segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Me escreveram.

No último dia de aula nós enchemos nossas bocas com o máximo de brigadeiros que conseguimos. A idéia era só esta, até que eu tentei falar alguma coisa, e então a brincadeira passou a ser dois retardados tentando falar com a boca cheia de chocolate derretido no meio da saliva. Só que no meio, nenhum dos dois conseguiu se manter firme no propósito e desatamos - eu e ela - a rir feito loucos. Eu cheguei a engasgar e ela começou a socar as minhas costas, achou que estivesse ajudando, pois é. Daí começou a rir ainda mais, das caras que eu fazia. Doeu pra burro. Mas foi assim. Começamos a rir e rir e rir, e depois a chorar. Foi assim mesmo rir e chorar. E nos abraçamos, chorando, porque as aulas tinham terminado, e junto com elas nossos cadernos-messenger e nossos pôneis. As playlists para cada disciplina, a amiga maluca que decorava fórmulas cantando refrões do Radiohead. Eu me lembro quando te vi pela primeira vez, sua maluca. Você estava entrando na escola, vestindo aqueles óculos que eu sempre digo que só acho bonito em você. Usava um batom vermelho, como aqueles que você e as meninas da sala trocavam no meio da aula de Química. Me lembro até hoje do professor fanho, quando resolveu mudar o rumo da aula e usou os batons de vocês para explicar a tabela periódica. Você achou que ele estivesse brincando, e ele estava falando sério. Lembra? Seus vermelhos, todos os vermelhos. Me fez ficar paranóico, porque tudo o que vejo que é vermelho, eu me lembro de você. Previsível, porque nos seus aniversários sei que qualquer coisa que der será legal, se for vermelho. Você se lembra quando conversamos pela primeira vez, Anna? Você estava escutando o cd dos Strokes e eu, ali sentado atrás de você e escutando tudo porque você escuta música no último volume (enfim!), escrevi em um pedaço de papel que a faixa que eu mais gostava era a quinta. Foram duas linhas, no máximo. O papel virou livro, sua resposta não foi resposta: foi uma resenha! Ali descobri que você entendia de música, ali fiquei com medo de você. Será que ela luta boxe? Você riu daquele jeito engraçado quando eu te contei que achava que você lutava boxe. Acho uma sacanagem tirarem a gente da escola, Anna Vitória. As coisas não funcionam assim, te obrigam a ir pra escola todos os dias - mesmo que você não queira. Você começa a achar a coisa legal, este lance de ir pra escola. Começa a curtir os professores (até os fanhos), os colegas. Na verdade você começa a amar os colegas. Nunca te falei desta coisa de amar, né. Mas sair igual a um louco pelo quarteirão, naquele sábado de manhã, para achar uma papelaria aberta só pra te comprar grafite, só pode ser amor. Sou preguiçoso pacas. Mas sacanagem, porque quando você se apega e passa a curtir a coisa pra valer, as aulas terminam tudo termina. Te jogam na rua, no meio da bagunça e é isso aí: se vira, agora. Quem é que vai me trazer músicas novas? Quem vai me fazer rir dos certos e errados de moda na hora do intervalo? Quem vai ficar repetindo que eu sou retardado? Quem vai fazer as redações pra mim e ler os malditos livros? Quem é que vai largar tudo o que está fazendo pra ir na minha casa em qualquer sábado à noite só pra se sentar ao meu lado e ficar sem dizer nada, escutando música? Nunca te contei, mas naquela noite que você foi em casa e ficamos escutando Oasis no chão do meu quarto (você babou no meu ombro), o telefone tocou, você não ouviu. Era o meu pai. Arrastei o sem fio pelo carpete do quarto e coloquei no ouvido, sem dizer nada. Eu lembro que o Oasis já estava no refrão quando ele disse que sentia muito, que não era nenhum super herói como queria ser e deveria ser, mas que me amava. Emiti lágrimas. Toda uma solenidade pra não te confessar que eu choreeeei, chorei mesmo. Lágrimas gordas e cheguei a soluçar também. Não sei, Anna. Se um dia me perguntarem o que foi que eu aprendi na escola, não vou poder mentir. O fato é que na semana seguinte eu já tinha esquecido daquela porcaria daquele logaritmo. Tudo vai pro brejo. Lembro no máximo de polaridade e apolaridade - e ainda sim porque foi você quem me explicou (comendo pizza e emendando as explicações com os refrões dos Strokes) no chão da sala da casa do seu pai. Até hoje me lembro da matéria quando canto "alone, together". Aliás, preciso cantar pra lembrar! A professora me mandou calar a boca, e eu tive que explicar pra ela que eu só lembro a matéria se cantar. Você me ensinou que tudo o que eu preciso (além de ver esta sua cara de brigadeiro derretido todos os dias) é ter uma playlist decente pra aguentar o tranco e uma boa amiga que tenha bons ombros e ótima audição. Vou continuar reclamando do mau humor da professora de Literatura. Vou continuar colando nas provas pra passar de ano e te pedindo com aquela cara de pau de sempre a resposta da questão 5 (já reparou que é sempre a quinta?). A coisa mais legal que aconteceu comigo na escola foi ter encontrado companhia para não entender nada. Mas não vou reclamar se um dia você passar a entender - o mundo, as pessoas, a Matemática, a Alice - e se quiser me contar tudo. Vou até desligar o som, pra te ouvir. Quer dizer. Se é que a tua explicação não vem no meio de alguma música. Deve ser por isso, Anna Vitória, que eu só consigo aprender com você.

Por Melissa Brienda


Este texto foi um dos presentes mais lindos que eu já ganhei. Chegou pouco depois do Natal na minha caixa de entrada, e sei que eu demorei um bocado para conseguir parar de lê-lo over and over again. Já ganhei coisas lindas nessa vida, sejam escritos ou desenhos, mas esse texto da Mel me deixou toda engasgada porque além de ser de uma delicadeza descomunal dela lembrar de todos os meus detalhes e besteiras, ela, que pessoalmente não me conhece e que há relativamente pouco tempo virou grande amiga minha das internétes, escreveu sobre mim numa perspectiva que tenho certeza que se meu melhor amigo de década já (tô velha) fosse escrever, não detalharia tanto assim. Só preciso declarar que não sou assim tão legal e que não tenho coragem (ainda!) de ir de batom vermelho pra escola. E como ela foi adivinhar que eu faço músicas para decorar a matéria? Se meus amigos toparem, um dia gravo um vídeo com a paródia da música de abertura da novela ("Sei Lá", de Tom, Miúcha e Chico) que fizemos para aprender Biologia.

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