domingo, 28 de fevereiro de 2010

Do Sétimo Andar.


A jovem, agora de ombros caídos, voltou caminhando lentamente para casa, já sem sorriso, com menos esperanças, e definitivamente, sem biscoitos de maisena. Pensara mesmo que teria coragem de dizer algo ao seu fotógrafo – como carinhosamente havia lhe apelidado – quando ele entrasse na padaria? Ainda que ela tivesse a pachorra de chegar-lhe na cara dura com alguma frase feita, tinha certeza que se conseguisse montar uma completa, certamente diria algo sobre o tempo, como fazia calor naquela cidade, o que iria ao menos justificar o suor de nervosismo que lhe escorria pela testa. Se a pobre já parecia uma maratonista na chegada da São Silvestre enquanto imaginava a situação, imagine se fosse de verdade.

“Se fosse verdade...” ela pensava consigo mesma, se fosse verdade ela o pegaria pela mão e os dois conversariam por todo o caminho de volta. Falariam sobre o tempo, sobre os paralelepípedos, sobre a cidade em que moravam. Falariam sobre nuvens com a empolgação de quem debate sobre a fidelidade de Capitu. Ela o convidaria para entrar, e o deixaria a vontade em sua sala, com o tapete felpudo, o gato gordo e os cds de jazz. Ou melhor, ele assistiria a primeira parte da novela, e iria lhe narrando, enquanto ela estava na cozinha passando um café quente e tirando os pães de queijo do forno. O amor deles teria cheiro de café de fazenda e gosto de doce de leite em tardes de março.

Uma ou duas vezes cogitou a hipótese de tentar chamar a atenção dele atirando no vento uma das margaridas de seu vaso, que ela cuidava com todo o afinco, com a esperança de que uma delas caísse em sua cabeça e o fizesse olhar pro céu procurando de onde viriam as mesmas. Na volta da padaria, como não tinha nada a perder, ela chegou a tentar. Escolheu a flor mais bonita, pediu desculpas ao ramo silenciosamente por lhe tirar a vida tão rápido, mas ela tinha melhores motivos. Atirou uma, duas, três. Maldita era a resistência do ar, que desviara as flores de seu destino, fazendo com que escorregassem lentamente pelo ar, assim como ia escorregando a garota do sétimo andar em suas lágrimas, enquanto sentava-se no chão da sacada e mordia as mãos de raiva por ser tão insignificante. Ah, se ela soubesse que o que escorregaria seria seu coração que se derreteria diante do olhar do fotógrafo que se voltara para cima, juntamente com a câmera, e registrara para sempre a chuva de flores que caía direto do sétimo andar.

(Continua...)

Ah, sim, essa sequência conta o início da história de Helena e Bernardo, de "Querido Qualquer Coisa" e "Energias Amarelo-Lavanda".

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sweet sixteen.

Hoje é meu aniversário. 16 anos nas costas, só pra não deixar de lado as citações clichês da data. Não sou tão empolgada com aniversários, até porque não é como se de um dia pro outro eu fosse acordar sentindo todo o peso do anos vividos de uma vez. Essas coisas vem com o tempo. Por isso que fico irritada quando me vem com aquelas perguntas "e aí, como está se sentindo?". Ora bolas, estou me sentindo do mesmo jeito que me sentia ontem, e provavelmente do mesmo jeito que estarei me sentindo amanhã. Mudei sim, dos 15 pros 16, mas foi uma mudança que o passar dos dias me trouxe, apesar de que, ironias da vida a parte, bem no dia do meu aniversário ano passado eu tive um desses momentos de iluminação - meio forçado, admito - que foi responsável pela maioria das minhas mudanças de lá pra cá.

Uma coisa curiosa é que agora eu tenho a idade que eu sempre quis ter. É porque quando eu era pequena, com meus 10 anos de idade, meu sonho era um só: crescer. Acreditava que quando tivesse 16 anos as pessoas me levariam a sério, eu teria vida social, faria intercâmbio e poderia usar maquiagem e salto alto. O que mais me incomodava na época era essa história de ser levada a sério.

Na quarta-série eu criei um grupo de teatro com minhas duas amigas, Amanda e Naná. Era uma coisa besta, fizemos uma só peça, que foi uma porcaria, mas para nós aquilo era a coisa mais legal do mundo. A gente realmente acreditava no que estava fazendo, lembro de todo o tempo que eu imaginei criando roteiros, pensando em figurinos, acreditando mesmo que um dia aquilo iria pra frente. Acho que só minha professora da época, tia Jô, nos levava a sério. Até nos liberava da aula para trabalharmos nos nossos "projetos". Meus pais achavam graça, olha que gracinha, pôs na cabeça que agora vai ser roteirista.

Na quinta-série foi um trabalho de redação que virou uma revista. Nem lembro direito qual era o tema, sei que eu - novamente com Amanda e Naná - resolvemos fazer uma revista. Pensamos na arte, fizemos recortes, pintamos, entrevistamos modelos de verdade, nos jogamos de cabeça naquilo. Nem lembro quantos pontos valia, uns três, no máximo. Mas aquilo era a coisa mais legal do mundo, e ninguém levava a sério. Lembro que mamãe achava graça quando eu chegava de uma reunião chorando que só, com medo de não dar tempo, de dar errado, de todo mundo odiar.

Hoje eu sou levada mais a sério. Papai um dia já conversou sério comigo sobre "essa história de escrever", que eu tenho que correr atrás, deu força mesmo. E mamãe dá confiança e apóia quando eu digo que depois que passar no vestibular vou fazer um curso fora. Já fizemos planos, inclusive. Eu gosto disso. Uma coisa que me dava raiva era ver as pessoas achando bonitinho, engraçadinho, invenção da idade, coisas que eu realmente acreditava. Tanto que quando estou com Mariana, minha priminha de seis anos, me policio ao máximo pra nunca zombar das coisas que ela me conta. Ainda que eu saiba que são absurdas e tenha certeza absoluta de que não vão dar em nada, e que na próxima semana ela terá algo novo pra se ocupar.

E ao mesmo tempo, eu não sou levada tão assim a sério. Não é maravilhoso? As pessoas botam fé nos seus projetos e relevam quando você começa a encenar as brigas do Big Brother com seus amigos, ou quando eu passo a tarde chorando por uma tempestade em copo d'água. Posso me dar ao direito de passar horas numa fila pra assistir um filme na estréia, aguentar bate cabeça pra ver uma banda que gosto muito, gastar o troco da padaria em balas e ficar horas numa lanchonete dando risada. Não que adultos não possam fazer isso, eles podem, e de acordo com minha visão de mundo, devem. Mas é melhor quando não se tem que dar satisfação, ou ser automaticamente perdoado porque é bobeirinha da idade.

Minha vida social continua precária, e o intercâmbio ainda é um sonho. Maquiagem um vício querido, e salto alto eu já aprendi a usar, mas por livre e espontânea vontade os deixo em segundo plano. A festa tem que ser grande ou a auto-estima estar no chão para que as sapatilhas e botas fiquem de escanteio e eu vire diva por uma noite. Devo ter aprendido algumas coisas nesses anos todos. 16 anos nas costas não é brincadeira não.


Beijo especial pra Kamilla e Mih, que aniversariam hoje também.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Do Sétimo Andar.

Todos os dias por volta das seis ele passava por ali. Com uma sacola da padaria nas mãos, que de longe ela podia sentir que cheirava a pão quente. Ah! Como ela queria poder gritá-lo e convidá-lo a sentar-se ao seu lado para dividir os pães com um café quentinho que ela passaria na hora. Requeijão e novela das seis iriam muito bem também, obrigada.

Ele estava sempre com uma câmera pendurada em seu pescoço, e vez ou outra parava no meio do caminho para fotografar um gatinho de rua que por ali passava. A respeito dele, sabia que tinha um estúdio na rua acima e não deveria morar muito longe, se não, por que passaria a pé, num sossego infinito, às vezes assobiando algo que ela não podia ouvir, com aquela sacola de pães nas mãos?

Certa vez fez plantão na padaria esperando ele chegar. E ele chegou. Com a câmera no pescoço e toda a graciosidade que a fazia perder o começo da novela das seis todos os dias só pra vê-lo passar. Junto a ele uma ansiedade e nervosismo nunca vistos chegaram a galope, tomando de assalto a jovem que, perdendo a noção do rumo de seus devaneios, apenas se virou e analisou a prateleira de biscoitos de maisena com uma perícia desnecessária. Olhava-o de soslaio, discorrendo mentalmente acerca da boniteza e charme que ele exalava vestido com aquela camiseta branca. Ele pediu algo que ela não compreendeu à atendente e, enquanto seu pedido era atendido, o moço pôs-se a andar em torno do recinto, circundando vez ou outra a garota com vestido de listras que passara muitos minutos escolhendo qual biscoito levar. Ao ver que ele se aproximava, a jovem de imediato pousou a mão ao lado esquerdo do peito, tal era o descompasso e a força que palpitava seu coração; chegou a comprimir a mão sobre a pele temendo que o mesmo rasgasse-lhe o peito e fosse parar, aos pulos violentos, aos pés de seu alvo de admiração. Abriu um leve sorriso diante da idéia estúpida que lhe passara pela cabeça, imaginou a cara que ele faria ao encarar seu pobre coração aos pulos no chão. Ela tinha certeza que ele fotografaria isso, e um sorriso dessa vez sem medo de se mostrar se abriu em seus lábios, e uma onda enorme de afeição por ele perpassou-lhe todo corpo, fazendo com que um arrepio lhe percorresse a nuca. Distraiu-se tanto em meio a suas conjecturas que quando deu-se por si, ele havia acabado de sair da padaria, com pães quentes, como cheiro que ele deixava para trás denunciava, e um brilho nos olhos que naquele momento apenas os transeuntes e gatos de rua puderam testemunhar.

(Continua...)

* Passamos por uns problemas técnicos aqui essa semana, né? Haloscan resolveu me abandonar, e até eu aceitar isso definitivamente e criar coragem para instalar o sistema de comentários do Blogspot foi uma novela. Não tenho como responder aos últimos comentários, me perdoem. Aos poucos retribuirei as visitas.

* Quem acompanha o blog desde o começo talvez se lembre desse conto. Postei-o há milênios atrás, um pouco diferente. É um dos meus escritos favoritos. Dei uma editada porque sentia que faltava algo. A continuação virá em breve.

* E a história é inspirada na música do Los Hermanos, "Do Sétimo Andar".

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Estrelas para acampamentos.

De olhos fechados eu me balançava lentamente ao som da música que tocava bem barulhenta no alto falante logo perto de mim, e ria e chorava ao mesmo tempo com todas as verdades que estavam sendo cantadas ali, e como tudo era maravilhoso, como eu era pequena diante de toda aquela imensidão, de todo aquele amor. Não sei explicar pra vocês como é, só digo uma experiência dessas muda vidas. É estar numa comunhão tão plena que quando aquele momento se encerra e os olhos voltam a abrir-se, é difícil saber se você está no mesmo lugar, porque tudo parece sumir quando estávamos só eu e Ele, o meu Deus, naquela hora tão bonita. Já bem dizia a música que dá vontade de pular, dá vontade de dançar, dá vontade de gritar, dá vontade de correr...

E olha que só isso já faria o feriado todo valer a pena, sem contar tudo que eu ri de doer os ossos, pulei na piscina quando o sol estava escaldante, e dancei de tudo até que desligassem de vez o som, as luzes, o ânimo das pessoas, e nos tirassem dali. Eu descobri que eu adoro dançar. Sou desajeitada, meio sem ritmo e um bocado envergonhada, sorte a minha quea única que me acompanhou no forró foi a Isa, que amigavelmente relevou meus dois pés esquerdos e total incapacidade de compreender a dinâmica do dois-pra-lá-dois-pra-cá. Conversei com um bocado de gente que eu via todo fim de semana mas nunca tinha parado pra trocar idéia. Essa minha timidez que faz com que o comportamento meio anti-social seja mais confortável.

Tive colegas de quarto amoráveis, pra fazer multirão de maquiagem antes das festas, dar pitaco nas roupas, infernizar todo mundo com nosso grito de guerra, contrabandear água pra beber enquanto devorávamos barras e mais barras de chocolate na nossa festa ilegal no meio da madrugada. Como se fosse grande coisa, só jogamos Uno segurando a risada na hora que tínhamos que bater sem fazer barulho pra não acordar os quartos do lado. Quanto chocolate eu comi, nem gastarei linhas falando.

No sábado de madrugada, fim de festa, eu já com o cabelo fora do lugar de tanto pular, estava sentada no chão, perto da piscina onde umas pessoas corajosas nadavam, e reparei no céu. Sempre achei papo de naturalista esse de que na cidade a gente não enxerga direito o céu. E isso é tão verdade. Era tão limpinho e tinha tanta estrela que dava pra pensar que ele ia cair em cima de mim, me engolir, ou qualquer coisa que o valha. Tô aprendendo a viver melhor esse momentos Amelie Poulain. Já até falei aqui o que eu penso das estrelas.

Foi um belo de um Carnaval, no fim das contas.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Só um efeito de iluminação.

Eu penso demais. Mesmo. Tanto que as vezes eu gostaria muito que meu cérebro viesse com um botão de liga e desliga. Não falo pensar num sentido de ser inteligentona, é pensar num sentido de deixar os neurônios independentes pra de repente eu me pegar analisando uma coisa aleatória. Não sei como meu cérebro não se deu um nó de marinheiro quando eu era criança, porque tudo que eu matuto hoje não é nada se comparado às minhas viagens quando pequena. Eu tinha tempo de sobra pra isso, e também espaço sobrando na cabeça. Me deitava na cama de mamãe e começava a pensar. Por horas.

Eu perdia muito tempo pensando se as pessoas viam o mundo do mesmo jeito que eu. Isso sempre me intrigou. Digo ver o mundo não no sentido subjetivo, mas no literal mesmo. Ficava pensando se o que eu enxergava amarelo era daquele jeito pra todo mundo, se um quadrado era um quadrado no olhar de todos. Comentei isso com mamãe e ela me disse que quando era pequena, por muito, muito tempo, acreditou que enxergava tudo diferente de todos, porque tinha os olhos verdes. Como nem seus irmãos nem meus avós o tinham, ela pensava que via tudo diferente. Isso me deixava tão, tão angustiada que por muitas vezes eu cheguei a perguntar pras pessoas como elas viam tal coisa, a mais trivial possível, um triângulo ou algo que o valha.

Aí que ontem, na aula de Filosofia, esse assunto surgiu. Estávamos numa discussão acalorada sobre o mal que é inerente à todos e o infinito egoísmo humano, e o professor num determinado contexto soltou: "E quem pode provar isso? Não sei nem se isso existe, se vocês são só um delírio meu!". Existe um cara, o Green, que elaborou uma teoria de queas três dimensões que conhecemos não passam de uma projeção holográfica. Parece absurdo, mas ainda não conseguiram provar que ele está errado. E Carlos Castañeda que dizia que tudo o que vemos é aquilo que nós criamos, e que ele, conseguindo abstrair essa "consciência automática", vê o mundo - repito, literalmente - diferente de todos nós. Que tudo é energia. Eu, pessoalmente, tenho minha crença bem formada nesse sentindo, mas não é bizarro (e divertido) pensar sobre essas coisas, principalmente pelo fator de que elas, pelo ponto de vista científico, são aceitas porque ninguém provou o contrário?

E as pessoas? Elas sempre me atormentaram tanto! Não adianta negar, a gente tem a sensação de que é o centro do mundo. Eu pelo menos tenho esse piloto automático. Antonio Prata semana passada escreveu sobre isso e me aflorou essa questão que tanto me era recorrente quando mais nova. A gente está cercado de outras pessoas! Pessoas que sentem, que pensam, que tem problemas, que tem uma vida, uma história e tudo mais. "É óbvio que tem, Anna Vitória idiota, ou você pensava que todos eram bonecos de plástico servindo de cenário pro seu mundo?" Eu sei que tem, é fácil pensar assim quando as pessoas, no caso, são aquelas que nos rodeiam: amigos, parentes, professores... Mas e aquelas que a gente não conhece? Que cruza na rua, que está na mesma escola, na piscina do clube. Vocês já pararam pra pensar que todos esses estranhos tem uma vida? E que como disse Antonio Prata, o cara que passa do seu lado na calçada deve estar pensando em, sei lá, sua namorada, e o que dará pra ela de presente, que não pode esquecer de comprar Coca-Cola pro almoço, e seus avós eram judeus e presenciaram todo o horror do holocausto, que ele tem um tio careca que vive de agregado em casa e faz bolo de milho nas tardes de sábado. Já pararam pra pensar nisso? Que existe um mini-mundo, que ao mesmo tempo é enorme, dentro de todas as pessoas que a gente já viu na vida?

A aula me trouxe tanta coisa à mente que eu e Sofia conversamos sobre isso durante todo o recreio. Ela levantou outra questão interessante: as pessoas nos vêem (literalmente) do jeito que a gente se vê? O que a gente vê no espelho todo dia é o que as pessoas enxergam quando nos olham? Vocês não tem a impressão, ao olhar uma foto, de que aquela pessoa é muito diferente da que você vê todo dia? Tem a questão da voz. Não é horrível ouvir sua voz gravada? Lembro que eu era bem pequena quando compramos nossa primeira secretária eletrônica, e eu, claro, quis gravar a mensagem. Chorei horrores quando ouvi o que havia dito, não me conformava que aquela era minha voz. Eu não a ouvia daquele jeito!

Nessas horas que eu me sinto má por dizer que David Lynch é dodói da cabeça. Em um de seus filmes, "Cidade dos Sonhos", vemos a primeira parte toda pela psique de uma personagem, e na segunda parte descobrimos que a vida dela é outra, ela é outra pessoa, e que aquilo que vimos de início era tudo que ela projetou sobre si mesma. O que ela acreditava que era. Como ela acreditava que as pessoas eram. E não tinha nada a ver com a realidade. Medo, né?

As questões são infinitas. O que se passa pela cabeça dos bebês? Como os cachorros enxergam o mundo, uma vez que eles tem o olfato como sentido principal, e do jeito que nós nos guiamos principalmente pela visão, eles o fazem pelo cheiro? Como será o mundo dos daltônicos, que enxergam as cores de forma diferente? As cores são mesmo as cores (de Almodóvar, cores de Frida Kahlo, cores)? Vocês conseguem imaginar os pais de vocês sendo crianças, adolescente, se preocupando com espinhas e a prova de Química da próxima semana?

Eu acho esse exercício, o de pensar, pra lá de divertido. A gente aprende muita coisa com isso, e acima de tudo, vê que tudo é muito grande. Há muito mais do mundo do que nesse mini-mundo tão grande em que vivemos dentro de nós mesmos. As vezes a cabeça dá um nó, tanto que é preciso saber parar, senão a gente enlouquece. Sofia me contou que Clarice dizia que os ignorantes é que eram felizes. Talvez. Eu fiquei feliz em saber que ela (Soft) pensava essas coisas também. Pelo menos eu vi que louca eu não era. Ou talvez ambas o somos. Vocês também?

(não me achem maluca, por favor)
(se alguma informação estiver errada, me perdoem)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Welcome to the jungle, #2

Hoje foi meu primeiro dia de aula e eu não poderia estar menos animada. Nem meus materiais eu comprei ainda, porque isso me empolga e me faz querer que a segunda-feira chegue logo, e depois da correria e desgaste que foi o ano passado, eu não me permitia, ainda que involuntariamente, ansiar pelo dia que toda a minha vida boa terminasse. Pra piorar, minha mãe está viajando, e por mais que meu pai seja amor e tudo mais, ele entra numa pilha muito errada com essas coisas de escola, algo como "Já não via a hora dessas aulas começarem, a folga estava demais, vamos com tudo esse ano, estudar, vestibular, não é maravilhoso?" e eu não poderia corresponder menos, deixando ele nervoso, já que ontem passei o dia me arrastando pela casa, de pijama, num ato de luto pelas minhas férias. Já minha mãe me dá um apoio moral, ela entende a gravidade da situação, me põe no colo, me faz um sanduíche, diz que aquilo é um saco mesmo, mas é a vida. Apoio moral. Simples assim.

É claro que eu não dormi nada a noite. Não que eu estivesse ansiosa, mas só tinha perdido o hábito de ir dormir cedo, apesar de ter lido bastante, o sono não vinha. Eu começava a pensar em um monte de coisas e não conseguia relaxar. Quase tudo que estou escrevendo aqui eu imaginei essa madrugada. Por fim peguei meu iPod e coloquei Norah Jones pra tocar, porque é calminho e gostoso e sempre me dá sono. Não deu, mas pelo menos eu entrei num estado alfa, eu não estava dormindo, mas não havia nada se passando pela cabeça. Três horas de sono foi o saldo máximo da noite.

Eu não deveria estar achando tudo tão ruim, deveria agradecer que estudo numa escola boa, enquanto um monte de gente nem lápis e caderno tem, mas as vezes eu sinto que eu preciso dar o direito da minha adolescente-rebelde-egoísta interior se manifestar enquanto é tempo.

Cheguei lá e dei de cara com o aglomerado humano esperado. Ruim foi ver aquele pessoal todo vindo do Fundamental (Fundamental e Médio ficam em unidades separadas) se achando a última bolacha do pacote porque entrou no colegial, fazendo como point de conversa a catraca de entrada, impedindo a passagem. Sei que fui uma delas ano passado mas, novamente, preciso dar voz à minha adolescente-rebelde-egoísta once in a while. Depois de nadar entre as pessoas e conseguir ver a lista das turmas, tive a primeira surpresa boa do dia: eles mantiveram as salas do ano passado, ou seja, primeiro ano ETA, o retorno. Para minha tristeza, não estudo mais no térreo. A escadaria que tenho que subir é pequena, mas em quase todos os anos que estudei na minha antiga escola, minha sala era no último andar, portanto, esgotei minha cota de escadas.

Rever meus amigos foi tão bom que eu esqueci do meu voto de mau humor até o fim do dia. O sinal nem havia batido e eu já estava chorando de rir. Podia não estar com saudades da escola, mas eu senti uma falta danada de todas aquelas pessoas. Todas, não, corrijo. Apesar de gostar bastante da minha escola, as pessoas lá me incomodam bastante. Sabe Upper East Side, hierarquia, Blair Waldorf e toda aquela coisa? Na minha escola tem muito disso. Não aguento andar e ver que tem gente que olha todo mundo de cima a baixo, se achando infinitamente superior. Isso faz com que eu tenha um certo bode de lá. É muito ruim estar num lugar onde você não sabe quem é realmente legal com você ou não. E conhecendo toda a minha completa falta de traquejo social, não é surpreendente que numa pirâmide social invisível eu esteja lá na base.

Alguns professores do ano passado me darão aula esse ano também, outros mudam, mas quero falar deles quando as apresentações terminarem. Nessa primeira semana, e na quinta e sexta depois do Carnaval estaremos tendo uma tal de "semana zero", algo como um aquecimento. Ah sim, tenho prova sobre os assuntos que serão dados no dia 20, e pra sexta feira já tenho que entregar três textos. Falta muito pras férias de julho?

Crachá tosco que tivemos que usar hoje.

(Primeiro dia de aula do ano passado)

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Miss Dollar.

Ultrapassando os limites da lógica, preciso dizer que quando estou lendo qualquer coisa do meu caro Joaquim Maria Machado de Assis é como se as palavras pulassem pra fora. Porque o que eu mais gosto em tudo que ele escreve, além da ironia fina sempre presente e o jeito diferente e interessante como ele coloca as palavras ao construir seus textos, são as palavras por si só. Ao lê-lo sempre tenho a sensação que as palavras são mais bonitas, com uma cadência diferenciada e toda dele, e até me arrisco dizer que se tivessem algum sabor, as palavras dele teriam gosto de chocolate. Meio amargo, claro, senão não estaríamos falando do Bruxo do Cosme Velho.

Nessas férias estive comigo pra lá e pra cá um livro de contos dele, a primeira parte de uma antologia. Acho a leitura de contos mais lenta, já que não é como um livro que você vai lendo continuamente. Eu pelo menos leio um conto por vez, espero, espaireço, só então passo para outro. É leitura de férias mesmo, dessas que a gente lê sem aquela afobação e pressa por terminar, um livro que fica junto para aquela esticada depois do almoço, e que faz companhia em alguma tarde tediosa.

O volume que peguei vinha com 21 contos, mas gostaria de destacar aqui o que mais me encantou: "Miss Dollar", que entitula esse post. Nele, Machado nos conta a história de um jovem médico solitário que vive somente com seus cachorros. Encontra um dia um cadelinha galga que no caso é a perdida Miss Dollar, que tem seu nome em todos os jornais anunciando o sumiço. Ao restitui-la, conhece sua dona, Margarida, uma encantadora viúva moça por quem Mendonça se apaixonada imediatamente.

É uma história adorável, e de uma delicadeza sem limites. A gente se encanta logo de cara com Mendonça, e seu amor inocente que aos poucos vai crescendo pela esquiva Margarida. O que mais me chamou atenção, e as palavras que saltaram do livro e dançaram ao pé de mim, foram aquelas que contavam o motivo pelo qual no começo Mendonça relutou ao admitir que seu coração já tinha sido ganho pela viuvinha:

"Mendonça nunca vira olhos verdes em toda a sua vida; disseram-lhe que existiam olhos verdes, ele sabia de cor uns versos célebres de Gonçalves Dias; mas até então os olhos verdes eram para ele a mesma cousa que a fênix dos antigos. Um dia, conversando com uns amigos a propósito disto, afirmava que se alguma vez encontrasse um par de olhos verdes fugiria deles com terror.

- Por quê? perguntou-lhe um dos circunstantes admirado.

- A cor verde é a cor do mar, respondeu Mendonça; evito as tempestades de um; evitarei as tempestades dos outros.

Eu deixo ao critério do leitor esta singularidade de Mendonça, que de mais a mais é preciosa, no sentido de Molière. " (...)
"Mendonça saiu impressionado pela interessante Margarida. Notava-lhe principalmente, além da beleza, que era de primeira água, certa severidade triste no olhar e nos modos. Se aquilo era caráter da moça, dava-se bem com a índole de médico; se era resultado de algum episódio da vida, era uma página do romance que devia ser decifrada por olhos hábeis. A falar verdade, o único defeito que Mendonça lhe achou foi a cor dos olhos, não porque a cor fosse feia, mas porque ele tinha prevenção contra os olhos verdes. A prevenção, cumpre dizê-lo, era mais literária que outra cousa; Mendonça apegava-se à frase que uma vez proferira, e foi acima citada, e a frase é que lhe produziu a prevenção. Não mo acusem de chofre; Mendonça era homem inteligente, instruído e dotado de bom senso; tinha, além disso, grande tendência para as afeições românticas; mas apesar disso lá tinha calcanhar o nosso Aquiles. Era homem como os outros, outros Aquiles andam por aí que são da cabeça aos pés um imenso calcanhar. O ponto vulnerável de Mendonça era esse; o amor de uma frase era capaz de violentar-lhe afetos; sacrificava uma situação a um período arredondado.

Referindo a um amigo o episódio da galga e a entrevista com Margarida, Mendonça disse que poderia vir a gostar dela se não tivesse olhos verdes. O amigo riu com certo ar de sarcasmo.

- Mas, doutor, disse-lhe ele, não compreendo essa prevenção; eu ouço até dizer que os olhos verdes são de ordinário núncios de boa alma. Além de que, a cor dos olhos não vale nada, a questão é a expressão deles. Podem ser azuis como o céu e pérfidos como o mar.

A observação deste amigo anônimo tinha a vantagem de ser tão poética como a de Mendonça. Por isso abalou profundamente o ânimo do médico. Não ficou este como o asno de Buridan entre a selha d’água e a quarta de cevada; o asno hesitaria, Mendonça não hesitou. Acudiu-lhe de pronto a lição do casuísta Sánchez, e das duas opiniões tomou a que lhe pareceu provável.

Algum leitor grave achará pueril esta circunstância dos olhos verdes e esta controvérsia sobre a qualidade provável deles. Provará com isso que tem pouca prática do mundo. Os almanaques pitorescos citam até à saciedade mil excentricidades e senões dos grandes varões que a humanidade admira, já por instruídos nas letras, já por valentes nas armas; e nem por isso deixamos de admirar esses mesmos varões. Não queira o leitor abrir uma exceção só para encaixar nela o nosso doutor. Aceitemo-lo com os seus ridículos; quem os não tem? O ridículo é uma espécie de lastro da alma quando ela entra no mar da vida; algumas fazem toda a navegação sem outra espécie de carregamento."

Dito isto, deixo a critério de vocês a conclusão se as palavras pulam mesmo e dançam um ballet dos mais bonitos na nossa frente. Se quiserem terminar o conto, podem lê-lo aqui. E se quiserem ler o livro, recomendo também a leitura do "Uma Visita de Alcibíades", "O Alienista", "A Chinela Turca" e "Folha Rota".

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Do chocolate viemos, ao chocolate voltaremos.

(Johnny Depp aprova esse post)

No meu primeiro dia de férias eu acordei, peguei um Toddynho na geladeira e fiquei assistindo Bob Esponja na televisão. Cabelo bagunçado, o dia inteiro de pijama, sofá era o meu reduto. No bauzinho da mesa de centro, chocolates vários, comprados por mamãe no seu chamado "supermercado de férias", onde bolachas recheadas, chocolates, refrigerantes e salgadinhos expulsaram da geladeira e do armário todo aquele pão integral, bolacha de água e sal, barras de cereal e tudo aquilo que existe numa casa em que se tem uma mãe natureba. Pro ano novo meu avô comprou uma caixa de Chokito, dessas industriais, 900 gramas de puro amor no coração e chocolate nas veias. Olhou para mim e pros primos pequenos, olhou para a caixa: dêem um fim nisso, foi o que disse. Com prazer, pensei eu lambendo os dedos.

Viajei, sem meus pais e sem obrigações, deu-se então a orgia completa do cacau. Eu que nem gosto de sorvete de chocolate, tomava todos os dias depois do jantar, de madrugada enquanto assistia Friends. Com banana picada, pra não dizer que eram só calorias vazias, e calda de - adivinhem! - chocolate, claro. É difícil até pra mim acreditar que comi todo esse sorvete, uma vez que se tem um sabor de sorvete que eu realmente não gosto, é o de chocolate. Entretanto aquele era especial, tinha gosto de férias, tinha gosto de Twin Peaks, tinha gosto de Friends a noite inteira.

Voltei, e minha avó do interior, de férias aqui desde o Natal me fez um tabuleiro de tradicional bolo "nega maluca" para comemorar minha chegada. Bolo no café da manhã, bolo no café da tarde. Não existe nada nessa vida como bolo e café. Quer dizer, tem, bolo de chocolate e um copo de leite antes de dormir. Esse é diferente, esse tem gosto de dias inteiros em casa, de pijama novamente, cabelo pra cima, a mercê do dvd e do computador.

Nas férias eu amo passear no centro da cidade, vazio porque o caos do ano letivo ainda não começou, mas com as mesmas lojas, os sebos, lojões de beleza para comprar esmaltes, paradas nas Lojas Americanas para ver os dvds. Um café na praça e depois uma ida rápida na Cacau Show para comprar uma trufa e enfiá-la inteira na boca. Já fizeram isso? Fico imaginando que Eça devia estar comendo chocolate quando disse que a "alma se cobria de um luxo radioso de sensações". Carta de amor uma ova.

Aí ontem eu comi o último pedaço do bolo de vovó. Antes de ir embora ela me fez mais um tabuleiro. Comia aquilo com leite enquanto assistia Friends, até porque não tenho feito outra coisa da vida. A última semana de bolo e Friends as três da manhã, e de tomar Toddynho na varanda ouvindo música depois de acordar. De passear no centro por tardes a fio, de ir tomar café com os amigos e ir ao cinema a hora que eu bem entendesse. As guloseimas dariam lugar novamente às fibras e toda aquela baboseira saudável que minha mãe me faz comer. Acabou o gosto de chocolate dos meus dias.


Mas aí estava pensando, as aulas me reservam uma coisa: chocolate nos intervalos, juntar moedas entre cinco pra comprar uma lata de Coca, assaltar a mochila dos amigos atrás de chicletes ácidos e o melhor de tudo, catar dinheiro pela casa pra chegar na escola e torrar tudo em Laka e Diamante Negro. Até que vale a pena.

(imagem via We Heart It)