Estar ali era estranho. Era como se todas as pessoas que agora riam em largos sorrisos fossem meras desconhecidas. Não o eram nesse momento, mas talvez depois passassem a ser. Essa idéia de final de ano, final de etapa, final de fase da vida a deprimia deveras. Pensavam todos na futura faculdade na qual estudariam, e ela o estaria fazendo também se não estivesse demasiado fatigada com todo aquele calor.
Pensou em se sentar nas grandes pedras onde rebentavam as ondas, porém o lugar já se mostrava ocupado pelo cara alto cuja cabeça talvez estivesse perturbada pelos mesmos pesares que agora lhe afligiam tão vigorosamente.
Saiu dali sem dizer palavra. Seu andar se assemelhava ao daqueles que andam perdidos pela madrugada, com o diferencial de que ela tão tinha a mínima vontade – e não seria equivocado dizer que não tinha ânimo – de encontrar o caminho de casa.
Só se deu conta que estava prestes a entrar no mar quando sentiu a areia, antes muito quente, ficar geladinha por debaixo de seus pés. E foi entrando, como se a imensidão azul a atraísse pra cada vez mais fundo, e mais frio.
Entendeu o que Bentinho quis dizer quando chamou os olhos de Capitu de “olhos de ressaca.” A maré estava alta, sabia ela que era perigoso entrar, mas o vai-e-vem daquilo era simplesmente tão hipnótico que a única coisa que ela queria naquele momento era fazer parte de todo aquele azul. E ser azul. Pra sempre azul.
Deixou-se ficar à beirada, onde brincam felizes as crianças enchendo seus baldinhos da areia melequenta típica de todas as praias. Lembrou-se que esquecera de despir a saída de praia branca. Tarde demais, agora já a molhara.
Lá das pedras ele pôde vê-la contemplar o mar. Desceu rápida e sofregamente do monte onde estava sentado e a ela foi se juntar. Sentou-se então sem fazer alarde, pôde vê-la bem de perto. Tinha ela um tanto de areia nas pernas, estava meio molhada, uma alça do vestidinho branco caída, revelando por debaixo o biquíni listrado. Ele acharia isso estranho em qualquer outra pessoa, mas com ela era diferente. Depois de muito pensar se esse era o mais sensato a se fazer, tomou-lhe a mão e apertou-a contra a sua. Ela não retirou, mas também não o olhou. Mudara de idéia, olhara pra ele, os olhos agora não mais tão aflitos, podia até dizer que eles sorriam. Não estaria ele enganado se o fizesse.
Ela voltou a olhar o horizonte. Repentinamente olhou-o de novo. Ele viu-se sem graça, e temia o rubor das bochechas que não poderia controlar. Ela sorriu. Um dos sorrisos mais sublimes que ele já vira.
Ali ficaram eles não saberiam dizer se por horas ou por míseros minutos. Têm horas que o tempo se torna obsoleto. Tornou ela a contemplar o horizonte e sorriu largamente. Os pesares haviam ido embora, mas a ressaca continuava lá. Viu naquele monte de azul a ressaca de Machado, e a do próprio mar, e viu a sua também a segurar-lhe a mão com força. Uma força meio sonolenta, um impulso que a arrastava sem pedir licença nenhuma, mesmo sendo ele um dos maiores cavalheiros que já conhecera.
Apertou-lhe a mão com força. Que venha todo o turbilhão.
O mar nunca estivera tão azul.
É, você que é feita de azul
Me deixa morar nesse azul
Me deixa encontrar minha paz
Você que é bonita demais
Se ao menos pudesse saber
(escrito em novembro de 2008)