Ou: Cuidado com o que vocês desejam
E essa nova novela das oito, hein? Não tive paciência pra assistir um capítulo inteiro porque não vou com a cara da protagonista, já enchi o saco com a obsessão oriental da Gloria Perez e não consigo acreditar que em 2012 ainda possa existir uma trama de horário nobre com história da namorada que foi trocada e vive de sabotar o relacionamento atual do ex. Digo isso tudo das coisas que vejo nas propagandas da TV e da galera do Twitter que está sempre comentando. O único juízo de valor que posso fazer com propriedade é o da trilha sonora, que está em todo canto e todo lugar. É oficial: Salve Jorge tem a trilha mais insuportável de toda a história das novelas brasileiras. Quando não é a Maria Rita errando muito na dose ao interpretar "Me Deixas Louca", temos Roberto Carlos enfiando um pé (e meio) na jaca.
Existe nesse mundo música mais enjoativa e cafona que "Esse cara sou eu"? Eu sei que faz parte da essência do Roberto Carlos ser meio cafona e eu costumava adorar isso nele, porque era um cafona engraçadinho, charmosinho, inofensivo mas como é que ele me passa de "Amante à moda antiga" a esse melô de Christian Grey (sacada genial da Fernanda!)? A música em questão é uma balada insuportável, que gruda na cabeça, cuja letra é uma ode ao cara mais mala de todos os tempos. E tem mulher compartilhando trechos em redes sociais, sonhando com esse projeto de herói aí. Risos. Risos eternos. Queridas, cuidado com o que vocês desejam, vocês não querem um cara desses pra vocês.
Pra começo de conversa, a primeira estrofe diz que o cara pensa em você o dia inteiro. Eu desconfio de quem pensa em mim o dia inteiro. Que falta de assunto! Nem eu penso em mim o dia inteiro, sabe? Imagina que coisa mais triste você gostar de um cara que tem tanta coisa inútil na cabeça que a melhorzinha que ele encontre pra pensar seja você. Querida leitora, não se ofenda, não estou dizendo que você não vale uma noite em claro ou outra, mas o dia inteiro? Só consigo aceitar essa ideia se estivermos falando no casal Sartre e Beauvoir. Aí sim dá pra um ficar o dia inteirinho pensando no outro.
Eu sei que é uma licença poética, não sou dessas que leva tudo pro literal e pro preto no branco, mas vamos pensar direitinho? Não suporto esses amores em que uma pessoa se torna o centro da vida da outra. Isso pra mim é muito errado. Vai que um dia acaba, como é que a vida fica? Relacionamentos saudáveis, na minha concepção, não se constroem em cima de uma dependência, idolatria, sei lá o quê. Sua felicidade e bem-estar não podem estar centrados em uma só pessoa.
Daí ele continua: "Que conta os segundos se você demora/Que está o tempo todo querendo te ver". Meu filho, me erra! Eu reconheço que não devo ser a namorada mais legal do mundo e lugar no céu garantido terá aquele que souber lidar comigo, mas é ser muito louca querer ficar um pouco longe do namorado? Não dou conta desses casais que não conseguem viver sem a presença um do outro, que só saem juntos, etc. Essa descrição de pessoa viciada na outra pra mim é sinal de doença, e das graves. Já que estamos falando de novela, que tal a Heloísa, personagem da Giulia Gam em "Mulheres Apaixonadas"? Poderíamos facilmente adaptar a letra dessa música para a realidade dela, sob o título de "Essa mina sou eu". Isso não é amor de verdade, gente, é mulheres/homens que amam demais anônimos.
E quando você pensa que não fica pior: "E no meio da noite te chama/Pra dizer que te ama/Esse cara sou eu". Olha, se for pra me acordar no meio da noite, é melhor que a casa esteja pegando fogo, alguém esteja morrendo ou eu corra o risco de perder o emprego, porque de resto... Eu acho lindo gente que faz declarações de amor em horas inusitadas, que manda mensagens fofas no meio do dia ou diz que você está bonita sem que você esteja arrumada ou coisa assim. Mas acordar no meio na noite é sacanagem. É coisa de gente louca. Pior que isso só mesmo telefonar no meio da noite pra dizer que me ama. Eu seria capaz de terminar o namoro com Peter Parker Garfield himself numa situação dessas. Se Joey não compartilha comida, eu não divido meu sono com ninguém.
Resumindo um pouco, porque eu não vou analisar estrofe por estrofe dessa música chata, tem muita mulher aí achando que quer um cara controlador e obsessivo. Gente, para. Gente, não. Não li 50 Tons de Cinza, mas não preciso da experiência completa pra saber que o tal do Christian Grey, que tem feito esse monte de mulher suspirar, é uma bela de uma cilada. Li dezenas de resenhas a respeito e assisti a vários vídeos, e em nenhum momento pensei que o garotão fosse algo do tipo que eu quisesse na minha vida. Um cara que controla o meu peso, as roupas que eu visto, a minha aparência, que é obcecado por mim, quer saber todos os meus passos e controlar tudo que faço da minha vida? Tirando o lado conto de fadas distorcido em que ele enche a mocinha de presentes caros e a faz virar os olhinhos entre quatro paredes, a descrição anterior não me parece muito diferente do perfil desses homens horríveis que batem nas mulheres e as mantém num estado tal de opressão que elas não conseguem sair de casa.
O maior problema desses livros, arrisco dizer, é a ideia que eles introduzem na cabeça das mulheres de que esses homens doentes são regeneráveis. Que um dia o controlador vai parar de querer mandar na sua vida e vai se contentar com abrir a porta do carro e te ajudar a carregar suas coisas. Eu acredito que as pessoas mudam, mas não todas. Não a maioria. Infelizmente, é muito mais fácil mudar pra pior do que pra melhor. Tenho medo de quem bate no peito e diz que é a coisa certa pra mim e que me faz feliz, porque, honestamente, só consigo ouvir esse tipo de coisa dos meus pais e de Deus, e até os primeiros muitas vezes erram.
Se eu fosse dar um palpite, no mundo dos reles mortais, quem tem um cara desses na vida acaba tendo sua voz unida ao coro do eu-lírico feminino triste que cantarola "Mil perdões", do Chico Buarque. Se é pra falar de amor obsessivo, que a música seja boa, pelo menos.
"Te perdoo por ligares pra todos os lugares de onde eu vim/Te perdoo por ergueres a mão, por bateres em mim, te perdoo"
Roberto Carlos, gosto tanto de você e espero que você não seja esse cara. Você é lindo quando simplesmente chama de querida a namorada ou se contenta com a pretensão de que durante muito tempo em nossa vida vai viver. Sai dessa.
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"ESSE CARA SOU EU" |