quarta-feira, 30 de março de 2011

Rob Fleming me entenderia

Rob Fleming (que no filme virou Gordon), o protagonista de High Fidelity, livro sensacional do Nick Hornby, tem uma obsessão por top 5, vai de os 5 melhores lado A de discos aos 5 mais traumatizantes e doloridos foras que já levou, mas a maioria mesmo tem a ver com música. Lá pro fim do livro, ele é entrevistado por uma jornalista que lhe faz a fatídica pergunta: qual são suas cinco músicas preferidas, de todos os tempos? Ele, claro, entra em colapso. Diz que esperou a vida toda para que lhe fizessem essa pergunta e agora que aquilo estava acontecendo, ele não conseguia lembrar de música alguma.

Eu, pessoa que adora uma lista e sofre de sérios problemas no que diz respeito a escolhas, não poderia entendê-lo melhor. E minha reação quando a Sofia me passou o meme pra escolher meus 10 filmes favoritos foi exatamente essa: branco, desespero, não lembro de filme nenhum.Tentei honrar todos, tentei falar pouco, tentei escolher 10, mas o máximo que consegui foram 12, divididos em duas partes: 6 filmes ordenados aleatoriamente e um top 6, onde a ordem faz a diferença.

Ordem aleatória:

"Love is too weak a word for what I feel - I luuurve you, you know, I loave you, I luff you, two F's..."
Annie Hall (Woody Allen): Muita gente provavelmente vai me julgar quando digo que me identifico muito com o personagem do Woody Allen nesse filme, um daqueles em que ele interpreta ele mesmo: judeu neurótico do Brooklin, viciado em análise, em constante crise existencial... Mas como não sentir um clique de identificação profunda com aquela cena em que ele se recusa a entrar no cinema com Annie - Diane Keaton mais maravilhosa e adorável que nunca com seus looks andróginos - por estarem 5 minutos atrasados? O monólogo inicial do filme já  me fez desistir de vê-lo, quando tinha 13 anos, mas hoje é uma das minhas cenas preferidas do filme. Difícil escolher um só do Woody Allen, poderia ter selecionado tanto Whatever Works como Crimes e Pecados ou A Rosa Púrpura do Cairo, mas fico com esse, pelas risadas e suspiros que se repetem mesmo tendo assistido muitas e muitas vezes.

 
 "Life moves pretty fast. If you don't stop and look around once in a while, you could miss it."
Ferris Bueller's Day Off (John Hughes): Ao contrário de muita gente que viu esse filme na Sessão da Tarde, tive que comprá-lo em DVD pra então assistir, e coincidentemente o fiz num dia que cheguei bem perto de um surto psicótico por causa de escola. Dizem que John Hughes conseguiu captar o espírito de toda uma geração com seus filmes, mas ouso dizer que ele foi além, já que mais de vinte anos depois, ainda acho  as propostas dele pertinentes - aliás, selecionar somente esse dele foi um parto, que "Pretty In Pink" fique devidamente mencionado. Pode passar por comédia boba um simples dia na vida de um cara que resolve matar aula com sua namorada e seu melhor amigo, mas em termos de filosofias de vida e ensinamentos, Ferris Bueller é um dos meus gurus, a quem recorro quando me sinto em parafuso com coisas pouco importantes. Minha cena favorita é aquela em que Ferris causa no desfile da cidade e ouso dizer que o filme só seria melhor  Molly Ringwald interpretasse Sloane, a namorada.

"I don't love you anymore. Good-bye"
Closer (Mike Nichols): Closer é uma porrada. Tamanha, que toda vez que assisto eu me pergunto porque faço esse tipo de coisa comigo. Você termina o filme se sentindo meio mal, mas ao mesmo tempo maravilhado, com aquela sensação que só existe depois que você assiste algo realmente muito bom. Closer é um filme sobre amor e sobre como as pessoas são podres, infantis e inseguras, de forma hardcore e crua, sem a intenção de querer absolver personagem algum, mas, sem querer condená-los também. Minha mãe nunca foi de me censurar com filmes, e Closer foi um dos poucos que inicialmente ela vetou, não pelos motivos tradicionais (porque o filme é meio pesado em termos tradicionais), mas por ela considerar que era coisa demais pra minha cabeça. Ela também é viciada nele e sempre assistimos juntas, seja no dvd ou de madrugada, dublado, na televisão. O elenco é demais e tem uma das cenas de abertura mais bonitas de todos os tempos.

"I didn't realize I was disturbing you. You see, every once in a while I suddenly find myself... dancing."
O Picolino (Mark Sandrich): Fred Astaire não dançava como Gene Kelly, não tinha a voz de Frank Sinatra e nem era tão bom ator como o Bogart, mas dançava, cantava e atuava com tanto charme e graça que, segundo meu pai, eu assisto esse filme segurando um sorriso bobo e distraído no rosto do início ao fim. O filme é de 1935 e nada mais é que uma comédia romântica musical das mais batidas, mas gosto muito mesmo assim, porque nunca me canso de ver Fred Astaire na tela, fico hipnotizada por ele, também adoro as músicas do filme e, principalmente, os números de dança, que são belíssimos.  Juro, se fosse fazer uma festa de 15 anos dessas com valsa e tudo que tivesse direito, minha dança de debutante seria "Cheek to Cheek". Valsa da Cinderela é para os fracos.

"I'll make an offer he can not refuse"
O Poderoso Chefão (Francis Ford Coppola): Quando você perde a conta de quantas vezes já viu um filme com três horas de duração, é porque realmente gosta muito dele. Esse é meu caso de amor com O Poderoso Chefão. Tenho uma paixão enorme por filmes de máfia, e esse do Coppola é um marco do estilo. Aprendi a gostar com meu avô, que mal consegue acertar o nome dos netos, mas repete as falas junto com o elenco, e a preferida dele, e a minha também, é "Leave the gun, take the canolli". Adoro a frieza, adoro a italianada no casamento no início do filme, me derreto completamente pelo Al Pacino, tanto no início do filme, com aquela carinha de bebê, como no desenrolar da história, sentado naquela poltrona, o rosto torto por causa de uma pancada. Arrepio inteirinha quando ouço o clássico tema e se tudo der errado eu fujo pra Sicília e viro mafiosa.

"I expect you're tired of hearing this, but you look so like your father. Except your eyes. You have..." "My mother eyes."
Harry Potter: Me sentiria mal de não incluir a saga nessa lista, seria desmerecer a enorme importância que ela tem na minha vida. Claro que, se tivesse que escolher, optaria pelos livros, mas os filmes tem grande importância na minha vida: de pensar em casa um, me lembro da ansiedade antes da estreia, as bagunças, filas, briga por lugares no grande dia, de choros, risadas e xingamentos no cinema, segurar a mão dos amigos com força, cravar as unhas em braços alheios de tanto nervoso, mesmo sabendo o que vai acontecer em seguida. Eu tinha sete anos quando assisti ao primeiro filme, no cinema, e com 17 me despedirei definitivamente da série. Harry, Rony, Hermione e eu crescemos juntos, nos livros e no cinema e pensar em cada um é pensar em diferentes épocas da vida e sentir uma saudade gostosa. Dos sete já lançados, meu favorito é o terceiro, "Prisioneiro de Azkaban" - sim, o fato de ter o Gary Oldman no elenco influencia muito -, e o que menos gosto é o quarto, "O Cálice de Fogo".

Ah, repasso o meme para Kamilla, Taryne, Renata, Amanda e Luiza

domingo, 27 de março de 2011

Felicidade clandestina

Quem primeiro me contou essa história foi minha professora de ballet, que leu a crônica pra gente ao final de uma aula. Me identifiquei de imediato com a Clarice criança, menina pobre do Recife que amava livros e não podia tê-los. Sofreu com uma tortura lenta, arquitetada pela mente ardilosa da menina ruiva e gorda, filha de um dono de livraria, que lhe prometera emprestar Reinações de Narizinho mas, dia após dia, inventava desculpas à menina que, ingenuamente, batia na porta de sua casa, na crença cega que um dia poderia conseguir o livro. Quando a mãe da ruiva descobre a crueldade da filha, imediatamente entrega o livro à Clarice e diz para que ficasse com ele o quanto quisesse. Ela, mal acreditando no que havia acontecido e querendo aproveitar com mais intensidade a experiência de ter o livro - que antes parecera tão irreal - inventava barreiras entre ela mesma e ele, fingia que o havia perdido só para encontrá-lo, "(...) fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga..."

Meses atrás, ano passado ainda, li uma coluna do Álvaro Pereira Júnior falando a respeito de um livro que ele lera e que o empolgara e surpreendera muito. Adorei o que ele escreveu sobre a história e quis aquele livro desesperadamente. Recortei a coluna do jornal, para lembrar-me de procurar pelo livro na internet, mas acabei perdendo o papel. Cabeça de vento que sou, não me lembrava nem do nome nem do autor da obra, e perdi algum tempo tentando encontrar aquela coluna publicada em algum site ou blog, mas nada. Até que no final do ano, o mesmo colunista fez sua lista de melhores do ano e adivinham qual livro foi o eleito? Aquele, que eu tanto queria ler. "One Day", de David Nicholls. Dessa vez não recortei a coluna, mas guardei todo o caderno do Folhateen e deixei aberto na minha mesa, para não esquecer. Achei pra comprar na Livraria Cultura, mas como era época de festas de fim de ano, deixei pra pedir depois do Natal, evitando aquela dor de cabeça com o caos que os Correios viram nessa época. Acabei esquecendo. De novo.

Quando estava em São Paulo, em janeiro, passei na Cultura e procurei o livro, mas eles não o tinham em estoque na loja do Bourbon, onde eu estava, só no Conjunto Nacional. Sem tempo de dar um pulinho lá, voltei pra Uberlândia sem o livro. Chegando aqui, encomendei-o, imprimi o boleto e pedi pra minha mãe pagar quando fosse ao banco. Mamãe, claro, não só esqueceu de pagar como também perdeu o boleto e não me avisou. E eu aqui, esperando feito idiota o livro chegar. Parecia que quanto mais eu não conseguia o livro, mais vontade de lê-lo eu tinha, só de pirraça. Lá fui eu novamente fazer o pedido e dessa vez dei um jeito de um mesma pagar.

Sou tão esperta que fiz o pedido logo antes do Carnaval, de modo que o feriado atrasou ainda mais a chegada do dele. Assim que a folia acabou, acessava umas três vezes por dia o site de acompanhamento de pedidos para ver onde meu pacote estava. Quando vi que havia chegado em Uberlândia e estava a caminho, uma lágrima caiu. Interfonei pra portaria do prédio mais de uma vez naquela tarde, para saber se havia chegado alguma coisa pra mim. Todo esse estardalhaço por um livro parece pouco, mas eu estava com ele na cabeça há, no mínimo, uns seis meses. E quando eu quero uma coisa a esse ponto, o de se passarem seis meses e eu não esquecer, é porque eu realmente quero muito. Na mesma noite, estava tranquila em casa assistindo My Fair Lady, quando mamãe chega com uma caixinha de papelão nas mãos, "ah, isso aqui chegou pra você, o que é?". Abri a caixinha num desespero digno de criança em manhã de Natal, e soltei um "ai meu Deus que LINDO" ao tirar o livro do plástico bolha.

Pra completar, a edição era linda. Por nunca tê-lo visto, além da arte da capa na internet, não sabia o que esperar. Se tem uma coisa que amo nos livros importados é que as edições são geralmente muito bonitas e caprichadas, por mais que o acabamento seja meio vagabundo. A capa dele era maravilhosa, com um papel especial, título em alto relevo, cores bonitas... dá licença que tenho um fetiche com edições bonitas? Li duas páginas naquela noite, precisava ir dormir mas ao mesmo tempo não me aguentava. Coloquei o livro ao meu lado no criado e acordei mais feliz ao ver que ele estava ali. Coisa boa ficar feliz por tão pouco.

E, desde então, ando me fazendo de Clarice-menina diante do seu Reinações de Narizinho, ainda mais porque, ao virar de cada página, tenho achado o livro mais empolgante, divertido e envolvente, provando que toda a espera valeu a pena. Quero muito virar todas as páginas, mas ao mesmo tempo, não quero que ele acabe. E ficamos assim, o livro e eu: leio um capítulo, faço alguma outra coisa, pego outro livro e leio mais um pouco, até que volto à ele, releio o capítulo (sou uma dessas) e quase sem ver avanço umas trintas páginas e o ritual se repete, numa mistura de ansiedade e cautela, como uma menina apaixonada que ainda não se habitou à ideia que pode beijar o primeiro namorado quando bem entender.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Lili, que não amava ninguém

* Produto de divagações a respeito do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade.

Ela era bonita, sim. Dizia isso para si mesma enquanto, em frente ao espelho, enrolava com as pontas dos dedos os fios de cabelo caídos no ombro. Aproximou-se do vidro para verificar se não havia batom nos dentes e ouviu a campainha tocar. Alguém subiu as escadas correndo e logo entrou no quarto: era Teresa, que se deixou cair com a metade do corpo na cama, deixando as pernas pra fora, os pés calçados com sapatos brancos flutuando no ar. Acendeu um cigarro, ofereceu outro à amiga. "Apague isso, minha mãe pode sentir o cheiro", respondeu Lili secamente. Teresa jogou o cigarro pela janela e foi sentar-se ao lado de Lili na penteadeira.

"Acho que a gente devia ficar em casa", disse Lili depois de um longo suspiro. Odiava ter que fazer isso com Teresa. Sua amiga de infância tinha pais rigídos que só permitiam que a filhinha deles saísse de casa na companhia de Lili - Olívia para eles - e aquele baile era realmente importante para a amiga, mas a verdade era que ela não estava com a menor vontade de ver Joaquim. "Mas você prometeu! E eu prometi ao João que dançaria uma música com ele. Pra deixar o Raimundo com ciúmes." "O João sabe dessa última parte? Não é bonito usar os outros desse jeito, sabe Teresa." "Não seja boba, Lili, não estou usando ninguém. É só uma troca de favores. Agora me faça você um favor e largue de besteira, calce seus sapatos e vamos sair. Comprei esse vestido especialmente pra essa noite!". Teresa levantou-se a passou a girar pelo quarto, o vestido verde-água de seda pura flutuando nos ares. Ela não faria isso com a amiga.

No salão da festa as duas estavam num canto, tomando guaraná direto da garrafa, com canudinho. "Não gosto do jeito que o Joaquim me olha", resmungou Lili, "Por ser muito boba, ele é gamado em você e olha que não é feio. Dizem que vai estudar leis.". Joaquim havia completado dezoito anos recentemente, tinha os cabelos pretos e os usava penteados para trás, com gel. Insistia em deixar crescer um bigode de bastante mau gosto, talvez para disfarçar o rosto que ainda era de menino. Era perdidamente apaixonado por Lili desde sempre e, nunca obtendo resposta - positiva ou negativa - flertava com ela abertamente, pouco se importando se ela fingia olhar para um ponto fixo no teto. Ele gostava dela há tanto tempo que nem mais se lembrava dos motivos, só sabia que amava vê-la saindo do Colégio: as meias no joelho, a saia xadrez, carregando os livros displiscentemente. Algo nele dizia que aquela amiga dentuça dela, Teresa, é quem conspirava contra ele na cabeça da sempre distante, glacial e inatingível Olívia, e por conta disso, segredava com Raimundo, por quem a outra era declaradamente apaixonada, que ela mexia com vodu e fez fama com isso no Colégio das Irmãs. Ele, claro, havia inventado tudo isso, mas bem que podia ser verdade.

A única verdade sentimental que se podia afirmar era que Lili não gostava de ninguém. Não porque fosse má, frígida ou tremendamente exigente, simplesmente nunca sentira seu coração bater mais forte ao ponto de querer saltar pela boca - Teresa dizia que era exatamente assim que as pessoas se sentiam quando estavam amando. Gostava dos garotos. Ia ao clube nos sábados só para observar os maratonistas treinarem, os encarava fixamente por baixo dos óculos de sol que foram secretamente retirados da gaveta da mãe. Alguns passavam e mexiam com ela, coisa que era extremamente agradável e ela se contentava com isso. Uma vez, julgando-se enamorada, aceitou tomar sorvete com um deles após o treino, mas enquanto ele escorregava suas mãos enormes ao encontro das suas, pequenas e assustadas, a única coisa que pensava era no seu coração batendo tão forte ao ponto de lhe saltar pela boca. Pensava, claro, no por que de isso não estar acontecendo. Teresa falava de tudo isso como se fosse tão fácil e natural! Queria casar-se um dia, mas ainda esperava que se apaixonasse. Não é possível que todos os romances que lera eram mentira, que Teresa sentira aquelas coisas num delírio, ou então que Maria, a menina dada do terceiro colegial, fazia todas aquelas coisas que diziam que ela fazia sem ao menos um frisson para se guardar para que fosse recordado minutos antes de dormir. Não queria acabar casada com um homem feito Joaquim - meio bonito, meio rico, formado nas leis, péssimo gosto por cigarros de menta - e viver uma vida insossa e sem Amor, como seus pais pareciam viver. Fugindo disso, até o coração pular, ela esperava e tomava guaraná de canudinho, ignorando solenemente todo olhar apaixonado ou malicioso que à ela se dirigisse.

Sentou-se na mesa sozinha quando Teresa foi dançar música lenta com João, como prometera. Sentia dó do pobre coitado que era encantado por sua amiga maluca de sorriso sapeca e rosto angelical. João ia aos poucos colando seu corpo no de Teresa, que nem notava por estar demasiado concentrada em encarar Raimundo, que acabara de estourar um balão com a ponta do cigarro. O parceiro de dança, meio vidrado, parecia lidar com a indiferença de Teresa com resignação: encostava-se mais e mais ao corpo quente dela e quase poderia sentir as bochechas dela roçarem as suas, o cheiro adocicado que lhe saía da pele, a sensação dos fios de cabelo que escaparam ao coque fazendo-lhe cócegas leves no queixo; e ela tão distante sonhando com outro, mas não se podia ter tudo e as circunstâncias já eram bastante generosas para com ele. Fora do salão, Maria atracava-se com Joaquim. Estava cansada de saber que ele gostava mesmo era da sem sal da Lili, mas não era de ferro e Maria não era do tipo que era regida por algum tipo de moral. Sabia que ele só ficava com ela por frustração, mas não se importava. Achava que com ele o sentimento existia e, querendo vivê-lo em verdade e mutuamente, naquela noite decidiu que faria uma loucura: amaldiçoaria a vida de Lili com suas agulhas. Joaquim, se soubesse desses outros dotes da donzela, se acharia muito perspicaz por só ter errado o alvo da excentricidade, sempre soube que ouviu alguma aluna do Colégio comentar alguma coisa sobre uma loira maluca que fazia vodus em troca de dinheiro pro ácido.

Maria chegou do baile e ao tirar o echarpe percebeu que conservava o cheiro da fumaça de mentol que Joaquim exalava. Teve certeza que a coisa certa a se fazer era mesmo amaldiçoar Lili, e o fez acreditando pela primeira vez naquela brincadeira perigosa, que pagara metade dos seus vestidos e todos os porres e viagens de sua vida.

Efeito do vodu ou não, três semanas depois Lili quebrou o tornozelo enquanto desfilava pelo clube, e quem a atendeu no posto médico foi um simpático estudante de Medicina chamado Juca, que anos depois veio a ser Doutor J. Pinto Fernandes, ortopedista. Ela por sua vez, tornou-se Dona Olívia Pinto Fernandes, mas foi Lili quem sentiu o coração bater forte parecendo que pularia pela boca, e foi natural e simples, assim como o sorriso de Juca e as bochechas vermelhas dele ao ser informado de que tinha um pouco de pó de gesso nas sobrancelhas.

Ela e Teresa mantinham correspondência fiel e constante, Lili do centro da cidade e a agora irmã Teresa de um convento no interior. Eis que a espoleta e inconsequente Teresa Cristina aceitou Jesus Cristo como seu esposo ao saber pelo rádio que Raimundo morrera de desastre de avião, dele mal sobraram as cinzas. Lili, que até então achava que o único amor verdadeiro da amiga era James Dean, sentiu-se mal por nunca ter acreditado ser sincera a paixão da dentuça pelo excêntrico Raimundo, aficcionado por Astronomia. João foi para os Estados Unidos e nunca voltou, mas dele chegavam notícias que fizera carreira no ramo dos cassinos, no reluzente e seco deserto de Nevada. E quanto a Joaquim, pobre homem!, fora encontrado em estado de decomposição com a corda no pescoço no dia 16 de março. O casamento de Lili acontecera seis dias antes, e há quem diga que o pobre diabo pôs cabo à vida após vê-la de costas, vestido branco de renda e grinalda gigante, entrando na igreja. 20 anos depois, D. Olívia Pinto Fernandes ainda acordava de sobressalto com a imagem do homem com cara de menino enforcado, fumaça de menta saindo pelas narinas já mortas. Ao preocupado marido dizia que sonhara coisas ruins com as crianças e ia até ao quarto delas para se acalmar. Eram três, duas meninas e um garoto, todos herdaram seus olhos.

Quanto à Maria, a conversa da manicura era que agora ela vivia numa pensão com outras solteironas e fazia bolos de mandioca para vender na igreja. Lili nunca soube do vodu, mas talvez, se chegasse aos seus ouvidos, até mesmo agradeceria à Maria; não fosse pelo tornozelo quebrado naquela fatídica tarde de sábado, não conheceria Juca e sabe Deus onde estaria agora. Era meio feliz, no fim das contas.

sábado, 19 de março de 2011

Eu e meu guarda-chuva


Desejando ser uma pessoa melhor e também para parar de desejar uma morte lenta e dolorida para meus colegas de escola, resolvi me afastar da midiateca por algumas semanas. Estou em busca de novos lugares para me instalar, passei a última semana estudando na casa da minha avó (relativamente silenciosa e com lanches fantásticos todo dia) e ontem, aproveitando que a aula da Isa terminava mais cedo, fui conhecer a biblioteca da UFU.

Por volta das cinco da tarde o céu começou a escurecer e como tem chovido quase todo dia, resolvi ir embora mais cedo pra não ter que esperar a chuva cair pra só então voltar pra casa. Já estava chuviscando quando cheguei no térreo, mas tudo bem, saquei meu guarda-chuva cor-de-rosa e fui.

Tenho um xodó todo especial por esse meu guarda-chuva. Além de ser da Pylones (uma marca super que eu sou apaixonada), é um presente de tios queridos que trouxeram de Paris pra mim. Ele é rosa-coração e quando fechado parece uma bonequinha de galochas. É a coisa mais linda - pra mostrar pros outros, se proteger do sol e ir no baile de carnaval da escola. Não pra uma tempestade.

Quando cheguei no meio do campus, o mundo despencou sobre a minha cabeça. A chuva engrossou e começou a ventar absurdamente, quase levando meu lindo guarda-chuva embora e quase levantando minha blusa. Chovia tanto que eu pedia pra Deus pra que eu não fosse atropelada, porque eu não conseguia enxergar os carros, pra vocês terem ideia. Cheguei na portaria e esperei pra ver se acalmava, fiquei lá uns 15 minutos. Como a chuva não passou, resolvi que era melhor sair de uma vez. Eram só 2 quarteirões até em casa e se eu fosse esperar era bem capaz de ficar ilhada ali.

A estratégia que montei foi: posicionar o guarda-chuva num ângulo que minhas coisas (estava carregando: uma apostila de 500 pgs, 6 apostilas finas, uma gramática e meu fichário) não molhassem. E dane-se se eu tivesse que me molhar inteira pra isso, coisa que, claro, aconteceu. Eu nem tinha saído da UFU ainda e meu All Star já estava todo molhado e, sabe, eu não importo de molhar a roupa, o cabelo e tudo mais, mas existe coisa pior do que molhar os pés? Segurei na mão de Deus e fui.

Tirando a parte que o vento quase estava levando embora meu guarda-chuva e que ele virou do avesso, como acontece nos filmes, três vezes, o caminho até minha casa foi relativamente tranquilo. Olhemos pelo lado bom: eu não levei nenhum tombo apesar do chão molhado, toda a água caindo, e eu estar numa descida (acho que o tombo que levei no pátio da escola segunda-feira cobriu a cota de quedas do mês); consegui manter meus livros e apostilas relativamente secos; meu guarda-chuva não quebrou e nem foi levado embora. Cheguei em casa pingando, o porteiro e a faxineira riram da minha cara e quando postei no Twitter o que tinha acontecido o Matheus me ligou só pra dizer que, quando a chuva começou a cair, comentou com a mãe dele que era bem minha cara estar embaixo dela. Meu pai me ligou um tempo depois e, quando contei pra ele o que tinha acontecido, ele disse que se tivesse apostado que eu teria inventado de sair bem na hora da chuva teria ganhado de lavada, com o perdão do trocadilho.

Mas sabe, eu amo chuva e eu amo banho de chuva. Não no sentido de achar que purifica e traz boas energias, luz, luz, luz, mas de um jeito que sempre me diverte e de eu estar num período tão monótono da minha vida que esse incidente foi a coisa mais animada da semana. Juro que se não estivesse com meus cadernos, que não podiam molhar, eu teria fechado e guarda-chuva e ido pra casa toda feliz, laughing at clounds, with the sun in my heart and ready for love.

Aí eu ia postar um vídeo que eu mesma tive que colocar no Youtube, mas agora ele está de encrenquinha e eu não consigo incorporá-lo à postagem. Portanto, deixo vocês com o link. É a coisa mais linda.
Não adiantou nada porque o Youtube bloqueou meu vídeo por violação dos direitos autorais (que incrível, sou uma infratora!) e agora vocês arranjem uma forma de assistir ao maravilhoso "O Picolino", filme amor com o super amor Fred Astaire e prestem uma atenção especial na cena em que ele canta "Isn't This a Love Day?" para a Ginger Rogers.

terça-feira, 15 de março de 2011

O cd novo do Strokes

Amo a internet, que me permite ouvir com 10 dias de antecedência um cd pelo qual passei 5 anos esperando. Os próximos já devem estar cansados de saber, mas para quem está chegando agora, esclareço: meu nome é Anna Vitória e eu sou doente por Strokes. Sou muito apaixonada por esses cinco caras de cabelo bagunçado e cara de podrinhos. Hoje eu talvez não seja tão obcecada como fui há alguns anos atrás, mas bastou o burburinho acerca do novo álbum se iniciar para que eu voltasse ao fanatismo antigo.

Quando estreiou em 2001, muitos acreditaram que o Strokes era a salvação do rock, com o épico e maravilhoso "Is This It". Salvação do rock ou não, amo o cd e o acho perfeito do início ao fim, apesar de que meu favorito é, sem sombra de dúvidas, o "Room On Fire", que veio em sequência pra reafirmar o quão fodas eles eram. Nada nesse cd é errado, simples assim. "First Impressions..." é o cd mais superestimado deles, já que as pessoas tem uma falsa ilusão de que ele é sensacional graças a sequência inicial que, de fato, humilha: "You Only Live Once", "Juicebox", "Heart in a Cage" e "Razorblade". Chupa. Mas parece que todo mundo só ouve até aí, já que a partir desse ponto o cd desanda de tal maneira que chega a ficar chato de ouvir, ele termina e tudo que a gente se lembra é de barulho. Música não é barulho. Meu maior medo é que o cd novo fosse nesse naipe.

Quando a faixa "Under The Cover of Darkness" foi lançada, senti que o meu Strokes estava de volta, até porque o pessoal da banda disse que o trabalho novo, em termos de sonoridade, se localizaria entre o "Room On Fire" e o "First Impressions...". O clipe da música veio cheio de metáforas, alusão a clipes clássicos da banda ("You Only Live Once nos primeiros segundos, e a jogadinha de microfone icônica de "Last Nite") e uma mensagem subliminar pros fãs - mais nessa resenha. Só que o lançamento dessa música antes do cd pode desapontar alguns fãs quanto ao estilo do cd futuro, já que ela sugere um estilo que não é lá muito o abordado no trabalho novo. "Angles" é dançante, agitado e cheira a anos 80, com sintetizadores tomando conta mas sem abandonar os riffs de guitarra que amamos e a batidinha de sempre.

Apesar de "Machu Picchu" ser uma das minhas músicas favoritas do cd, achei-a um pouco fraca para começar o cd. O que amo no Strokes é que a abertura dos cds é meio apoteótica, tem coisa mais linda que abrir um cd do que com "What Ever Happened?"? Quanto ao todo, posso dizer que gostei, agora que me habituei à nova sonoridade. Minhas faixas favoritas são "Machu Picchu", "Under The Cover Of Darkness", "Taken For a Fool" e "Gratisfaction" e a única que de fato não curti foi "Metabolism" pois me transporta ao meio do "First Impressions...". Trauminha. "Two Kinds Of Happiness", "You're So Right" e "Games" vão funcionar maravilhosamente na pista de dança, a ponto de m deixar com vontade de ir em uma balada descoladinha só pra poder dançá-las. "Call Me Back" é a música que só eu vou amar, como "Is This It" que todo mundo odeia, mas me leva às lágrimas.

Espero, de verdade, que essa nova fase deles seja bacana, com clipes divertidos e muitos shows. Aos fãs mais xiitas que podem não ter curtido a pegada pop, um conselho: deem mais uma chance ao "Angles". Não é meu cd preferido e talvez eu esperasse mais, ou então algo diferente, mas tô preferindo manter a mente aberta. Estou curiosa quanto à recepção da crítica, a Folha hoje classificou como regular e blasé. Aguardemos.

E, Fabrizio Moretti, se estiver lendo isso, comente com seu amigo Rodrigo Amarante sobre como está sendo legal voltar com sua banda principal e aconselhe-o a fazer o mesmo com o Los Hermanos. Tem gente aqui que ainda acredita na volta deles também.



* Estava com saudades de resenhar cds. Acho que parei porque sempre senti que ninguém se interessa muito, estou maluca?

sábado, 12 de março de 2011

5 motivos para assistir Dexter

Minha mais recente obsessão é a série Dexter, que conta a história de um serial killer que foi doutrinado por seu pai policial para canalizar seus impulsos assassinos matando apenas homicidas a solta pela sociedade, que a polícia não consegue capturar. Desde muito jovem Dexter foi ensinado a se proteger acima de tudo, a estar sempre a um passo a frente para nunca, nunca mesmo ser capturado. Por trás dessa "identidade secreta" ele é um mero legista especialista em sangue com cara de bobo, que trabalha com a polícia de Miami. Estratégico. Há tempos eu não me empolgava tanto com um seriado, e já estou rumo a quarta temporada, o que é algo a considerar, dada a minha conhecida lerdeza para com séries. Eis aqui os motivos:

1 - A abertura é genial: O clipe de abertura da série mostra a rotina matinal do personagem principal, desde a hora que acorda, até o café da manhã e o momento que ele se veste para sair. O que parece uma sequência de fatos banais é abordado de um jeito muito bacana que dá um toque de brutalidade às coisas pequenas, construindo todo um duplo sentido e servindo de metáfora para, em proporções estratosfericamente maiores, ilustrar como algo rotineiro pode ser "selvagem", assim como Dexter, um monstro escondido na pele de um perito com cara de banana. Viram, inspira até filosofia, e com uma música de fundo divertida.


2 - O roteiro é excelente: O que mais gosto no roteiro de Dexter é que ele é construído de uma maneira que deixa a série com a trama sempre instável, no melhor sentido possível, pois significa que ela nunca "cai na rotina" e assim mantém o espectador sempre interessado e intrigado. A série mexe com a gente, de um jeito que muitas vezes leva ao incômodo, com reviravoltas empolgantes e propondo até mesmo reflexões curiosas. Tudo isso temperado com bastante sarcasmo e humor negro. Outra coisa que adoro é discussão acerca da patologia dos serial killers que é proposta, através até mesmo da evolução do Dexter ao longo da série, em que ele começa frio e oco, como ele mesmo se descreve, e vai se humanizando gradativamente, mas carregando consigo o "monstro", as "trevas", sempre citadas.

3 - Coadjuvantes simpáticos: Grande parte das séries possui um elenco de coadjuvantes razoáveis, mas suas tramas paralelas nunca são tão interessantes como a principal, chegando até a encher o saco (oi Gossip Girl). Dexter possui um time ótimo de coadjuvantes, com histórias bacanas na bagagem, representados principalmente pelos colegas de trabalho de Dexter, como os adoráveis e divertidos Batista e Masuka; os filhos de sua namorada (que infelizmente é chatinha), Astor e Cody, que são fofíssimos; Lila, a inglesa piromaníaca e o agente especial Lundy, da segunda temporada e Miguel Prado, o promotor ~excêntrico~ da terceira.

4 - Debra fucking Morgan: Incluí-la junto ao bolo de outros coadjuvantes é não fazer justiça ao enorme carisma da irmã adotiva de Dexter, a boca-suja Debra Morgan. Ela trabalha como detetive no mesmo departamento de Dexter, e admira e ama o irmão num nível que beira a devoção, sem nem desconfiar de seu lado obscuro. Debra é passional, explosiva, vive se metendo em problemas, se apaixona por uns caras errados é uma fofa. Jennifer Carpenter, que a interpreta, foi casada com Michael C. Hall (o Dexter!) até dezembro do ano passado, e eu realmente queria que eles voltassem, pois formam um casal ultra gracinha.

5 - O Michael C. Hall é muito bom ator: O cara que interpreta o Dexter, que já ganhou Globo de Ouro, é muito bom no que faz. Adoro a maneira como ele oscila entre o Dexter mascarado, ou seja, aquela face que ele utilizada fingindo ser uma pessoa normal; Dexter cruel e louco com um cutelo afiado e sede de sangue; o Dexter frágil, nos momentos em que ele descobre a si mesmo e nas horas hilárias em que ele simula emoções humanas que ele não entende, como o luto e a insegurança. Ele faz isso tão bem que, apesar de ser um assassino cruel, a gente acaba simpatizando e torcendo muito por ele, pelo carisma e charme irresistível do ator. Sem falar que ele é tão metódico e sistemático que tem até uma roupa específica para matar: quando vê-lo com seu conjunto cáqui e luvas de couro pode saber que alguém vai ser esquartejado.


quinta-feira, 10 de março de 2011

O carnaval que eu fui

Vem gente

Já deve ser do conhecimento geral da nação que eu passo toda essa coisa de multidão, música alta, gente suada me encostando e tudo mais - caso o aglomerado seja próximo de um palco com uma banda muito muito legal tocando, posso repensar. Assim, não deve ser difícil inferir que o carnaval está longe de ser meu feriado favorito; só não digo que odeio porque estamos falando aqui de quatro dias de ócio, e pra isso a gente até releva os revezes da folia.

Entretanto, como alguns setores da minha vida mais se parecem com um sit-com de mau gosto, praticamente toda a família da minha mãe mora numa cidadezinha de Minas chamada Tupaciguara, famosa em todo o estado - e em Goiás, claro - por seu carnaval de rua. Se você foi logo pensando em confetes, marchinhas e fantasias adoravelmente ridículas, saiba que o buraco é mais embaixo. Em se tratando de Tupaciguara, carnaval de rua quer dizer pessoas de todas as cidades e estados vizinhos aglomerados em uma praça, muito axé, pagode e reggaeton (?), gente feia e suada de abadá, esquinas virando banheiros e, claro, chuva de cerveja.

Minha mãe, pessoa ingênua que é, ainda acreditava que o carnaval atual tupaciguarense era o mesmo da época em que ela se vestia de Farrah Fawcett, de modo que por anos ela me arrastou para lá. É claro que a gente não punha o nariz pra fora, é claro que a gente passava quatro dias sem dormir ouvindo a bagunça da praça, é claro que eu passava uma semana emburrada. Mas é claro que passar por toda essa tormenta era muito melhor do que dar o braço a torcer e admitir que eu estava certa. Foi então que, em 2007, eu resolvi curtir o carnaval, com a promessa que, se eu não gostasse, seria o último.

No primeiro dia, fui com minha mãe, uma prima e uma amiga dela assistir ao desfile dos blocos. Piada pronta. Não entendo a graça que as pessoas veem em se humilhar publicamente em pseudo-desfiles carnavalescos flopados... será que eles realmente acham que estão alcançando a Beija-Flor? Vimos uns quatro, mas era basicamente a mesma coisa. Só me lembro de um deles, em que os membros vestiam abadás amarelos e faziam uma coreografia dessas made in Axé Moi de uma música cuja batida me assombra até hoje (e quando me pega passa dias e dias tocando na minha cabeça). Em algum ponto da noite um bebâdo passou e ficou nos encarando. Tendo recebido de volta duas caras fechadas, fez que ia embora e, do nada, lascou um beijo no pescoço da minha mãe. Foi a deixa para voltarmos pra casa.

No dia seguinte, pensei que já havia sido provado que aquele carnaval não era o caso. Ha. Ingênua. Mamãe veio com o discurso de que toda vez que íamos para lá no carnaval eu ficava trancada em casa, emburrada, fazendo feio na frente dos outros e meus tios achavam realmente estranho eu estar perdendo a chance de ir badalar e viver no meio da bagunça. Ok, resolvi tentar mais uma vez. Fui badalar, fui viver. Esperei minha prima aparecer em casa e fui pras farras da night com ela.

Por ser noite, a bagunça já havia se iniciado antes mesmo de chegar na praça. Enquanto subíamos a rua, nos deparávamos com pessoas que deviam estar na farra há uns dois dias, direto, dado o grau dos indivíduos. Perto do posto então, só aquele som maravilhoso de carro, uma carroceria de caminhonete cheia de água com umas ladys dentro tentando rebolar, mal parando em pé. Juro que queria estar aumentando os fatos. Então eles vieram. Eram cinco se eu me lembro, bêbados feito gambás e aparentemente simpatizaram muito com a menininha de 13 anos muito enojada e assustada que eles encontraram ali. Tentei desviar, mas eles eram muito maiores que eu.

Procurei na multidão pela minha prima, mas nada. Gritar não resolvia. Eles fizeram uma roda ao meu redor e começavam a entoar a famigerada canção do Tchu-Tchu. Essa eu conhecia bem, graças ao pessoal animadinho da escola. Eles não iam me pegar tão fácil assim. Aproveitei a vantagem que eu estava gozando plenamente das minhas funções cognitivas e eles mal conseguiriam pronunciar "cognitivas" naquele estado, reuni toda minha coragem e chutei uma canela e passei no espaço que se abriu entre dois deles. Desci a rua correndo de volta pra casa da minha avó e ainda levei um banho de cerveja do pessoal no posto.

Pelo menos fomos embora na manhã seguinte, e carnaval em Tupaciguara, agora, só mesmo ouvindo as conversas do pessoal da escola que se aventura por aquelas bandas, em que camuflo a risada, porque sim, com esse tipo de desgraça alheia eu muito me divirto.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Manifesto contra a geração saúde

Luiz Felipe Pondé é filósofo, colunista da Folha, e nem todo mundo gosta dele. Aliás, quando ouço minha avó exclamar "Eita, homem nojento!" já sei que ela acabou de ler o Pondé das segundas. Ele adora criticar o bom-mocismo hipócrita e ataca com frequência o politicamente correto que parece reinar nos dias de hoje. As pessoas não gostam dele pois, ao fazer isso, ele gonga e ridiculariza comportamentos, e é quase impossível não se ver em alguns tipos dos textos dele, e quem é que gosta de ser gongado? Mas, apesar disso, eu gosto do Pondé.

Já faz algumas meses que ele escreveu uma coluna que me fez ter vontade de sair de casa pra dar um beijo na careca dele. Sabe quando a pessoa põe em palavras algo que você sempre pensou, mas nunca concretizou como pensamento? Tipo uma ideia rodando constantemente na sua cabeça sem você ter reparado que ela existe, e aí você lê algo relacionado e eureka!? Pois bem.

Sempre tive muita raiva de gente saudável. Não, não tenho nada contra quem gosta de se cuidar, quem não quer acabar que nem esse cara. Meu problema é com quem é excessivamente saudável e carrega essa bandeira como uma religião. Anaisa, minha melhor amiga, por exemplo, pode um dia ser uma dessas, Deus a livre disso. Por enquanto, ela se limita a dizer que não toma Coca-Cola porque descalcifica os ossos bem quando vê alguém abrindo aquela lata vermelha geladinha. Também evito refrigerante, mas isso é porque não quero semelhanças com uma casca de laranja, mas Deus sabe que tem dias que eu não resisto e sou bem feliz. Aí ela me vê tomando café e diz que aquilo é veneno, que faz mal pro estômago, causa dependência, enchaqueca e bla-bla-bla. Me deixa com meu café, poxa! Dizem mesmo que café faz todas essas coisas, mas se eu não puder tomar meu cafézinho com pão de queijo no final do dia, posso desistir da vida.

"Agora esses fanáticos estão a ponto de demonizar o açúcar, a gordura e o sódio. Querem fotos de gente morrendo de diabetes no saco de açúcar ou de ataque cardíaco nas churrascarias. O clero fascista da saúde não para de botar para fora sua alma azeda."

Minha mãe é representante de uma farmácia que tem como foco produtos e alimentos pra quem é diabético, está de dieta e/ou gosta de ser saudável, e vira e mexe ela aparece com umas bizarrices aqui em casa. A última foi um saquinho com folhas de abacaxi desidratadas, disse que o pessoal adora comer isso como sobremesa. Quis chorar. Primeiro porque é um troço nojentinho com cor de nada e um docinho muito fajuto, que não é abacaxi nem aqui nem na China; segundo porque fiquei imaginando o quão triste deve ser a vida de quem come aquilo de sobremesa. Até meu cachorro recusou, vejam só! Pra quem quer perder peso, não pode com doces, ok, mas aí fulaninho vem me dizer que come aquilo porque chocolate dá verruga no dedão e minha vontade é de condenar aquela pessoa a passar a vida na base do abacaxi desidratado.

"Inevitavelmente fico com cara de monstro narcisista quando dedico minha vida à saúde total. Sempre sinto um certo ar de ridículo nesses pais que obrigam seus filhos a comer apenas rúcula com pepinos e cenoura desde a infância."

"Bolacha de morango tem besouro no recheio", "Carne vermelha mata", "Salsicha tem miolo de minhoca", "Hamburguer do McDonalds é de isopor", "Batata-frita de fast-food tem gordura trans"... já ouviram essas palhaçadas? Podem até ser verdade, mas e daí? Anaisa resolveu que ia parar de comer McDonalds porque não era saudável. Ri da cara dela. O bom do fast-food é esse: é muito de mentira e muito podre, mas é bom pra caramba. Uma vez no mês, a cada dois meses, por que recusar um Mcnífico Bacon, um belo Whooper? Tenho uma tia que parou de comer sal porque faz mal pra pressão e pros rins, parou de comer açúcar porque é perigoso, vai caminhar todo dia 6h porque o sol do resto do dia faz mal... Deve ser um saco ser ela.

Tem gente que ouve música no volume 4 porque mais alto que isso prejudica a audição; há quem durma e acorde todos os dias na mesma exata hora pra não desregular o metabolismo; quem não beija pra não pegar sapinho; tem gente bebendo xixi porque falaram que é terapêutico, gente que vai passar 15 minutos por dia de cócoras se uma reportagem no Globo Repórter falar que isso faz bem pra circulação. Repito: deve ser muito triste viver assim. O que muita gente não presta atenção é que muitas dessas teorias pseudo-saudáveis são falhas. Anos atrás demonizaram o ovo e pronto, a geração saúde segregou completamente o artigo do armário e nunca mais comeu um ovo na vida. Agora o pessoal da ciência voltou atrás, algo como: "galera o troço do ovo era brinks, a gente sacou agora que ele na verdade é supimpa, todos come ovo o dia inteiro" e nas duas últimas semanas eu já vi umas 3 reportagens em jornais e revistas falando sobre os benefícios do ovo, formas de prepará-lo e tudo mais. Aposto que tem fulano comendo três gemas por dia, o mesmo que antes tinha um adesivo no carro com os dizeres: "Coma ovos. Morra infartado.".

"Um dia, esses maníacos da saúde total desejarão processar os pais por terem deixado que eles comessem coxinhas e brigadeiros quando eram crianças ou porque simplesmente tinham maus genes em seus gametas.
Sinceramente, não estou convencido de que viver anos demais seja muito vantajoso. Sem "abusar" da comida, da bebida, do tabaco, do sexo, das horas mal dormidas, não vale a pena viver muitos anos.
A menos que eu queira ser uma "freira feia sem Deus", o que nada tem a ver com freiras de verdade, uso aqui apenas a imagem estereotipada que temos das freiras como seres chatos, opressores e feios , ou seja, uma pessoa limpinha, azeda e repressora. Como diz meu filho médico de 27 anos, "nunca houve uma geração tão sem graça como esta, obcecada por viver muito". Eu, pessoalmente, comparo esta geração de pessoas obcecadas pela saúde àqueles personagens de propaganda de pasta de dentes: com dentes branquinhos, cabelos bem penteados e com cara de bolha (ou "coxinha", como se diz por aí)."

Sabe, antigamente o pessoal não tinha dessas frescuras e a humanidade tá aí, firme e forte. A expectativa de vida não era tão alta, pessoal simplesmente caía morto e ninguém se dava ao trabalho de saber por quê. Mas, sinceramente, você quer viver até os cem anos na base de abacaxi desidratado? Ou coisa pior, porque quando você chegar aos cem anos, pílulas nutritivas terão sido desenvolvidas e a gente vai comer que nem astronauta. Delícia.

sábado, 5 de março de 2011

Não sei sambar

É com a consciência de que pouquíssima gente vai se interessar e baixar essa mixtape que começo esse post. Só que, ainda assim, eu vou tentar convencer vocês de que ela vale a pena.

Comecei a prestar atenção no samba em algum ponto do ano passado e vi que era bom. A maioria das pessoas tem preconceito com esse gênero tão a cara do nosso país, muito provavelmente por não conhecer direito, confundir com o pagode ou por nunca ter sido tocada de verdade por esse ritmo lindo. Mais ou menos no meio do ano passado comecei a ouvir a fundo e me vi completamente apaixonada, encantada e seduzida até o último fio de cabelo pela interessante mistura de ritmo inevitavelmente dançante e com letras, na maior parte das vezes, lindas e tristes de fazer arder até o mais duro dos corações.

Nesse carnaval tudo que eu quero é um anti-carnaval. Anti-carnaval que pode ser bem acompanhado de um sambinha bacana, já que hoje carnaval é sinônimo de micareta e muito axé. Bom mesmo devem ter sido os bailinhos que nossos avós frequentaram, com muito confete, marchinhas e fantasias divertidas... e pensar que nossa geração ganhou homens suados e barrigudas de piercing no umbigo usando abadá e um novo hit do Chiclete com Banana.

Reuni nesse cd meus sambas preferidos e também músicas que, apesar de não serem do gênero, me lembram Carnaval - podem ficar tranquilos que não coloquei axé no setlist. Só perdoem uma certa repetição de artistas, meio impossível escolher só uma música do Chico.

* Coloquei a lista de música na caixa de comentários, caso alguém não esteja conseguindo ler.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O inferno são os outros

O que Blair Waldorf faria?

Querido Jean-Paul Sartre, se estivesse em Paris agora, juro que tiraria algumas flores do enorme vaso de margaridas que ganhei de aniversário e iria colocá-las em seu túmulo, por definir tão bem, com essa frase em tantos contextos utilizada, a agonia que tenho vivido nas últimas semanas.

A midiateca virou um circo. Já falei que nem no meu trono sagrado tenho conseguido sentar, mas quem dera se esse fosse o único problema. Sei lá o que deu no pessoal esse ano que aquele lugar tem estado impraticavelmente lotado todos os dias, coisa que até então havia acontecido umas duas ou três vezes desde que estudo na minha escola, e ainda assim em véspera de prova. Mas, novamente, quem dera se a lotação fosse o problema maior.

Tem gente que sai da aula e deixa a mochila reservando a cabine. Daí vai em casa, almoça, dorme, volta pra escola, passa lá, vê se as coisas estão no lugar e saipra bater papo nas mesinhas do restaurante. Eu tenho tanto ódio dessas pessoas que queria sair rasgando todos os cadernos. As tias responsáveis, belas pamonhas que são, fazem vista grossa, já que a regra é que a cabine não pode ficar vazia por mais de 15 minutos. Ontem mesmo fiquei sem lugar e fui pedir pra uma delas fazer alguma coisa e a resposta foi: espere. Esperei. Ainda bem que encontrei lugar, caso contrário era bem capaz de eu sofrer um derrame cerebral de tanta raiva.

Midiateca lotada implica em midiateca movimentada, o que significa que meu antes antro de paz, silêncio e concentração total se transformou numa feira livre. Antigamente, se você arrastava uma cadeira com um pouquinho mais de força ou tinha um acesso de tosse, o barulho contrastava de tal maneira com a quietude do lugar que as pessoas levantavam os olhos para achar a fonte da perturbação e não era raro que logo alguns "ssshhh" de repreensão fossem ouvidos. Agora todo mundo perdeu o respeito, as pessoas conversam em rodinha como se estivessem na sala de casa, amontoam-se em cabines e não tem vergonha alguma de parar ao lado de alguém que tenta estudar - e, acreditem, eu tenho um poder bizarro de atrair inconvenientes - para papear sobre o final de semana.

Na catraca de entrada tem gente que finge que não tem 473 pessoas na fila querendo entrar e resolvem bater papo com quem está na parte de dentro, só pela graça. Nos corredores há gritaria e conversa onde deveria haver cochichos silenciosos. A área próxima do bebedouro virou point para conversar no celular, e as pessoas, tão despreocupadas, param no meio do caminho, impedindo a passagem de quem só quer encher a garrafa d'água.

Agora a pior parte são os alunos do primeiro colegial, eita pessoalzinho odiável! Não faço a mínima ideia do que eles inventam de fazer lá todos os dias, estamos no início de março, pelo amor de Deus! Nem eu, que nessa época era doente, frequentava a midiateca no primeiro ano. Não teria problema se eles estudassem, mas não. Aquelas menininhas insuportáveis marcam o lugar com suas mochilas frufrus e vão fazer soca nas salas de plantão, guinchando de rir, se exibindo pros garotos mais velhos, dando em cima dos monitores e se achando muito o máximo por estarem ali. Andam em bandos de braços dados, conversando nas salas de estudo, falando ao celular quando sozinhas, sucitando o ódio no coração de pessoas de bem, como eu. Minha vontade sincera é de socar o nariz de cada uma delas. E não, não adianta dizer que é coisa da idade porque não faz muito tempo eu era da idade delas e não era estúpida desse jeito.

Perdoem toda a mágoa de cabocla derramada, estou precisando colocar isso pra fora. Vou passar alguns dias sem colocar os pés lá pra ver se me acalmo, porque se continuar desse jeito não demora e eu vou sair no tapa com alguém ou então dar uma de Tony Montana e matar todo mundo.