sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O mundo moralmente suficiente das novelas


Ou: Insensato novelão
Ou, ainda: explicando filosoficamente por que eu torço pelos vilões

Depois de anos me vi novamente viciada em novela das "oito". Insensato Coração me pegou com a trama já encaminhada, uns poucos capítulos antes do Léo atropelar a Irene de propósito. A trama estava envolvente e o carisma do vilão e dos personagens secundários (te amo, Douglas) compensava os protagonistas insuportáveis. Irene morta, a boa da novela começou a ser a grande vingança de Norma com Léo. Ela, agora rica e poderosa, iria vingar o cara que a mandou para a cadeia injustamente e que brincou com seus sentimentos. Fez dele seu brinquedinho, o colocou para, literalmente, comer comida do chão, deixou o cara banguela e contratou-o como seu serviçal, mas tudo isso acompanhado de uma obsessão doentia que ela continuava nutrindo por ele. Instalou uma câmera escondida no canil em que ele dormia e passava seu tempo assistindo-o direto do seu quarto, com cara de fissura diante daquele pay-per-view psicopata.

O problema é que ela se apaixonou por ele novamente, e agora eles vão se casar. Dizem as fofocas que o Léo vai conseguir lhe dar outro golpe e sair por cima, devendo ser preso ou assassinado no último capítulo. Acho uma palhaçada. Torci e acreditei loucamente no poder do Casal Psicopata, sonhando com um desenrolar menos patético em que os dois maníacos-obsessivos da novela passassem a perna em todo mundo e terminassem em alguma ilha do Caribe tomando champanhe. As pessoas me olham torto quando digo isso, mas torcer por um final assim não tem nada a ver com fazer apologia ao mal ou aceitar todos os absurdos que os personagens fizeram ao longo da novela.

Estou lendo um livro bem bacana, Contra Um Mundo Melhor, do Luiz Felipe Pondé. Num dos ensaios do livro (o que mais gostei até agora), O Abismo, Pondé faz o favor de justificar meu posicionamento.

"Para Kant, a razão humana suficiente norteia nossa ação no mundo quando se indaga acerca do sentido moral do mundo. O que significa esse "suficiente" aqui (ou seu oposto, "insuficiente")? Ser suficiente significa que o bem vence ao final porque, se o mal vencer, o mundo não tem sentido suficiente em sua forma de ser e existir. (...) Vale lembrar antes de tudo, que para Kant o mundo deve ser suficiente nos limites da razão humana, isto é, sem precisarmos justificar o mundo via crenças em deuses. (...) Se por matar uma criança inocente, você será castigado de alguma forma, mesmo que a lei humana não descubra? Se você for castigado, obrigado a "pagar" pelo que fez, o mundo tem sentido moral (suficiente); se não, ele não tem sentido moral (insuficiente)."É claro que muitos dos meus contemporâneos apostam numa suficiência histórica do mundo, isto é, social, política, científica (o que seria uma suficiência construída com "as mãos humanas", ou, como e disse acima citando Kant, uma suficiência nos "limites da rãzão humana"). (...) Os defensores da possibilidade de o homem ser suficiente nos limites de si mesmo (social e politicamente, científica e historicamente) em geral são obrigados a investir numa concepção de natureza humana capaz de se autorregularem alguma medida, como pensava Kant."

Nesse aspecto, me considero praticamente niilista, pois não acredito em suficiência moral alguma do mundo. Dessa forma, o fato de eu querer que o Léo se dê bem no final não tem a ver com o fato de eu apoiar o que ele apronta, mas sim de ter vontade de vomitar vendo ele ser encurralado no final enquanto soube, ao longo de toda a novela, se sair tão bem de tudo de errado em que ele se metia. Não me sinto de forma alguma aliviada ou mais feliz vendo os bonzinhos ganhando no final e sendo felizes e chatos discutindo quem faz um café pior, mas me sinto enganada. Só que as pessoas não gostam disso. Kant mesmo afirmava que essa falta de suficiência moral do mundo coloca o homem em profunda agonia. Porque né. Mas apesar de ser cética em relação ao mundo e ao homem, eu creio na justiça divina. Acredito mesmo. Por mais que hoje, na era pós-moderna, pensar assim pareça, para a maioria dos racionaizões, algo utópico, eu acho que é bem mais fácil do que acreditar no homem.

"As virtudes máximas na tragédia são a coragem e a humildade: humildade de se saber um nada, coragem de se manter de pé sabendo-se sempre um derrotado. Essas virtudes antigas produzem uma sensibilidade peculiar e poderosa, pouco ativa entre nós, contemporâneos, escravos de modelos infantis de vida. Não há aqui esse blá-blá-blá egoico que tantos falam quando citam Nitzsche."

Eu acredito em finais felizes, acredito em comédias românticas, filmes da Audrey Hepburn e que coisas lindas podem acontecer e que pode ser que a gente acabe bem no final. Mas isso tem a ver com o fato de eu acreditar no amor, muito, obsessivamente, e saber que ele faz maravilhas. O Léo ser preso numa emboscada articulada pelo trouxa do Pedro não tem nada a ver com amor, e crer que se fosse na vida real o mesmo iria acontecer é ingenuidade. Eu preferiria que o Pedro e a Marina acabassem a novela pobres, ferrados, mas felizes por terem um ao outro do que tomando café da manhã na cama dizendo que finalmente estavam livres do Léo e que a justiça foi feita.

É por isso que eu gosto tanto dos filmes do Woody Allen. Ele é um niilista que acredita que o amor pode colocar as coisas no lugar. E é por isso também que eu gosto tanto do Pondé, pois mesmo sendo cético ele diz que nós "somos um nada que ama". Em uma de suas colunas que aborda esse assunto, ele cita o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard:

"Não, o amor sabe tanto quanto qualquer um, ciente de tudo aquilo que a desconfiança sabe, mas sem ser desconfiado; ele sabe tudo o que a experiência sabe, mas ele sabe ao mesmo tempo que o que chamamos de experiência é propriamente aquela mistura de desconfiança e amor... Apenas os espíritos muito confusos e com pouca experiência acham que podem julgar outra pessoa graças ao saber."

Quanto ao resto da novela, Tia Neném, Ismael e Douglas deixarão saudades.

13 comentários:

  1. Olha, eu não gostei nada dessa novela. Ando muito decepcionada com as novelas atuais e preferindo rever as antigas. Na vida real eu sou meio pessimista com relação aos finais felizes e ao bem vencendo sempre. Mas na ficção eu gosto de ver o bem vencer, pois isso me consola diante da realidade hahahaha

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  2. Terminei de ler seu post bem na hora da novela. Volto depois dela pra comentar.

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  3. Eu sempre torço para o vilão também. E também torço para os casais que ninguém torce, tipo Jesuíno e Açucena, todo mundo quer os dois juntos, mas acho uma chatice os dois, e prefiro ele com a Doralice. E isso acontece em todas as novelas eu eu assisto, ai as pessoas falam que eu sou ruim e tal, mas é porque é sempre tudo a mesma coisa, e até parece que na vida real é que nem na novela hahaha. Aquilo só serve pra iludir. Beijo

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  4. Ei, Anna! Eu não vejo essa novela, sou bem bobinha, e geralmente torço pelo casal apaixonado. Mas em Passione, eu torci pela Clara, aliás, ela já me ganhou com o nome, porque né. E fiquei arrasada com o Fred na cadeia pagando por um crime que ele nem tinha cometido. Pra mim os maiores vilões da novela tinham sido mesmo Valentina e Saulo, um morreu esfaqueado, a outra foi presa, pronto. Pra mim tava bom assim. Clara foi estuprada quando criança. Ela merecia terminar bem de boa tomando champagne no Caribe, que foi o que aconteceu. Só achei desnecessário ela matar a coitadinha da Edinéia.. -(
    E eu sou como você: Acredito no amor. Na dúvida de 'em que acreditar'? Vá de amor. Ele muda qualquer coisa!

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  5. É que casal principal já é um saco porque no começo da novela você já sabe que vai ter um monte de intrigas para separá-los mas no final eles vão ficar juntos então blergh. Eu já achei muito errado a Marina e o Eriberto Leão "matarem" a noiva dele e melhor amiga dela pra poderem ficar junto. Não gosto dos dois por isso. Viva a Glória Perez que em suas novelas coloca uns caras incríveis pra disputar a mocinha e fica a ansiedade de com qual deles dois ela vai terminar a novela, é assim que eu gosto.

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  6. "Insensato novelão" haha

    Sinceramente? Não suporto essa novela. Não suporto o Gilberto Br(e)aga. Ele é péssimo. Às vezes consegue criar alguma coisa, a Insensato até vale como exemplo, mas acaba destruíndo a obra. Não agueeeento mais ouvir o Pedro dizer pra Marina que ele reconquistou tudo, que vai pegar o Leo, que voltou a voar. São as únicas falas dele há semanas! Poxa, o cara voltou pro emprego, tá casado, a mulher tá grávida, mas só pensa em correr atrás do irmão criminoso. Ah, por favooor! Get a life, bitch! Deixa o Leo viver a psicopatia dele em paz. Se a Norma quer colocar a mão no fogo de novo, problema dela.

    E concordo com você. Assistir novela e torcer pelos vilões nada tem a ver com moral nem coisa alguma. Só espero que o Silvio de Abreu volte logo :(

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  7. adoreeei essa reflexão! acredito muito nisso de que o amor é a coisa mais essencial ao homem e concordo com a sua teoria, apesar de não assistir novelas há um bom tempo. parabéns pelo texto, ótimo como sempre! (:

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  8. Eu ri muitooo da Tia Neném nessa foto,salvou a novela hahahahahaha!
    Sabe o que eu acho mais legal de um vilão se dar bem no final? Primeiro porque eu não acredito naquele bla bla de que o vilão tem que se dar mal pra dar exemplo pro povo de que o mal sempre perde no final e etc,além de ser rídiculo usar a novela como exemplo pra conduta moral do povo,bandidos e traficantes não assistem novela então isso não vai mudar os índices de violência no Brasil,segundo porque as vezes os finais fogem totalmente da realidade,e se a novela não servir mais nem pra se fantasiar algo,então o melhor é que entre em extinção.
    Beijos

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  9. Anna, quando é que essa telepatia vai parar? Também acabo de escrever sobre o que penso da reta final de Insensato Coração lá no blog.
    Achei a novela toda uma porcaria, decepção por algumas escolhas no elenco e, como sempre, curti muito mais os vilões. Mas tá. Se já cheguei até esse ponto, nada custa assistir o fim.
    Beijão.

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  10. eu gosto da sequência moral de "atitude-consequência" que eles montam: você é galinha? vai ter câncer no testículo. acho didático! :D

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  11. O meu foco nessa novela era em grande parte pra Norma e pro Leo, ATÉ os dois começarem a posar de casalzinho e a Norma ficar apaixonadinha. Acho que gostei até quando o Leo ficou sem dente, e mesmo assim me deu dó de vê-lo por baixo, logo ele que sempre estava por cima.
    Nessa novela foi bem natural as pessoas terem torcido pelo Leo e pela Norma, Marina e Pedro cativaram bem pouco.
    Bjs!

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  12. Oi Anna, cá estou eu outra vez apreciando seus textos.
    Bem, eu gosto quando tudo dá certo, mas não gosto quando a coisa é discaradamente incoerente.
    Apesar de me irritar com vilões, fico indignada quando eles se ferram depois de terem se dado tão bem...

    Por isso achei digno quando a Clara daquela novela dos Italianos lá fugiu e todo mundo achou que ela tava morta e tal hehe.

    Era isso!
    Um beijo...

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  13. Anna, eu também sou assim. Os vilões são bem melhores, não só pq todo mundo diz que eles são mais humanos. Para mim é porque eles têm as melhores frases. Ponto Final. Torço para o Léo, sendo que devo ter visto ao total uns 5 capítulos. hahaha

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