domingo, 28 de fevereiro de 2010

Do Sétimo Andar.


A jovem, agora de ombros caídos, voltou caminhando lentamente para casa, já sem sorriso, com menos esperanças, e definitivamente, sem biscoitos de maisena. Pensara mesmo que teria coragem de dizer algo ao seu fotógrafo – como carinhosamente havia lhe apelidado – quando ele entrasse na padaria? Ainda que ela tivesse a pachorra de chegar-lhe na cara dura com alguma frase feita, tinha certeza que se conseguisse montar uma completa, certamente diria algo sobre o tempo, como fazia calor naquela cidade, o que iria ao menos justificar o suor de nervosismo que lhe escorria pela testa. Se a pobre já parecia uma maratonista na chegada da São Silvestre enquanto imaginava a situação, imagine se fosse de verdade.

“Se fosse verdade...” ela pensava consigo mesma, se fosse verdade ela o pegaria pela mão e os dois conversariam por todo o caminho de volta. Falariam sobre o tempo, sobre os paralelepípedos, sobre a cidade em que moravam. Falariam sobre nuvens com a empolgação de quem debate sobre a fidelidade de Capitu. Ela o convidaria para entrar, e o deixaria a vontade em sua sala, com o tapete felpudo, o gato gordo e os cds de jazz. Ou melhor, ele assistiria a primeira parte da novela, e iria lhe narrando, enquanto ela estava na cozinha passando um café quente e tirando os pães de queijo do forno. O amor deles teria cheiro de café de fazenda e gosto de doce de leite em tardes de março.

Uma ou duas vezes cogitou a hipótese de tentar chamar a atenção dele atirando no vento uma das margaridas de seu vaso, que ela cuidava com todo o afinco, com a esperança de que uma delas caísse em sua cabeça e o fizesse olhar pro céu procurando de onde viriam as mesmas. Na volta da padaria, como não tinha nada a perder, ela chegou a tentar. Escolheu a flor mais bonita, pediu desculpas ao ramo silenciosamente por lhe tirar a vida tão rápido, mas ela tinha melhores motivos. Atirou uma, duas, três. Maldita era a resistência do ar, que desviara as flores de seu destino, fazendo com que escorregassem lentamente pelo ar, assim como ia escorregando a garota do sétimo andar em suas lágrimas, enquanto sentava-se no chão da sacada e mordia as mãos de raiva por ser tão insignificante. Ah, se ela soubesse que o que escorregaria seria seu coração que se derreteria diante do olhar do fotógrafo que se voltara para cima, juntamente com a câmera, e registrara para sempre a chuva de flores que caía direto do sétimo andar.

(Continua...)

Ah, sim, essa sequência conta o início da história de Helena e Bernardo, de "Querido Qualquer Coisa" e "Energias Amarelo-Lavanda".

18 comentários:

  1. sorry, mas dessa vez eu achei clichê :/ já deu até uma banalizadinha na sublimidade dos discos de jazz, use outros artifícios!

    ResponderExcluir
  2. AAAAH, POIS EU ACHEI LINDO DEMAIS!
    Hahaha,aaaah, vc escreve bem demais, caraa!
    beijo.

    *esperando o resto.

    ResponderExcluir
  3. Gostei do texto. Gostei do blog. ;)

    ResponderExcluir
  4. aaaai, gostei muito. Me surpreendeu, você é muito criativa :P
    beeijos, e espero a continuação!

    ResponderExcluir
  5. Que lindo, Anna! Que interação mais sutil e fofa entre eles *.* Espero a próxima parte. Adorando o conto.
    Beijos!

    ResponderExcluir
  6. Mais uma vez muito fofo!
    Aguardando o restante! :D

    beijos
    http://minidesastres.blogspot.com

    ResponderExcluir
  7. To gostando tb! eu acho lindo a sua capacidade de dar um sentido tao real e suave nas palavras, que da pra sentir o cheiro das coisas, a emocao dos personagens, msmo sendo so um conto! o importante eh isso, fazer a gente sonhar com coisas boas! :}

    ps: mas q vc continua me passando raiva com essas delicias todas, isso sim!!!! (paozinho, pao de queijo, doce de leite... :~~~~~~~~~~)

    ResponderExcluir
  8. Bem legal aguardo os proximos capitulos...
    beijos !!

    ResponderExcluir
  9. Li o post. E li os comentários. Eu sei lá, jamais vou achar um texto seu clichê, a não ser que vc o escreva com este propósito. Sei sim, que ao ler seus textos eu acabo sempre criando pequenos filmes mentais, pq leio td como se fossem verdadeiros roteiros. E mais, se tem perfume, se tem cheiro de mato ou pão de queijo ... eu sinto tudo de tanto q vc consegue me envolver com tuas letras! E a história em sí, não dá pra evitar de sentir a atmosfera ... como a Tary disse, de aproximação deles.. o clima, enfim.. eu fico besta com teus textos! To quase encomendando alguma coisa eheheh \o/// Bjooo e parabéns pela genialidade toda1

    ResponderExcluir
  10. EBA adoro quando você escreve contos divididos em partes vc escreve super bem, aquele na carolina foi sensacional! Estou doida para ler o final hihihihi ah aqui eh a mariana do pessoalices, eh que eu mudei de blog, agora com licença que eu vou ler seus últimos posts, eh que eu adoro o so contagious e jah estou a um tempo sem passar aqui.


    obs: parabéns, jah li que vc fez aniversário! :D

    ResponderExcluir
  11. Poxa, acho tão singelo esse conto seu! Muito mais pela sensibilidade dos gestos que a personagem tenta para se aproximar de seu fotografo.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  12. to acompanhando o conto. Helena é uma douçura.
    adorei o blog.
    to fazendo uma promoção no meu valendo um cd do colplay - viva la vida.

    dá uma passadinha lá se dé
    http://withoutwonderland.blogspot.com/

    xx
    *.*

    ResponderExcluir
  13. Querida, não tente agradar todo mundo, ninguém consegue, sempre vão existir os que se desgradam. Vc escreve lindamente, cultive esse hábito e esse dom, vc vai longe, tenho certeza!

    Doida pra saber o final da história!

    Beeeeijos

    ResponderExcluir
  14. Precisa de mais clichê do que assinar Lizzie Bennet?!?

    Hahahaha!

    ResponderExcluir
  15. Escrever bem não é só escrever bem. É criar situações tão lindas e cheio de detalhes sutis que aos olhos dos outros passam imperceptíveis. Como pedir desculpas para a margarida ou "doce de leite em tardes de março". Ou um instante tão importante como a do fotógrafo se virar para cima com a câmera e poder registrar a chuva de flores. Que coisa mais linda, Anna! Você sabe fazer isso. Acho que não é só porque você É UMA ESCRITORA, mas porque você tem um coração iluminado. Não perca isso nunca.
    beijo grande
    Mel

    ResponderExcluir
  16. Eu lembro dessa crônica no seu fotolog. Até tentei entrar lá agora pra lê-la porque ela era diferente, né? Mas a conta estava desativada. Eu sei que esse sempre foi o meu texto preferido de todos que você escreveu. Fiquei feliz de você ter aumentado ele, mas linhas de boniteza *-* hahah apesar de que eu queria ler o original pra lembrar. E eu adorei essa segunda parte (:

    beijo annoca ;*

    ResponderExcluir
  17. Amei muito seu texto, aliás, adoro todos, principalmente os contos. =]
    beeijos.

    ResponderExcluir
  18. A parte da cozinha lembrou-me Amélie Poulain... Bateu uma nostalgia de coisas que não aconteceram. Viajo legal com seus textos.

    ResponderExcluir