sexta-feira, 25 de julho de 2014

What was I thinking when I said hello?

Esse post faz parte da Blogagem Coletiva do Rotaroots, grupo criado para reunir blogueiros de raiz que sentem falta da blogosfera moleque e pé no chão. Para participar, junte-se a nós no grupo do Facebook mais cheio de nostalgia que já se teve notícia e coloque seu link no rotation. O tema desse mês é: A primeira vez que eu ouvi minha banda favorita
Não lembro exatamente se era janeiro ou julho, mas sei que era São Paulo e que chovia lá fora, exatamente como acontece agora na minha janela enquanto escuto Either Way, mais uma de muitas e muitas outras vezes, que começaram a ser acumuladas naquela manhã cinza de janeiro ou julho, certamente em 2009.


Meu tio foi pegar o jornal lá fora e voltou já rasgando uma caixa da Amazon, como se tivesse seis anos de idade e encontrasse um Nintendo 64 embaixo da árvore de Natal, com seu nome na etiqueta. Dentro da caixa estava um vinil do Sky Blue Sky, sexto álbum de estúdio do Wilco, o primeiro deles que eu ouvi, com a capa mais bonita do mundo inteiro, ainda mais bonita no formato enorme e sofisticado do vinil. Eu nunca tinha ouvido falar daquela banda, e lá estava meu tio, um homem feito, quase chorando de felicidade por conta de um vinil. Ele, que coleciona discos, me contou que raramente compra vinis novos, mas que esse lançamento do Wilco foi um presente de aniversário dele pra ele mesmo, uma auto-indulgência que valeu cada dólar gasto e todos os dias de espera, porque o Wilco é esse tipo de banda.

Eu não fazia ideia do que esperar do Wilco. Meu tio tem um gosto bem diversificado, e sua coleção vai de Racionais a Jenny Lewis, Radiohead a Snoop Dogg, Roberto Carlos a Death Cab For Cutie. Qualquer coisa podia sair daqueles alto-falantes. Mas, mesmo se eu soubesse o que me aguardava, acho que nada poderia me fazer antever o efeito que a primeira música, Either Way, causaria me mim. Nem trinta segundos de música e Jeff Tweedy já tinha derretido minhas tripas, a primeira de muitas e muitas outras vezes, nesses cinco anos de Wilco na minha vida.


(Trivia: uma vez mandei essa música para um mocinho aí, num delírio romântico que me fez acreditar que se ele gostasse daquilo tanto quanto eu, experimentaríamos um outro nível de conexão emocional, seja isso o que for. Ele nem amou tanto assim, e agora que o romance não vingou, acho que fiquei mais chateada por ele não ter gostado de Wilco do que por ele não ter ligado pra mim.)

O resto das férias se passou com o disco girando todos os dias na vitrola da sala, e não demorou para que eu aprendesse a assobiar algumas melodias e cantarolasse baixinho as minhas favoritas. O Wilco não se parecia com nada que eu, aos quinze anos, tivesse ouvido antes. Não conhecia nenhuma banda que fizesse um som tão sofisticado, tão limpo, que misturava arranjos de piano a solos de guitarra de mais de três minutos, com aquelas letras que eram ora cheias de urgência, ora de uma tristezinha resignada, mas sempre com uma esperança de fundo apesar da invariável melancolia. Afinal, what would we be without wishful thinking?


Voltei pra casa com Wilco na cabeça, nos fones e a discografia deles num pendrive, mas demorei anos para desbravar alguma coisa além do Sky Blue Sky, meu velho conhecido. Hoje já gosto bem mais de outros trabalhos, como Yankee Hotel Foxtrot (o favorito do mundo inteiro), Summerteeth, The Whole Love e Kicking Television, mas demorou um pouco até que a gente se encontrasse. Acho que precisei desses anos para maturar as coisas dentro de mim e abrir espaço pro Wilco finalmente ter a chance de deixar de ser só a banda diferente daquele verão (ou será que foi inverno?) de 2009 para ser uma banda toda minha, e contar um pouco da minha história - mais ou menos o que eu gosto de acreditar que o Jeff quis dizer quando escreveu que this world of words and meanings makes you feel outside something you feel already deep inside you've denied na letra de On And On And On.

Foi só nesse ano que Wilco se tornou a minha banda favorita. Esse conceito é algo tão absoluto e definitivo  que a afirmação ainda me assusta, por isso vou me apoiar no conforto do momento e dizer que pelo menos nos últimos seis meses não existiu nenhuma outra banda que eu tivesse necessidade de ouvir todos os dias, invariavelmente, nem qualquer outra coisa que provocasse o mesmo efeito que uma música do Yankee Hotel Foxtrot, que se toca uma vez, aleatoriamente, tem que ser seguida do CD inteiro, de novo e de novo e de novo.

E sempre que o dia está muito ruim, como ontem esteve horrível, eu me permito dez minutos de delírio nos quais eu fujo pra Chicago para vê-los tocando, e grito e pulo ao som de Pot Kettle Black estragando o vídeo que eu tento inutilmente gravar.


Quando eu disse isso pra um amigo, ele falou que eu era nova demais pra gostar tanto assim da banda e que eles fazem músicas pra homens de meia-idade, provavelmente em crise. Todos os rabiscos que já fiz na seção de apreciação ao Wilco que mantenho num caderno (sim) depõem contra isso, e meu pai nunca achou nada demais na banda apesar das minhas tentativas de aproximar os dois, mas se isso for verdade, farei questão de coçar minha careca imaginária com consternação sempre que experimentar a sensação de ter minhas tripas derretidas por Jeff Tweedy e sua turma, nos primeiros trinta segundos de uma música qualquer.


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Winter has come: coisas para fazer no inverno

Esse post faz parte da Blogagem Coletiva do Rotaroots, grupo criado para reunir blogueiros de raiz que sentem falta da blogosfera moleque e pé no chão. Para participar, junte-se a nós no grupo do Facebook mais cheio de nostalgia que já se teve notícia e coloque seu link no rotation. O tema desse mês é: 5 coisas para fazer no inverno
Inverno em Uberlândia é mais ou menos assim: de manhã faz um frio desgraçado, à tarde a gente morre de calor com as roupas de frio que usou pra sair de casa cedo, e à noite a gente volta a tremer de frio e jura que só vai sair de sapato aberto de novo em setembro. Todos os dias a mesma coisa. Aí de um lado ficam as pessoas que acreditam no frio, como eu, que saem encapotadas todos os dias, e aquelas que ficam se perguntando se esse ano não vai ter inverno de novo, enquanto passam do lado do meu moletom e do meu gorro de shorts e Havaianas. 

Apesar disso, sempre tem um período de uns quinze dias mais ou menos em que todo mundo concorda que o inverno chegou e que a constante é o frio. Como essa época aparentemente chegou por aqui, resolvi aproveitar a proposta de meme do Rotaroots e listar logo algumas coisas para curtir melhor esses dias que sempre passam rápido demais. 

#1 Tomar chá


Outono e inverno pra mim são sinônimos de Temporada da Boca Queimada. Isso porque eu dou um jeito de tomar chá de manhã, à tarde, e à noite, e mesmo com toda essa constância não fui capaz de adquirir a destreza necessária pra fazer isso sem queimar minha boca ao menos uma vez por dia. Adoro coisas quentes, muito quentes, e sempre subestimo a capacidade dos chás de arrancar fora um pedaço do meu céu da boca. Claro que dá pra tomar chá em qualquer época do ano, e chá gelado é uma delícia no calor, mas felicidade mesmo é sentir aquele mate te esquentar o corpo inteirinho e dar coragem pra abrir as janelas e encarar o dia, ou então ir pra cama mais cedo com uma caneca de chá de camomila e uma reprise de Downton Abbey na TV. 

#2 Ser gótica sem ser julgada


Só no inverno mesmo pra sair de casa inteira vestida de preto durante o dia sem que ninguém te olhe torto por causa disso. Quer dizer, não posso adivinhar o que se passa na cabeça das pessoas, mas gosto de acreditar que ninguém se importa se saio às nove da manhã embaixo de um céu azul de jaqueta de couro e coturno pra ir pra faculdade - afinal, tá frio pra caramba e cada um se vira da forma como acha melhor. Esses dias fui num show numa noite especialmente fria, e que coisa maravilhosa levar o look pirigótica que vejo no Pinterest para a vida real, ao menos uma noite na vida. Preto, couro e botas também não são privilégio do inverno, mas por experiência própria digo que é muito mais agradável estar vestida de acordo com o contexto do que ser a única de coturno do rolê - o que te coloca automaticamente na condição de criatura das trevas perto da galera alto astral, ou simplesmente te deixa com cara de viciada em heroína, como minha mãe adora dizer. 

#3 Andar por aí


Eu adoro andar a pé. Passear pelo centro da cidade é um dos meus programas favoritos, em qualquer cidade que eu esteja. Gosto de prestar atenção nas pessoas, nas casas, ver vitrines, ouvir música, me enfiar em desvios, tudo isso. O problema é que no calor (e em Uberlândia, fora do inverno, faz calor sempre) é um pouco complicado ser feliz nesses passeios, porque envolve o sol rachando a cabeça, a franja que gruda na testa, o rosto que fica brilhando, o suor que insiste em pingar. Ou seja, um monte de contras que atrapalham a delícia que é sair andando por aí. No inverno dá pra bater perna o dia inteiro, e mesmo quando o corpo esquenta, existe aquele contraste gostoso com o ar geladinho do dia, e o cabelo fica maravilhoso mesmo depois de uma tarde de bobeira no centro da cidade.

Ano passado eu passei alguns meses visitando uma instituição que atende moradores de rua, pra fazer uma reportagem. E a casa ficava nos limites da cidade, praticamente. Eram mais ou menos umas duas horas de ônibus, e aqui em Berlandinha isso é muita coisa. A salvação da minha vida foi que o período de mais visitar coincidiu com o frio, porque não sei se seria possível sobreviver pegando três ônibus e andando um monte com equipamento pra cima e pra baixo no calor. #dramasreais #jornalismodadepressão

#4 Tomar sol


Sol é sol em qualquer estação, mas eu amo muito dias frios de muito sol. Lembro da época da escola, quando no inverno a gente sempre ia pro pátio aberto ficar lagartixando ali pra esquentar de manhã cedo, e nos dias que eu tenho aula de manhã, sempre passo o intervalo tomando café e curtindo um solzinho na cabeça. Em casa, adoro deitar com Chico, o poodle, na sacada do apartamento, de modo que ficamos os dois ali curtindo um banho de luz e sentindo a vitamina D agir nos nossos organismos. 

#5 Livros, séries e filmes temáticos


Lembro que a primeira vez que assisti O Iluminado, eu estava em São Paulo em pleno inverno. E foi um inverno daqueles. Lembro que fazia mais ou menos uns sete graus lá fora enquanto eu assistia Jack Torrance enlouquecer no hotel Overlook fechado pra temporada de neve. A combinação de climas contribuiu totalmente pra construir uma atmosfera mais bacana pra ver o filme, e por mais bacana vocês entendam: muito mais tétrica, o que é ótimo. Outras sugestões: maratona de Game Of Thrones, o primeiro filme da trilogia Millenium, Deixa Ela Entrar, O Diário de Bridget Jones e Feitiço do Tempo. 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

DIY do dia: somos todas Kurt Cobain

Longe de mim endossar a patrulha de quem se importa se a mocinha de coroa de flores no cabelo e camiseta do Ramones precisa jogar Blitzkrieg Bop no Google pra ver como escreve ou saber do que se trata, mas algo morre dentro de mim sempre que vejo blogs de modas ensinando o bê-a-bá da moda grunge ou aquelas saias rasgadas nas araras da Renner.

Longe de mim chegar aqui com um discurso de que nossos ídolos que morreram aos 27 de overdose estão em cólicas no túmulo de vergonha da gente, embora eu acho que estejam, porque faço parte dessa engrenagem que transformou um mundo num lugar em que se compra uma calça rasgada e manchada numa loja de departamentos, com exemplares idênticos em várias cores e tamanhos, que podem ser encontrados nos melhores shoppings do país - afinal, reconheço que não existe nada melhor do que entrar na Renner e comprar camisa xadrez por quilo. 

GET THEIR LOOK! 
Acontece que há uns meses o universo me deu a chance de subverter as normas comuns, desafiar a sociedade e provar que existe dentro de mim o que quer que seja de um espírito libertário e irreverente que me autoriza a cantar All Apologies com um pouco que seja de autoridade moral, o que quer que isso seja.

Estava eu caminhando, lépida, faceira e atrasada, rumo ao ponto de ônibus. O vento passava pela minha pele, a brisa do outono desfilava sobre a minha figura, mas algo não parecia certo. Eu estava sentindo o ar frio do fim do dia onde não devia. Em outras palavras, eu tinha saído de casa com a blusa furada. Não era um furo qualquer, era um furo desses que acontecem quando o ferro de passar roupa fica grudado no tecido, a pessoa tenta arrancar de qualquer jeito e depois enfia de volta no armário, na esperança de você não usar mais aquela blusa ou então nunca reparar que tem um buraco maior do que seu punho aberto nas costas.


Como é de costume, eu estava atrasada. O ônibus passaria a qualquer minuto, sem me deixar tempo algum pra correr de volta pra casa e trocar de roupa. Eu não tinha nenhuma blusa de frio que quebrasse meu galho, muito menos a opção de usar esse incidente fashion como desculpa pra matar aula. E como situações desesperadoras pedem medidas desesperadas: num só impulso rasguei a blusa até o fim.

Bastou segurar nos dois lados do furo e desfiar o resto, o que ficou fácil porque o tecido era uma sedinha genérica bem fina. Amarrei as duas pontas num nó e dei uma bagunçada no cabelo, só pra garantir que estava tudo dentro de uma mesma proposta - tudo isso a tempo de fazer sinal pro ônibus parar.

Kurt motivacional
Quando contei a história pras minhas amigas, a Couth achou tão inventivo que sugeriu que eu fizesse um post com DIY e tudo, então fica aí a dica pras amigas:

Você vai precisar de 01 incidente doméstico e 02 mãos firmes pra rasgar o tecido - e 01 sutiã bonitinho pra usar por baixo, porque ele pode aparecer do lado, dependendo do tamanho do rasgo.

Feito o processo, ganhe as ruas da sua cidade ao som de Jesus Doesn't Want Me For Sunbeam, para melhor efeito dramático, ou corra por aí ouvindo Modern Love, incorporando a Frances Ha que existe em você, que corre e dribla as adversidades do dia-a-dia com muito estilo e bom humor. Ou faça como eu, siga empoderada pelo espírito rock'n'roll que existe no seu coração, e continue o caminho ouvindo Miley Cyrus e pensando que aquela calça desfiada que você viu na vitrine da Riachuelo ficaria incrível com seu novo trapo de estimação, a peça mais hypada da estação.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Louca por filmes

Estou gradativamente me desvinculando do futebol e acostumando meu organismo à realidade de que não vou mais assistir três jogos por dia, todos os dias, por um bom tempo. Assim, tenho tentado preencher esse vácuo existencial com alguns filmes. Que minha veia cinéfila tem andado obstruída (#ai #anna #vitória) não é novidade (saudades filminhos da vez), mas tenho revisto uns filmes queridos e essa tag que vi nos blogs da Natália e da Renata me deixou bem animada. É uma proposta bem simples, citar filmes de acordo com determinados itens, uma boa oportunidade de relembrar títulos favoritos, engordar a lista de coisas que quero reassistir e descobrir filmes bacanas vendo o vídeo dos coleguinhas e com as recomendações que vocês serão lindos o suficiente pra dividir comigo. 

Não indico pra ninguém em especial, mas ficaria feliz se vocês se animassem de gravar também, porque estou adorando ver esses vídeos. Fazia tempo que não gravava um, espero não ter perdido muito a mão - mão essa que, convenhamos, nunca tive. 


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Sete

Ou: Catástrofes que são engraçadas por serem muito ridículas

O último livro que eu li foi sobre um cara que colocou o futebol na frente de todas as outras coisas importantes da sua vida, e na maior parte do tempo a única coisa que ele recebeu de volta foi desgosto, decepção, e derrotas humilhantes - e eu achei isso inspirador demais. Meu filme preferido começa com um monólogo sobre a diferença entre fracasso e fiasco, e meio que gira em torno da nossa necessária redenção diante dos fiascos inevitáveis dessa vidinha besta. Eu gosto de uma série em que todos os personagens se ferram, sempre, e a média de mortes é tipo a média de gols da Copa: 3,5 por temporada. Já tive que ouvir que minha banda favorita faz música pra homem em crise de meia-idade. Discordo, claro, mas que Wilco funciona que é uma beleza quando a coisa tá preta, isso é verdade. 

Assim sendo, vocês me desculpem, mas tenho uma tendência insuportável de poetizar tragédias.


Não existe perspectiva que faça aquele placar de ontem doer menos, a não ser que vocês sejam fatalistas como eu e já estejam antevendo uma vitória argentina no nosso Macaranã. Pra quem diz que é só um jogo de futebol, que é só um bando de homens milionários correndo atrás de uma bola e cagando pra gente, pego emprestadas as palavras da Camila e digo que literatura é só um bando de palavras correndo atrás de um sentido, ativismo político é só um bando de ingênuos correndo atrás de um sonho. Cada um com seu bonde, correndo atrás do que acredita, e que bom que eles passam em linhas paralelas, e não divergentes, como alguns insistem em acreditar. 

Não existe justificativa, salvação ou lado bom da coisa. Perder de 7, em casa, daquele jeito (ainda penso que se me distrair um pouco vou olhar pra TV e ver que a Alemanha marcou de novo), é uma grandiosa bosta, bosta essa que nós vamos carregar pra sempre nas costas, e que vamos engolir amargamente no mínimo a cada quatro anos, e que vamos relembrar em seus sórdidos detalhes daqui 60 anos, quando nosso neto, aquela besta teimosa que resolveu fazer jornalismo, resolver fazer um trabalho sobre isso - igual um pessoal na minha turma está fazendo um trabalho sobre o Maracanazzo de 50. Mineiratzen: eu fui. 

Risos. Risos eternos.


Só que ontem, no meio daqueles seis minutos insuportáveis em que vimos nossa Seleção tomar quatro gols na cara da forma mais patética possível, peguei meu celular pra atender uma amiga Ana Luísa Bussular Marques aos prantos. Ela mais chorou do que falou, e eu, um belo consolo do outro lado, mais ri de nervoso do que consolei. Depois ela disse que se sentiria melhor se eu estivesse chorando também, e eu mesma queria ter, sim, chorado, sofrido largado. 

Mas era tudo tão bizarro e inacreditável que o clichê nunca foi tão preciso: seria cômico, se não fosse trágico. Não parecia um jogo, parecia uma pegadinha, um jogo duro de assistir do Rockgol, um esquete do Monty Python, sei lá. Não parecia um jogo. Acho que sofri mais com as derrotas do México, da Costa Rica e da Argélia do que com nosso vexame de ontem. Não é cinismo, juro, e nem coisa de quem vai embora do estádio antes do fim do primeiro tempo e queima bandeira no meio da rua. Pensei que eu fosse sublimar de tanta vergonha e humilhação, e queria enfiar todos aqueles jogadores embaixo do braço pra tirá-los dali, mas aguentei até o fim. Só que, da forma como foi, não deu nem pra sofrer. 

Eles jogaram, a gente não. Eles eram melhores, relaxamos. Eles chegaram junto, desesperamos. Quem não faz, leva, e quem não faz nada leva de 7. Parece discurso pragmático do meu pai, mas nem o ser humano mais passional do mundo diria que não merecemos. Dó eu tenho da Argélia. Injusto foi com o México. Pra nós, paciência. 

Isso não diminui minha torcida por aquele time, nem minha admiração por vários daqueles jogadores - sigo grávida de David Luiz e quero ter meu filho na Granja Comary. Isso não altera a realidade de que fizemos e vivemos uma Copa épica, a Copa das Copas de fato. De uma forma irônica, nossa derrota só contribui com o folclore. Perdemos, de 7, em casa, de um jeito ridículo - e corremos o risco de ver a Argentina ganhando. Sério, nem Monty Python escreveria isso tão bem. Goleada dói demais, agora eu sei disso, e vocês perdoem o limite que irei ultrapassar, mas existe uma poesia sádica numa derrota assim. Ou ganha arregaçando, ou perde arregaçado. 

MAGIC absolutamente me representa
(Eu sei que isso só fez sentido na minha cabeça)

O que eu realmente queria dizer, nesse sétimo e último post dessa saga, é que nesse ano eu vivi uma experiência com o futebol como eu nunca tinha vivido antes, e nem esperava viver. Tipo um affair tórrido com aquela pessoa que você menos espera, que aparentemente não tem nada a ver com você, que você ama com toda a alma e depois se estrepa até o último fio de cabelo, mas não se arrepende de ter vivido. Essa Copa me fez sofrer, me deixou tão nervosa que eu tremi e tive taquicardia das brabas, fez com que eu me apaixonasse por gente que nunca vi na vida, e me fez vibrar tanto a ponto de pensar que virar umas pingas seria uma ideia sensacional - eu, que nem sou dessas. 

A Copa me envolveu e eu fui envolvida por ela, com vitórias incríveis (Brasil x Chile, melhor pior dia da minha vida por muito tempo) e derrotas cruéis, o pacote completo. No true fiasco ever began as a quest for mere adequacy, diz o Orlando Bloom ao fim de Elizabethtown, e eu digo que essas decepções e vergonhas só sente quem vai pro campo, em corpo ou em espírito, disposto a levantar uma taça ou levar um sarrafo pra nunca esquecer. E eu, pessoa que passou muito tempo da vida observando o tempo passar na janela igual Carolina, com medo de me sujar lá fora, digo que participar é sempre melhor, mesmo quando é horrível. 


Copa das Copas: eu fui. E foi incrível. 

domingo, 6 de julho de 2014

Gatos da Copa, sim senhora

Ou: Um time de mozões


O clima ontem pesou por aqui, por isso hoje a gente só vai falar de coisa boa. Se tem uma coisa boa, ótima, sensacional rolando nessa Copa, é o desfile de homens bonitos, atléticos e viris nas nossas televisões. Depois de uma pesquisa muito bem apurada, feita com esmero tendo em mente os critérios jornalísticos mais honestos, cheguei à escalação final do meu time do coração. O esquema tático obedeceu única e exclusivamente os meus critérios pessoais para oferecer o jogo mais bonito possível, se é que vocês me entendem. 


David Luiz: O nome já diz tanto por si só, principalmente depois do jogo de ontem, que sinto não ser necessário justificar tanto assim minha escolha. Já teorizei demais sobre as informações contraditórias que seu físico nos envia, mas independentemente de qualquer critério objetivo de beleza, David tem um charme, uma bossa, e um não sei o que de homem com quem eu casaria sem me questionar muito, que aqui chamaremos de borogodó para não estender demais a conversa. David Luiz, que delícia de pessoa. 


Thomas Müller: David vem na frente só porque é brasileiro e não estamos em condições de esnobar a pátria amada assim, mas a paixão que bateu com força mesmo foi o Müller. Num time com mozões em potencial para tantos gostos e preferências, escolhi logo ele, tão errado com suas coxinhas finas, as meias arriadas, e o jeito desengonçado de jogar. Gosto dele justamente por causa desses detalhes, e não apesar deles. Quando vi ele tocando chocalho junto com os índios na Bahia, antes mesmo da Copa começar, eu soube que era amor. E foi amor em todas as vezes que ele deu uma piscadinha marota pra câmera durante o hino nacional, da expressão indignada que ele faz quando recebe uma falta - ele levou uma cabeçada no primeiro jogo -, o jeito como joga, e as furadas em que se mete - vide o tropeção que ele levou no meio de uma jogada ensaiada. Quanto mais pesquiso sobre ele na internet, mais ainda me apaixono, e tenho certeza que se ele fizesse parte de uma banda, ele seria o baixista fofo que dança de um jeito desengonçado no fundo do palco e sorri pras pessoas da platéia. 


Xabi Alonso: Barba. Ruiva. Acho que isso resume bem a questão. Um cara de barba ruiva não precisa de justificativas pra tomar de assalto qualquer coração ou lista despretensiosa de preferências, mas ele faz questão de fazer por merecer o seu lugar. O Xabi não é só uma barba ruiva por aí (como se elas fossem muitas!), mas é um estranho indie no ninho. Quem acompanha ele nas redes sociais, sabe que o moço coleciona cds, assiste séries como The Wire, Dexter e Homeland, e adorou o filme Drive. Ele tem bom gosto musical e escuta The Shins, Arcade Fire e Tom Petty. Mas talvez a única cartada melhor que ter uma barba ruiva, ao menos no meu universo, é essa: Xabi é fã do Wilco. Gato, you're trying so hard to break my heart.

Lukas Podolski: Quando soube que o Podolski estava no time dos reservas esse ano, quis de volta meus ingressos pros jogos da Alemanha. Na Copa de 2010 eu assisti aos jogos da seleção por causa dele, e se não fosse o Müller pra me consolar e posteriormente roubar meu coração, não veria sentido em ver um jogo da Alemanha se o Podolski não estivesse em campo. O Podolski é lindo num tipo de lindeza príncipe encantado. Meio sem graça e previsível, mas quando a genética capricha não tem muito pra onde fugir. Melhor ainda é seguir o moço nas redes sociais e ver que ele está encantado com o Brasil, focadão, postando em português e fazendo piadinhas. #TudoNosso #BrazilTeAmo #EToiss #poldi Podolski, fica aqui pra sempre, vamos ser felizes da Bahia e viver de amor, sol e caipirinha!



Iker Casillas: Casillas foi de luva de ouro da Copa de 2010 a goleiro tão desmoralizado que nem entrou em campo no último jogo da Espanha. As coisas não estão fáceis pra ele, mas nem os frangos que ele tomou esse ano diminuíram meu encantamento. Se algum dia eu seguir o jornalismo esportivo, é porque Sara Carbonero fez história e não tô em condições de dispensar a possibilidade, ainda que remota, de descolar um goleiro espanhol charmoso assim pra mim. 

Isso aí, cara, aplaude mesmo, parabéns pra você
Mats Hummels: Hummels é o que aconteceria se, num universo paralelo, o Louis Garrel resolvesse ter um filho com o Orlando Bloom. Apenas o melhor cruzamento genético da história. Não gosto de pessoas objetivamente bonitas, dessas perfeitas. Proporção áurea não está com nada. O Orlando Bloom, na minha opinião, é um caras que tem um rosto perfeito. Aí vem o toque Louis Garell, que bagunça um pouco a questão e deixa as coisas bem mais interessantes, europeias, do tipo que você não pode confiar e quem tem cara de treta. Prazer, Mats Hummels. 

Dante: Não sei se é porque ele é reserva e não recebe tantos holofotes assim, mas acho Dante uma figura deveras subestimada da nossa seleção. Até aquele ser fugido do jardim de infância que é o Bernard tem sua fanbase na internet, por que não o Dante? É um dos poucos caras que saiu bem na foto da figurinha do álbum, tem um sorriso lindo, e uma das tatuagens misteriosas menos creiças de todo o mundial. Apenas ansiosa para vê-lo jogar na terça-feira, e pra quem se alvoroçar, já aviso que vi primeiro. 

Robin Van Persie: Brandon Flowers grisalho e atlético. Fim de papo.

Mario Yepes: Cabelo grande e desgrenhado, barba mal feita. Yepes fica mais bonito suado e sujo num fim de jogo do que arrumadinho nas coletivas, porque o que interessa é a vida real e a força bruta. Pessoa que fica bem esculhambada e consegue transformar uma mão enfaixada numa coisa meio charmosa, olha, está de parabéns. Pode sair do campo e ir direto pro vocal de uma banda grunge, tipo um Eddie Vedder colombiano. 


Manuel Neuer: Vocês não sabem o efeito que 1,93 de altura tem na vida de uma garota de 1,74 que mora numa cidade de hobbits. É tipo uma loteria. Goleirão Nóia ganhou meu coração primeiro pela ironia: conheci ele no jogo contra Portugal, e o goleiro que deu trabalho à seleção se chama justamente Manuel. Meu senso de humor é bem sofisticado. Depois, fui prestando atenção e vendo que o moço é bom e usa todos esses 193 centímetros de altura pra fazer defesas sensacionais (ai minha nossa senhora do jogo terça-feira), ser lindo com a torcida, e cozinhar pros amigos na concentração. Fim de papo, we have a winner. Esses meus alemães me matam do coração qualquer hora dessas.

Wesley Sneidjer: Mais baixo que eu? Tô sabendo. Tem cara de playboy atrevido da Malhação? Com certeza. Foi um dos algozes do Brasil em 2010? E como fez raiva! Tem o melhor braço tatuado dessa Copa? Bote tatuagem misteriosa da paixão nessa conta.

I KNOW RIGHT????
Claudio Marchisio: Me ganhou depois de reclamar o cartão vermelho fazendo coxinha com a mão. Amo quando clichês se mostram verdadeiros, principalmente se é um clichê italiano. Marchisio é gato, bem vestido, tatuado, e parece que saiu de um comercial de perfume diretamente pro campo de futebol ao alcance do seu controle remoto. E italiano! E usa óculos de armação de tartaruga, pelo amor de Deus! Sucesso absoluto. 

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Hoje não vai ter Copa

Tô tão triste que não sei o que escrever aqui. Não sei nem se deveria, para ser bem sincera. 

A situação é tão crítica que me peguei pensando num texto da Tati Bernardi. Tem uma crônica na qual ela fala sobre ter uma voz na sua cabeça narrando tudo que lhe acontece, que surgiu quando ela tinha 12 anos e observava sua avó morta no caixão. Era como se uma versão romanceada daquele evento dramático estivesse sendo escrita na sua cabeça, um fenômeno que lhe acompanha desde então. Dói mais em mim do que em vocês, mas eu vou dizer que não apenas sei do que ela está falando, como tenho essa voz dentro de mim, preenchendo com figuras de linguagem, citações, algumas palavras difíceis e trilha sonora, tudo que acontece comigo. Algumas delas vão pro papel e outras vem parar aqui; algumas nem meu caderninho conhecem, porque ficam perdidas naquele espaço-tempo antes do sono, em que a gente lembra e esquece como foi o dia. 

Passei os quinze minutos finais do jogo em pé, suando frio, com as mãos e os joelhos completamente trêmulos. E quando soou o apito final, eu não consegui gritar de alegria, me jogar no chão de alívio e muito menos me livrar daquela tensão que acumulei nos ombros por 95 minutos. A Analu colocou isso muito bem: ganhamos, mas perdemos. 

Perdemos porque nosso craque, nosso ídolo, e o maior nome do nosso futebol no momento está machucado e fora da competição. Não foi um acidente, quem assiste os jogos vê com clareza que sempre tem dois ou três tentando quebrar o moleque. Era uma questão de tempo até dar certo, e foda-se se ele valorizava, fazia manha de vez em quando. Batiam pra machucar, e machucaram.

É ingenuidade pensar que isso não vai influenciar nosso jogo daqui pra frente, num momento em que as coisas já seriam mais difíceis numa situação normal. O mal estar não é pelo medo que a falta do Neymar nos tire da Copa, embora o receio exista, mas pelos requintes de crueldade de tudo isso. O menino é novo e estava vivendo o grande momento da carreira dele, numa competição mundial no Brasil, com seu povo torcendo por ele ali de perto. Quando vejo o replay da pancada e as imagens dele chorando de dor, numa maca de hospital, coberto por um lençol e parecendo tão atingido, chego a pensar que saiu barato. É tristíssimo que ele esteja fora do mundial, mas podia ser tão pior. Numa idiotice dessas ele podia ter perdido as chances de jogar (ou de andar, cruz credo), pro resto da vida. 

E aí que, jogada meio sem reação no sofá, sorumbática, eu tentava cavar em mim aquelas figuras de linguagem, as citações, minhas metáforas exageradas ou uma música qualquer que me permitisse transformar esse abalo, se não em graça, ao menos em alguma coisa mais substancial que essa chateação que me corrói por dentro. Assim como a Briony, de Reparação, eu sempre vi na escrita um jeito de ordenar um mundo caótico do qual eu pouco entendo, como se eu pudesse sair de mim e observar as coisas de fora de modo a torná-las menos assustadoras e mais coerentes. 

Mas hoje eu não consegui fazer isso, e nem sei se quero, não sei se devo. Alguma coisa se quebrou dentro de mim com esse desfecho inesperado de hoje, e acho muito louco que o sentimento seja tão forte em se tratando de algo aparentemente distante de mim. Não foi comigo ou com uma pessoa que eu goste, e vai ficar tudo bem. Tem gente morrendo por muito menos, de jeitos bem piores, infinitamente mais cruéis. Eu conheço a cartilha, me deixem. Hoje eu não quero colocar isso em perspectiva, ou transformar tudo numa metáfora emprestada do Hornby de que futebol é como a vida, não dá pra ganhar sempre e às vezes dá merda, fazer o quê?. Não tem piada ou trocadilho, e nem uma iluminação motivacional de que esse contorno dramático das coisas só vai dar mais garra aos meninos, de que agora vamos ganhar essa Copa pro Neymar. Espero que dê, mas não estou preocupada com isso agora.

Hoje, pelo menos hoje, não ter Copa não. Depois a gente volta com a programação normal, mas hoje não estou com vontade de brincar disso. 

Força, Neymar.

Diários da Copa

Uberlândia, 14 de junho de 2014
Querido diário,

Quando me disseram que teria muita Copa, eu não imaginava que seria tanta assim. Não sei como isso aconteceu, mas hoje assisti quatro jogos de futebol. Quatro. Num dia só. Com uma hora de diferença entre cada um deles. Passei o dia sozinha em casa: acordei e fui direto pro sofá, e vi que o jogo da Colômbia estava prestes a começar. Almocei por ali mesmo, vibrando de um jeito inesperado, e quando o jogo acabou, comecei a dançar Shakira pela casa. Antes que minha seleção de favoritas terminasse, outro jogo começou. Estava por ali mesmo e não tinha nada melhor pra fazer, de modo que assisti Uruguai e Costa Rica.

Depois do jogo, fui tomar um banho e pedi uma pizza, pra então assistir ao único jogo que eu tinha me programado pra ver nesse sábado inicialmente. Pizza, Itália, sabe como é. Não que eu esteja torcendo por eles (sou muito apegada à nossa condição única de pentacampeões para torcer pra seleção mais próxima de alcançá-lo), mas gosto da metáfora que existe entre comer uma pizza e mastigar os italianos, tipo o Marchisio, que é uma delícia. No fim não funcionou muito, porque a Inglaterra perdeu, mas vida que segue - é só a primeira rodada. Minha mãe chegou e me encontrou ainda de pijama, com meia pizza dentro do estômago e a desconcertante informação que eu tinha passado o dia inteiro por conta de futebol. Ela entendeu menos ainda quando eu insisti que ela não mudasse de canal depois da novela, porque eu queria ver o jogo do Japão contra a Costa do Marfim.

"Mas quem assiste Japão e Costa do Marfim na primeira rodada da Copa?", ela perguntou, e não sem razão. Pelo visto, eu. Eu tinha me tornado esse tipo de pessoa.




Uberlândia, 19 de junho de 2014
Querido diário,

Hoje é feriado de Corpus Christi, e meus tios e primos vieram do interior de São Paulo. Eles chegaram por volta das três da tarde, e enquanto rolava aquela confraternização familiar na cozinha da casa da minha avó, à espera das visitas, eu lia o caderno de esportes e acompanhava o jogo pelo celular. Meu pai não ficou muito feliz e me mandou participar, mas como jogar conversa fora quando a Costa do Marfim parecia que empataria o jogo a qualquer minuto?

Os tios chegaram, e o papo inevitável foi a Copa do Mundo. Quando comentávamos os jogos, minha tia se lamentava por não conseguir acompanhar mais partidas por causa do trabalho, e eu disse que até agora só tinha perdido Chile e Costa Rica. "Mas seu curso entrou de férias por causa da Copa?" "Na verdade, não". Silêncio constrangedor na sala, meu pai cerra a mandíbula quando pensa no meu futuro acadêmico. Eu me tornei esse tipo de pessoa, e parece um caminho sem volta.






Uberlândia, 20 de junho de 2014
Querido diário,

Hoje é aniversário da Carol, e nós saímos pra almoçar pra comemorar. O almoço foi na hora do jogo da Itália contra a Costa Rica, e eu queria muito dizer que não fiquei esticando a cabeça o tempo inteiro para saber o que estava acontecendo na televisão, mas não faz sentido mentir. Inclusive dei um tapa na mesa quando aquele gol saiu, e talvez eu tenha dito um pouco alto demais que a Costa Rica estava demais.

O papo estava tão bom que cheguei em casa no fim de Equador e Honduras, um jogo bem chatinho. Quis muito que tivessem me dito que eu não tinha perdido nada, mas todo mundo fez questão de dizer que o jogo da França contra a Suíça foi incrível e muito impressionante: 5x2 a favor da França, mas bom mesmo foi ver a garra dos Suíços. O dia com as amigas foi realmente muito bom, mas poderia ter sido melhor se Equador e Honduras tivessem se enfrentado na parte da tarde.




Uberlândia, 02 de julho de 2014
Querido diário,

Hoje não teve Copa. Na última sexta não teve também, mas a sensação era de um dia de folga depois de muito trabalho, hoje pareceu simplesmente uma penitência, até porque amanhã não vai ter Copa também. Pelo menos fui pra aula sem ficar pensando no jogo que eu estava perdendo, e aproveitei pra ir no cinema depois, coisa que vinha querendo fazer há um tempo, mas voltava atrás porque tinha jogo na TV.

Estava com pão-duragem preguiça de voltar pra casa de táxi, então fiquei esperando minha mãe me buscar na volta do trabalho. Arranjei um canto isolado na praça de alimentação e tirei meu Febre de Bola da bolsa, mas fiquei brava quando vi que tinha esquecido minhas flags. Está impossível ler por 10 minutos sem querer marcar alguma coisa, e não sei dizer se isso é bom. 

A Analu tinha me ligado durante o filme, então retornei a ligação quando cheguei em casa. Tagarelamos por 53 minutos, sendo que uns 15 deles foram a respeito do assunto que motivou a ligação de início, e o resto foi gasto com futebol. Quem vai entrar no lugar do Luís Gustavo? O Paulinho volta ou não volta? Nosso meio de campo precisa melhorar. O que o Felipão vai fazer com as laterais? "Amiga, se há dois meses te contassem que a gente ia gastar nossa conversa com o meio de campo do Brasil, você acreditaria?"

Não, claro que não. 




Uberlândia, 03 de julho de 2014
Querido diário,

Sonhei com os jogos de sexta a noite inteira e acordei cansada. Evitei pensar em futebol e notícias esportivas, me concentrei só nas pérolas da seleção alemã. Só não consegui escapar do caderno de esportes, que agora eu leio antes do de cultura, e descobri que Paulinho volta, e Fernandinho vai ser recuado. Fred e Daniel Alves ainda não mistérios. #ai #felipão

Consegui fazer minha tarde render na medida do possível, e como não tive aula (todo meu amor a professoras que resolvem despencar para o Congo no meio da semana), trabalhei um pouco, li algumas coisas da minha iniciação científica e até passei antivírus no computador. 

Saí pra jantar com o Matheus, e decidimos não falar sobre Copa. Não foi uma decisão nem um pouco nobre, é só porque já estamos apavorados o suficiente pra colocar o jogo de amanhã na caixinha da negação, e seja o que Deus quiser. Enquanto comentávamos coisas práticas (que dia é a final mesmo? onde vamos ver o jogo amanhã?), percebi que domingo que vem essa festa acaba, e não serão mais dois dias sem Copa, mas quatro anos e toda a lembrança desse mês maluco, intenso e maravilhoso pra me encher a lata de nostalgia pelo resto da vida. 

Quando tiver meus netos, vou contar pra eles da Copa de 2014 e jurar que não existiu e nem vai existir outro mundial como aquele. Eu vou me tornar esse tipo de pessoa. 

quinta-feira, 3 de julho de 2014

A problemática do David Luiz

Ou: Paixões circunstanciais


Comecei a gostar do David Luiz como uma personagem de filme adolescente que de repente se interessa por aquele cara que não tem nada a ver com ela, que senta do outro lado da sala. Poderia ser um bad boy, fosse eu uma mocinha de fita no cabelo, ou um nerd esquisito, fosse eu a rainha do baile. O que sei é que, de repente não mais que de repente, me vi prestando mais atenção do que o normal no menino David, sempre interrompendo minhas atividades para vê-lo em algum comercial ou notícia na TV e transferindo minha atenção para a zaga do Brasil, tirando o privilégio do ataque. Um dia, concluí resignada, que era amor. Não sabia explicar, só sentir. 

E eu não sabia explicar mesmo, porque até essa Copa nunca tinha gastado mais de três minutos do meu dia com ele. Lembro pouco da Copa das Confederações e estava por demais preocupada com Xabi e Casillas para ver correndo o cara do cabelo engraçado. Hoje, não sei como fui capaz de tamanho despautério, porque acho impossível assistir qualquer jogo do Brasil sem ficar vidrada nele. 

YOU WANNA A PIECE OF ME?

Antes de me render, como manda a cartilha dos romances inusitados, tentei encontrar justificativas racionais que explicassem tão profunda e irremediável queda, mas não havia. O cabelo, a princípio, parece um erro inquestionável, mas surpresa grande é ver que, se ruim com ele, pior sem e o rosto também não é lá grandes coisas. Que ele é uma ótima pessoa todos sabem, jogador idem, maior brasileiro de todos os tempos, etc, mas meu papo hoje é muito menos nobre e bem mais físico. 

Observando o David e outros jogadores do coração, concluí que essa bossa, esse frisson, e essa explosão de ovários que os caras tem nos provocado dia após dia, às vezes três vezes ao dia (saudades, fase de grupos!), vem muito mais da circunstância do que do próprio mérito. Talvez eu seja especialmente vulnerável a essas demonstrações de vigor e testosterona na minha TV, mas tenho a impressão que jogar bola transforma os caras, e pra muito melhor. Veja o Casillas: basta ver a figurinha dele no álbum da Copa ou qualquer outra foto, sério, o cara não nasceu pras câmeras pra perceber que o cara não é bonito, mas nem o sarrafo que ele levou da Holanda me deixou menos disposta a trocar de lugar com a Sara Carbonero. E eu, que nunca fui tiete do Neymar e ainda tenho dificuldades pra entender o apelo, dei o braço a torcer no jogo de Camarões. Até que ele é engraçadinho, né?

partiu jornalismo esportivo
Esse fenômeno das paixões circunstanciais não é novidade na minha vida. Sou maria-palheta e nunca neguei, e acredito cegamente no poder de um palco pra transformar qualquer zé roela desdentado em muso do verão, ardente tentação. Não posso ver um cara segurando um violão ou uma guitarra que minhas impressões se alteram completamente: pode até não virar amor platônico, mas nunca vou enxergar ele como um qualquer. É fácil defender isso quando se pensa em exemplos como Brandon Flowers, Alex Turner ou Dave Grohl, mas numa iluminação adequada eu encarava um Jeff Tweedy feliz da vida, e depois do show do Radiohead, quis beijar o Thom Yorke (O THOM YORKE) dentro de um carrinho de supermercado ao som de Fake Plastic Trees. 

Tô falando de rock, mas o buraco pode ser mais embaixo: penso que essas paixonites por jogadores de futebol são uma digievolução dos nossos romances imaginários com os membros de alguma boyband. Você sabe que aquilo é um erro, os cabelos são sofríveis, o figurino é lamentável, eles fazem coreografias cafonas e a maioria não canta nada, mas eu sei que todo mundo curtia o Justin mesmo na fase do cabelo de miojo, e eu já queria trazer todos os membros do One Direction pra casa antes mesmo deles virarem homenzinhos e passassem a ter barba na cara. 

Aí o tempo passa e a gente se pergunta o que tinha na cabeça para querer casar com o Justin Timberlake dos anos 90, como nunca percebemos que a chapinha que o Danny Jones fazia no cabelo não era nem um pouco legal, e que só comeu mais titica que o Harry quando tatuou aquela borboleta na barriga, quem um dia achou ela meio sexy (oi). Do mesmo modo, quando a Copa acabar, vou bater na madeira três vezes por três meses por, num impulso, ter gritado ME BEIJA, MESSI, depois de uma falta muito bem batida ou então por ter perdido tanto tempo investigando a namorada do David Luiz, morrendo de ciúmes dos dois se pegando na praia, na capa de uma revista de fofoca portuguesa meio antiga. 

Mas até lá, só consigo pensar que a única coisa mais linda do que sua empolgação comemorando os gols, só mesmo o que acontece com seu cabelo enquanto ele corre em campo.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Esse hábito de sofrer

Do pré até a oitava série, estudei com um garoto que aqui chamaremos de Jonas Alexandrino. Uma das coisas mais relevantes que se pode dizer sobre o Jonas Alexandrino é que ele era corintiano, realmente corintiano, literalmente desde criancinha. Não lembro muito das outras inclinações futebolísticas da minha turma na época, só sei que tinham muitos flamenguistas, alguns cruzeirenses, e que Jonas Alexandrino, se não fosse o único corintiano, era o mais zoado deles. E, por mais que eu tivesse meus motivos para querer zoar o Jonas Alexandrino e achar que ele merecia um pouco do deboche, eu admirava a lealdade quase estoica com que ele suportava a encheção de saco e ainda se orgulhava do seu time. Pedro negou Jesus três vezes, e mesmo quando o Corinthians foi rebaixado, o Jonas Alexandrino foi pra escola com a camiseta do time embaixo do uniforme. 

Eu e ele nunca nos demos bem e brigamos em todos os oito anos que estudamos juntos, mas eu sempre achei o máximo a sua relação com o time, que acabou se estendendo pra uma admiração pelos corintianos em geral. 

Nunca tive muita paciência pra acompanhar o futebol brasileiro, e minha família nunca foi disso. Por isso, nunca tive um time do coração. É isso que eu dizia pras pessoas quando o papo era futebol, mas a verdade é que eu não me achava capaz de suportar a prova sofrida de lealdade que é torcer pra alguém. Por muito tempo fui dessas que torcia pra quem estava ganhando, e comemorava como se tivesse sido criada enrolada numa bandeira, mas bastava um revés no jogo para que esse romance subisse no telhado e eu terminasse tudo por SMS.

Não me orgulho disso, mas também não me condeno. Eu demorei a perceber que, no futebol, sofrimento é a regra, e nunca a exceção, e ninguém nasce gostando de levar na cara, muito menos por vontade própria. Um dia comentei com amigos que eu gostava muito do Corinthians porque as tragédias dos seus torcedores beiravam a poesia, e eu sou totalmente a favor dessas poesias involuntárias que a gente encontra na esquina de casa ou esquecida na arquibancada, por mais forçadas que pareçam. 

O que eu só percebi com essa Copa é que sofrer e suportar não é privilégio ou sina dos corintianos, mas sim um verso tão universal quanto Vinícius falando de amor.

Ajuda Luciano Felipão

Essa é a primeira Copa que eu acompanho todos os jogos, na medida da minhas possibilidades. Isso significa que eu assisti quase todos até agora, mesmo, acho que perdi uns 5. E o que eu percebi foi que o jogo de qualquer seleção, mesmo um Irã contra Nigéria, me dava mais prazer do que ver um jogo do Brasil. Aliás, até agora, não fiquei bem em nenhum dos jogos do Brasil, são sempre os piores dias da semana. A culpa disso não é do Felipão, nem do Thiago Silva ou do Paulinho, mas foi minha postura que mudou. Pela primeira vez, acho que estou me entregando de verdade aos jogos e passo 90 minutos (ou mais) no limite entre a glória e a desgraça. 

Perto do final da partida, eu me preparei pro sofrimento que me engolfaria por inteiro, como havia acontecido no jogo contra o Swindon. Estava com quinze anos, e cair no choro não era uma possibilidade como fora em 1969; eu me lembro de ter ficado com as pernas levemente bambas quando soou o apito final. Não lamentava pelos outros torcedores ou pelo time, mas por mim mesmo, embora perceba, hoje, que todo o sofrimento com futebol é assim. (...) parece inconcebível, ali, que algum dia a gente vá se permitir ficar tão vulnerável outra vez. Sentia que não tinha mais coragem de ser um torcedor. Como encarar uma coisa dessas de novo? Será que eu ia ser obrigado a voltar a Wembley a cada três ou quatro anos, o resto da vida, pra me sentir daquele jeito?

{Febre de Bola - Nick Hornby, pg. 96}

No jogo do último sábado, eu sofri como nunca. Assisti o jogo com amigos e tinham mais ou menos umas 15 pessoas na festa. Dessas 15, só umas quatro estavam realmente se importando com aquilo - o resto tava ali pela farra, torcendo pros feriados no meio da semana não acabarem, no máximo. Eu não abri a boca nem pra gritar da segunda metade do segundo tempo até o fim da prorrogação, e quando aquele chute do Chile bateu na trave faltando dois minutos pra prorrogação acabar, eu senti uma tristeza tão genuína que meus olhos encheram de lágrima. Minha amiga, uma das quatro que se importavam, pegou no meu braço e disse assim: se tivesse entrado a gente tava fora. Engoli essa ideia como se fosse um tijolo de gelo, que só foi derreter sábado a noite, e que voltou a se solidificar hoje. Sexta-feira tem mais e ninguém sabe onde isso vai dar, e eu não sei se tenho coragem de passar por isso de novo, se eu quero mesmo fazer isso comigo.

Somos Todos Thiago Silva
É claro que eu quero, é claro que eu vou, porque a essa altura, já estou por demais envolvida com a competição para simplesmente deixar pra lá, e tenho sentido um estranho orgulho de mim por isso. Tenho lembrado muito do Jonas Alexandrino e o admirado ainda mais, a ele e a todos os outros meninos e meninas com quem eu estudei, que tão cedo tiveram essa elevação espiritual para se jogar de cabeça num hobbie tão sofrido, sem medo de ser infeliz. Precisei de vinte anos pra chegar até aqui e descobrir que se envolver é sempre melhor do que observar de longe, apesar de não ser exatamente confortável e emocionalmente saudável.

E esse hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança corintiana. 

Tinha descoberto, depois do jogo com o Swindon, que lealdade, ao menos em termos futebolísticos, não era uma escolha moral, como a coragem ou a bondade; parecia mais com uma verruga ou um caroço na pele, algo com que a pessoa acaba tendo que conviver.

{Febre de bola - Nick Hornby, pg. 51}