkutico-facebookica amorosa que a gente passa em vários momentos da vida, quase sem perceber sua real dimensão.

E sobre Mark Zuckerberg: ele é um personagem tão interessante que me deixou com vontade de rever o filme e até mesmo de ler o livro no qual ele foi inspirado, Bilionários Por Acaso. Você nunca sabe qual é a dele realmente: se é um gênio, se é incompreendido, se é um babaca egocêntrico, se tem um complexo de deus, se é inseguro e solitário, se é tudo isso ao mesmo tempo ou alguma coisa que não consegui captar. Se a história dele com o Saverin foi uma coisa de recalque, se ele ficou cego com o crescimento rápido, se foi de tanto o Sean Parker falar na cabeça dele, ou se ele simplesmente não se importava, quem poderá dizer? Sobre Erica, sua ex-namorada, foi tudo por orgulho e auto-afirmação ou ele realmente se importava com ela? Sujeitinho difícil de "ser lido", e foi interpretado muito bem pelo jovem e fofo Jesse Eisenberg.

Antes de assistir o filme li algumas colunas em jornais e revistas sobre ele, colunistas e críticos que eu respeito se rasgando com o filme, dizendo que era espetacular, sensacional, genial e tudo isso e eu pensava com os meus botões que, apesar de ser uma história interessante e extremamente contemporânea, não tinha muito motivo pra todo esse hype. Não tinha muito lado pra essa estupefação toda. Mero engano, o filme é mesmo animal.

Gosto bastante dos filmes do David Fincher, e até agora todos que assisti me passaram uma sensação de grandiosidade. Clube da Luta é um de seus mais famosos e adorados por aí e sendo um filme tão ótimo e cheio de momentos memoráveis, insisto em me manter firme na minha escolha de cena preferida, que é a final. O desfecho do filme é incrível e o que dá o toque final é Where Is My Mind? do Pixies começando tímida e tomando conta da cena. Com The Social Network a cena final também me paralisou e é bem por causa da trilha sonora que não poderia ser mais apropriada. Beatles, vejam só!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Alforriada

Passei o sábado me revezando entre a piscina e uma espreguiçadeira em frente ao rio, entre risadas e açaís, e foi só lá pelas dez horas da noite que me caiu a ficha que na manhã seguinte eu faria a prova que tem me feito estudar feito uma camela nas últimas semanas. Cheguei em casa e comecei a desinfectar o apartamento de todo e qualquer vestígio de escola, e percebi que haviam apostilas em todos, exatamente todos, os cômodos. Nos quartos, no meu banheiro, na mesa da sala, na sala de tv, no banco de trás do carro da minha mãe, na área de serviço... Tenho até vergonha de dizer que tem um mês mais ou menos que durmo no quarto de hóspedes porque minha cama havia sido tomada por apostilas, cadernos, papéis aleatórios e quase um mês de roupas passadas que eu não guardei porque simplesmente não deu tempo. A mala que fiz pra ir pra São Paulo ver o Paul foi desfeita nesse fim de semana, e juro que não foi preguiça.

Um dia minha mãe disse que eu estava achando que aqui em casa era pensão, já que só passava aqui pra dormir. E não é que era mesmo? Saía 7h e voltava às 20h, morta demais pra fazer qualquer coisa que não comer qualquer coisa e ir direto e flutuando para minha cama. Quando chegava mais cedo aproveitava para desopilar assistindo... Ti-Ti-Ti (que é realmente uma novela muito engraçada)! A midiateca da escola se tornou minha segunda casa, já tinha minha cadeira cativa, meus livros favoritos, o canto preferido para sentar na área externa e tomar o açaí de todas as tardes. Pensei que minha bolsa não ia dar conta do tranco já que eu tinha carregar minha vida toda nela, desde cadernos e livros até guarda-chuva, garrafa d'água, roupa de ginástica, lanchinhos aleatórios (até cogitei a ter uma lancheira novamente)...

Aí nessa semana final comecei a pifar. Cabelos caindo, estômago desarranjado e minha cabeça mais ou menos assim: giberelina-auxina-vê-é-igual-a-lambda-vezes-éfe-1850-lei-eusébio-de-queirós-eu-sou-uma-bactéria-e-eu-sou-procrarionte-protalo-monoico-sou-o-gametófito-fato-social-geral-exterior-e-coercitivo-tem-gente-amando-tem-gente-beijando-seno-a-cosseno-b-seno-b-cosseno-a... Eu estava a ponto de implodir. Sabe em desenho animado quando acontece um BUM e aí o personagem infla e estoura? Tipo isso.

Fiz a prova ontem e nem sei se fui bem ou se fui mal, se estava difícil ou fácil, se as pessoas foram bem ou não. Não vou corrigir, me dou esse direito. Escola agora só em fevereiro de 2011. Saí da prova e fui ao cinema, sozinha mesmo, comecei a reler O Diabo Veste Prada e a perspectiva de pensar nos dias que virão serem uma folha completamente em branco, tendo a liberdade de fazer o que eu quiser ainda que seja fazer nada e passar o dia encarando o teto do meu quarto, é realmente maravilhosa.

Férias, suas lindas, me abracem com força.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Realmente aleatório: uma mixtape

Eu sou obcecada por mixtapes. Adoro ouvir as que as pessoas fazem (principalmente se vem na forma de presente), adoro fazer pra perder tempo, adoro fazer para presentear os outros. Aliás, nessa última categoria, minha obsessão vai tão longe que eu costumo demorar muito pra conseguir terminar, pensando nas melhores sequências e sempre lembrando de uma música que não pode faltar de jeito algum (isso é uma justificativa cara de pau por eu estar devendo uma pra Mel há meses!). E quase desde que esse blog existe eu tenho vontade de fazer algumas para publicar aqui, não que já não existam por aí centilhões de blogs que façam isso (bem melhor que eu), mas como a Irena disse, e eu vou parafrasear porque não saberia dizer melhor, passo tanto tempo pensando em mixtapes que é melhor fazer de uma vez e colocar aqui.

Essa ideia era uma resolução de ano novo e como o ano ainda não acabou, nunca é tarde, não é mesmo? E em todo esse tempo eu vim criando uns temas até que legais, mas todos necessitariam de um tempo maior para que eu pudesse fazer a seleção direito e tempo nesses últimos dias é uma coisa que se você tem pra vender me manda uma DM porque estou pagando bem. Aí que no domingo, depois da massacrante 2ª etapa do PAS, resolvi reunir as músicas que estou ouvindo recentemente e fazer uma gracinha, como presente pelos 3 anos de blog. A verdade é que ultimamente tenho escutado coisas tão, tão aleatórias que até fazer uma seleção coerente ficou complicado. Até me esforcei para montar uma sequência digna de respeito e confesso que lá pela música 4 a coisa já desanda. Mas olha, é de coração. Juro. Vocês vão se divertir.

E essa capinha porca eu fiz na pressa e num programa de edição online... porque estava com preguiça de abrir o Photoshop. Escolhi os personagens do filme O Clube dos Cinco para ilustrar porque, bem, ando obcecada por esse filme recentemente. Nada como unir obsessões.

Download

Essas músicas que não estão dando pra ler direito e eu fiquei com preguiça de colocar uma borda são: "João e Maria", do Chico Buarque, e "Evaporar", do Little Joy.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Aquele dos peitos

Estávamos no metrô, meu primo Pedro e eu, indo encontrar meus tios para jantarmos logo após assistirmos Harry Potter. Eu ainda estava em êxtase com o filme e falava sobre isso e comentava com ele cada detalhe, matracando em 33 rotações, como diria Vinícius, só que até o ponto de ficar chata. Estava na inglória missão de explicar pra ele toda a história de As Relíquias da Morte, o que é coisa complicada já que mesmo tendo lido o livro mais de uma vez, é complicado explicar todo o rolo pra uma pessoa que não leu nem o sexto nem o sétimo livro. Estavam no trem uns gatos pingados, e um garotinho bem novinho que provavelmente estava na mesma sessão que a nossa, já que também falava do filme sem parar.

Descemos na estação Sumaré. Eu estava com uma roupa toda simpática, fingindo que era Alexa Chung, com uma camisa cor-de-rosa (se Blake usa nós usamos também), short de tachinhas e minhas botas de combate favoritas, meu cabelo estava de bom humor até que de repente OH MEU DEUS EU ESTAVA QUASE SEM ROUPA. Ponto de exclamação.

O que ocorreu foi que no intervalo entre um passo e outro,todos, t-o-d-o-s os botões da minha camisa se abriram. De uma vez. E não foi como se eles simplesmente tivessem se desabotoado mas permanecido no lugar, pacificamente. Não: eles se abriram e escancararam minha camisa, me deixando com o umbigo, o sutiã e tudo mais pro mundo ver. A sorte foi que eu percebi. Quem me conhece sabe que é a minha cara não reparar, porque eu sou muito distraída. É a minha cara olhar pra trás pra procurar a menina quase sem roupa que uma pessoa apontou, riu e comentou com a outra.

Segurei a roupa e fui correndo pra um cantinho entre duas paredes pra me recompor. Eu pensava que esse tipo de coisa só acontecia em Friends. Não é muito o tipo de coisa que aconteceria com a Rachel? Consigo até imaginar ela saindo da Bloomingdale's de roupa nova, se achando, e então a blusa se abre inteira no meio da rua sem que ela perceba. Rachel então vai andando e todas as pessoas fazem gracinhas, assobiam, e ela pensa que isso é por causa que ela está mesmo arrasando. Até que ela chega no trabalho, entra no elevador com o Ralph Lauren e ele então a alerta de sua seminudez. É a cara da Rachel, é a cara de Friends.

Passado o susto continuei andando, fingindo-me inabalável. E podia ter acabado por aí que já seria vergonha e pânico suficiente pra semana inteira. Mas não. Enquanto subia as interminavéis escadas da estação Sumaré aconteceu de novo. Sim. Todos eles, de novo, em conjunto. Se houvesse algum tipo de Olimpíadas dos Botões os da minha blusa ganhariam medalha de ouro na modalidade Debandada em Sincronia. Só que dessa vez não tinha cantinho pra eu me enfiar e poder abotoá-los de novo. Tive que segurar firme a camisa, como se fosse um quimono, até o patamar da escadaria para me encolher (garantindo que caso acontecesse algo a Avenida Sumaré inteira não me veria desnuda) e me ajeitar. Sabe quando a gente sonha que foi sem roupa pra escola? A sensação é essa, ainda que por 10 segundos.

Ficamos esperando minha tia no viaduto Dr. Arnaldo e eu olhando pra blusa a cada 10 segundos para garantir que nenhum desastre ocorreria. Pior seria saber que passaria todo o jantar nessa aflição, já dali iríamos pro restaurante. Eu podia ouvir, no zum-zum-zum dos carros um cantarolar sádico do mundo, "Os botões da blusa que você usava... iam pouco a pouco me deixando ver no meio de tudo um pouco de você...". Entrei no carro e aconteceu de novo. Mas dessa vez foram só três botões, até porque no banco de trás não tinha jeito mesmo de ninguém ver, para quê o esforço?

Ao fundo, além de Roberto Carlos, ouvia nitidamente o som das claques, as risadas automáticas das comédias americanas. Só faltava aquilo, e eu ser a Jennifer Aniston, pr'aquilo virar um episódio de Friends.


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Trois

O cronista se separa da esposa (ou do marido, no caso da cronista ou do cronista gay) e não liga tanto para a partilha. No mesmo dia, depois que ela sai com as melhores malas, ele começa a se preocupar com a crônica que aquele evento vai gerar. Se for texto ruim, a separação não valeu a pena. É esperar pela reconciliação para ver se ocorrem umas trovas melhorezinhas. O cronista não dá vexame sem calcular o rendimento dos parágrafos de humor. O cronista não se restringe às narrativas com começo, meio e fim. O cronista participa da vida dos textos.

Um cronista não se mete a romancista. A veia inventiva do cronista não é tão forte. O cronista depende muito mais das pequenas sortes do cotidiano. O romancista cria demais. O cronista recria.”

Caçar em campo alheio ou como escrever crônicas – Ana Elisa Ribeiro

Difícil escrever um post de aniversário, principalmente o terceiro. Apesar do momento ser sempre outro, porque um ano muda muita coisa, o sentimento é praticamente igual. Aquela velha história de que eu realmente não imaginava que chegaria até aqui, ou que mesmo com os trancos e barrancos, falta de tempo e inspiração, eu tenho um apego tão forte por esse blog que seria complicado pensar em mim sem isso aqui. E isso vai muito mais e além do que aquela coisa que as pessoas adoram dizer que escrevem pra registrar os momentos, para botar pra fora aquilo que angustia por dentro, usar como válvula de escape. Talvez até seja um pouco, e já foi bastante tudo isso, mas hoje é mais. É mais porque se eu nunca tivesse montado esse blog, não teria descoberto minha paixão nessa vida, que é escrever. Que brincar com palavras, contar histórias minhas e inventar outras é um troço que eu gosto tanto que até me deixa meio pinel vez ou outra, porque a todo momento eu ando pensando em novos textos. A maioria, vale dizer, nem chega a ir pro papel ou pro documento no Docs.

Sem esse exercício disfarçado de distração eu nunca teria descoberto aquela coisa que eu faço com paixão e olhos brilhando. E tem tantos aí melhores que eu, e há tanto ainda pra ser aprendido, mas a questão no momento não é essa. Porque eu posso resolver seguir meu lado Izzie Stevens e ser médica, posso seguir com meus planos de Jornalismo, posso flertar com a diplomacia e ir fazer Direito e independente disso, vou ter descoberto, digamos assim, a minha praia. Porque mais do que querer ser Audrey Hepburn ou Meryl Streep, eu quero ser escritora quando eu crescer. Ainda que não oficialmente, ainda que pra ninguém ler.

A única coisa que não posso deixar de repetir é meu agradecimento a vocês, que estão aí do outro lado. Escrever para si é muito legal, e eu tenho coisas aqui que ninguém leu e nem vai, mas compartilhar também é muito bom. Poder ler o que me escrevem só não é melhor que escrever: os comentários engraçados, os pitacos que de vez em quando vocês dão, as histórias que me contam, até mesmo quando discordam dizendo que aquele filme que me fez sair de órbita não foi nada demais, eu gosto. Porque eu acho isso tudo tão legal! Portanto, obrigada à você, que chegou aqui agora, e também a quem está aqui desde a época que eu falava horrores de shopping e escola – beijo, Jana!

E no mais, parabéns pra mim, pro blog, e também pro Woody Allen que hoje é aniversário dele.

sábado, 27 de novembro de 2010

Eu amo a amizade dos três

Acho que pela primeira vez na vida assisti a um Harry Potter no cinema sem meus amigos. Como estava em São Paulo perdi metade de toda a diversão que é um novo filme do Harry, ou seja, a ansiedade, as horas na fila, a bagunça, a loucura para conseguir os melhores lugares, os gritos no início da sessão ao ver o símbolo da Warner, as unhas cravadas no braço da pessoa ao lado em cenas tensas, as implicâncias com as chatices do Harry, os comentários... Vi o filme no sábado, num cinema estranho na avenida Paulista, numa sala cheia de adultos e só com meu primo, que não partilha de um quinto da minha emoção com aquele filme, que não esperou ansiosamente por aquilo igual eu esperava, que estava vendo um filme como qualquer outro. Se bem que se não fosse por ele eu não teria percebido que o duende Grampo é a cara do Bob Dylan.

Não achei lento como um monte de gente disse que era. Na verdade, quando acabou, bateu aquela sensação de "mas já?". Achei bem fiel ao livro, e foi tão do jeito que eu imaginei na minha cabeça que foi como aquela não fosse a primeira vez que eu via o filme. Chorei logo nas primeiras cenas, aquela que a Hermione lança um Obliviate nos pais. Fiquei fascinada com a animação feita para explicar a história das Relíquias da Morte, a sequência do Ministério da Magia é demais, o coração dói quando Harry vê o túmulo de seus pais em Godric's Hollow, meu asco por Bellatrix Lestrange foi tão, tão enorme que a única hora que me exaltei, matando meu primo de vergonha, foi quando falei um "vagabunda!" meio alto quando ela atira aquele punhal fatídico. Achei o início do filme corrido, a questão do Harry ter virado Indesejável nº 1 ficou confusa para quem não leu o livro e uma lacuna que não perdôo, mas também não saberia como introduzir no filme, é a repercussão que o "A Vida e as Mentiras de Alvo Dumbledore" tem na cabeça de Harry, o que acho que é uma coisa essencial do livro. Aliás, a história de Dumbledore foi mencionada assim por alto, né? Quis vomitar nos momentos Harry e Gina, aqueles dois não se ajudam. Fiquei em êxtase ao finalmente ver Gui Weasley, que é a coisa mais adorável do mundo, sempre tive uma quedinha por eles e morria de vontade de vê-lo em algum filme.

Só que o que me fez sair do cinema satisfeita foi a maneira como David Yates conseguiu captar a relação de Harry, Rony e Hermione. Os três não são mais crianças e os riscos que correm levam a coisas muito piores que a expulsão de Hogwarts. É muito bonita essa coisa de abandonar família, estudo e sonhos para ir atrás de uma missão com um amigo, quando não se sabe direito o que fazer, aliás, quando não se sabe absolutamente qual o próximo passo, bonito de dizer, mas na verdade é uma coisa penosa para todos eles, e assim como o livro mostra, nem tudo são flores. E ao mesmo tempo que a percepção que temos é a de como a amizade deles balança, ao final percebemos como aquele laço é forte. E lindo.

Boscov, minha filha, quando a Veja chega eu sempre corro para suas críticas. A gente discorda de vez em quando, mas normalmente estamos de acordo. Não entendi o que você escreveu sobre Harry Potter. Com todo respeito, senta lá. Isso não se faz. Leia os livros, assista de novo e muito foco nessa cena porque ela diz absolutamente tudo:


(Contém spoilers. A qualidade está péssima, é de um behind the scenes, foi o melhor que achei)

"What a beautiful place to be with friends!" - Dobby

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Eu vi o Paul e ele é lindo


Quem assistia The Oc certamente se lembra do episódio de Ação de Graças da 1ª temporada, em que a Summer chega de surpresa na casa dos Cohen e começa a agarrar o Seth sem dar muitas explicações, daquele jeito desesperado e bravo dela que não deixa o coitado respirar ou ao menos entender o que está se passando. De repente, Seth interrompe o beijo e começa a encará-la daquele jeito terno e desconcertado dele e diz, "This is happening!". A Summer manda ele calar a boca e volta a beijá-lo, mas se ela parasse pra pensar no significado daquela frase, beijaria com mais vontade. Porque ele teve que parar pra entender o que estava acontecendo, ele sonhou com aquilo durante tanto tempo que precisou de um momento para ter um clique e registrar na cabeça dele que aquilo era mesmo verdade. E foi no meio de "The Long And Winding Road" que eu parei e pensei comigo, "Putz, isso tá acontecendo!".

A Mel sempre brinca que eu deveria seguir carreira no jornalismo musical pra um dia trabalhar na Rolling Stone. E eu fico pensando comigo que deve ser ótimo ser fodona e ganhar ingressos pra shows incríveis e ainda por cima ser paga pra escrever sobre o que viu. Mas a verdade é que eu seria um fracasso nesse papel, pois numa situação dessas eu seria incapaz de olhar um show como foi o do Paul McCartney ontem e ter alguma visão crítica da situação e escrever algo racional. Não dá. Eu ia entregar um papel em branco pro meu chefe, ou então com vários pontos de exclamação e caracteres aleatórios em caixa alta, e talvez eu preencheria uma folha inteira com "na na na na na na na hey jude". "Desculpaí, mas é o que tem pra hoje".

Eu nunca ganharia respeito nesse meio se fosse escrever minha real impressão. Ninguém ia entender a dimensão da situação se eu escrevesse que fiquei tão fora de mim com tudo que não consegui chorar; eu, que fiquei arrepiada e com os olhos cheios d'água quando uns garotos que estavam perto de mim começaram a cantarolar "Getting Better" quando os telões se acenderam. Até que ponto vai a personalidade de uma pessoa que mesmo achando "Mrs. Vanderbilt" super brega não se calou na hora do "ho hey ho" e que mesmo odiando "Ob-La-Di Ob-La-Da" estava lá pulando e batendo palmas, cantando junto a música inteira que até então nem eu sabia que sabia de cor toda a letra? Eu te pergunto quem seria Anna Vitória na noite no meio daquele monte de pessoas cools que não se impressionam, eu que mesmo sabendo que os discursos em português que ele disse lá em cima eram os mesmos do show de Porto Alegre, e seriam os mesmos no dessa noite, achei tudo lindo, espontâneo e de coração. Mesmo sabendo que ele estava tocando pra sessenta mil pessoas, e eu era só mais uma delas, não podia deixar de sentir com a maior certeza do mundo que era pra mim.

Eu vi o Paul e ele é lindo. É lindo porque ele tem 68 anos e parece ter 68 anos quando dança de um jeitinho adorável, mais tiozinho impossível, como se fosse meu avô tentando se comportar como adolescente. É lindo ao dizer que a gente tem que ir embora, e deita o rosto nas mãos, como quem dorme, e imita um ronco. É lindo porque apoiava a mão no queixo e se recostava no piano, admirado com aquela multidão de gente de todas as idades possíveis, falando uma língua que lhe era estranha, cantando de trás pra frente aquelas músicas que eram dele e de seus amigos, mas eram também de cada um que estava lá. O Paul é lindo porque ele canta por três horas inteiras sem perder uma nota e sem beber um gole d'água. É lindo porque ele tem 68 anos e não parece tê-los nas costas quando tira "Helter Skelter" da alma, e toca de um jeito tão furioso que não parece que é a penúltima música do show, num momento que até eu estava pedindo arrego.

Num dia como ontem, só queria ser fodona pra poder escrever para algum veículo abrangente, que é pra muita gente ler e ter certeza disso, que aquele tombo que ele levou no final (e fez meu sangue parar por 3 segundos) não foi porque ele é velhinho ou porque ele tropeçou no fio ou em qualquer outra coisa. Paul caiu porque ficou difícil vencer o olho gordo de 60 mil pessoas que não queriam que ele fosse embora de jeito algum. Eu poderia passar o resto da minha vida naquele "na na na na na na na".

Obrigada, Sir. We love you, yeah, yeah, yeah!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Pêssego e nectarina

No sábado passado, depois do  Enem, passei na padaria com papai para comprar coisas gostosas pro café da tarde. Enquanto esperávamos o peito de peru ser fatiado, ele me disse para pegar um suco, já que não estou tomando refrigerante, “eu até comprei essa semana, mas sem querer peguei o de nectarina e acho que você não vai gostar”. A caminho da geladeira, fiquei pensando com meus botões como meu pai conseguiu comprar um suco de nectarina, uma vez que um suco desses não é uma coisa muito comum. Aliás, desde quando existe suco de nectarina?
 
Já em casa, enquanto o ajudava a colocar as coisas na geladeira, dei de cara com uma simpática e já velha conhecida caixa vermelha de suco Del Valle. “Desde quando existe Del Valle de nectarina, meu Deus?”, eu pensava comigo mesma. Minha surpresa veio quando virei a caixinha e ali estava um redondo e suculento pêssego.
 

      

             Eu sei que disse que era uma caixinha, mas só achei imagem boa da lata, relevem.

 
“Uai, pai, cadê o suco de nectarina?”
“É esse aí que você tá segurando, oras.”
“Mas, pai, esse suco é de pêssego!”
“Lógico que não, olha aí escrito nectarOH WAIT” (ok, esse “oh wait” eu adicionei por conta própria)
“Viu, é néctar de pêssego, não nectarina… Como você pode confundir uma coisa dessas, pai?”
“Mas mas mas… Essa foto parece com uma nectarina!”
“Talvez pareça, mas não justifica! E você, quando tomou, não percebeu que era de pêssego?”
“Ah, sei lá, eu achei bom… AAAAAAH, Anna Vitória, não tenho tempo de ficar reparando nisso não, tudo a mesma coisa!”  - Papai com orgulho ferido pela confusão mode on.
 
Homens…

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Ode ao sono

Everybody seems to think I'm lazy
I don't mind, I think they're crazy
Running everywhere at such a speed
Till they find there's no need

Please don't spoil my day
I'm miles away
And after all
I'm only sleeping

Coisa que gosto nessa vida é dormir. Grande questão da humanidade pra mim não é que quem veio primeiro, a galinha ou o ovo, mas sim o que é melhor, comer ou dormir. Mas se for parar pra pensar, eu esqueço de comer com frequência, e Deus que me perdoe, mas as vezes eu tenho até preguiça de comer. Basta algum baque mais forte aqui dentro e o apetite é o primeiro a ir embora. Nunca, nunca me esqueci de ir dormir e muito menos fiquei com preguiça disso, aliás acho que a única coisa que a preguiça ajuda é a dormir. Se por um acaso algo ou alguém estiver me tirando o sono, corram para as montanhas que a coisa é séria. Me orgulho ao dizer que até hoje coração partido algum foi capaz de me fazer brigar com meu travesseiro, aquele lindo, minha estrela derradeira, amigo e companheiro no infinito de nós dois.

Apesar de não fazer milagres, existem poucas coisas nessa vida que uma noite de sono não é capaz de consertar, ou pelo menos amenizar. Quantas raivas não se amansaram depois de algumas horas de divino descanso e por quantas vezes bastou dormir para que os problemas parecessem menores? Se as pessoas dormissem mais, o mundo seria um lugar melhor. Por pior que tenha sido meu dia, a nota de Física, a briga com os pais e o xixi do cachorro no quarto, sempre terei duas grandes certezas na vida: a primeira é que Jesus me ama, a segunda é que no final de qualquer dia cruel existe uma noite de sono me esperando.

Se por um lado dormir parece uma enorme perda de tempo (e é), é o tipo de tempo jogado fora que, depois de acordar, você percebe que faria tudo de novo. Melhor que uma barra de chocolate inteira, porque dormir não engorda; melhor que o Álbum Branco, porque você não ouve Ob-La-Di Ob-La-Da enquanto dorme; melhor do que um par novo de sapatos, porque dormir é de graça; melhor até que marocar o Facebook da crush do momento, porque não existe a possibilidade de descobrir alguma coisa desagradável enquanto você dorme. Não existem limitações para o sono, toda hora é hora, todo lugar é lugar. Ainda bem que não consigo dormir em sala de aula, eu até tento, mas a paranoia não deixa. Em compensação, durmo no carro, no tapete da sala, já dormi sentada e tombei no sofá depois de um tempo, já apaguei durante toda a tarde com metade do corpo pra fora da cama, de tênis, com a cara enfiada no travesseiro. Dizem que os cães são um espelho do dono, e meu cachorro dorme 26 horas por dia. Nunca deixei de dormir por causa de filme de terror porque bebê de Rosemary nenhum consegue se sobrepor aos deleites do sono.

Das minhas paranoias delirantes hipocondríacas, as coisas que mais tenho medo de ter são, não necessariamente nessa ordem, tumor no cérebro (ou em qualquer lugar), diabetes, lúpus (mas nunca é lúpus) e insônia. Acordar pra mim é tão doloroso quanto ou até pior que nascer. Imagine você, um feto, na barriga quente da sua mãe sendo alimentado por um tubo no seu umbigo, chupando o dedo e dormindo e de repente te arrancam de lá e ainda batem na sua bunda pra você chorar. Caros obstetras, basta contar aos recém nascidos como vai ser a vidinha deles dali pra frente que eles chorarão que vai ser uma beleza. Acordar é tipo isso. É como se você estivesse mergulhando numa região abissal e é puxada para a superfície abruptamente, diante do sono a realidade vira um nitrogênio residual, acordar é uma embolia traumática do subconsciente.

Já vi coisas incríveis enquanto dormia. Já vi meu professor de Física mais querido subir no palco do Paul McCartney, catar um ukulele e cantar Dance Tonight; já cacei gremlins no shopping e topei com o Tarantino no elevador; divaguei sobre golden retrievers gigantes com pessoas aleatórias da escola; tomei sorvete e fui feliz com uma pessoa que provavelmente não deve se lembrar do meu nome. E mesmo se sonho que tirei 2 numa prova de História, que fui fazer vestibular e esqueci a caneta, que eu era uma florista molhada incapaz de pronunciar "the rain in Spain stay mainly in the plain", ou então o pior dos sonhos, que é aquele em que morre alguém querido, ainda assim existe a possibilidade de acordar e tudo não vai ter passado de um susto. Dormir é uma das coisas mais harmless de todo o mundo.

E talvez eu veja menos filmes porque durmo no meio deles com muito mais frequência do que gosto de admitir, e estude menos porque tem tardes em que dormir não é uma opção e sim uma necessidade, e talvez seja até melhor, vez ou outra, dormir mais tarde ou não dormir de jeito nenhum, mas isso é algo que discutirei depois, porque agora me bateu um sono daqueles.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Não consigo não falar do Enem

Fiz o Enem mais pra ver qual era e pra deixar meus pais felizes do que qualquer outra coisa, tanto que nem me inscrevi pro vestibular da UFU - a universidade adotou o Enem como primeira fase. Não tive problema algum durante a realização da prova, o erro dos gabaritos foi percebido logo no começo e em menos de meia hora já apareceu um fiscal dando as orientações corretas.

O que percebi foi um despreparo enorme por parte dos fiscais. Só avisaram para desligar o celular, nada de exigir que ele tivesse embaixo da carteira ou com a bateria pra fora; a maioria das meninas foi de bolsa e não houve pudor algum de futricar nelas a todo momento, na maioria das vezes pra tirar um pouco da cesta básica que carregavam ali, nunca vi precisar levar todo um estoque de comida pra se fazer prova; um enorme número de pessoas usando relógios, pulseiras, etc; não havia revista no banheiro, a fiscal esperava de fora com sua identidade na mão e se você estivesse com uma apostila embaixo da blusa, passaria despercebida; no segundo dia as provas foram entregues de forma que todos na mesma fileira horizontal recebessem o mesmo caderno, ou seja, as pessoas sentadas do meu lado tinham exatamente a mesma prova que eu.

Achei a prova, no geral, bem feita. Desconsiderando os erros de algumas questões, gostei bastante do que foi cobrado. Haviam questões bem, bem estúpidas, principalmente na prova de Matemática (!!) e de Ciências Humanas, conteúdo de nível Fundamental. Gostei especialmente da prova de Códigos e Linguagens, a maioria dos textos eram interessantes e atuais, as questões eram fáceis, mas creio que pra uma prova universal é insensato (apesar de essa coisa de nivelar um tanto quanto por baixo não ser coreta) puxar demais. O tema da redação era fácil, mas achei a proposta um tanto quanto vaga, principalmente por causa dos textos motivadores que abriam espaço para dezenas de propostas de texto diferentes.

Sobre a polêmica do possível cancelamento: não me afetou tanto e eu nem gastei neurônios me estressando tanto por isso, afinal eu só perdi um final de semana e minha coluna ainda está dolorida pelo tempo que passei sentada. Não vou morrer por causa disso. Só que aí me ponho no lugar de quem precisava da prova. De quem passou um ano ou mais estudando firme, seja por conta própria, no cursinho, com professores particulares... Por blogs e por Twitter acompanho a rotina de um monte de vestibulandos, e fico pensando o quão desastroso deve ser, depois de todo o esforço, pensar em ter que fazer a prova de novo ou sei lá qual decisão o MEC irá tomar. Não sei qual a melhor coisa a se fazer. Se outra prova é aplicada aos candidatos lesados, certamente haverão candidatos oportunistas prontos pra recorrerem na justiça alegando (e não estarão errados) que se a prova é universal, todos tem de fazer a mesma, logo uma ou outra prova não teria validade. Fazer tudo de novo? E quem bancaria isso? Cobrar inscrição de todo o pessoal novamente? Esquecer o Enem? Mas e as universidades que optaram por ele como único método de seleção, fazem o quê? Organizam um vestibular em 40 dias?

Fato é que a prova já perdeu sua credibilidade. Fico imaginando a quantidade de universidades que vão pular fora dessa canoa furada ano que vem. Errou uma vez, beleza, era a primeira vez e errar é humano. Errou a segunda? Pera, tem alguma coisa muito errada. É impossível aplicar uma prova, uma mesma prova, pro Brasil inteiro e esperar que isso fique a prova de erros. Uma professora minha disse muito bem, erros acontecem sempre e em todos os vestibulares, mas o universo de estudantes é pequeno se comparado com o do Brasil todo, e a repercusão é menor.

A ideia do Enem seria louvável se fosse bem realizada. É o tipo da coisa que pode dar muito certo ou muito errado. Já estamos vivendo as experiências dos erros. O Inep agora deve mais é que limpar a bagunça e agir com calma. Seriedade e compromisso, é tudo que o Enem mais precisa pra dar certo. Enquanto ele continuar a ser realizado da maneira atabalhoada e quase chutada que tem sido, mais erros virão. Quero ver quem terá paciência de pagar - literalmente - pra ver.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Do flerte

Sentiu chutar o seu um pé por debaixo da mesa. A pessoa que estava sentada de frente para ela não esboçou reação e parecia muito interessada na conversa que tinha com a pessoa ao seu lado. Fora uma mera distração.

Alguns poucos segundos depois, outro chute, dessa vez com mais força. Encarou-o de imediato. Ele ainda mantinha-se compenetrado na conversação que travava, apesar de que ela notara, poderia jurar que sim, um riso ali abafado na boca que ele mantinha fechada de forma quase rija, enquanto apoiava em uma das mãos o queixo.

Ela fixou o olhar nele, que agora já não escondia que a observava de soslaio, e outro chute veio sem fazer questão de se dissimular. Ela fez-se brava por brincadeira, e pobre do interlocutor de outrora, que dessa vez já falava para ninguém, ou então para um semblante quase vazio de vida que se esvaíra e fora dar toda a atenção do mundo à garota que sentava-se na cadeira em frente.Ele pediu licença ao seu companheiro de prosa de forma educada, e arrastou sua cadeira para o outro lado da mesa enfiando-a desajeitadamente entre ela e a pessoa que estava ao seu lado no minuto anterior, sendo muito polido e pedindo várias desculpas ao pessoal enfadado pelo incômodo que causava.

Cumprimentou-a com dois beijos no rosto, estralados, mas de um jeito que não merece reprovação. Era uma das coisas que ela mais gostava nele, o beijo de oi; não era como a maioria das pessoas que apenas encostam sua face à da outra, e se o lábio roça é coisa leve. Ele não. Beijava-lhe as duas faces de forma quase ávida e não é como se o fizesse com todas as outras colegas de trabalho: seus beijos de bom dia e já vou indo eram reservados para poucas felizardas.

Conversaram amenidades, caçoaram da gravata do chefe que se sujara de molho, comentaram sobre a novela - que ela estava perdendo e ele gostava de assistir com a mãe -, a comida do lugar, ele lhe falara sobre o vinho - mas sem fazer-se muito sabido, como outros homens que ela antes conhecera que tinham mania de cheirar rolhas da maneira mais pretensiosa do mundo.

Vez ou outra ele lhe fazia alguma troça, seja chutar-lhe de leve a canela por debaixo da mesa, ameaçar cobri-la de cócegas, roubar qualquer coisa de seu prato. Ela sorria, lhe empurrava de leve, “ai, para” era o que dizia, querendo complementar com um “estão todos olhando”, porque parar, bem, não era o que ela desejava que ele fizesse. Aliás, se pudesse lhe pedir qualquer coisa seria para que não parasse nunca, e talvez ele se agradasse do intento.

Ele aproveitava a deixa para fazer-se mais presente, como um pavão ao inflar-se vaidoso, mas sem o sê-lo de fato. Gostava de quando ela tentava fingir-se de brava mas logo desatava a rir com gosto e dizia em meio às gargalhadas que iria mudar de lugar, que ele não estava deixando-a jantar. Ele lhe segurava os pulsos, que tentavam lhe desferir pequenos socos no braço, lhe olhava de um jeito sério e dizia que iria embora, se era assim que ela queria. Quando ela respondeu que era brincadeira, ele logo disse que tudo bem, mas que precisava terminar de jantar, e ela também e que não poderia ir embora muito tarde.

Retomara seu posto em frente a ela, fez algum questionamento ao seu antigo companheiro de papo, e meteu-se na conversa novamente. E ocasionalmente chutava de leve as canelas da moça a sua frente, que só o olhava e dizia, por baixo de um sorriso, só mexendo os lábios, “ai, para”.

Achava-a bonita, engraçadinha e só. Gostava de vê-la chegando pela manhã, o barulho ritmado dos seus passos que a conduziam por todo o ambiente até a máquina de café e que, na volta, fazia-a retornar cheia dos sorrisos e dos bons dias para todos. Caso cruzassem-se, depositava-lhe na face dois beijos, acompanhados de um nariz que queria muito sentir novamente seu cheiro bom; caso não, apenas fazia-a parar em frente a sua mesa e lhe beijava a mão cordialmente, dando especial atenção à cor de suas unhas, que eram sempre divertidas, contrastando com toda a formalidade que a empresa exigia.

Já ela gostava de lhe ver fora de lá, de um jeito mais informal. Porque ele era todo assim, e aquele engravatamento apesar de lhe conferir um enorme charme punha-lhe de um jeito que pouco combinava com sua personalidade. Achava-o lindo do jeito que estava naquela noite, ainda que com as mesmas roupas do escritório mas já sem terno, as mangas um tanto dobradas, a gravata frouxa revelando algumas pintinhas no pescoço que uma noite ela já se flagrou beijando em sonho. Sentia um rubor nas faces só de se lembrar.

Ele não a levaria em casa, e nem ela insinuaria que precisava de carona ou queria alguém com quem rachasse o táxi. Caso o pessoal resolvesse esticar a noite em qualquer outro lugar, depois que o chefe fosse embora, iriam de bom grado, ela negando a princípio e ele fazendo mil promessas que lhe deixaria em casa no mais tardar a meia noite, para que ela pudesse acordar bem no dia seguinte, como se fosse sua Cinderela.

A sinuca seria o lugar escolhido, aquela diferente que todo mundo gostava, que mais se parecia um pub londrinho, com karaokê, jukebox e cerveja barata. Ela iria ao banheiro com as outras colegas, passar batom e ser interrogada sobre o que andava acontecendo entre os dois, “todo mundo está percebendo”, diriam cheias de risinhos suas companheiras enquanto retocavam a maquiagem. Ela negaria de pés juntos, diria que são amigos, colegas, que só apreciam a conversa um do outro. Ela não acreditaria no que dizia, muito menos as amigas.

Ele, enquanto isso, já teria tirado a camisa para fora da calça, passado giz na ponta do taco e observaria atento o melhor ângulo para encaçapar o maior número possível de bolas coloridas. Os colegas, da maneira despachada que só os homens tem quando estão entre os seus, discorreriam sobre as moçoilas que se escondiam no banheiro, e talvez algum dissesse o nome dela de um jeito a insinuar algo para ele, e aquele já mais bêbado soltaria que ela era uma gostosa e ele riria, dizendo nada, mas concordando ao se lembrar da meia que ela usava, e que um dia ele observava com toda a perícia do mundo num cruzar e descruzar de pernas na sala de reuniões, uma meia engraçada que parecia meia-calça mas terminava um pouco acima dos joelhos. Ele nunca tirara essa breve visão da cabeça.

Eles poderiam até cantar juntos, ela já livre dos sapatos de salto, alguma música do Roberto Carlos na época da Jovem Guarda, sem fazer questão de alcançar as notas corretas, e dariam as mãos e as estenderiam ao alto no refrão, em redenção àquela sexta-feira a noite inusitada. E talvez ele colocasse para tocar na jukebox alguma música que ela gostava muito e algum dia lhe contara por acaso. Ela poderia passar a noite imaginando se teria sido para ela, ou só mera coincidência.

Até que um dos dois caísse na realidade novamente, e enxergasse além do ambiente turvo do pequeno lugar já inundado de fumaça de cigarro com muitos colegas de trabalho alterados cantando Celine Dion, e fosse embora sorrateiramente. Caso se deixassem ficar, acabariam indo embora juntos, se beijariam na porta da casa de algum e talvez tivessem um caso de uma semana ou mais, que terminaria em constrangimento, com ela aborrecida colocando para tocar na jukebox do happy hour da semana seguinte “You’re So Vain” fazendo toda a questão do mundo que ele ouvisse e entendesse que era tudo para ele.

Não havia razão para tudo isso. Coisa boa é flertar. Os dois não confessavam um para o outro, mas tinham um enorme fraco por canções de Roberto Carlos.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

De geração pra geração


Estava eu deitada na cama, nas últimas páginas do livro, e Mariana, minha prima de sete anos, no colchão aos meus pés, com a cara metida num grosso e antigo volume de Reinações de Narizinho. Ela percebeu que eu a observava e sentou-se do meu lado na cama, com a cabeça encostada no meu ombro, acompanhando minha leitura.

"Você gosta desse livro?" "Sim" "Tem vários filmes dele, né?" "Aham" "Eu nunca vi nenhum, nem li nenhum dos livros" "Ah, mas você vai ler sim, quando chegar a hora." "E quando é a hora?" "Não sei, eu li o primeiro quando tinha uns oito anos mais ou menos" "Oito? Então eu quase posso ler. Eu tenho sete!" "Mas é claro que você vai ler, eu vou te dar de presente, todos eles, um por ano, que tal?" "Porque só um por ano?" "Ah, Mariana, porque esperar é mais legal, e também pra fazer mais sentido." "Mas não é ruim ter que esperar?" "Mas a expectativa faz parte do negócio, meu bem, dá uma ansiedade gostosa e quando finalmente chega a hora de ler, você termina o livro em menos de uma semana." "Menos de uma semana? Um livrão desse tamanhão?" "Aham, pra você ver como é legal!"


Foi aí que eu tive oito anos de novo, e estava numa cama de casal dum quarto de hotel de Porto Seguro, dividindo O Prisioneiro de Azkaban com meu primo. Me lembrei dos pesadelos recorrentes que eu tinha com Sirius Black, como se o próprio estivesse a solta e querendo meu sangue; depois, o alívio, o carinho enorme que sentia pelo bruxo injustiçado, como se ele fosse ambém meu próprio padrinho recém-descoberto. Depois lá estava eu, juntando minha mesadinha pra entrar na livraria e sair de lá com o livro mais grosso que eu já lera, a capa verde com um garoto de óculos redondos e cicatriz em forma de raio na testa, segurando um ovo de ouro. "Você vai ler esse livro desse tamanho?" - me perguntavam, incrédulos. E então naquela viagem de carro, no meio da noite, eu lendo com a luz precária do celular do meu pai, sentindo um medo tão forte daquela criatura que então voltava a ganhar o corpo, "Osso do pai, dado sem saber, renove seu filho. Carne do servo, dada de bom grado, reviva seu mestre. Sangue do inimigo, tirado à força, reviva seu oponente.", aquela criatura branca, de cara ofídica e olhos vermelhos, "então é assim que ele é", eu pensava comigo cheia de medo, evitando olhar pela janela com medo de ver aqueles olhos terríveis a espreita.

Nos seguintes volumes e anos que se seguiam, uma genuína birra surgida pelo personagem principal e a total indisposição que sentia do quinto livro, ainda mais depois da grossas lágrimas derramadas nas páginas, deixando-as enrugadas ao ver morrer meu personagem favorito. O envolvimento total no penúltimo da série, mais lágrimas que escorreram diante da morte daquele que sempre trouxe segurança mesmo quando tudo ia mal. E no volume final, o corpo tenso na cadeira diante de cada fuga, cada briga, cada mistério sendo resolvido, o estômago que se revirava com medo de que mais personagens - que agora já eram meus amigos - queridos fossem embora, e todas as lembranças de como as coisas eram felizes no começo. Harry, que ainda era fofo e legal, Rony com medo de aranhas e quebrando a varinha, a frase clássica de Hermione Granger, ainda dentuça e descabelada, "É Leviosa e não Leviosáá"... Todas as madrugadas que passei lendo, todas as horas que gastei nas filas de estreia, as fanfictions lidas para apaziguar a ansiedade até que o próximo volume fosse lançado, todas as intermináveis conversas, as aulas que dispensei sem dó para ler um pouquinho mais...

E aí as pessoas me veem de novo com o calhamaço surrado laranja nos mãos e dizem, "Mas tá lendo Harry Potter de novo?" e eu não tenho a mínima vergonha de dizer que, pomba, é claro que eu estou! Se hoje eu aprendi que algumas folhas e histórias fantásticas podem nos levar pra outras dimensões nunca antes imaginadas, foi porque naquela viagem de férias pra Porto Seguro eu larguei o que estava fazendo para entrar em Hogwarts, ganhar três novos melhores amigos e também um bocado de inimigos. Já lia antes disso, mas se aprendi a me desligar de tudo ao meu redor e me entregar completamente a uma única história, foi porque dei uma chance ao Menino-Que-Sobreviveu de me contar ao que veio. Se hoje, junto dos grossos e coloridos livros, existem na minha estante Jane Austen, Dostoiévski e Machado de Assis, J.K. Rowling me ensinou que quando se tem uma boa história e imaginação, nunca se está sozinho ou entediado.

Mariana já tinha dormido quando li a última página, e depois o epílogo. E agora, José? A luta terminou, as fagulhas verde e vermelha das varinhas se apagaram, a cicatriz não doía há dezenove anos e tudo estava bem. Não era a primeira vez que lia aquelas páginas, nem a primeira que constatava a presença do fim, mas nunca é fácil, nunca é normal e o vazio nunca deixa de se manifestar. E agora, Joanne Kathleen, o que fazer?

Aniversário de Mariana é em dezembro e estou aqui no Submarino, vendo o exemplar d'A Pedra Filosofal olhar tentadoramente para mim. Dizem que Harry Potter foi o marco de uma nova geração de leitores, mas não serei egoísta o suficiente de querer esse mundo mágico só pra mim.


domingo, 31 de outubro de 2010

Pausa pro jabá


Interrompemos nossa programação para a auto-promoção obrigatória gratuita:

Há mais ou menos dois meses estou envolvida num novo projeto de blog, totalmente diferente da proposta do So Contagious. Estou nessa empreitada com duas amigas muito queridas, que vocês já leem bastante a respeito aqui, Naná e Isabela (que são umas desnaturadas e abandonam seus respec-tivos blogs), e nesse meio tempo estivemos metidas em convenções via MSN, troca frenética de e-mails, busca insana por inspiração e é até estranho pensar que as coisas vão começar pra valer agora, porque pra mim o blog já existe faz tempo.

Opposite Way é o lugar onde vou falar sobre um lado meu que não é abordado aqui no blog, que é o meu lado, digamos assim, espiritual. Quem me conhece melhor sabe que sou cristã, frequento igreja e há muito venho sentindo a necessidade de um espaço onde possa compartilhar algumas coisas a respeito disso, e essa é a proposta do Opposite Way. Não queremos, através dele, doutrinar ninguém, dizer o que é certo e o que é errado. Somos três amigas de ideais e ideias parecidas que desejam compartilhar com o mundo aquilo que é a essência das nossas vidas. Buscamos abordar o assunto de um jeito que seja diferente dos esteriótipos e clichês que existem aos montes por aí afora, e tentar mudar a imagem negativa que os "crentes" tem por aí.

Se você se interessa pelo tópico, partilha certas convicções, tem vontade de conhecer mais, ou é simplesmente curioso, convido você a dar uma passadinha por lá. O primeiro post foi escrito por mim, e creio que ele resume nosso propósito através dele. Certinho?

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Pessoas que não são bonitas mas são

Vinícius querido que me perdoe, serei obrigada a contradizê-lo em um de seus mais famosos versos, aquele que diz "As muito feias que me perdoem/ Mas beleza é fundamental", no poema "Receita de Mulher". Sou obrigada a discordar sobremaneira porque volta e meia topo por aí com pessoas cuja incalculável imperfeição contitui-se na coisa mais bela e mais perfeita de toda a Criação inumerável, novamente citando o Poetinha.

Não serei protagonista de Malhação ao ponto de dizer que, ao adentrar num ambiente diferente com rostos desconhecidos, não vá deter o olhos primeiramente naqueles que despontam pela beleza, seja dos olhos, do sorriso, dos ombros largos ou do conjunto em si que me parece muito agradável. Andando na escola meus olhos param mesmo é no rosto de desconhecidos colegas adoráveis, nos de cabelo bagunçado, cara de sono e sorriso enorme, não existe nada que prenda tanto minha atenção como as características enumeradas. Entretanto, sou capaz de ver os caras mais lindos do mundo naqueles rostos que, a priori, passam despercebidos. Se é charme, se é encanto a segunda (ou terceira, ou quarta) vista, ou se é só mesmo a famigerada beleza interior que desponta, não sei, mas sei que o mundo está recheado de pessoas que não são bonitas mas são.

Podem reparar, sempre tem aquele cara que você nunca botou fé, nunca parou pra reparare aí, de repente não mais que de repente, ele diz alguma coisa muito interessante, ou apenas demonstra ter um papo legal, dá lugar pra velhinha no ônibus, escreve uma coisa bonita, sorri assim de canto de modo a retirar o brilho de todas as estrelas do céu, lê seu livro favorito ou qualquer outra coisa digna de nota e pronto, de um tribufu ignorável ele passa a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto/Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.

O contrário infelizmente também ocorre, quando aquela pessoa antes tida como bonita de verdade, dessas que você, se a visse num lugar desconhecido cheio de rostos desconhecidos, pararia o olhar de primeira, faz algo e toma atitudes que acabam por enfeiá-la, a pobre. E os responsáveis por esse retrocesso no campo da beleza posta pelos olhos de cada um podem ser vários, desde um português errado, uma opinião controversa, o fato de ter uma postura realmente reprovável ou até mesmo confundir francês com galego-português. A verdade é que assim como pequenos gestos dão beleza aos feios, pequenos tropeções são capazes de fazer qualquer Jude Law virar o Costinha.

E sabe, nem é (só) de charme que eu falo. Aquele do olhar, da postura, do tom de voz, aquele que faz a gente olhar o Bogart carrancudo em Casablanca e querer casar com ele na hora, que nos faz querer largar tudo e dançar cheek to cheek pra sempre com Fred Astaire e fugir pra Oviedo com o Javier Barden. Falo daquele mais sutil que nem os dotes de dança ou um sotaque latino perigoso é capaz de dobrar, aquele que vem de gente que olha nos olhos, tem opinião formada e sabe das coisas sem ser mala.

Isso sim, os feios estrábicos ou de olhos verdes e corpo escultural que me perdoem, mas é fundamental.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SimuNa 2010

Eu sou aquele tipo de pessoa que na hora do oba-oba se envolve em um monte de atividades e depois, quando precisa arcar com as responsabilidades delas, fica louca, estressada, se arrepende amargamente de ter se envolvido e jura nunca mais se meter com nada, nenhuma atividade extracurricular e organização de qualquer coisa que seja. A verdade é que até a manhã de quinta-feira eu estava amaldiçoando o dia em que resolvi me inscrever pro SimuNa, que é um simulado de relações internacionais organizado pela escola que eu estudo. Nessa atividade nós alunos viramos representantes de diversos países e nos reunimos em diversos comitês para discutir as questão em pauta de cada um. Por quatro dias deixamos de ser nós mesmos para sermos os senhores e senhoritas Delegados(as), abraçando e defendendo uma cultura e política diferentes das nossas, que nem sempre estamos de acordo.

E olha, mesmo cansada e esgotada depois dessa maratona, digo que me arrependo, hoje, do dia em que eu declarei que só iria participar porque já tinha pago minha inscrição. Foi tudo muito, muito legal! Meu comitê era o do Conselho de Direitos Humanos, que estava se reunindo para discutir as práticas de tortura no mundo. Bem, eu representava a China. Num comitê contra a tortura. Sabe, a expressão "tortura chinesa" não existe por acaso. A China é um país que até hoje tortura pessoas a torto e a direito, com respaldo do PCC, que além de tudo encobre esses casos,á que a legislação chinese proibe a tortura.

No começo estava morrendo de medo, por razões óbvias. Repetindo: eu era a China, num comitê de Direitos Humanos, discutindo sobre a tortura. Existia um alvo desenhado na minha testa. Pra mim o mais legal nessas simulações é você ser obrigada a defender uma coisa que você não aceita ou acredita. É necessário que você abrace completamente a visão do país, eu entrava naquela sala e não era mais a Anna Vitória, defensora da paz mundial cujo lema de vida é "all you need is love", mas sim a senhorita Delegada da República Popular da China que acreditava na tortura como método de manter a unidade social de modo a proporcionar estabilidade política e social assim como o desenvolvimento econômico, que se dizia a favor dos Direitos Humanos, assinava documentos a respeito mas não aceitava qualquer tipo de interferência ou fiscalização externa em seu país.

Meu comitê possuia delegações orientais muito fortes, e logo formamos uma aliança nos atendo a esse argumento acima, além daqueles países árabes que também podiam fundamentar suas posições através do Alcorão. Apesar de ter vários parceiros, muitas vezes eu me desesperava para buscar argumentos e propostas que poderiam diminuir as práticas de tortura de forma prática e eficaz, e ao mesmo tempo impedindo a ação de qualquer órgão internacional para a fiscalização. É um exercício e tanto de retórica, de pense rápido e também um tanto de cara de pau, uma vez que muitas vezes o país se contradiz em suas posições, outros países percebem isso e te cobram e, bem, você tem que fingir que não ouviu ou se valer de uma justificativa bem babaca. No final, a proposta de resolução que elaboramos ficou muito boa de acordo com tudo o que havíamos discutido, mas foi extremamente inútil. Tinha caráter recomendatório, respeitava as Constituições de cada país (ou seja, aqueles países que legalizavam a tortura não tinham com o que se preocupar), e se fosse numa situação verdadeira, poderíamos dizer que acabou em pizza.

Foi uma experiência muito bacana, que eu recomendo a todos vocês que gostam desse tipo de atividade, se tiveram a oportunidade, não se deixem levar pela preguiça de ter que fazer estudos extras (a preparação é primordial), fazer os trabalhos, ou pensem que vai ser perda do final de semana, de tempo livre ou coisa assim. Sábado eu fiquei na escola das 9h às 20h30, com pausa apenas pra almoço e café da tarde, com três sessões de 3 horas de duração. Parece muito, mas na hora, no calor da discussão, o tempo voa. Sem falar que você aprende um monte, passa a enxergar culturas diferentes com muito mais tolerância e dar muito mais valor e crédito a elas - por mais que alguns aspectos sejam bizarros de acordo com o que está habituado - e além disso você aprende a argumentar, debater, manipular e a falar em público com linguagem rebuscada e diplomática. E se diverte muito, por que não? O evento acabou a poucas horas e já estou morrendo de saudades de tudo, por mim tinha haveria um SimuNa a cada duas semanas!

E ainda é uma ótima desculpa pra passar quatro dias usando trajes formais, coque, pérolas, pretinhos básicos, meia calça, sapato de salto, batom vermelho, terninhos e camisas!

(Até que eu faça um apanhado geral das conclusões do formulário, vocês ainda podem ser fofos e deixarem suas opiniões! Aqui!)