sábado, 10 de agosto de 2013

Querida Anne,

Há duas semanas carrego seu diário para baixo e pra cima, e sempre que tiro ele da bolsa para ler mais um pouco, seja no ônibus, na sala de aula, ou na fila de espera do banco, vem alguém me dizer que já esteve com ele em mãos antes. E que adorou. E que achou fantástico. E que ele é uma dessas coisas que a gente precisa de ler. Confesso que isso no começo me incomodou um pouco, pois sempre senti que era uma falta muito enorme na minha vida eu nunca ter chegado perto dele até então, e a cada vez que vinha alguém me dizer que já tinha lido aquilo antes de mim, eu lembrava que passei dezenove anos sem conhecer a sua história. Mas eu também acredito muito que existe o tempo certo para lermos os livros importantes e extrairmos dele a melhor mensagem possível, e agora que já terminei o seu diário, sei que não poderia ter tido timing mais perfeito. 

Anne, você gosta de ler tanto quanto eu e deve ter lido até mais, então deve entender que acontece de nos sentirmos próximos de uma pessoa através das palavras que ela escreve ou das coisas que lemos a respeito delas nas páginas de um livro. Eu estou acostumada a me apaixonar por pessoas que só existem na imaginação de um escritor e no meu coração, já ri e vivi aventuras com diversas delas e chorei um monte também, como se fossem meus próprios amigos passando por maus bocados. O negócio é que mesmo gostando bastante de não-ficção, acho que nunca tinha lido um relato tão pessoal sobre alguém que existiu de verdade e confesso que não estava preparada para o baque. Ler, no início, você contar anedotas sobre a vida no Anexo como se fosse uma excêntrica viagem de férias, me fez comentar algumas vezes que era bizarro pensar que aquela era uma história real. No entanto, à medida que o tempo passou, que as coisas ficaram sérias, e que você foi crescendo, percebi a intensidade da veracidade das suas palavras e dos seus sentimentos, porque tinha vários deles dentro de mim também. E com esse choque de realidade veio também uma dor pra lá de angustiante: a vantagem de sofrer com personagens fictícios é que mesmo com o pior final do mundo, depois que você fecha o livro a história tem fim. É difícil fechar o livro e pensar que você de fato viveu tudo aquilo e que toda aquela dor era pra valer.

Minha querida amiga, observar seu amadurecimento ao longo das páginas foi uma experiência encantadora. Se no começo eu te achava muito reclamona e até um pouco altiva, no fim eu me apaixonei por você. Você fala bastante sobre as duas Annes que guarda dentro de si e que a melhor delas custa a sair, só existe quando ninguém vê, mas no seu diário você era a melhor versão possível de você e deveria se orgulhar muito dela. Seus quinze anos foram suficientes para te fazer uma mulher extraordinária e mesmo não tendo se tornado a grande jornalista ou escritora de contos de fada que sonhava em ser quando a guerra acabasse, você conseguiu a façanha que mais queria, a de não ser esquecida. Nessas duas semanas, como já disse, cruzei com várias pessoas que me contaram como a sua história tinha mudado a delas e agora posso dizer sem medo que você mudou a minha também. 

Queria que você tivesse vivido para perceber a força e o poder das suas memórias e visto como sua necessidade de ter alguém em quem confiar e desabafar serviu de apoio para tantos desconsolos por aí. Sábado passado eu passei o dia inteiro com você nos braços e era como se estivéssemos em perfeita sintonia. Tinha sido um dia muito ruim e eu não queria falar ou ver ninguém, então aproveitei para passar o maior tempo possível fora de casa e, na volta, andando pela sua, respirei bem fundo o ar da tarde, por nós duas.  Eu olhei o céu, reparei nos pássaros e nas árvores ao meu redor, porque você só tinha um sotão e algumas frestas de janela, mas escreveu que é na natureza que a gente se encontra com Deus e, consequentemente, com nós mesmos. Tomei uma quantidade absurda de sorvete, também por nós duas, pois senti que era aquilo que você precisava nas várias vezes em que só tinha batatas e espinafre, e de repente senti que as coisas estavam melhores. 

Anne, hoje eu tive coragem para finalmente terminar de ler o seu diário e passei boa parte da minha manhã chorando. Meu único consolo é saber que sua dor não foi em vão, e que você teve tempo o suficiente para perceber várias coisas importantes sobre a vida. Você se queixava bastante pois não sentia que era compreendida, mas eu te garanto que senti em mim cada uma de suas palavras, e te garanto, também, que não fui a única.  

Muito obrigada por tudo,

Com muito amor,

Sua Anna

12 comentários:

  1. É realmente uma pena que Anne não tenha vivido pra mensurar na quantidade de gente que a compreendeu. Meu livro tá enorme, de tantas flags que coloquei. Grifei dias inteiros! Os pensamentos dela realmente mexeram comigo, e eu tinha vários momentos durante a leitura, onde eu esquecia que era real, e de repente tornava a lembrar, e precisava fechar o livro pra respirar fundo..
    Beijo! <3

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  2. Anne Frank ♥.

    À medida que ia lendo o diário de Anne Frank, um carinho todo especial ia crescendo dentro do meu coração por essa mocinha que, sim, no começo, me pareceu um bocadinho reclamona e altiva. Acho que um dia cheguei a cantar "Você diz que seus pais não te entendem, mas você não entende seus pais...". Cheguei a cantar isso, na esperança que a Anne escutasse, especialmente pela visão que ela tinha da mãe dela. Eu me choquei com várias passagens que descreviam uma raiva (por que não dizer ódio?) por parte de Anne para com a sua mãe. Acho que faltou um pouco de vontade de se entender com a mãe. Mas não condeno Anne, ela é uma menina ainda e, ao longo do livro, ela meio que se redime pelas coisas pouco elogiosas que disse em relação a mim. Isso me acalmou mais e vi que Anne tinha evoluído e amadurecido muito vivendo no Anexo. Como você disse, no começo, o Anexo não era um local tão horrível assim; ao contrário, suas peripécias eram motivo de anedotas. Depois, quando as coisas foram acontecendo, quando a situação da guerra foi piorando e o círculo se fechando, ela sentiu a dor, o desamparo, a tristeza, o medo. Tudo isso doeu em mim. Muito.
    O diário de Anne é, de fato, contundente. Há alguns que dizem que o diário é fictício. Ou melhor, que Anne existiu, sim, mas não escreveu todas aquelas linhas que montam o diário que conhecemos como escrito por ela. Bem, eu prefiro não ouvir essas pessoas. Eu prefiro acreditar que houve uma Anne, que tinha dois lados extremamente diferentes, mas interessantes de se conhecer. O lado iluminado e bom de Anne é o que mais lembro. Ela era incrível, tinha pensamentos, ideias e ideologias louváveis. Era uma menina de alma extremamente viva. Esbanjava alegria. E vem Hitler, a guerra e todos os outros fatores que conhecemos e acaba com a vida dela e de tantas outras pessoas que poderiam ser tão felizes, que deixam sonhos na gaveta, que não tiveram a chance de envelhecerem junto aos seus amores. Eu torci tanto para que, sei lá, Anne não tivesse morrido. Mas ela morre. Num maldito campo de concentração. Ao mesmo tempo que penso "pobre Anne", penso que a vida dela, apesar de curta, será sempre lembrada. Será sempre um exemplo de uma pessoa que não se rendeu e nem perdeu a fé, mesmo em momentos difíceis e que exigem de nós uma força quase descomunal.
    Quando Anne fala da natureza, de contemplar o que há ao nosso redor: o sol, a lua, o canto dos pássaros, o ar puro, eu me emociono e me dá uma vontade enorme de abraçar Anne e meio que a niná-la. Mas não é possível.
    O que é possível é guardar as palavras dessa mocinha, que, no fim das contas, se foi como uma mulher, bem no âmago do meu coração.

    Uma curiosidade: quando terminei de ler o diário da minha querida Anne, também quis fazer um post em estilo de carta a ela. Nem sei por que não o fiz.
    Quando lia seu diário, fingia que meu nome era Kitty, sabe? Queria muito ter sido amiga de Anne. Mas creio que eu e você somos amigas de Anne. De uma maneira ou outra, nós somos sim.

    Um abraço, Anna.
    Seu post me fez lembrar da emoção que senti ao conhecer Anne e parte de sua vida. É tanto, que fiz um comentário gigantesco. Peço até desculpa, acho que me empolguei.

    Hasta!

    Sacudindo Palavras

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  3. Meu sentimento em relação à Anne é o seguinte: tenho uma curiosidade imensa em ler seu diário mas, ao mesmo tempo, fico com medo de sofrer muito enquanto faço isso. Como leitora tenho essa mania maluca de me colocar no lugar dos personagens e sentir a dor que ele sentem. E mesmo já sabendo de antemão algumas das coisas pelas quais Anne passe, sei que o baque vai ser grande quando estiver imersa em suas palavras. Ainda me falta coragem pra embarcar no diário de Anne, mas farei isso um dia. Sem dúvidas. (:

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  4. Eu sempre quis ler esse livro, mas nunca achei pra comprar e isso me irrita horrores, porque parece o tipo de livro genial que ia completar minha existência e me fazer muito feliz, sem contar que sou fascinada por toda e qualquer coisa relativa à Segunda Guerra Mundial, porque acho Hitler um personagem histórico fantástico e o meu sonho de adolescência era fazer algum trabalho científico sobre ele, pena que não tem nada a ver com a minha área.
    Você e Analu lendo esse livro aumentaram ainda mais a minha vontade insistente em lê-lo, ainda mais que estou lendo "a lista de schindler" e, querendo ou não, as histórias têm certa semelhança. Espero conseguir ler a história da Anne ainda este ano!
    Adoro textos confessionais assim e achei genial sua ideia de escrever uma carta para um personagem importante, que jamais lerá, em um lugar em que tantas outras pessoas podem ler. Acho que farei algo assim pro August de "Extraordinário", rs.
    Continue a escrever, porque você é uma diva <3

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  5. Devo ser a única pessoa da face da Terra que não gosta de Anne Frank. Isso provavelmente porque li um diário de uma garota de guerra muito mais amadurecida literariamente: Nina Lugovskaia.
    Mas reconheço que Anne exibiu um retrato fiel de seus tempos de tormenta. Terrível para uma criança em fase de amadurecimento. Ela não sobreviveu, mas contou com louvor a sua história. Isso basta.
    Abraços.

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  6. Ai, Anna, sua carta me fez chorar, e tenho certeza que de alguma forma ela chegou até a Anne. Li o Diário há muitos anos e preciso muito reler nesse momento da minha vida, em que eu estou muito mais amadurecida em diversos aspectos. Ela me ensinou muito naquela época e tenho certeza que ainda tem muito a me ensinar.

    Adoro todos os livros desse gênero, mas eles são sempre tão doídos que toda vez que eu termino um sinto vontade de me prometer que foi o último. Só não prometo porque sei que mentir é feio, e que algumas coisas são difíceis, mas necessárias.

    Abraços.

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  7. Que lindo Anna! Depois dessa...preciso ler também!

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  8. Juro que gostaria de encontrar palavras para dizer o quanto esse post seu foi incrível. Mas acho que você já conseguiu dizer tudo que foi necessário. Sério, acho que um dos melhores textos que você já escreveu. Simplesmente tão encantador quanto o diário da Anne.

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  9. Só fui ler Anne Frank no ano passado e terminei assim: embasbacada. Ela me fez sentir tanta coisa linda e triste, eu sequer queria devolver o livro na biblioteca... minha irmã ganhou um exemplar de aniversário nesse ano e fiquei feliz. Pretendo relê-lo, só pra eu poder sentar e sentir de novo.

    Beijo

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  10. Anna Vitória, posso te abraçar?

    Menina, eu não consigo nem falar direito o que achei desse texto INCRÍVEL que você escreveu. Li O Diário de Anne Frank esse ano e senti um misto de tristeza e raiva que também não consigo explicar. A sensação que tive foi a de que, caso Anne tivesse sobrevivido, ela seria conhecida hoje. Pois teria se tornado jornalista, ou escritora, ou ambos. O mundo conheceria Anne Frank de outra maneira. Outra coisa me entristece demais é saber que todos sabem quem é Anne Frank, mas quantas e quantos Annes Franks não tiveram seus relatos realizados ou encontrados ou publicados? Morreram de forma brutal e ninguém se lembra de que passaram por esse mundo :(

    O Diário de Anne Frank deveria ser leitura obrigatória em colégios e faculdades de todo o mundo. Seria uma forma de manter viva esse relato de um momento tão escuro da humanidade; e uma maneira de impedir que isso volte a acontecer!

    Mais uma vez: amei o texto e me emocionei muito com a sua mensagem :)

    Parabéns!

    Beijos

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  11. Anne, querida Anne! <3

    Li seu diário quando tinha uns 12 anos e confesso que não sei se tive maturidade o suficiente na época para analisá-lo tão lindamente quanto tu fez aqui.
    Li ele jovenzinha, na transição de livros do Monteiro LObato para os mais adultos e me apaixonei por assuntos de 2ºGM, e aos poucos fui entendendo o universo que viveu esta mocinha tão sábia.
    Até hoje, é meu estilo literário favorito! Tenho muitos livros que tem a temática Guerra.
    Depois que a gente lê a Kitty, a gente passa a ter uma sensibilidade diferente em relação à vida, sei lá.
    Pode ser clichê, o que for, mas é isso que acho!

    Que bom que leu Anne, que bom que se escreveu este texto!

    Beijos Anna, da Ana.

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  12. Tenho esse diário há anos, mas nunca consegui terminar de ler. Nunca tive o timing, nem sei quando vou ter.
    Só de ler sua carta, meus olhos se encheram de lágrimas. É, acho que ainda falta um tempo para eu conseguir ler esse diário.

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