domingo, 30 de setembro de 2012

Ode ao mar

Não vou à praia há três anos e acho que nunca passei tanto tempo sem ver o mar. Jamais pensei que fosse sentir tanta falta dele assim, já que, apesar de gostar muito de praia, não posso dizer que me encaixo no perfil praieira. Nem de guerreira, embora esteja solteira. Fico pra morrer quando alguém que mora no litoral me diz que passa meses, às vezes anos sem colocar os pés na areia a poucos quarteirões de casa, mas sei que seria assim também. Depois de uma semana, já não suporto mais praia. Sou alérgica a água do mar e tenho que ficar me lavando sempre que saio dele. Depois de uma semana, começo a ficar empipocada mesmo com as duchas. Odeio areia e odeio o fato de que mesmo saindo da praia a areia não sai de você. Sinto que tenho areia até na alma, e mesmo quando volto pra casa passo dias sentindo grãos imaginários me arranhando embaixo da roupa.

Apesar de todas essas certezas, meu nível de saudades do mar anda tão alto que consigo acreditar que viveria feliz à beira mar. Eu, a urbanóide, a vampira, a que vai pro parque vestida de preto com camadas grossas de repelente e protetor solar na pele e enormes óculos de sol no rosto, tenho tido o pensamento recorrente de que talvez morar no Rio possa ser mais legal que morar em São Paulo.

Não ajuda o fato de eu seguir muitos cariocas no Instagram e atualmente ter vários pedaços do meu coração morando na cidade. Ando encucada com o Rio de Janeiro. Nunca liguei muito para a Cidade Maravilhosa, até que de repente ela se tornou um destino necessário. Preciso conhecer o Rio, quiçá me mudar pra lá. Gosto de acreditar que minha vida seria tal qual a de um saudável personagem de folhetim global que caminha em volta da Lagoa todo dia cedo e que foge para a primeira faixa de areia que vê na frente sempre que tem a oportunidade. Dia desses a Rafinha, que mora em Vitória, postou uma foto com a vista que tinha da janela da sua escola: o mar, a orla. Simples assim. O que eu vejo da minha janela? Tenho até vergonha de mostrar.

Estou com saudades do mar e se ganhasse na mega-sena hoje, meu primeiro investimento seria em uma casa de veraneio. Não precisava ser em Cancun ou alguma ilhota hipster no mediterrâneo. Eu ficaria feliz com uma caixa de fósforos em Itamambuca, para onde eu poderia correr nos feriados e férias e viver a vida como se morasse dentro de um clipe do Little Joy. Acho engraçado que em algumas fases da vida a gente se rebela contra as ambições mais clichês e faz um esforço enorme para convencer a si mesmo e aos outros de que felicidade é explorar uma caverna ou conhecer os castelos do vale do Loire - e pode ser que algum dia estas realmente me pareceram ambições razoáveis -, mas o tempo passa e você percebe que na real o Forfun da pré-adolescência errada estava certo, e felicidade é um fim de tarde olhando o mar.

Há alguns dias eu sonhei com o mar. Eu entrava lá dentro, sentia aquela água gelada me engolir, e mergulhava. Eu ia nadando como se estivesse numa piscina e esperasse encontrar com a outra borda logo, mas não havia borda nenhuma além do horizonte. Era o mar e eu sentia movimento das ondas percorrendo meu corpo, oscilando pra cima e pra baixo daquele jeito gostoso que a gente sente quando passa por uma marola, mas, apesar disso, a água não era salgada e eu conseguia abrir os olhos embaixo dela, não enxergando nada além de uma água límpida, clarinha, de um verde azulado hipnotizante, como os olhos do Chico Buarque. E foi assim, o sonho todo, eu mergulhando no mar. Nunca fumei maconha, mas imagino que o barato deve ser mais ou menos esse. Estou necessitada de um banho de mar.

Por causa da greve, é bem provável que passe 2012 sem pegar jacarézinho e tomar infinitos caldos. Lembro de uma viagem à Bertioga, quando eu era bem pequena, tão nova que aquela visita à praia me parecia a primeira, porque era criança demais para me lembrar das outras. Assim que eu vi o mar fui correndo até ele e me sentei na beirada, pegando um restinho de onda e sentindo a maré puxar a água para trás, dando aquela sensação engraçada de que você está indo junto, e fiquei desesperada. Queria sair dali, mas ao mesmo tempo era tão lindo aquilo tudo. E toda vez que vou à praia e vejo o mar a sensação é a mesma: me jogo nas ondas, tropeço, levo capotes homéricos e me enrolo nas minhas próprias pernas em meio às ondas. Morro de medo de não conseguir firmar os pés no chão, mas não consigo não me entregar, por achar aquilo lindo demais. O mar mostra pra gente que Deus existe.

E como ele é bonito!







quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Seis motivos pelos quais eu vou morrer de saudades de Cheias de Charme

Sexta-feira acaba a novela mais divertida de todos os tempos e eu não sei o que será de mim sem a expectativa de chegar em casa todos os dias sabendo que viverei uma hora em que minha tv quase explode de tanta cafonice genial e tecnobrega. O fim de uma novela dói mais do que o final de um seriado querido porque, apesar da falta de episódios novos, você sempre tem a chance de reassistir ao último quando quiser - meu judiado box de The OC que o diga - já as novelas, bem, ficamos a mercê do Vale À Pena Ver de Novo.


Não costumo acompanhar as novelas das sete porque o tom delas nunca me atrai. A última que lembro de ter visto foi Cobras e Lagartos. Desde que Cheias de Charme foi anunciada, pensei com meus botões que aquela era uma proposta que poderia dar ou muito certo ou tão errado a ponto de nos fazer querer enfiar embaixo da mesa de pena da Taís Araújo. Felizmente a aposta da Globo foi certeira e por algumas meses acompanhamos um folhetim irreverente, divertidíssimo e que reflete o momento que estamos vivendo de forma muito pontual e ao mesmo tempo sutil. A seguir, uma breve listagem dos principais motivos que farão meu coração doer a cada dia que ligar a televisão e não me deparar com Chayene fantasiada de gorila cantando Voa, Voa, Brabuleta:

1 - Chayene

Cláudia Abreu tem Laura Prudente da Costa no currículo, e por mais difícil que seja competir com a cachorrona, fico muito dividida entre esta e Chayene quando penso no melhor papel de sua carreira. Ela se entregou totalmente à proposta e a personagem lhe serviu tão bem que fico me perguntando se ela vai conseguir sair do papel e da vida da rainha do eletroforró do Piauí. A construção e a composição foram impecáveis, do figurino exagerado, brilhante e colorido à casa fúcsia, o sotaque carregadíssimo e os bordões que emplacou. Apesar de ser a vilã da novela e ter passado a trama toda fazendo planos para derrubar as protagonistas, é impossível não torcer por Chayene e vai ser difícil demais esquecer dos momentos fantásticos vividos por ela, como naquele capítulo que ela pensou que tinha o poder de explodir as coisas ou quando tomou o chá de ferra-guela pela primeira vez e ficou brigando com Socorro com o auxílio de um megafone. Mais errado impossível, mais amor não encontro.


2 - Músicas e clipes fantásticos

Quando o primeiro clipe das Empreguetes vazou, eu estava num casamento. Vários amigos começaram a me mandar mensagens loucamente falando que era a coisa mais genial já surgida na internet e eu louca para conseguir fugir cinco minutinho e poder ver essa obra-prima. Assisti ao clipe no carro, logo quando saí da festa, e não conseguia parar de dar play. No dia seguinte, acordei cantando Vida de Empreguete. É mesmo uma coisa mágica, assim como todas as outras tosquíssimas e erradíssimas músicas de novela. Minha favorita sempre será a primeira, mas sigo amando com todo meu coração Voa, Voa Brabuleta e Só Me Vejo Contigo, que assim como a primeira tem um clipe absurdamente genial.

3 - O núcleo do Borralho

Com a nova classe média ascendendo para a posição de consumidora, a Globo abraçou de vez os núcleos do subúrbio, e se no horário das nove quem comanda é o Divino, em Cheias de Charme a graça está no Borralho. Com exceção de Chayene e Fabian, os personagens mais engraçados da novela estão lá: Sandro, Brunessa, Penha e sua família, o chopeokê, a Borralho Crew e o maravilhoso do Rodnei. Meu sonho é participar de umas das festas na laje da Penha. E por falar nela, decididamente o melhor papel da carreira da Taís Araújo, como não amar? Espalhafatosa, fala alto, chega causando com seus decotes e roupas justas no corpo irritantemente bonito de quem teve filho tipo ontem, e seu sotaque genial de suburbana. Sofria espasmos de felicidade sempre que a via descer o morro com seu tamanco de acrílico, mexendo com os caras que mexiam com ela, abusando da fluência de seu léxico requintado: QUE QUE TU TARRA FAZENDO LÁ? VOU TE FALAR UMA COISA PA VOCÊ. <3>

4 - Elano

Sabe príncipe encantado? Então. Menino bom, de levar em casa e apresentar pra avó? Então. Elano. A tonta da Cida só percebeu que ele era tudo que sempre procurou no rosto precocemente botocado do Jonatas Faro e não encontrou na última semana, mas eu percebi no primeiro capítulo. Bonito, inteligente, honesto, trabalhador, romântico, tímido, idealista e cadê a aliança com o nome dele gravado no meu dedo? Suspirei pelo Elano durante toda a novela, chorei horrores com seu discurso de formatura porque sou dessas, e vai me fazer uma falta enorme ter seus drops de fofura e romantismo diários, como na sua primeira tentativa frustrada de se declarar para Cida na qual ele apenas lhe deu Romeu e Julieta de presente de aniversário e disse que a dedicatória estava numa determinada página, aquela com a cena do balcão. Eu parindo quatro bebês ruivos e a pamonha da Cida sem entender nada. Ó mundo cruel.


5 - Os dramas da Dra. Lygia

Dra. Lygia foi a personagem que mais sofreu nessa novela. Faltam dois capítulos para o fim, e só ontem que a vida dela começou a melhorar um pouquinho. Ainda assim, dra. Lygia não faz o tipo Sol ou Maria do Bairro que fica choramingando pelos cantos com pena de si mesma. Dra. Lygia, a tubaroa, é guerreira e é isso que faz doer mais ainda ela se ferrar tanto. Em uma fase da trama, a coitada se viu numa cama de hospital a ponto de morrer, tendo de lidar com o filho rebelde que fugiu de casa com o carro, com o fato de estar desempregada e além de tudo ser casada com um espanhol que adereçava sua cabeça com deselegantes chifres. Vira e mexe me pegava comentando com meus amigos, como se falássemos de alguém real: como é que a dra. Lygia vai sair dessa? Espero que seu final seja épico e que ela feche a novela rica, feliz e do lado de um cara absurdamente bonito e fantástico. #FREEDRALYGIA


6 - O frango Fabian

Cheias de Charme provocou em mim ímpetos diversos de correr para abraçar a televisão, mas nada se compara ao dia em que vi diante de mim a cena do frango Fabian. Para os que não acompanhavam, Chayene passou toda a novela tentando conquistar Fabian, o príncipe das domésticas, um cantor meio Luan Santana meets Ricky Martin, genialmente interpretado pelo Ricardo Tozzi. Chay costumava chamá-lo de frango ou galetinho e um dia sonhou com ele. Mas não foi um sonho qualquer. Ela estava possessa de raiva porque ele, além de não lhe dar trela, arrastava asa para sua arqui-inimiga, Rosalba Rosário. No sonho, Chayene, em sua pose de prima-dona de sempre, pedia que lhe trouxessem Fabian, e eis que seu súdito aparece com uma mesa, sobre a qual havia um prato coberto. Eu realmente pensei que fosse aparecer ali a cabeça de Fabian, com uma maçã na boca, pronto para ser devorado, e isso já seria brilhante, mas não. Havia ali um frango assado, com a cabeça de um Fabian agonizante posta ali por meio de uma montagem tosquérrima. O tipo de coisa que eu só não ficaria surpresa de ver num filme do David Lynch. Para quem duvida, eis o vídeo com a cena completa


MELHOR. NOVELA. EVER.

domingo, 23 de setembro de 2012

Enfim 18 anos

Olá querido leitor cheio de consideração que me acompanha nesse périplo chamado vida e está encucado com o título desse post. Fiz 18 anos no dia 26 de fevereiro, mas foi só nessa última sexta-feira que me senti totalmente digna da maioridade que carrego nas costas. Já me matriculei na faculdade, abri uma conta no banco, tirei título de eleitor e estou tirando carteira de motorista, mas até então as coisas estavam apenas chatas, não tinha graça ter 18 anos. Querido leitor que já imagina que contarei aqui sobre alguma noitada deveras infame - que não tive - regada a bebida alcoólica comprada com minha própria face lavada de pessoa maior de idade que faz isso porque pode, vá tirando seu cavalinho da chuva, também não foi nada disso. 

Eu posso não ser baladeira, posso achar dirigir um saco e posso ser uma pessoa 24/7 sóbria, mas se tem uma coisa que eu gosto é de ir a shows e senti que finalmente comemorei minha maioridade no maior sentido rito de passagem da coisa na última sexta-feira, vendo o Vanguart. Já fui em outros shows enquanto ~novinha~, mas o fato de ser Vanguart tem toda uma história por trás. Eles adoram tocar aqui nessa cidade bonita em que habito, e eu consegui a proeza de não tê-los visto nem uma vez por ser menor de idade. Os lugares aqui são bem chatinhos com essa coisa de idade pra entrar nos shows e já tive diversos embates com o juizado de menores local, passando pela agradabilíssima experiência de, além de ter minha entrada bloqueada, ter que ouvir sermão de juíza que achou que eu usava uma maquiagem muito forte pra minha idade. Mereço. Como também nunca tive coragem de entrar usando documentos alheios e muito menos de fazer um documento falso, fiquei sofrendo no cantinho. Até sexta.

Porque sexta, queridos leitores, o Vanguart veio. Eles vieram e eu fui vê-los e foi mágico. Rolou toda uma alegria egoísta já na entrada, quando entreguei meu RG pro segurança e ele nada disse, e eu ali caladinha me sentindo tão adulta, sem coragem de comentar algo, já que os amigos que estavam comigo, apesar de também recentes maiores de idade, já eram velhos de guerra nesse departamento. Então entramos e esperamos, esperamos e esperamos, pois eles tocaram num festival de música alternativa, e eu consegui até comer espetinho numa espera que me pareceu infinita. Então eles começaram a arrumar o palco, ligar os instrumentos, o guitarrista David apareceu para cuidar do som e por uma brechinha da cortina eu pude ver o Hélio Flanders.

Olá querido leitor que chegou aqui há pouco tempo e desconhece minha paixão por esse homem, deixe-me fazer um resumo breve: sou apaixonada pelo Flanders desde da primeira vez que botei os olhos naquela pinta que ele tem no rosto e nos cachinhos de seu cabelo. Pouquíssimas pessoas compartilham da minha paixão, porque existe um abismo entre ele e algum músico aceito majoritariamente como sendo digno de suspiros e gritos histéricos como, por exemplo, Brandon Flowers, mas eu não me importo. Porque concordo com todo o furor em torno de Mr. Flowers, mas defendo até o fim da vida meu amor pelo Flanders, porque ele é meu tipo. E ao vivo eu vi que é mais ainda. Magrinho, estreitinho, lindinho, neném. Hélio, você é exatamente da forma como sempre imaginei, e não sei se é porque eu já assisti ao dvd da  sua banda tantas vezes, mas quando te vi ali, distante de mim apenas por uma grade, parecia que eu estava te vendo pela TV.


O que dizer sobre o show? Que foi lindo? Que morri diversas vezes? Que acordei sem voz? Que estou desolada por não ter o Flanders na minha vida? Sim, podem anotar tudo isso. Eles tocaram todas as músicas que mais gosto, alternaram entre os dois cds e contemplaram o melhor de todo seu trabalho até agora. Fiquei sem ouvir algumas músicas da minha lista de favoritas, mas nem esperava por elas. São antigas e pouco populares, não faziam o perfil de set-list curtinho de festival. Mas foi lindo porque teve "O Mar", "Enquanto Isso na Lanchonete", "Onde Você Parou", "Para Abrir Os Olhos" e eu pude gritar LOOOOOOOOOOOOOOOUUUUUUUCAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA loucamente ouvindo "Mi Vida Eres Tu". Só que, contrariando minhas expectativas, meu coração se despedaçou mesmo quando eles tocaram "O Que A Gente Podia Ser", porque descobri que não tenho estrutura emocional para estar frente a frente com Flanderzinho cantando cheio de charminhos - ah, sim, ele é o rei de charminhos no palco e eu gosto de acreditar que trocamos olhares ao longo do show - "parece piada mas hoje fez dez anos desde a última vez que te olhei nos olhos, e não tem remédio, não tem cigarro que acalme o diabo de pensar no que a gente podia ser". 

Eu juro que um dia farei uma resenha sóbria pra algum show que fui. De resto, pra vocês que ainda habitam por esse pantanoso terreno das pessoas que não conhecem Vanguart, deixo algumas das minhas músicas favoritas do sensacional último cd deles, tão triste, tão lindo, tão poético até no nome: Boa Parte de Mim Vai Embora. Ah Flanders, uma parte boa de mim foi embora com você no dia 21.



sexta-feira, 21 de setembro de 2012

I'm not crazy, my mother had me tested - literalmente

Há pouco mais de um mês adentrei no curioso universo das pessoas que querem tirar carteira de motorista no estado de Minas Gerais. 

Tudo começou em agosto, quando fui fazer os exames médico e psicológico. Tava um pouco apreensiva quanto ao último, que todas as pessoas que eu conheço me disseram que incluía uns testes de coordenação motora com direito a você ver luzinhas e ter que apertar botões e pedais correspondentes. Eu, como representante da categoria de pessoas incapazes de feitos como comer e andar ao mesmo tempo - ou eu tropeço ou eu babo -, tinha razões para temer. No entanto, jamais imaginaria que um resultado abaixo da média, como foi o meu, poderia vir depois de uma prova tão estúpida como foi a minha. Sou obrigada a concordar que meu resultado ruim no teste de atenção teve lá sua razão: posso não ser a Milena, mas moro na lua do ladinho dela. Quanto ao resto, risos eternos.

A psicóloga leu o resultado do meu exame e fiquei pensando que se eu fosse mesmo tudo aquilo que ela estava dizendo, não deveria ter um carro na mão de jeito nenhum, jamais. E tudo aquilo foi concluído após algumas perguntas profundas como: qual a cor que predomina no seu guarda-roupas? qual o desenho mais bonito e por quê? Por que você foi dormir tão tarde ontem? (Imagina se eu tivesse dito: Dra, a culpa é da Máfia!). Para completar, quando segui para o exame médico, minha pressão estava tão baixa que a médica me contou que se eu não estava caída dura no chão era porque meus batimentos cardíacos eram bons. Que bom, doutora. Fico feliz em saber. 

Meus pais ficaram ofendidíssimos com o resultado e eu satisfeitíssima por não ter reprovado. Pessoas que reprovam no psicotécnico viram anedota instantânea na boca de todos que as conhecem e meus amigos se regojizariam em contar que eu não podia dirigir por motivos de inaptidão mental. Só isso é mais minha cara do que ter uma carta de motorista com uma restrição do tipo X. Isso significa que tenho que provar ao DETRANMG que não sou doida com uma periodicidade maior que as pessoas ~normais~ e não posso dirigir motos.

Agora estou passando pela penosa etapa das 45 horas obrigatórias de aulas teóricas. Essa temporada na auto-escola, que já dura duas semanas, tem feito com que eu me sinta mais Charlotte do que nunca. Meus colegas de classe são assustadoramente interessados nas leis de trânsito, participam das aulas, fazem perguntas, contam histórias... Você pensa que já viu de tudo na vida até que se depara com um grupo de pessoas que debate animadamente as regras de preferência nos cruzamentos. São todos tão aplicados que me sinto extremamente constrangida por passar a aula toda lendo ou conversando no Whatsapp com alguém. Sinto que todas as vezes que vou até a mesa do professor registrar minha presença no sistema biométrico ele me olha com pena, pensando que serei daquelas que vai ter que fazer o exame teórico umas três vezes.

Queria muito ser uma dessas pessoas taradas por carros, loucas para ter sua carta em mãos logo. Sinceramente, estou fazendo isso agora porque sei que se deixar pra depois, terei filhos antes de pisar numa auto-escola. Claro que muitas vezes já quis desesperadamente saber dirigir, sobretudo naqueles dias em que deixei de fazer alguma coisa por falta de ter alguém para me levar e/ou me buscar, sendo que havia um carro parado na garagem. No entanto, essas situações são raras e na maior parte das vezes eu sou a pessoa que não se interessa por carros, odeia trânsito e não se incomoda nem um pouco de pegar ônibus. Esse meu desinteresse torna insuportável ter de ficar mais de dois turnos assistindo àquelas aulas. Da única vez que tentei, tive a nítida sensação de que implodiria de tanto tédio. E pensar que tem gente que passa manhã, tarde e noite naquele lugar!

Pior que essas aulas, só mesmo passar três horas trancafiada numa sala assistindo aos clipes da Lana del Rey. Ou isso ou as aulas práticas, que me aguardam dentro de algumas semanas. Vamos acompanhar.


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Such a heavenly way to die (19/29)

Mesmo com a visão embaçada, olhei pela janela e vi. Uma mulher. Eu já a havia visto antes, mas não conseguia me lembrar direito. Ela sorria de um jeito maníaco e parecia completamente satisfeita com alguma coisa. Entretanto, antes de tudo ficar escuro e antes de eu desmaiar nos braços de Alex, um nome veio à minha mente e quis morrer por não conseguir proferí-lo para o meu amor antes de perder os sentidos: 
“Camila”.

E foi assim que cheguei aqui. Quando abri os olhos os braços de Alex não me seguravam mais e fazia um frio danado. Não sei quanto tempo se passou desde que eu perdera a consciência, mas sei que não havia gostado do que esse lapso havia feito comigo. Antes de desmaiar eu estava deitada com ele, ouvindo-o falar sobre algo que poderia fazer com que eu amasse ainda mais, mantendo-o vivo, e agora eu estava nessa sala toda branca, digna de cenário de filme de terror dos anos 80 - de um jeito não bacana - ouvindo uma voz robótica dizer que vai me picar.

Obviamente aquilo que Alex injetou em mim não tinha nada de droga-do-amor-maior. Ele foi sabotado e eu sabia por quem. A solicitude de Camila me pareceu forçada desde o início, mas eu não conseguia culpá-la. Ela queria me usar porque seu irmão querido estava morrendo e eu era a algoz - francamente, eu entendo perfeitamente seus motivos. Sabe Deus que por Alex eu também mataria, ainda que algo me diga - em alto, bom e terrivelmente robótico som - que o que querem fazer comigo é bem pior que isso. De repente, a morte me pareceu um bálsamo benigno o qual eu nunca antes desejara com tanta força.

Eu ouvia sua voz me chamando mas não o via em lugar algum. Sentia seu cheiro mas não encontrava seus olhos. Esses robôs eram bons demais em tortura. Me lembrava de toda a nossa história linda enquanto a agulha se aproximava de mim. Não havia muito o que fazer. Se bem que...

Eu poderia morrer. É claro! Morte, o bálsamo benigno. Será que alguém já disse isso antes? Percebi agora que é poético demais pra eu ter conseguido pensar em meio a tanto desespero. Se eu morrer Alex morre também, mas se eu não morrer e ficar igual ele, não serei mais capaz e amá-lo, o que automaticamente converterá nós dois em escravos de alta tecnologia prontos para servir às ideias da mente maluca de Dr. Oliver. De repente, senti raiva do futuro. Antigamente era difícil pra caramba levar a vida sem todas as benesses que a tecnologia nos oferece, mas eu duvido que minha avó se preocupava em perder o amor da vida dela para uns cientistas malucos patéticos que querem viver pra sempre. Aliás, que ideia idiota essa de viver pra sempre. Eu ia morrer agora provando a esses doutores pretenciosos que eles passaram a vida se dedicando a uma bobagem das grandes.

Eu ainda tinha alguns segundos para pensar em tudo que perderia. Eu nunca mais veria Alex, nem meus pais, nem a Liloca. Quando Helena, Alice e Clarice se casassem eu não estaria lá, e certamente haveria um momento no meio de toda a felicidade que elas trocariam olhares e de repente sentiriam uma tristeza enorme as consumir, e naquela encarada cúmplice as lágrimas subiriam aos olhos e elas pensariam em mim. Eu realmente espero que esse momento ocorra. E eu também nunca iria me casar, o que é gravíssimo, já que eu nasci pra me vestir de noiva e observar Alex de olho em mim do altar, me achando a garota mais bonita do mundo. Aos seus olhos, eu era. Será que morrer dói? Será que vai dar certo? Não sei como eles conseguiram me dar uma brecha dessas, que muito bem poderia ser uma armadilha, mas fico pensando o que pode ser mais errado quando minha primeira opção é ficar aqui e virar uma zumbot.

Antes de fechar os olhos eu pensei em duas coisas: nos dedos dos pés gelados de Alex que me faziam despertar no meio da noite quando se encostavam nos meus e na sua obsessão pelo meu tornozelo. Ele costumava dizer que nunca vira um ser humano com tornozelos tão sensuais e charmosos como os meus - e eu pensava que a palavra ser humano estava ali pra fazer graça! Minha coragem voltou, porque o mínimo que que você pode fazer por um cara que te ama tanto a ponto de gostar dos seus tornozelos é morrer por ele.

Fechei os olhos e antes de agir, só por precaução - vai que, né? -, disse: Alex, te vejo do outro lado. 


Se acalme, querido leitor, você não entrou no blog errado. Se estou escrevendo ficção científica com direito a zumbots, espectros e reviravoltas bombásticas é porque no dia 15 a Máfia comemorou seu primeiro aniversário e para comemorá-lo em grande estilo resolvemos escrever uma história a 29 mãos. Desde o primeiro dia do mês um capítulo tem sido postado e se você quer saber como chegamos aqui, quem é Alex e, pelo amor de Deus, o que é um zumbot, basta seguir os links e ler a história desde o início. Para saber o que acontece depois disso, fique de olho no blog da Larissa, já que a bomba, dessa vez, estourará no colo dela.
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domingo, 16 de setembro de 2012

Doces rodopios

Três paredes lilases e uma amarela, com corujas estampadas. Corujas! Já vira gatos e cachorros, até conheço quem já tenha topado com uma maluca dos pôneis, mas é a primeira vez que vejo corujas de uma forma tão... pegaria muito mal se eu dissesse fofinha? Ela entrou em um outro cômodo e pediu que eu esperasse ali. Sentei-me na cama macia e me perguntei àquele deus que eu até então não acreditava onde eu havia amarrado meu jegue. Depois de dois segundos, pedi a Ele que não me deixasse sair dali com bicadas de coruja na cabeça. Elas pareciam me olhar desconfiadas, assim como todos aqueles livros ao redor, ao mesmo tempo opressivos e reconfortantes. Ela me contou que seu nome saíra de um deles.

Quis beijá-la por causa de seu nome. Todo mundo tem uma Camila, uma Ana e uma dezena de Marianas no currículo, mas eu queria ser o único a beijar uma Taryne. Pensei nisso desde o momento em que ouvi alguém gritar seu nome no meio da festa. Criei coragem para falar com ela quando a vi dançando sozinha. Costumava funcionar dizer a uma garota solitária na pista que era um disparate uma moça assim tão bonita estar sozinha, mas ela apenas gargalhou e disse que em seus autos constava que não havia nada demais em rodopiar consigo mesma. 

Resolvi entrar em sua onda. Tomei um gole daquela caipirinha de saquê de morango que ela segurava - DOCE! - e sem me importar se aquilo era ridículo, comecei a girar ao seu lado. Foi o suficiente para chamar sua atenção, e Taryne logo deixou o copo na mesa para tomar minhas mãos e, por minutos que pareceram suspensos no tempo e no espaço - de que ano mesmo é aquela música da garota que rola na areia e fica louca? - rodopiamos. Seus cabelos voavam e pude sentir o cheiro bom de seu perfume. Ela até disse o nome dele depois, mas agora não consigo me lembrar qual era. Tinha algo a ver com um buquê lilás. Será que ela era uma daquelas loucas para casar?

Ela era bem mais alta que a maioria das garotas e a saia rendada que usava lhe dava ares de elegantíssima e moderna princesa europeia. Pensei em lhe dizer isso, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa ela chegou mais perto e disse que eu tinha exatamente três mil horas pra parar de lhe beijar e assim eu ganhei a noite: em poucos segundos eu não estaria somente beijando uma Taryne, mas a Taryne que usou um dos versos mais sensacionais do Cazuza para mostrar a que veio. Prático assim E eu tinha guardado essa carta  na manga há tanto tempo...!

Ela finalmente apareceu no quarto, com um livro em mãos. Morangos Mofados. "Depois das bebidas doces, é um contraste interessante.". Sentou-se ao meu lado e logo recostou o corpo na cama, as pernas balançando pra fora, os pés quase tocando o chão. Conversamos. Estava abismado com a facilidade com que ela tagarelava, falando sobre seus livros favoritos e apontando para o lugar onde todos eles estavam nas prateleiras do quarto, e logo pulava para algo que eu não entendi lhufas sobre comunicação na era pós-moderna - como era mesmo o nome do cara? Lipovetsky? Dostoiévski? - e de repente perguntou para si mesma em voz alta o que teria acontecido na novela aquela noite. Rimos. Estava embasbacado com o fato de uma garota com corujas no quarto e unhas dos pés pintadas de lilás conseguir fazer piadas tão infames. Há quanto tempo estávamos de mão dadas?

Então Taryne me olhou séria, a mesma gravidade no olhar que flagrei quando ela apertou meu braço na escada-rolante do metrô. "Tô com sono, e o sono é meu soro da verdade, então eu vou dizer: tô morrendo de sono e acho que é hora de você ir.".

E agora estou a caminho de casa, segurando o livro que ela me emprestou e pensando no último beijo que não demos e em quantas horas eu ainda tinha, já que três mil é mais do que consigo imaginar. Se eu fechar os olhos, consigo me sentir rodopiando, como se o trem corresse em círculos embaixo da terra, no ritmo em que flutuavam os longos cabelos castanhos dela. Eu queria me casar com Taryne e seria capaz até de ter filhos com ela. Taryne seria a mãe dos meus três filhos, Luiz Carlos, Clarissa e Alice. Nunca havia pensado nisso e me assustei com a clareza dos meus sonhos, que me remeteram a um futuro domingo em que pintaríamos corujas num quarto de bebê.

Sei que é cedo para dizer isso e tenho amigos que acham que um homem jamais deveria dizê-lo, mas é quase de manhã, estou com sono e, como se sabe, o sono é o soro da verdade.


{Porque hoje é aniversário da Taryne de carne, osso, corujas e lilases, e eu escrevi a história de amor que ela merece viver. Parabéns, amiga. Espero que goste.

 Love, always, Bavis ♥}

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Minha primeira revista

Sempre que me perguntam quando mais ou menos eu decidi que faria jornalismo, ou até mesmo quando  ele entrou na minha vida, costumo responder que foi no meio do colegial. Até então, minha ideia de jornalismo era um tanto quanto abstrata, quando pensava nele - shame on me - a imagem que me vinha à mente era aquela que hoje eu arrepio por dentro quando vejo associada à grande paixão da minha vida: a bancada do Jornal Nacional. Essa ideia de descobrir tão tardiamente o que hoje é tão importante pra mim sempre me frustrou um bocado. É pecado querer ter uma resposta inspiradora para dar aos outros?

Felizmente, ontem eu me redimi. Comigo mesma e com todas as pessoas que ainda me farão esse fatal questionamento. Quer dizer, quem me redimiu, na verdade, foi a Anna Vitória de 2005, cheia de ideias na cabeça, um baú com muitas revistas e tempo de sobra para perder. 

Estava ontem na casa da minha amiga Anaisa e fuçávamos uma pasta de papéis antigos que ela havia juntado após fazer uma radical arrumação nos armários e gavetas de seu escritório. Daquela barafunda de muitos bilhetes trocados durante a aula em quase 10 anos de cumplicidade, vários desenhos feitos nas últimas páginas dos cadernos, cartas e até uma história em quadrinho feita por nós - a qual só não foi postada ainda porque o scanner resolveu brincar com nossa cara - , resgatamos a revista Princesa.

Na quinta-série, fizemos uma revista. Eu, ela e mais duas amigas. Era pra ser um trabalho de redação, mas algo me diz que extrapolamos, e muito, a proposta inicialmente feita pela professora. Ela deve ter pedido um revistinha qualquer, feito com uma folha A4 dobrada ao meio e letras recortadas de jornais e revistas e nós caímos de cabeça num projeto que prometia ser a revista adolescente mais legal do mundo. Uma das meninas do nosso grupo costumava pensar muito, muito grande e eu tenho uma tendência irrefreável de não resistir a empolgações tão sinceras e bacanas tal como a criação de uma revista só nossa. Me pergunto se por algum momento eu pensei que aquilo realmente poderia sair do papel e virar algo muito maior que uma edição única, ganhando o mundo, e a resposta é: até o último segundo.

Não lembro exatamente o prazo que tivemos para fazê-la nascer, mas sei que foi intenso. Decidimos que o tema central dela seria o mundo das modelos e pensamos em nossas pautas a partir daí. A amiga-que-pensava-alto era fã de Gisele Bündchen e escreveu um perfil sobre ela, que na verdade foi um recorte variado de informações encontradas em sites e outras publicações. Demos dicas sobre como seguir carreira de modelo e ainda entrevistamos algumas conterrâneas manequins.

Quando penso na forma como fizemos isso - ligando em todos os salões de beleza, estúdios de fotografia e lojas chiques da cidade perguntando se havia alguma modelo disponível para ser entrevistada - mal consigo acreditar na nossa audácia e cara de pau. Mais impressionante ainda foi termos, de fato, conseguido as entrevistas - vocês já ouviram a minha voz, né? Não só uma como umas cinco. Aos 11 anos não se tem absolutamente nada a perder - e você nem pensa sobre isso - e eu e a amiga deslumbrada tentamos invadir um hotel chique para fotografar uma exposição de jóias em exibição por lá. Esse episódio possui uma história particular enorme e engraçadíssima, e juro por Deus que em breve conto pra vocês. Todo um sacrifício para no final as fotos nem saírem na revista porque ficaram escuras demais.

Nem tudo foram flores. Como qualquer projeto jornalístico que se preze, no dia do nosso fechamento a redação da Princesa - o quarto da mãe de uma das meninas da equipe - foi palco de uma homérica briga de egos. Precisávamos de uma capa e duas meninas queriam capas diferentes. Por votação, dois votos contra um, a capa da Anaisa ganhou. Era claramente muito mais bonita e bem trabalhada: pintada de lilás com uma tinta a óleo que demorou dias pra secar completamente e um recorte amor de uma garotinha com tiara de princesa. Assoprando um pouquinho a mágoa da dona da outra, acabamos usando-a como contra capa, e olhando as duas ontem - não que fossem duas obras de arte - me pergunto o que a menina tinha na cabeça ao querer que a gente usasse a capa dela. Sem maldades ou rancores: era feia pra caramba.

E foi assim que nasceu a Princesa. Folheando-a hoje penso na coragem que tivemos para entregar para a professora uma coisa tão porca e esquisita e ao mesmo tempo na ingenuidade que nos levou a pensar que aquilo fosse a coisa mais legal do mundo. Por muitos meses foi mesmo. 

Então, se algum dia me perguntarem quando é que foi que pus na cabeça que iria contra tudo e todos ao me decidir por estudar Jornalismo, posso dizer que aos onze anos de idade já havia uma chama ali.


Diagramação pra quê, né?

História da beleza e cuidados com a pele, tudo ao mesmo tempo agora

COMIC SANS!!!

A capa da discórdia

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Manifesto pelo direito de gostar de Kit Kat


Gostaria de um dia poder ver girar ao contrário assim de leve a roda viva da história para flagrar o que veio a alavancar esse ímpeto maldito que temos de sermos tão chatos, principalmente na internet. Porque na vida real somos insuportáveis também, mas ah, a internet!, que ferramenta maravilhosa para dar voz àqueles pensamentos antes restritos às mentes pensantes que os arquitetavam!

Na época da internet várzea, moleque e pé no chão, tudo era novidade e ninguém sabia direito como agir. Assim sendo, nos comportávamos tal qual nossos ancestrais antes do advento das famigeradas convenções sociais. Pouco a pouco, os agentes do bom-sendo vieram nos alertar que opa, fotos tiradas em frente ao espelho com direito a cinquenta tons de duckface não eram legais da forma como nossos colegas pedreiros davam a entender nos comentários, assim como alertado foi que compartilhar literalmente tudo que se faz no Twitter não era de tão bom tom assim - amiga, ninguém quer saber que você está indo lavar seu cabelo.

Esses pequenos acordos de boas maneiras, no entanto, como mais ou menos tudo na internet, digievoluíram de forma potencializada e extremada, e o que temos hoje é um campo minado de não-me-toques em que os territórios bombardeados são mais volumosos que os neutros. Não importa o que você faça, diga, compartilhe, ouça ou assista, você estará pisando no calo de alguém e essa pessoa vai reclamar.

E nem é como se esse calo fosse algo como fotos de fetos abortados pipocando sem pedir licença na timeline, o que eu chamaria de um real joanete virtual, já que incomoda e é desrespeitoso pra valer. Hoje tem gente preocupada com a questão de você preferir Kit Kat ou Bis. Eu prefiro Kit Kat - e não me conformo quando dizem que é a mesma coisa que Bis, porque não é - e muito me incomodo quando leio por aí que todo mundo que também o prefere só o faz porque até ontem não se vendia dele no Brasil. Não que eu me importe ou deixe de dormir a noite, mas é um pé no saco topar com gente que com base nessa historinha sugere que gostar de um chocolate X é sinônimo de alienação ou supervalorização de importados. Aliás, o exército de urubus sebosos prontos para defecar suas regras em nossas timelines recriminam tudo aquilo que não pode ser classificado como alta cultura usando o argumento clássico da alienação. Novela, futebol, Gossip Girl e Harry Potter não te pertencem mais, mas não esqueça que gostar de Girls, tênis, Bergman e Camus é igualmente execrável, afinal, que tipo de pedante você é para achar que temos que aturar seus gostos sofisticados e nada mais?

Hoje tá difícil até gostar de Beatles. Quem é fã não foi esperto o suficiente para ver como eles foram superestimados pela mídia mainstream e aqueles que não veem tanta graça neles assim devem arder no mármore do inferno juntamente com todos aqueles hipsters cafonas com quem você gastou seu tempo bolando uma indireta para alertá-los do pecado imperdoável que é achar massa uma banda que você nunca ouviu falar.

As causas dessa epidemia de diarréia de regras em forma de pouco sutis e intermitentes indiretas são intrigantes. Será que falta mesmo tanto o que fazer que de fato existem pessoas que se ocupam de ficar de olho, vigiando o feito alheio em busca do menor deslize que deverá ser rechaçado por questão de honra, como se aquilo de fato lhe dissesse respeito ou então o buraco é mais embaixo e como sugere a Juliana Cunha no ótimo "Gente que", cada "gente que..." esconde um purulento ressentimento?

"Dar menos nome aos bois e ao mesmo tempo generalizar menos. Nunca abdicando do direito sagrado de desconsiderar exceções para fins retóricos, mas no sentido de cair menos vezes na tentação moderna de disfarçar ódios muito, muito pessoais e localizados, em máximas que toda a humanidade deveria seguir. Em tentar usar menos esse recurso de ridicularizar os outros não pelo que de fato eles têm de ridículo, mas pelo ciúme, pela inveja. Tentar menos hostilizar as categorias que imagino que meus ódios pertencem na esperança vaga e meio infantil de que eles por inteiro sejam condenados."

Sei que existir na internet está dificílimo. Esse post, por exemplo, já vai me engavetar na categoria de gente-que-reclama-de-gente-que-reclama-de-gente-que... e alguém vai apontar isso - gente-que-reclama-de-gente-que-reclama-de-gente-que-reclama-de-gente-que...? Só sei que sinto saudades de viver num mundo em que gostar de Kit Kat faz com que eu seja tão somente uma garota que gosta de Kit Kat.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A série mais legal da vida


Nos últimos meses de férias prolongadas devido à greve, tive a chance de riscar mais um item da minha lista postada aqui ano passado de coisas que gostaria de fazer nesse ano: a maratona de alguma série. Sim, sobrevivi a quase uma semana de dedicação praticamente exclusiva a uma só atividade, fazendo do apertar de botões do controle remoto e do trocar os DVDs do aparelho meu maior exercício, entrando num total estado de um só pensamento e assunto, divagando sobre corujas e tortas de cereja nos momentos mais inapropriados e fazendo referências que ninguém entendia.

Acompanhada do meu primo Pedro, assisti Twin Peaks inteirinha. Para os iniciados na arte das maratonas meu feito parece quase café-com-leite, tendo em vista que a série tem apenas duas temporadas, sendo a primeira composta por apenas oito episódios, mas para uma principiante, devo reconhecer sem falsa modéstia que foi uma conquista notável. Há alguns anos eu havia assistido a primeira temporada, mas o seriado é tão bacana e cheio de detalhes que reassistí-lo foi tão emocionante quanto a primeira vez, e não duvido que daqui há alguns anos - ou meses? - eu esteja no pique para repetir a missão. 

Maratonar Twin Peaks foi fácil não apenas por causa dos detalhes que se perdem com facilidade e dos episódios que funcionam melhor quando vistos de uma vez só, mas principalmente porque, embora não tenha visto muitos seriados para afirmar com mais firmeza, ela é a série mais legal que já vi na vida. Nesse legal, adicionem aí fantástica, interessante, intrigante e perturbadora, adjetivos que vem a calhar muitíssimo bem a essa - sim, usarei um termo deveras pretencioso e forte - obra prima da tv americana.

Pra começar, ela saiu da cabeça do David Lynch. Lynch entrou na minha vida quando ouvi meus tios dizerem horrores sobre seu Império dos Sonhos, único filme que, segundo minha tia razoavelmente cinéfila, era doente e perturbador e insuportável ao ponto de ela ter tentando dormir no cinema para ver se passava logo e não conseguiu. Acho que meu interesse pelas coisas é estimulado pela psicologia reversa, porque bastou ouvir isso - e os detalhes sórdidos do filme, como uma família de coelhos humanizados - para eu querer desesperadamente ver tudo que esse cara já fez. É claro que não entrei de cabeça no universo lynchiniano com uma coisa tão extrema. Comecei com Cidade dos Sonhos - meu preferido até agora, palmas e gritos efusivos, por favor -, seguido de Veludo Azul, Coração Selvagem - absurdo e ao mesmo tempo irresistivelmente adorável -, Eraserhead - trauma grifado três vezes com tinta fluorescente - e aí sim, mais recentemente, Império dos Sonhos. Este último, como minha tia já me alertara, é doente, perturbador e insuportável, não consegui ver tudo, mas confesso que não deixei de achar fascinante.

Tendo em vista minha história de amor com ele, imaginar um seriado idealizado, escrito, produzido, algumas vezes até dirigido e interpretado por ele é como ver um sonho. Um sonho bizarro e cheio de simbolismos, mas um sonho. Twin Peaks é basicamente isso, o universo lynchiniano condensado em 30 capítulos de uma forma mais refinada, que chega até nós em dosagens um pouco menores, nos afastando do forte impacto dos filmes. O mote da série é o assassinato misterioso de Laura Palmer e as investigações lideradas pelo agente especial do FBI, Dale Cooper, para solucioná-lo. Parece tudo muito simples e claro, mas aí entra o elemento David Lynch na história e o que temos é uma barafunda que mescla investigação policial com intervenções sobrenaturais, pistas encontradas em sonhos, personagens adoráveis e bizarros, anões que falam de trás pra frente e trilha sonora kitsch inesquecível. 

A pacata cidade de Twin Peaks pode ser comparada com Stars Hollow, de Gilmore Girls, sendo essa última uma cidade pequena com moradores excêntricos e adoráveis, enquanto a primeira é uma cidade pequena cujos habitantes além de excêntricos e adoráveis, são também bizarros e - por que não? - meio assustadores. Sim, os twinpeakeanos (!) são demais, mas o personagem mais legal da série caiu ali de para-quedas. Sim, falo do Agente Cooper, esse ser humano maravilhoso, dono de um carisma absurdo, métodos de investigação pouco-ortodoxos, inteligente de fazer arrepiar, charmoso e educado para suspirar, com uma capacidade de poetizar coisas pequenas como as árvores e o café nosso de cada dia como ninguém. Não quero viver num mundo em que não possa pedir um café preto como a meia-noite de uma noite sem luar.


Minha maratona chegou ao fim há mais de um mês, e ainda hoje não consegui me desligar totalmente do seriado. Ainda preciso assistir ao filme que o sucedeu e dar um jeito de arranjar o livro escrito pela filha de Lynch para complementar toda a maluquice. É claro que a essa altura do campeonato já li não sei quantas mil teorias malucas sobre os milhares de significados que se podem atribuir a todos os símbolos e pirações de Lynch e Mark Frost e estou me segurando para não digitar o nome da série na Amazon só para me sentir inferior enquanto não tiver em cada toda e qualquer parafernália de colecionador que esses americanos conseguiram inventar para vender um pouco mais às custas de pessoas desequilibradas e propensas à obsessões irrelevantes. 

Dessa minha primeira experiência com maratonas, tenho algumas poucas coisas para dividir com aqueles que desejam uma aventura inofensiva como essa: arranjem uma companhia tão no pique de mergulhar de cabeça na história como você e com quem você possa dividir suas impressões e que vai te entender quando você tiver epifanias sobre o roteiro durante o jantar; escolham um período de dias em que você pode se dedicar integralmente ao feito, deixando seus maiores esforços para a hora de se alimentar e levantar do sofá; tenha certeza de que escolheu um seriado realmente viciante, desses que deixam a vida impossível de ser seguida enquanto você não assistir ao último episódio.

Sobre Twin Peaks, concluo apenas que:

- North Bend, cidade no estado de Washington usada como locação para a maior parte das filmagens pulou para uma das primeiras colocações na lista de lugares que preciso conhecer antes de morrer;
- Assistam, por favor, e saibam apreciar todos os momentos de total non-sense e absurdo, como os cavalos que aparecem do nada, o humor absurdo do texto, as falas da Log Lady e os marcantes momentos musicais;
- Quero ser Audrey Horne;
- As corujas não são o que parecem.