sexta-feira, 4 de julho de 2014

Hoje não vai ter Copa

Tô tão triste que não sei o que escrever aqui. Não sei nem se deveria, para ser bem sincera. 

A situação é tão crítica que me peguei pensando num texto da Tati Bernardi. Tem uma crônica na qual ela fala sobre ter uma voz na sua cabeça narrando tudo que lhe acontece, que surgiu quando ela tinha 12 anos e observava sua avó morta no caixão. Era como se uma versão romanceada daquele evento dramático estivesse sendo escrita na sua cabeça, um fenômeno que lhe acompanha desde então. Dói mais em mim do que em vocês, mas eu vou dizer que não apenas sei do que ela está falando, como tenho essa voz dentro de mim, preenchendo com figuras de linguagem, citações, algumas palavras difíceis e trilha sonora, tudo que acontece comigo. Algumas delas vão pro papel e outras vem parar aqui; algumas nem meu caderninho conhecem, porque ficam perdidas naquele espaço-tempo antes do sono, em que a gente lembra e esquece como foi o dia. 

Passei os quinze minutos finais do jogo em pé, suando frio, com as mãos e os joelhos completamente trêmulos. E quando soou o apito final, eu não consegui gritar de alegria, me jogar no chão de alívio e muito menos me livrar daquela tensão que acumulei nos ombros por 95 minutos. A Analu colocou isso muito bem: ganhamos, mas perdemos. 

Perdemos porque nosso craque, nosso ídolo, e o maior nome do nosso futebol no momento está machucado e fora da competição. Não foi um acidente, quem assiste os jogos vê com clareza que sempre tem dois ou três tentando quebrar o moleque. Era uma questão de tempo até dar certo, e foda-se se ele valorizava, fazia manha de vez em quando. Batiam pra machucar, e machucaram.

É ingenuidade pensar que isso não vai influenciar nosso jogo daqui pra frente, num momento em que as coisas já seriam mais difíceis numa situação normal. O mal estar não é pelo medo que a falta do Neymar nos tire da Copa, embora o receio exista, mas pelos requintes de crueldade de tudo isso. O menino é novo e estava vivendo o grande momento da carreira dele, numa competição mundial no Brasil, com seu povo torcendo por ele ali de perto. Quando vejo o replay da pancada e as imagens dele chorando de dor, numa maca de hospital, coberto por um lençol e parecendo tão atingido, chego a pensar que saiu barato. É tristíssimo que ele esteja fora do mundial, mas podia ser tão pior. Numa idiotice dessas ele podia ter perdido as chances de jogar (ou de andar, cruz credo), pro resto da vida. 

E aí que, jogada meio sem reação no sofá, sorumbática, eu tentava cavar em mim aquelas figuras de linguagem, as citações, minhas metáforas exageradas ou uma música qualquer que me permitisse transformar esse abalo, se não em graça, ao menos em alguma coisa mais substancial que essa chateação que me corrói por dentro. Assim como a Briony, de Reparação, eu sempre vi na escrita um jeito de ordenar um mundo caótico do qual eu pouco entendo, como se eu pudesse sair de mim e observar as coisas de fora de modo a torná-las menos assustadoras e mais coerentes. 

Mas hoje eu não consegui fazer isso, e nem sei se quero, não sei se devo. Alguma coisa se quebrou dentro de mim com esse desfecho inesperado de hoje, e acho muito louco que o sentimento seja tão forte em se tratando de algo aparentemente distante de mim. Não foi comigo ou com uma pessoa que eu goste, e vai ficar tudo bem. Tem gente morrendo por muito menos, de jeitos bem piores, infinitamente mais cruéis. Eu conheço a cartilha, me deixem. Hoje eu não quero colocar isso em perspectiva, ou transformar tudo numa metáfora emprestada do Hornby de que futebol é como a vida, não dá pra ganhar sempre e às vezes dá merda, fazer o quê?. Não tem piada ou trocadilho, e nem uma iluminação motivacional de que esse contorno dramático das coisas só vai dar mais garra aos meninos, de que agora vamos ganhar essa Copa pro Neymar. Espero que dê, mas não estou preocupada com isso agora.

Hoje, pelo menos hoje, não ter Copa não. Depois a gente volta com a programação normal, mas hoje não estou com vontade de brincar disso. 

Força, Neymar.

8 comentários:

  1. Acho que eu tenho problema. Coisas graves acontecem e demoro pra perceber a gravidade. Não fiquei abalada como você na hora, mas quando deram a notícia de que Neymar tá fora, derrubei uma lágrima por ele. É só pensar que você tem uma chance única de estar no lugar e no momento mais significativos para você e de repente vê essa chance se extinguir. É triste para nós, que talvez tenhamos menos chance de ganhar, mas o que importa é que é triste para ele.
    Mas a copa continua e Neymar vai se recuperar. Agir como se ele fosse tudo o que importa nessa competição tira o valor que ela tem, seja lá qual for. Não é como uma banda que acaba quando o vocalista morre. Torcemos para o Neymar em campo (entre outros motivos, dependendo do torcedor) porque ele é do Brasil, não torcemos para o Brasil por causa do Neymar.

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  2. Anna,
    Que post bonito, meus parabéns. Fiquei meio sem palavras até, porque não tinha me atingido TANTO até ler esse post. Digo, atingiu, fiquei triste, mas só agora... senti? Não sei explicar.
    E ao ler esse post, eu meio que percebi: é tudo muito efêmero. A vida não é mais do que uma linha tênue entre o tudo bem e o não-tão-bem, e machuca muito quando isso é jogado na nossa cara. Ele podia não estar mais andando, você colocou bem. Graças a Deus que está. Ainda assim, essa fragilidade da existência da gente ficou bem, bem clara depois desse jogo.

    Não sei como a gente vai sair dessa. Espero que a gente consiga sair bem. Aliás, sempre fica bem, porque isso também vai passar. Mas, que passe logo.

    Dói muito ver um sonho morrer assim. É tipo você estudar cinco anos pra um concurso e, no dia da prova, sofrer um acidente. É muito triste.

    Enfim... :(

    Beijos

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  3. Ai, Anna.
    Comungo do seu sentimento. Me deu aperto no coração. Acaba comigo ver um sonho se acabar não pelo destino, pela vida, mas por intenção de outra pessoa. Sabemos que ele é jovem e talentoso, que terá chances de outra Copa. Mas, gente, é a Copa das Copas. Está na casa dele. No melhor momento dele. Qual menino que nasce no Brasil e não sonha com a Copa do Mundo, enquanto jogo futebol na rua, com gol feito de chinelos?
    Tá doendo em mim também. E concordo, hoje não tem copa por aqui também, não.

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  4. Te entendo Ana, na hora da pancada não pensei que fosse pra tanto, até por que o juiz deixou seguir o jogo. Mas depois que passei a saber a gravidade da lesão fiquei pasma. Pensei e agora sem Neymar, como vai ser? Acho que a minha ficha ainda não caiu, mas agora é seguir em frente, é desejar força, e quem sabe por um acaso ou milagre ele não disputa a final com a gente?! Força pra todo mundo agora!

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  5. Anna, parece até ironia do destino que uma das vitórias mais felizes (porque foi um dos melhores jogos da seleção nessa Copa) tenha terminado de um jeito tão amargo.
    Acho que no twitter vi você comentando que tava mais preocupada com o Neymar, mas na hora não pensei muito nisso, não. Pensei que era daquelas coisas que doem demais quando acontecem, mas que são """só""" a pancada. Daí, quando veio a notícia pouco tempo depois, fiquei tristíssima. E demorei pra perceber também que não era por causa dos próximos jogos ou por causa da Copa em si. Mas porque é triste demais ver alguém sendo roubado da oportunidade de até mesmo batalhar pra conquistar um sonho, ainda mais depois de um gesto claramente mal-intencionado da outra pessoa envolvida.
    Força pro Neymar, e sei que ele ainda vai disputar várias copas do mundo e encher de alegria quem gosta e admira o bom futebol. Mas *essa* copa, em casa, sendo empurrado por milhares e milhares de brasileiros a cada jogo, nunca mais, né? Acho impossível não sentir pelo menos uma pontinha de tristeza frente a isso tudo.

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  6. Hoje o clima tá assim em todos os lugares: "Fizemos nosso melhor jogo e acabou em desgraça". Já estou melhor que ontem, com mais esperança, mas to muito chateada. Fico pensando nele e no sonho que ele ~perdeu~. Aquilo foi tanta sacanagem que vamos amargar isso um tanto de tempo ainda. Mas tomara que amarguemos ganhando, né?
    Beijos! Te amo! E que venha Copa!

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  7. Bavis,

    Tô tão tão triste com isso, que nem sei. Lembrei dessa crônica da Tati que você falou e, meu Deus, como se aplica. Não tem muito o que dizer. Se pra nós, brasileiros, torcedores, já é ruim não ter Neymar na Copa, imagina o que isso significa pra ele. No auge da carreira dele, jogando uma Copa do Mundo no país dele, com os holofotes voltados pra ele, tendo a chance de ser o melhor do mundo, meu Deus. Que triste perder um sonho. Nem consigo imaginar a dor dele. Mas tô aqui de dedos cruzados, pedindo a Deus que ilumine nossos jogadores, para que a gente ganhe essa copa. Por nós e por ele. E pra ele. Beijos, te amo!

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  8. De todos os relatos que li sobre quem acompanhou a dor do Neymar, o seu é o mais bonito.
    Eu achava que não ia gostar dessa Copa mas até que estou acompanhando. E fiquei sentida pra caramba com o que aconteceu com ele. Senti a destruição de um sonho, entende? Uma alegria que foi se esvaindo e ficando sem chão.
    Tipo de crueldade que merece punição, sem dúvida. E que seja justa, sem exageros, para quem investiu contra ele.
    Sorte a dele ser jovem o suficiente para compreender que essa dor passa e que o futuro o aguarda com glória. Novas e melhores oportunidades virão, que assim seja.
    No momento, o que podemos desejar é a melhora plena.
    Abraços.

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