terça-feira, 27 de abril de 2010

Azul

Estar ali era estranho. Era como se todas as pessoas que agora riam em largos sorrisos fossem meras desconhecidas. Não o eram nesse momento, mas talvez depois passassem a ser. Essa idéia de final de ano, final de etapa, final de fase da vida a deprimia deveras. Pensavam todos na futura faculdade na qual estudariam, e ela o estaria fazendo também se não estivesse demasiado fatigada com todo aquele calor.

Pensou em se sentar nas grandes pedras onde rebentavam as ondas, porém o lugar já se mostrava ocupado pelo cara alto cuja cabeça talvez estivesse perturbada pelos mesmos pesares que agora lhe afligiam tão vigorosamente.

Saiu dali sem dizer palavra. Seu andar se assemelhava ao daqueles que andam perdidos pela madrugada, com o diferencial de que ela tão tinha a mínima vontade – e não seria equivocado dizer que não tinha ânimo – de encontrar o caminho de casa.

Só se deu conta que estava prestes a entrar no mar quando sentiu a areia, antes muito quente, ficar geladinha por debaixo de seus pés. E foi entrando, como se a imensidão azul a atraísse pra cada vez mais fundo, e mais frio.

Entendeu o que Bentinho quis dizer quando chamou os olhos de Capitu de “olhos de ressaca.” A maré estava alta, sabia ela que era perigoso entrar, mas o vai-e-vem daquilo era simplesmente tão hipnótico que a única coisa que ela queria naquele momento era fazer parte de todo aquele azul. E ser azul. Pra sempre azul.

Deixou-se ficar à beirada, onde brincam felizes as crianças enchendo seus baldinhos da areia melequenta típica de todas as praias. Lembrou-se que esquecera de despir a saída de praia branca. Tarde demais, agora já a molhara.

Lá das pedras ele pôde vê-la contemplar o mar. Desceu rápida e sofregamente do monte onde estava sentado e a ela foi se juntar. Sentou-se então sem fazer alarde, pôde vê-la bem de perto. Tinha ela um tanto de areia nas pernas, estava meio molhada, uma alça do vestidinho branco caída, revelando por debaixo o biquíni listrado. Ele acharia isso estranho em qualquer outra pessoa, mas com ela era diferente. Depois de muito pensar se esse era o mais sensato a se fazer, tomou-lhe a mão e apertou-a contra a sua. Ela não retirou, mas também não o olhou. Mudara de idéia, olhara pra ele, os olhos agora não mais tão aflitos, podia até dizer que eles sorriam. Não estaria ele enganado se o fizesse.

Ela voltou a olhar o horizonte. Repentinamente olhou-o de novo. Ele viu-se sem graça, e temia o rubor das bochechas que não poderia controlar. Ela sorriu. Um dos sorrisos mais sublimes que ele já vira.

Ali ficaram eles não saberiam dizer se por horas ou por míseros minutos. Têm horas que o tempo se torna obsoleto. Tornou ela a contemplar o horizonte e sorriu largamente. Os pesares haviam ido embora, mas a ressaca continuava lá. Viu naquele monte de azul a ressaca de Machado, e a do próprio mar, e viu a sua também a segurar-lhe a mão com força. Uma força meio sonolenta, um impulso que a arrastava sem pedir licença nenhuma, mesmo sendo ele um dos maiores cavalheiros que já conhecera.

Apertou-lhe a mão com força. Que venha todo o turbilhão.

O mar nunca estivera tão azul.

É, você que é feita de azul
Me deixa morar nesse azul
Me deixa encontrar minha paz
Você que é bonita demais
Se ao menos pudesse saber

(escrito em novembro de 2008)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Não gostei de Alice, e agora?

Eu sou uma pessoa que tem um problema muito sério: eu não consigo abstrair. E eu sou muito cabeça dura. Na verdade, eu sou assim em se tratando de cinema. Por exemplo, li o famoso Drácula de Bram Stocker e fiquei apaixonadíssima pelo livro e dei a bobeira de logo depois de terminar a leitura, assistir ao filme "Nosferatu", do cineasta alemão Werner Herzog. O filme é legal pra caramba, mas durante todo o tempo eu ficava tendo uns comichões de aflição pensando em tudo que estava incoerente com o livro e, no caso desse filme, há muita incoerência. Mas o filme é super legal. O mesmo caso com a adaptação mais fiel, o Drácula do Coppola, aquele com o Gary Oldman. Um filme tão bom e eu só lá, resmungando feito uma velha reumática sobre tudo que não estava certo.

Entendo que adaptar é difícil pra caramba. Foi difícil chegar a essa aceitação, mas eu finalmente entendi. Nunca um filme vai ser cem por cento fiel à qualquer coisa da qual ele se inspire, porque é impossível. Aí lendo entrevista do Tim Burton falando que, ao adaptar "Alice..." ele só se apropriou do universo mas criou um roteiro todo novo, minha cabeça começou a doer. Porque eu sabia que eu não ia engolir fácil uma mudança na história, sabia que não iria aceitar assim de pronto uma Alice com 19 anos fugindo de um casamento. Mas eu confiei, confiei porque Tim Burton mora no meu coração há tanto tempo que eu sabia que ele não me decepcionaria, não com uma história que eu gosto tanto, um clássico da minha infância.

Só que, na minha leiga opinião, existe sempre uma essência, de cada coisa que se use. Você pode alterar os fatos, mas não pode mudar sua essência. E foi nisso que, para mim, o Tim Burton errou. Assistindo "Alice no País das Maravilhas" eu não reconhecia a história, não reconhecia os personagens, não saquei qual era a do Chapeleiro (foi o que mais me incomodou, depois do gato de Chesire). Eu via tanta referência de outros filmes, principalmente do primeiro Crônicas de Nárnia, e custei a ver referência de Alice. Uma parte do filme mostra um flashback, com a Alice se lembrando da primeira vez que esteve em Wonderland, e me dá um aperto no coração, porque eu queria tanto que aquela fosse a história, que tudo parasse e recomeçasse dali, que ai, que droga. Talvez eu tenha ficado tão perdida porque não conheço a história do segundo volume de Lewis Carroll, "Alice No País dos Espelhos", e tenho a impressão que muito do filme é tirado de lá, como a história da Rainha Branca.

Não gostei da visão do Tim Burton sobre o Chapeleiro Maluco. Não gostei do Chapeleiro feito pelo Johnny Depp. Via tudo ali, menos Chapeleiro. Ele era uma mistura de Willy Wonka com afetações de Jack Sparrow, que tinha suas horas de ser adorável (porque estamos falando de Johnny Depp, apesar de tudo), mas era na maioria das vezes estranho. E constrangedor, como no final do filme.

Para mim, quem arrebenta é Helena Bonham Carter enquanto Rainha Vermelha (que até o Tim Burton beber perfume, era de Copas)! Ela está incrível e é, de longe, minha personagem favorita! A caracterização está incrível, a maquiagem demais demais demais, aquele cabecismo dela é ótimo, sem contar em toda a atitude it-queen. No final, estava torcendo para ela, a vilã da história, se dar bem, mas isso não é novidade, porque eu sempre torço pelos vilões.

Além da Rainha, o que mais curti no filme foi o visual. A fotografia do filme está impecável, e a Wonderland meio sombria que foi criada está linda de morrer. Verdade que fiquei muito aborrecida com o gato ser cinza com azul, quando na verdade ele é todo incrível com aquelas listras roxas, mas falando de imagem, estética, não tenho do que reclamar. E o figurino é um amor, Alice só usa vestidos lindíssimos, sem falar nos cabelos, maquiagens, principalmente a da Rainha Branca, interpretada pela Anne Hathaway. E lógico, a impressionante caracterização do Johnny Depp enquanto Chapeleiro.

Mas não se desanimem com as minhas reclamações, vão assistir ao filme! Grande parte das minhas percepções são devidas ao fato de que, como dito no início do post, eu sou muito cabeça dura e não consigo abstrair. É mais forte do que eu. Vocês não imaginam o quanto dói reclamar do Tim Burton e, principalmente, do Johnny Depp.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Lendo sobre o leite derramado

Acho sacanagem isso que o Chico faz com a gente, de colocar um trecho dos seus livros na capa do próprio. Sacanagem porque não tem como não querer ler depois daquele - na falta de uma palavra melhor - teaser. Lendo a capa, tenho vontade até de ler Estorvo, o livro dele que todo mundo odeia. Depois de muito namorá-lo na livraria (muito mesmo) e me segurar pra não lê-lo ali mesmo, comprei "Leite Derramado". Não foi pra mim, foi presente de aniversário para minha avó. Nada mais justo, já que é por causa dela que eu gosto tanto desse cara. Dona Cristina, pessoa linda que é, perguntou se eu não queria fazer as honras da casa e ler o livro primeiro, ela estava no meio de um e não queria colocá-lo de lado.

Foi o segundo Chico que li, o primeiro foi "Budapeste". São bem diferentes, a começar pelo estilo de escrita, entretanto acho ambos muito dinâmicos. A maior parte de "Leite Derramado" eu li em uma tarde, sobraram umas 10 páginas que foram postergadas por conta das provas na escola e, confesso, porque eu tenho esse apego aos livros e não quero que eles acabem nunca.

O primeiro capítulo, iniciado com o trecho da capa que, de tanto ler na livraria eu quase decorei, é sensacional. Sensacional porque é uma amostra do que vai vir adiante. Começa falando de uma cena bonita, de um sonho, e de repente bagunça, confusão, tudo que era já não é. Chico constrói um sonho lindo e logo o desconstrói e deixa a gente cheio de dúvidas na cabeça, e morrendo de vontade de saber qual golpe virá adiante. E nunca vi alguém bagunçar tão lindo feito ele, viu.

Um senhor centenário, num leito de hospital precário, conta-nos a história de sua vida. E de sua família, seus antepassados, e seus descendentes. Sua história de amor com Matilde e seus aborrecimentos com o fato de que, no mundo que ele vive hoje, pouco importa se ele veio de uma família nobre, de nome e outrora de dinheiro. A decadência de uma família, que vai dos píncaros da glória até a decadência progressiva. Tudo isso pela visão de Eulálio d'Assumpção, um homem que ora mostra-se doce, muito doce, ora possessivo, preconceituoso, insolente, machista, presunçoso, desiludido, tudo ao mesmo tempo agora.

Ele conta sua história para várias pessoas, para quem estiver lá pra ouvir. Ora a enfermeira, ora a filha, sua esposa Matilde que um dia saiu de casa e nunca voltou, novamente as enfermeiras displicentes. Ele pode começar uma frase falando de seu tataravô e pular, no espaço de uma vírgula, para a história de seu neto, ou bisneto, ou alguém que ele não se lembra quem é. É um homem doente, que provavelmente sofre do mal de Alzheimer e também da idade, e que já se contou tantas mentiras para encobrir aquilo que ele não conseguia encarar que chega num ponto que nem ele mesmo sabe dizer o que é verdade, o que foi invenção.

Falando assim, pode parecer que "Leite Derramado" é um livro desconexo e totalmente confuso. Confuso ele é sim, as vezes, mas que logo se esclarece. Repetitivo vez ou outra, algumas histórias são contadas mais de três vezes, e a cada vez muda um detalhe, mas não tomem isso como falha, mas sim mais um dos elementos que fazem dele um livro tão bem escrito e bem pensado.

E juro que não tô dizendo isso por puxa-saquismo exagerado ao Chico Buarque, juro que não.

Pra finalizar, deixarei aqui um trecho de "O Velho e o Moço", música linda de Los Hermanos, que tem um trecho que me lembra bem a proposta do livro:

Deixo tudo assim
não me importo em ver
a idade em mim
ouço o que convém
eu gosto é do gasto

Sei do incômodo
e ela tem razão
quando vem dizer
que eu preciso sim
de todo o cuidado

E se eu fosse o primeiro
a voltar pra mudar
o que eu fiz
quem então agora eu seria


domingo, 18 de abril de 2010

Objetividade: não trabalhamos

Tem gente que não entende quando eu digo que odeio escrever redações: "Mas você gosta tanto de escrever!", eles dizem, e mal sabem a bobagem que acaba de sair de suas bocas. Ao menos no meu caso, gostar de escrever é o mais inversamente proporcional possível a gostar de fazer redações e eu não vejo como isso poderia se dar de outra maneira.

Primeiramente, culpo os temas das redações. Por mais que vez ou outra haja alguma luz no fim do túnel com um tema interessante e que não tenha sido saturado pela mídia até sua última gota, a maioria deles são a respeito do que tem se falado (muito) ultimamente. Não acho de todo errado, já que a escola tem que nos preparar para as atualidades do vestibular, e fazer com que nos formemos jovens bem informados, patati patatá. Eu juro que eu entendo. Porém, existem coisas que eu acho que eles só cobram por tortura psicológica. Me diz quem ainda aguenta falar de aquecimento global, de legalização do aborto e da maconha, de analfabetismo, de preconceito, de cotas... Se for fazer um paralelo com os assuntos em alta na internet, seria como pedir pra falar do poder das mídias sociais, do futuro dos livros, da questão de compartilhamento de músicas, filmes, na internet. Eu, pelo menos, não aguento mais ouvir falar disso.

Minha professora de redação (que é um Alex deLarge na arte passar redações e mais redações pra gente, interessada apenas na ultraviolence, no horrorshow da coisa) passou 6 textos para fazermos. Mais precisamente as 3 propostas da primeira etapa do PAAES, e as 3 da segunda etapa. O problema é que os temas eram iguais em cada etapa, o que mudava era o estilo de texto. E os temas eram preconceito, na primeira, e analfabetismo funcional, na segunda. Imagine escrever três redações sobre cada tema, só mudando o tipo de texto. Tô pouco me importanto se um é uma carta ao Ministro da Educação e o outra é um artigo de opinião sobre uns gráficos infernais. É tudo a mesma porcaria. A fonte das ideias é a mesma, e ela seca. E como seca. A minha, coitada, a mata siliar já foi destruída, houve assoreamento, eutrofização dos corpos dos corpos d'água e toda a intempérie que vocês puderem imaginar. Perda total.

O segundo problema, é o limite de linhas. Ah, como eu queria ser dessas pessoas que lutam para conseguir escrever o mínimo, tem que encher linguiça, ah como eu queria! Escrevo meu rascunhozinho, leio, releio, corto aqui, mudo essas palavras, perfeito. Faço a leitura final e tenho até orgulho de mim, porque ainda que o tema seja um saco, eu tento fazer bem feito para parecer menos entediante do que já é. Aí vem aquela hora de passar a limpo na folha oficial. Logo de cara eu percebo que meu texto vai muito além do limite estabelecido. Algo como umas 10 linhas a mais. Então lá vou eu ter que cortar quase um parágrafo inteiro, espremer a letra, e sair cortando os chamados acessórios da língua. Advérbios, ênfases, alguns adjetivos.

Se antes meu texto era um look todo bem pensado, calça diferente, blusa de ombros marcados, ankle boot de inverno, tiara no cabelo, batom MAC, colar de correntes, muitos anéis nos dedos, esmalte Chanel, agora ele usa jeans, camiseta branca e all star preto. Só que um jeans fuleiro, uma camiseta amarelada, e um all star paraguaio. Rabo de cavalo num cabelo sem lavar, cara limpa com poros enormes, unhas roídas, carteira e celular guardados numa sacolinha de supermercado. Viajando mais ainda, antes meu texto era a Kate Moss, e agora ele não passa de uma Kristen Stewart pobre.

Eu costumo tirar boas notas nas redações da escola, mas não consigo ler aquilo e pensar que ficou bom. Ler aquele texto cru e sem expressão e pensar que sirvo pra escrever. Que sei escrever. A Luh esses dias twittou duas coisas que eu entendi muito, apesar de nunca ter escrito notícia na vida, e é uma resposta pra quem pergunta por que eu hesito tanto em prestar pra Jornalismo:


Não nasci pra ser objetiva e imparcial. Adoraria ser colunista de um jornal, ou escrever matérias fodas pra uma revista, mas sei que todo mundo começa de algum lugar. E, honestamente, não sei se esse preço eu quero pagar, já bastam os três anos de Ensino Médio.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Se Holly Golightly fosse loira

Assistindo a versão comentada de "Breakfast at Tiffany's" descobri que quando surgiu em Hollywood o burburinho que Blake Edwards adaptaria o conto "Bonequinha de Luxo", de Truman Capote, para o cinema, os agentes de Marilyn Monroe foram os primeiros a contactar a produção, pleiteando o papel principal, da maluquinha e ingênua Holly Golightly, para o furacão loiro. Foi um certo constrangimento para a equipe, pois Audrey Hepburn já estava escolhida para o papel assim que a idéia do filme surgiu. Dispensaram Marilyn Monroe. Ainda bem.

Para quem não sabe, por mais linda, doce e elegante que Holly Golightly possa parecer nas telas, ela nada mais é que uma acompanhante, como se diria na época, uma garota que ganha cinquenta dólares para ir ao ladies room to powder her nose. Algo como uma prostituta, sejamos diretos. Entretando, quando vemos Holly no filme, isso fica em segundo plano. Ou terceiro, ou quarto. É um detalhe quase irrelevante. E muito disso se deve ao elemento Audrey Hepburn.

Por causa de Audrey, o que fica de Holly na cabeça das pessoas é aquela doçura, a inocência, vemos a personagem em sua profundidade. A garota que se casou aos 14 anos, fugiu de casa para ir para NY, não compra móveis e não dá nome ao gato porque só se estabilizará quando de fato tiver tudo o que deseja, vai para a Tiffany no início da manhã quando está triste e se sente sozinha sem saber por que, sofre todos os dias com a ausência de seu irmão Fred. É um personagem tão sutil que um mero deslize faria dela mais uma dentre tantas interesseiras vulgares. Ou só uma burrinha. Era o que, ao meu ver, Marilyn Monroe faria com Holly Golightly.

Não digo isso por puro achismo. O filme "O Pecado Mora Ao Lado" é muito lembrado pela famosa cena do vestido, mas muito além disso, o filme é um "Bonequinha de Luxo" distorcido. Nele temos Richard Sherman, um tradicional homem e marido americano, que se vê sozinho no verão quando sua mulher e seu filho vão curtir os dias de sol no Maine. Ao chegar em casa da estação conhece uma loira espetacular (que não tem nome), uma nova vizinha que esqueceu as chaves. Acidentalmente um vaso cai do apartamento da garota na varanda de Sherman, que estava imerso em fantasias particulares sobre seu eu-sedutor e quantas mulheres ele já dispensou por sua fidelidade à esposa. Em sua imaginação, claro. Completamente desconsertado pela presença da garota, convida-a para um drinque e vai conhecendo-a aos poucos.

A garota é o protótipo da loira burra. Fala tudo que vem a cabeça, não liga para incovenientes - desconhece-os talvez. Não enxerga as artimanhas batidas de Sherman para seduzi-la, confessa que não sabe nada de música, se empolga ao tocar "Chopsticks" ao piano, aqui no Brasil o famoso "bife". Acha realmente o máximo o fato de ter participado de um comercial de creme dental, e repete o texto piegas como se fosse frase de um dos grandes roteiristas da era de ouro de Hollywood. Acaba dormindo na casa dele por causa do calor. Ela só precisava de ar condicionado e apareceu de surpresa no apartamento devido a uma divisória improvisada que fora feita na hora de dividir o duplex, facilmente destruída por uma chave de fenda. Ela era burra e rasa.

Já Holly Golightly conhece seu vizinho, Paul Varjak, ao abrir a porta para ele, novo morador que esqueceu as chaves. Ele pede pra usar o telefone, e vai ficando, e Holly desatina a falar sem parar, sobre o gato sem nome, sobre seus "clientes" ratos, seu amor pela Tiffany, seu querido irmão Fred ("you do look like my brother Fred, can I call you Fred?"), seu "emprego" de visitante do mafioso Sally Tomato na prisão e a estranha obrigação de voltar com a previsão do tempo. Um dia acaba dormindo na casa de Paul, porque fugiu de seu apartamento onde um cliente queria um pouco mais de regalias. Surgiu da escada de incêndio. Holly era, apesar de tudo, ingênua.

Fico imaginando se Holly Golightly em mãos erradas não teria se transformado na vizinha loira burra e bonita que desnorteia o average american man nas noites quentes do verão nova-iorquino. Em "O Pecado Mora Ao Lado" Marilyn, apesar de contribuir muitíssimo para a história, é uma mera coadjuvante, já que o filme todo só é tão bom devido a Tom Ewell, o protagonista, e a leveza que o diretor Billy Wilder soube dar, dando asas tão grandes a um filme que se passa, em sua maioria, em um só cenário. Já Audrey, como Holly Golightly, rouba para si todos os flashes e atenções do filme, sendo lembrada por esse filme até hoje. Para os que não conhecem o trabalho dela, a única referência de imagem que se tem, provavelmente, é a dela com seu imortal little black dress, óculos ray-ban, em frente a Tiffany's.

Que bom que as coisas se sucederam assim.


segunda-feira, 12 de abril de 2010

Bela Bela

"Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite."


É o que ela possui, os segredos da noite e também a não-citada-mas-presente delícia de poder sentir as coisas mais simples, além de sorriso fácil e conversa mais ainda, única explicação plausível para sermos amigas, já que não me imaginaria tão amiga tão de repente de uma garota que mal conhecia. Uns scraps trocados, conversinhas aqui e acolá no MSN, um recreio juntas e pá-pum éramos as mais novas amigas de infância. Porque é assim com qualquer um que é amigo dela, conversa um dia, assim como quem não quer nada, e logo depois, assim de sopetão já se faz presente na sua vida o abraço apertado, as deliciosas piadas internas e a constante companhia.

E por quantas vezes ela já não me salvou a vida, seja pra me acompanhar no cinema num filme que eu queria muito ver, ou em um aniversário só por conta de um garoto que eu queria muito ver, ou numa viagem para trazer bons momentos que eu precisava tanto ter, e ela também. E passam os garotos, as viagens e as tessalias da vida, e cá estamos nós, eu e minha querida Isabela, um dos maiores corações que já conheci e uma presença que apesar de não estar fisicamente presente tanto quanto eu queria na minha vida, está sempre, sempre ali, seja nuns encontros rapidinhos no meio da rua ou na porta da escola, ou numa troca divertida de DMs por Twitter, de coisas que podem achar besteira ou sonhos, mas a gente se diverte e acha a coisa mais legal e importante do mundo.

Completou recentemente a maioridade, e é incrível pensar que tem apenas 18 anos, pois já passou por tanta coisa, e carrega tanta bagagem de vida nessas costas que só me resta aqui desejar que um dia eu possa ser forte assim, que aprenda com você a ter essa força de segurar nas as dores do mundo e ainda assim nunca deixar de me divertir, como ela faz, como ela fez por tanto tempo. Que seus dias, minha querida, sejam dos mais iluminados que o céu puder te dar, e que você continue brilhando por aqui, acendendo a minha vida e a de todos que tem a felicidade de andar do teu lado.

Pra você, o de mais belo belo, minha bela, que houver nesse mundo, e nas palavras do poeta, que não te atinjam óculos nem tosse nem obrigação de voto.

"A água da fonte escondida
A rosa que floresceu

Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela

Piscando no lusco-fusco

Quero quero

Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela"

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Obituário.

Nasceu no sopro, numas conversas, numas sugestões, num dia qualquer d'um mês que não se tem nota. Cresceu entre telefonemas e identificações inesperadas e imediatas, embora tenha sido evitado, ou melhor, visto com cautela, pois pouco se sabia sobre suas dimensões, intenções e ao que de fato vinha. Sua infância fora superprotegida, vigiada, ainda que vez ou outra escapasse do cativeiro para dar uma volta e tomar parte em sonhos.

Era bom, era leve, tanto, mais leve que as palavras, que quase não era ditas. Não aprendera a comunicar-se tão cedo, já que crescera num meio fechado e com poucos convivas para trocar experiências. Mas era leve, era bom, e nem fora notado quando saíra da jaula em que vivia e fizera-se constante; primeiro discreto, mas logo ganhou asas.

Ingênuo, pensou que conhecia muito do mundo, mas na verdade vivera tanto tempo enclausurado que quando pode enfim inspirar fundo naquela atmosfera que ele tanto ansiava, de repente, não mais que de repente, faltou o ar. Asfixiou-se. Doeu. Apertou muito os olhos porque temia o que lhe aguardava. Percorrera um tortuoso túnel onde tivera contato com palavras, sensações, sentimentos com os quais nunca lidara antes. Quando percebeu, bateu com força no fundo do mar. Onde estava a resistência do ar quando mais precisava dela, para impedir seu tombo, o salto de cabeça? Faltou o ar, faltou o ar.

Abriu os olhos e, diante do que viu, podia respirar, profundamente, embaixo d'água.

Galileu enganara-se ao dizer que o peso não importa quando se cai em queda livre. Bateu no fundo, depressa, pois havia pilha, havia espaço de sobra e vontade; peso. Entretanto, essencialmente, era tão leve, mais que as palavras, e já que quem puxa aos seus não regenera, flutuou até a margem e seguiu o que dizia a canção: aponta pra fé e rema.

Era jovem e destemido e talvez fosse esse o seu mal. Ninguém avisou-lhe dos perigos de viver à deriva, nem que isolar-se em uma ilha poderia ser nocivo, ainda que sempre lançasse ao céu fagulhas multicoloridas como se quisesse dizer para aqueles que esperavam por ele na margem "Ei, não se esqueçam, eu estou aqui!"

A ilha fê-lo tão tão seguro de si que passou a ocupar-se com outras coisas além de descobrir-se, o motivo original de toda aquela empresa. Explorou a mata ao redor, catalogou os peixes da região e chegou a aventurar-se por outras áreas e ilhas ali por perto. As fagulhas ficaram mais e mais ausentes e não era raro que aqueles que o conheciam pagavam-se a olhar para o céu, como era de costume, e pensavam com seus botões, "cadê aquele brilho que estava aqui?"

Ao passar de anos, a ilha distanciava-se mais e mais da margem, mas sem dar sinal de atividade. E se de longe não se via nem fumaça, se já não se ouviam seus sinais, como assegurar de que vivia, posto que nasceu no sopro, como chama e, quem diria, destinar-se-ia a um dia esvanecer?

A morte surpreendeu um dia que sonhava.
Ao pôr-do-sol, desceu entre sombras fiéis
À terra, sobre a qual tão de leve pesava.

Era atração e virou afinidade, era afinidade e virou carinho, era carinho e virou medo, era medo e virou entrega, que foi culpa, raiva, desculpa e pesar.

Turbou, partiu, abateu
Queimou sem razão nem dó -
Ah, que dor!
Magoado e só,
- Só! - meu coração ardeu.

Era leve e era amor. Era amor e virou lembrança. Era um nós que agora já não é ninguém mais.

Seu destino foi curto e bom...
- Não o choreis

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Mistérios de Pelicana III: a triste história de uma borracha.

Parte 3 - Final
Parte 2 aqui
Parte 1 aqui

Diariamente alguém questionava Lucas por Pelicana. Ele, inconsolado, respondia que não estava em casa, nem nos bolsos, nem nos estojos, nem nos materiais alheios. Era difícil a vida sem Pelicana. Ele e Naná compartilhavam o pesar porque, apesar de que todos da turma já terem usufruido da mágica borracha vez ou outra, só os Guardiões de Pelicana sabem definir o que é ter a posse dela, poder contar com ela na alegria e na tristeza, nos riscos inocentes aos rabiscos mais atrozes.

Até que um dia, enquanto procurava desesperadamente por sua carteirinha escolar, perdida dentro da bolsa, Anna Vitória sente um objeto estranho em meio aos seus pertences. Ainda que a bolsa da garota fosse uma Babilônia, uma terra de ninguém, ela bem sabia de tudo que estava ali dentro, desde os cadernos, até os papéis amassados no fundo - provavelmente informativos da escola e panfletos que ela ganhava na rua e ia deixando ali, até que achasse um lixo. Era definitivamente um objeto estranho. Como não dispunha de tempo naquele momento, afinal o objetivo mais importante era encontrar sua carteirinha antes que fosse pega pelos fiscais de pátio malvados, que provavelmente a impediriam de entrar no primeiro horário (de novo! sempre atrasada!), Anna Vitória deixou de lado o objeto estranho.

Se soubesse que de uma maneira ou de outra ficaria para fora da sala, a mercê de esperar pelo segundo horário, Anna Vitória teria de cara retirado os javalis e pôneys que carrega na bolsa e investigaria de pronto o objeto estranho. Mas só o fez quando se viu sozinha no pátio das árvores, com aquela brisa fria da manhã, e a perspectiva de 50 minutos vagos pela frente, e ela sem livro pra ler. Enfiou a mão na bolsa. "Não, isso é meu iPod, não, isso é um batom, não, isso é uma caixa vazia de anti-alérgico, opa, o carregador do meu celular que estava perdido, pera, pera, o que é isso?!!"

Quase caiu para trás a garota Anna Vitória, quase que perde os sentidos e fica caída ali na terra molhada pelo chuvisco da manhã. Não podia ser. Mas era. Pelicana. Linda, exuberante, inteira. Era a Pelicana de Lucas que retornara do Mundo Pelikan para entregar-se ao seu tão devoto dono, que de imediato entendera sua importância e significado. Ela mal podia esperar para ir para a sala de aula e mostrar as boas novas a todo o pessoal.

Não tivera muito tempo, porém, de fazê-lo antes do recreio. "Lucas, tenho uma surpresa para você", foi o que disse somente. Já no final do intervalo, enquanto Anna Vitória e suas amigas estavam imersas num interessante debate sobre a garota que passava todos os recreios sentada no meio do corredor segurando um dvd portátil (sério), Lucas aparece na sala. "E a surpresa?" Anna Vitória o conduz para sua mesa e retira da bolsa a Pelicana! Só os descobridores de uma arca perdida saberão partilhar fielmente do sentimento que acometeu Lucas naquele momento. Ele sorriu, pulou, abraçou Pelicana, saiu saltitando pela sala mostrando a todos quem voltara a seus braços. Apertou muito as bochechas daquela que lhe restituíra peça tão importante de sua vida escolar e foi feliz.

Atualmente, Pelicana II serve bem a quem precisa dela, e todos se enchem de orgulho ao vê-la trabalhando, ou somente ali, acolhida no estojo de seu guardião, junto de seus companheiros lápis, caneta e corretivo. A bem da verdade, ela não se dá tão bem assim com o corretivo, pois teme que este venha substituí-la qualquer dia desses. Apesar disso, a paz reina entre o Mundo Pelikan e o mundo real da galera divertida. Até quando, bem, isso deixo a serviço da Central de Inteligência Pelikan.

Fim.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Mistérios de Pelicana II: a triste história de uma borracha.

Parte 2
Parte 1: aqui!


No início de 2010 ninguém lembrava de Pelicana. Na verdade, ninguém se lembrava de praticamente nada relacionado a escola, uma vez que aquelas haviam sido uma das melhores férias de todos os tempos; ou dependendo do referencial, o ano anterior havia sido o mais infernalmente corrido em termos escolares. Fato é que ninguém estava afim de aula. Um belo dia, um Lucas muito saltitante tira algo do estojo e mostra radiante aos seus amigos: "Olha o que eu comprei, uma Pelicana!!!!". O regozijo foi intenso, afinal ninguém se lembrava mais como era uma Pelicana bela e plena, sem pedaços faltando. Um minuto de silêncio se sucedeu quando Naná, que permanecia traumatizada pelo fim trágico que levara sua querida borracha, retirou do estojo a coisa disforme e pequena que restara da Pelicana-mor.

Ficou acordado que a nova borracha poderia levar o nome de Pelicana, só que a antiga, a sofrida, a pobre Pelicana anciã deveria ser sempre lembrada como precursora da dinastia Pelicana, sendo logo promovida a Pelicana Mãe.

Mas, como diz o ditado, alegria de pobre dura pouco: "CADÊ A PELICANA?!! O QUE VOCÊS FIZERAM COM A PELICANA?????!!!!" berrava Lucas enquanto revirava repetitivamente seu estojo (que na verdade é um case de PSP onde ele também carrega lápis e caneta), sua pasta, seus bolsos.

Uma vez que todo o grupo era formado por crianças de oito anos aprisionadas em corpos de adolescentes de dezesseis, Lucas logo iniciou suas acusações, já que um dos passatempos mais corriqueiros observado nesse grupo de pessoas é pegar as coisas dos coleguinhas e esconder, just to the hell of it, como diria Holden Caulfield. O primeiro acusado fora GOX, vulgarmente conhecido como Filipe, sem nenhum motivo aparente. Ofendido com as acusações iniciou um intenso bate-boca com Lucas, o Chato, já que é de hábito desse estudante obcecado por bochechas perder suas coisas, ou simplesmente esquecê-las em casa, e acusar seus pobres amigos de roubo. GOX logo fora absolvido e retornou a sua cantoria solitária de músicas traduzidas de Lady Gaga, enquanto Lucas, imerso em uma fúria de titã, voltou-se para Matheus, um habitué no que diz respeito a roubar coisas dos outros, que detem a posse da uma caneta vermelha da sofrida Anna Vitória; a cara de pau dele é tamanha que falando ele até a convence de que a caneta sempre fora dele, e quem quer roubar, no caso, é ela. Pobre Anna Vitória!

No frigir dos ovos, todas as mochilas foram reviradas, no estojo de Matheus apenas fora encontrado um lápis de escrever de Naná; nas coisas de Naná não havia nada demais, só uma pequena bolsa cor-de-rosa onde se encontravam um espelho, anti-ácidos e fósforos; na bolsa mágica de Anna Vitória pôneys coloridos saltaram, enfeitiçando a todos com muito amor; e nas coisas de Sofia haviam apenas alguns desenhos de girassóis; já na de Caio, depois do incidente com as velas, ninguém se arriscou a mexer. De Pelicana, nada, só a triste e breve lembrança.

Foi uma semana difícil para Lucas. Desolado e solitário na Barreto's Mansion ele andava, cantarolando baixinho "Vento no Litoral" e se lembrando dos fugazes e intensos momentos que passara com Pelicana, "olha só o que eu achei... cavalos marinhos..." e via a ele mesmo desenhando cavalos marinheiros na parede da sala de cinema, e apagando-os com facilidade ímpar com a potente Pelicana.

Ele que não sabia que todo esse sofrimento seria recompensado pelo triunfal reencontro...

(continua...)