Estava eu deitada na cama, nas últimas páginas do livro, e Mariana, minha prima de sete anos, no colchão aos meus pés, com a cara metida num grosso e antigo volume de Reinações de Narizinho. Ela percebeu que eu a observava e sentou-se do meu lado na cama, com a cabeça encostada no meu ombro, acompanhando minha leitura.
"Você gosta desse livro?" "Sim" "Tem vários filmes dele, né?" "Aham" "Eu nunca vi nenhum, nem li nenhum dos livros" "Ah, mas você vai ler sim, quando chegar a hora." "E quando é a hora?" "Não sei, eu li o primeiro quando tinha uns oito anos mais ou menos" "Oito? Então eu quase posso ler. Eu tenho sete!" "Mas é claro que você vai ler, eu vou te dar de presente, todos eles, um por ano, que tal?" "Porque só um por ano?" "Ah, Mariana, porque esperar é mais legal, e também pra fazer mais sentido." "Mas não é ruim ter que esperar?" "Mas a expectativa faz parte do negócio, meu bem, dá uma ansiedade gostosa e quando finalmente chega a hora de ler, você termina o livro em menos de uma semana." "Menos de uma semana? Um livrão desse tamanhão?" "Aham, pra você ver como é legal!"
Foi aí que eu tive oito anos de novo, e estava numa cama de casal dum quarto de hotel de Porto Seguro, dividindo O Prisioneiro de Azkaban com meu primo. Me lembrei dos pesadelos recorrentes que eu tinha com Sirius Black, como se o próprio estivesse a solta e querendo meu sangue; depois, o alívio, o carinho enorme que sentia pelo bruxo injustiçado, como se ele fosse ambém meu próprio padrinho recém-descoberto. Depois lá estava eu, juntando minha mesadinha pra entrar na livraria e sair de lá com o livro mais grosso que eu já lera, a capa verde com um garoto de óculos redondos e cicatriz em forma de raio na testa, segurando um ovo de ouro. "Você vai ler esse livro desse tamanho?" - me perguntavam, incrédulos. E então naquela viagem de carro, no meio da noite, eu lendo com a luz precária do celular do meu pai, sentindo um medo tão forte daquela criatura que então voltava a ganhar o corpo, "Osso do pai, dado sem saber, renove seu filho. Carne do servo, dada de bom grado, reviva seu mestre. Sangue do inimigo, tirado à força, reviva seu oponente.", aquela criatura branca, de cara ofídica e olhos vermelhos, "então é assim que ele é", eu pensava comigo cheia de medo, evitando olhar pela janela com medo de ver aqueles olhos terríveis a espreita.
Nos seguintes volumes e anos que se seguiam, uma genuína birra surgida pelo personagem principal e a total indisposição que sentia do quinto livro, ainda mais depois da grossas lágrimas derramadas nas páginas, deixando-as enrugadas ao ver morrer meu personagem favorito. O envolvimento total no penúltimo da série, mais lágrimas que escorreram diante da morte daquele que sempre trouxe segurança mesmo quando tudo ia mal. E no volume final, o corpo tenso na cadeira diante de cada fuga, cada briga, cada mistério sendo resolvido, o estômago que se revirava com medo de que mais personagens - que agora já eram meus amigos - queridos fossem embora, e todas as lembranças de como as coisas eram felizes no começo. Harry, que ainda era fofo e legal, Rony com medo de aranhas e quebrando a varinha, a frase clássica de Hermione Granger, ainda dentuça e descabelada, "É Leviosa e não Leviosáá"... Todas as madrugadas que passei lendo, todas as horas que gastei nas filas de estreia, as fanfictions lidas para apaziguar a ansiedade até que o próximo volume fosse lançado, todas as intermináveis conversas, as aulas que dispensei sem dó para ler um pouquinho mais...
E aí as pessoas me veem de novo com o calhamaço surrado laranja nos mãos e dizem, "Mas tá lendo Harry Potter de novo?" e eu não tenho a mínima vergonha de dizer que, pomba, é claro que eu estou! Se hoje eu aprendi que algumas folhas e histórias fantásticas podem nos levar pra outras dimensões nunca antes imaginadas, foi porque naquela viagem de férias pra Porto Seguro eu larguei o que estava fazendo para entrar em Hogwarts, ganhar três novos melhores amigos e também um bocado de inimigos. Já lia antes disso, mas se aprendi a me desligar de tudo ao meu redor e me entregar completamente a uma única história, foi porque dei uma chance ao Menino-Que-Sobreviveu de me contar ao que veio. Se hoje, junto dos grossos e coloridos livros, existem na minha estante Jane Austen, Dostoiévski e Machado de Assis, J.K. Rowling me ensinou que quando se tem uma boa história e imaginação, nunca se está sozinho ou entediado.
Mariana já tinha dormido quando li a última página, e depois o epílogo. E agora, José? A luta terminou, as fagulhas verde e vermelha das varinhas se apagaram, a cicatriz não doía há dezenove anos e tudo estava bem. Não era a primeira vez que lia aquelas páginas, nem a primeira que constatava a presença do fim, mas nunca é fácil, nunca é normal e o vazio nunca deixa de se manifestar. E agora, Joanne Kathleen, o que fazer?
Aniversário de Mariana é em dezembro e estou aqui no Submarino, vendo o exemplar d'A Pedra Filosofal olhar tentadoramente para mim. Dizem que Harry Potter foi o marco de uma nova geração de leitores, mas não serei egoísta o suficiente de querer esse mundo mágico só pra mim.
Me sinto realmente privilegiado de poder ter crescido junto com o Harry, acompanhando livro por livro até o último, que eu não consegui esperar chegar no Brasil e li a tradução de fãs.
ResponderExcluirSeria ótimo se todas as crianças de hoje em dia entrassem em contato com esse mundo pottermaníaco, principalmente dos próprios livros que vão além dos filmes, ainda que agora elas podem ler a série toda em um mês e não tem toda aquela ansiedade pelo próximo volume. Um dos jeitos de driblar isso um pouco é a sua ideia, né, de dar um livro por ano pra Mariana.
É engraçado, quando eu li 'a pedra filosofal' jamais imaginei o sucesso que o bruxinho faria, foi realmente surpreendente...
bj
Aninha !!
ResponderExcluirVocê me fez chorar com esse post!! até porque também tenho todos os livros e filmes, estou guardando para dar os meus livros a Lara quando chegar a hora. Quero que ela sinta o que senti, que ela chore quando Dumbledore saia de cena que ela sinta a magia em cada pagina invadir e transformar o mundo dela, assim commo fez no meu mundo. Já li o reliquias 4 vezes... e todas as vezes como vc disse fica o vazio e agora? inclusive peço licença para utilizar algumas partes do seu post, eu tbm estava pensando esses dias em fazer um post a respeito até por que tá chegando o desfecho no cinema de toda uma geração como vc disse. Mas enfim desculpe o jornal por que quando o assunto é H.P eu fico empolgada e chorosa...rs!
**Para ver se ameniza estou lendo as Cronicas de Narnia.RS!
beijo grande !!
AimeuDeusdocéu. Eu ainda não li nenhum dos volumes de HP, mas eu PRECISO ler. Mas tem tantos livros na fila! :/
ResponderExcluirUm dia eu vou ler! Ah, se vou.
Achei linda a forma que você retratou sua paixãozinha.
E o que eu sempre digo às mães que têm filhos que gostam de ler: "nunca negue um livro, nunca!"
Beijos
Também cresci com HP. Comecei aos 12, juntamente com meu herói, e fomos crescendo juntos, com uns poucos meses de diferença. Chorei, sorri, senti um medo animal e dei muita risada com meu melhor amigo, quando todos os outros amigos não eram tão legais assim. Não eram tão mágicos.
ResponderExcluirMais que me ensinar a ler, Harry Potter me ensinou a escrever.
Não consigo imaginar, agora, o fim de tudo, e prefiro não ficar pensando nisso. Também, desisti de ler novamente o Relíquias da Morte, pois sei que vou sofrer. Já escrevi sobre isso, já tentei verbalizar, e tudo continua na mesma.
Tenho um sobrinho de 4 meses, e não vejo a hora de poder apresentar meu amigo para ele. Pra ele se divertir, se empolgar, se emocionar. Ou, ao menos, pra conhecer meu amigo, e pra não deixá-lo morrer esquecido.
A Anna, que texto lindo!
ResponderExcluirEu comecei a ler Harry Potter com 9 anos, e me frustei porque com 11, a minha carta não chegou. Não porque eu fosse idiota, porque no meu íntimo, é óbvio que eu sabia que ela nunca chegaria. Mas porque JK tornou tudo tão incrível e real, que enquanto lemos, é impossível não acreditar que existe um mundo de bruxos aprontando por aí e perseguindo incansavelmente um vilão, enquanto nós levamos somente nossa vida de trouxas.
Estou relendo o sétimo também, e assim como dá primeira vez, enrolando. Porque nunca estou preparada para o FIM, mesmo que eu já saiba dele.
=(
Beijos!
Presenteei meu querido Gabriel (o irmão mais novo) com os três primeiros volumes, que eram meus. Pena que ele ainda não descobriu os encantos de uma boa leitura...
ResponderExcluirOs livros que li de Harry Potter eram da biblioteca do colégio e por isso na minha estante mesmo só tenho o último. E agora que já li todos e tenho muitos outros mundos para ler, confesso que sinto uma preguicinha de ir a livraria e comprar livros que já li, só pra reler e gostar de novo.
ResponderExcluirE uma coisa engraçada em HP é que nem era preciso seguir a ordem para gostar. Eu comecei com A câmara secreta e, como você, tinha muito medo de olhar para algum canto e ver os olhos do basilisco me encarando.
Que saudade de uma série de livros que prenda tanto assim, e que seja da mesma qualidade. Crepúsculo não preencheu esse vazio que HP deixou =/
Beijos!
Que post mais gostoso de ler e fofo! Espero que Mariana goste dos livros e que passe a escrever bem como a prima, haha. Beijos.
ResponderExcluirCara, nunca li Harry Potter, vi uns dois filmes, acho... mas aqueles "quadros vivos" no (primeiro?) filme marcaram hahaha confesso que foi inovador e marcou mesmo uma época, marcou muitas vidas. Quem sabe perco a preguiça e começo, tardiamente como sempre, a ler os exemplares :)
ResponderExcluirAnna, não li nenhum dos livros de Harry Potter (comecei a ler o primeiro, mas desisiti). Isso, na verdade, foi culpa da minha imaginação extrema, que na época ou me fazia me perder dentro do livro e nem dormir ou me fazia me perder dentro do livro e tentar fazer a história do meu jeito...
ResponderExcluirMas você certamente me deixou com vontade de ler...
Nunca fui muito fã de Harry Potter, já vi todos os filmes e li os dois ultimos livros, mas não é nenhuma paixão. Não consigo me apegar a histórias que viram modinha sabe? Me irritam os fãs! rs
ResponderExcluirSou muito mais meus animes como InuYasha e Naruto! A sensação é quase a mesma, só que é assistido e não lido. *-*
Não que eu não goste de ler, longe disso, sou leitora fanática, só esse ano foram mais de 80 histórias devoradas! (pasme! rs)
Beeijos!
Nunca assisti, nem li algum dos livros de Harry Potter. E teimo em dizer que não gosto (:
ResponderExcluirBeijos
Cresci com HP, e nunca vou esquecer o dia em que chegou uma caixa linda com todos os livros dentro [tinha até o quarto só]. Adoro e adoro. Mas não admito pessoas que nunca leram nem nada, ficarem falando que não gostam...nem faz sentido né?
ResponderExcluirBeijo!
Engraçado, acabo de escrever uma crônica sobre essa forma que os livros infanto-juvenis tem de nos surpreender. Meus livros de infância também costumo passar para os pequeninos (primos diversos), é importante, incentiva a leitura. Gosto muito.
ResponderExcluirUm beijo.
Minha história com Harry Potter começou depois de A Pedra Filosofal ter lançado, você sabe onde foi, e quando foi. Durante todos esse anos, esse universo HP vem do meu lado, é tradição reler todos os livros todos os anos, as vezes fico pensando se quando ficar mais velho, os filmes e os livros não fazerem tanto sucesso, vou esquecer desse mundo, existe sim essa possibilidade não? Mas por mim, agora com 17 anos, Harry, Rony e Hermione vão estar sempre comigo, ou na tv, nos livros, no pensamento, na Poneylândia..
ResponderExcluirHP, faz parte de minha vida, e digo que sou Potterníaco com muito, muito orgulho!
beijos fofa.
Matheus Fernandes.
Que gracinha de post! Apesar de não ser fã da série, acho o máximo o interesse (especialmente dos pequenininhos) na história!
ResponderExcluirLindo post mesmo!
Camila F.
Acabo de chegar ao seu blog e de cara encontro esse post! Fantástico. Eu tinha uns treze anos quando o primeiro Harry Potter chegou no Brasil. Cresci com ele e passei por todas as etapas que você passou. Acho que isso é o ponto comum de todos os leitores de Harry...
ResponderExcluirE dê mesmo os livros de presente pra sua prima! Ela vai te agradecer pra sempre!
No mais, ótimo texto!
Harry Potter sempre vai está passando de geração em geração, vai se tornar,se é que já não é, uma série clássica. Eu ainda não li os livros, mas já pedi de aniversário, que também é em dezembro. :) Harry Potter é mágico. ♥
ResponderExcluirLindo, Anna! É muito bom que a Mariana tenha uma referência literária como você. O que seria de todos nós, sem uma boa história onde possamos nos refugiar e alimentar nossos sonhos? :-)
ResponderExcluirAmo HP e tô empolgada para ver o último filme. Pensei em reler todos os livros antes, mas não dará tempo.
ResponderExcluirBjitos!
always
ResponderExcluirNossa deu até um emoção lendo seu texto, e incrível como so uma pessoa que leu Harry Potter pode entender o que se passa na nossa mente, sempre leio os livros, não resisto em pegar todos e ler tudo de novo, e quando me vejo estou de novo rindo das mesma piadas que ja conheço tão, e no final sempre tem aquele vazio, uma tristeza, uma saudade dos velhos tempos, da espera pelo prosemo volume, e é como se espera-se até hoje.
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