Para ler ouvindo:
Então que ontem eu me peguei vendo Amor & Sexo. Nas chamadas mais cedo vi que eles iam falar sobre questões femininas e logo imaginei que a chance de feder era grande, por isso mesmo queria passar longe da televisão. Mas me distraí, a TV estava ligada mesmo, sabe como é. De repente, não mais que de repente, eu estava cuspindo moscas varejeiras de ódio e não conseguia nem dormir só pensando a respeito do desserviço que foi aquele programa.
You're trying to tell me sexism doesn't exist, but if it doesn't exist, what the fuck is this?
Kate Nash, mas poderia ser eu e qualquer mulher sobre as coisas que temos que aguentar.
Então que ontem eu me peguei vendo Amor & Sexo. Nas chamadas mais cedo vi que eles iam falar sobre questões femininas e logo imaginei que a chance de feder era grande, por isso mesmo queria passar longe da televisão. Mas me distraí, a TV estava ligada mesmo, sabe como é. De repente, não mais que de repente, eu estava cuspindo moscas varejeiras de ódio e não conseguia nem dormir só pensando a respeito do desserviço que foi aquele programa.
A primeira pauta foi sobre cantadas na rua, coisa que eu prefiro chamar de assédio sexual mesmo. All fun and games, apresentadora e convidados rindo bastante de tudo, falando que dependendo da fala pode ser ofensivo, mas que faz parte, é paquera, é esse remelexo gostoso do acasalamento, é um impulso irrefreável masculino. Não cantar uma mulher bonita na rua é como ver seu time jogando e não torcer.
Enquanto o pessoal estava relativizando uma questão séria e dando mais motivo para sermos chamados de loucas, frígidas e histéricas na hora de reclamar a respeito dessa agressão, eu lembrava de um dia em que eu estava andando na rua e um carro começou a andar devagar bem perto de mim. Já era de noitinha, não tinha muito movimento, e o dono do carro abaixou o vidro, assobiou e começou a falar psiu. Eu fui apertando o passo, olhando ao redor e pensando em como eu poderia fugir, ou me defender, caso aquele homem resolvesse encostar e vir atrás de mim. Não olhei pro carro em momento algum, só fiz minha melhor cara de dragão das trevas e andei mais rápido. Então ele falou ei, gatinha e pela voz eu reconheci que era meu pai. Brincando comigo.
Fiquei tão transtornada na hora que mal falei com ele, só dei um tchau rápido, recusei a carona e segui em frente. Tremendo ainda. Porque eu estava assustada, eu estava pensando em coisas horríveis, eu só conseguia imaginar o pior. Esse pior não era um assalto, um sequestro relâmpago, eu não estava com medo de perder minha bolsa ou meu celular. Eu ando na rua todos os dias com medo de ser estuprada, com medo que alguém passe a mão em mim, com medo que um cara se ache tanto no direito de invadir o meu espaço que acredite poder também levar isso pra um outro nível.
Vai ver ele acha que meu vestido está lhe dizendo alguma coisa, vai ver ele acha que meu não, na verdade, é um sim, como c e r t a s m ú s i c a s nas paradas de sucesso do mundo todo levam ele a acreditar.
Pros homens tudo é noooooossa, né? A gente que é nervosinha e não sabe brincar. Eles só querem descontrair, paquerar, melhorar nossa autoestima. Risos. Risos eternos. O que eles não veem é que essas pequenas, insignificantes, indolores agressões cotidianas acabam legitimando outras maiores, mais sérias. Eles não enxergam o quão grave é isso porque nunca se sentiram vulneráveis desse jeito. O que pra eles é uma gracinha é motivo de pavor pra alguém que, como eu, quando tinha 13 anos foi cercada por uns sujeitos bêbados no meio da rua, durante o carnaval, e ouviu que só sairia dali depois de beijar todos eles. Não preciso dizer que nunca mais passou pela minha cabeça curtir um carnaval de rua, e que até hoje fico meio cabreira de circular sozinha por festas grandes, né?
Ninguém nunca puxou esses caras pelo braço no meio de uma balada, uma, duas, três vezes e um não não foi o suficiente. Por que, não? Você é tão linda. Porque eu não quero. Você é lésbica? Eu não quero. Você tem namorado? Eu não quero, dá licença. Vai se foder então. Enfim, um sábado a noite como outro qualquer. E sabe o que é pior? Nem é novidade mais. Faz parte. A gente sai de casa sabendo que sempre vai ter um idiota pra te puxar pelo braço, pra vir passando a mão no cabelo. Vira rotina. Às vezes vem caras legais falar comigo, acontece também, mas estou tão acostumada a ficar na defensiva que tenho dificuldade de levar a sério. Isso é muito triste, quando a gente para pra pensar.
Eu participo de três grupos sobre feminismo no Facebook, e não passo um dia sem ouvir um desabafo de alguma mulher sobre assédio, sobre agressão, sobre abusos sofridos na rua, dentro de casa, na faculdade. Nunca vi nenhuma delas comemorar porque nossa, um cara na rua me chamou de gostosa e isso fez meu dia.
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Assinado: NINGUÉM |
Normalmente é assim: estava voltando pra casa a noite, no meu bairro que nunca me deu motivos para me sentir insegura, quando da sacada um homem começou a falar comigo. Boa noite, moça. Boa noite, moça. Oi, linda. Ele ficou falando até eu virar a esquina, e enquanto isso eu só pensava que ele estava no primeiro andar e tinha tempo o suficiente pra descer correndo as escadas, me alcançar, e fazer o que quiser comigo. A chance era mínima, claro, mas é tanta coisa que a gente ouve por aí, tanta coisa que a gente passa, que, sim, qualquer coisinha dessas é motivo pra ter medo, e não é pouco.
Esse caso é meu, o episódio da semana. Pode ter certeza que semana que vem vai ter um novo, e na outra também. Eu poderia fazer uma newsletter sobre isso, que tal? Como Um Cara Fez Com Que Eu Me Sentisse Suja, Agredida, Assustada e Invadida - Semana #34. Eu tenho medo, todos os dias. Podem até usar o meme da Regina Duarte pra ilustrar, se quiserem.
Tem mulher que gosta? Aposto que sim, já me falaram, mas tem gente que gosta de apanhar na cara e nem por isso eu saio por aí enfiando minha mão nas fuças de quem eu acho que está merecendo umas bifas. Na dúvida, fica calado, fica no seu canto e respeita as minas. Se estiver interessado mesmo, aja que nem gente, não seja um idiota, vai que. Até porque nunca ouvi uma história que começou co Então, a gente se conheceu porque ele gritou que minha bunda era maravilhosa e então eu soube que era amor.
Quanto a certos programas, se não for pra ajudar, por favor, não atrapalhe. 2014, caras. Melhorem. O expediente no escritório feminista já é cansativo demais sem vocês empurrando o movimento pra trás. Não passarão.
Update: a ♥ Clara Averbuck ♥ escreveu sobre o programa de ontem também e, como sempre, matou a pau. Prestigiem.
Update: a ♥ Clara Averbuck ♥ escreveu sobre o programa de ontem também e, como sempre, matou a pau. Prestigiem.