sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Eduarda levada da breca

Esse post é parte do meu projeto 1001 Pessoas, inspirado nesse blog aqui.

Não sei o que acontece comigo, mas eu dou voltas e voltas pra sempre me encontrar envolvida em algum projeto relacionado a escola. A aventura da vez é o meu novo estágio como supervisora do jornal interno de uma escola. Eu queria mudar de ares e achei a proposta totalmente Gilmore Girls, e enxerguei a oportunidade como uma forma de superar a mágoa de nunca ter tido isso nas escolas que estudei. 

Além disso - e eu estou plenamente consciente de que isso vai soar ridiculamente exagerado e dramático pra vocês, mas juro que quero dizer exatamente isso - eu gosto de trabalhar com crianças e adolescentes. Eles me animam, me revitalizam e, é, é bem isso mesmo. 


Antes de começar a fazer o jornal, eu precisava apresentar o projeto pros alunos, e foi assim que eu me vi entrando em turmas de quarta (!) a oitava série para dar uma aula sobre a importância do jornalismo e essas coisas que ninguém se importa ou presta atenção, mas que enchem meu coração (ando tão mexicana). 

Foi assim então que numa segunda-feira de manhã, primeiro horário, eu me vi diante de uma turma de quarta-série, com suas crianças de dez anos de idade (e estatura surpreendentemente baixa) que, apesar dos olhares inocentes, pareciam que comeriam meu fígado com limão e sal antes que eu conseguisse articular um bom dia. 

Foi então que eu conheci a Eduarda.

Eduarda é uma dessas meninas que toda sala tem: não importa se ela tenha meio metro, como a criatura em questão, ou um metro e meio, como eu provavelmente já tinha nessa idade - ela é quase uma instituição das salas de aula. Eduarda fala alto, firme, e sabe de tudo que está acontecendo ao seu redor. Eduarda é confiante, se dirige a todas as pessoas com a mesma desenvoltura e pede poucas desculpas por ser quem é. E quando a professora perguntou por que a Eduarda não tinha ido até agora lhe dar um beijo de bom dia, ela colocou as mãos na cintura e lá do fundo soltou:

- Tia, eu e a Aimé estamos conversando. Quando a gente acabar eu vou aí te dar bom dia. 

O papo eventualmente acabou, e lá veio a Eduarda, toda pimpona. "Viu, tia, já cheguei. Não precisava ficar com ciúmes". Foi só depois do abraço que ela me notou ali no canto, e antes de qualquer apresentação formal ela já se eduardiou pro meu lado:

- Moça, seu cabelo é de verdade? 

Uma linha tênue é traçada quando uma pessoa pergunta se seu cabelo é de verdade. Era um elogio? Era uma piada? Questões. Mas, como eu disse acima, a juventude me renova e me faz acreditar no melhor das pessoas, por isso escolhi entender que, mesmo que ela não quisesse dizer que meu cabelo estava tão bonito que nem parecia real (gente, ninguém começa uma segunda com o cabelo bom), ela provavelmente tinha conhecido poucas moças com cabelo meio laranja na vida. 

Quando a aula começou, vi que o que fazia com que a turma parecesse mais assustadora era, na verdade, sua melhor qualidade. Eles falavam muito, e quando você chega numa turma de quarta série pra falar sobre jornalismo, é meio que essencial que os alunos falem com você. Mas, é claro, a Eduarda falava mais que todo mundo. O que vem na cabeça de vocês quando eu falo em jornalismo? Informação. Comunicação. Jornal Nacional. Repórter. Globo. SENSACIONALISMO, gritou a Eduarda lá do fundo. VOCÊ NEM SABE O QUE É ISSO, respondeu um garoto ali na frente, e a professora abafou a confusão antes que ela tivesse direito à sua tréplica. 

Assim se seguiu aquela aula, com os alunos participando e Eduarda adicionando comentários a praticamente tudo que eu e os outros colegas diziam. E aí que por algum motivo que agora não lembro, a professora que estava comigo perguntou por que duas garotas estavam sentadas em lugares diferentes do mapa de classe, então lá foi a Eduarda explicar toda a confusão que acabou com as duas separadas e sentadas em extremos opostos da sala. Tia, no jornal a gente vai poder contar que Ciclana e Fulana levaram bronca e mudaram de lugar?, perguntou aquele garoto mala lá da frente, ao que a Eduarda prontamente gritou: ISSO NÃO É NOTÍCIA, ISSO É FOFOCA E SENSACIONALISMO. VIU? 


Eduarda, minha nova ídola.

Ídola agora, mas que provavelmente seria odiada por mim se fosse da minha sala de quarta-série, da mesma forma que umas garotas da frente viravam os olhos sempre que ela dizia qualquer coisa. Eu seria uma delas. Se hoje eu me considero uma pessoa introvertida, aos dez anos de idade eu era introvertida, tímida e bastante retraída, e me sentia muito incomodada com as Eduardas ao meu redor. Essas pessoas que falam alto, chamam a atenção, não tem medo de falar com os outros e adoram um holofote - enquanto eu, ali no meu canto, dizia as respostas bem baixinho e ninguém ouvia, e tinha vontade de me enfiar embaixo da mesa sempre que me dirigiam a palavra. A existência de Eduardas era uma ofensa pessoal pra mim; eu, tão pouco à vontade em ser da forma como eu era, e por isso virava os olhos acreditando que elas eram o problema. 

No final da aula, perguntei se eles tinham alguma dúvida.

- Tia, você não vai ficar com a gente até o fim da aula?
- Não, Eduarda, eu tenho que passar nas outras salas também.
- Ah, eu acho que você devia ficar. A gente nunca tem novidades por aqui, e eu gostei de você. Seu cabelo é tão bonito.

Hoje não sou mais tão tímida como antes e tenho menos medo de me impor, mas continuo introvertida e acho que nunca vou gostar de ser o centro das atenções. O total oposto da Eduarda, mas isso não é um problema. Tudo bem que a gente seja assim, tão diferente. Aliás, é isso que faz dela alguém tão legal, como muitas meninas da minha sala deveriam ser também e eu estava ocupada demais querendo mudar quem eu era na marra pra perceber. E eu juro que não estou dizendo isso só porque ela disse que me cabelo era bonito - embora o elogio tenha feito a segunda-feira bem mais feliz. 

Acho que a Eduarda me poupou uns anos de terapia. 

12 comentários:

  1. 03:37 da manhã, o horário do post. Pelo fim da conversa completamente arbitrário pensei que todas tínhamos apagado juntas, mas aposto que só eu apaguei, porque você postou e a Tary deve ter feito brigadeiro, hahaha.
    Amiga, amei a história e já até pensei em escolher algumas formas de alunos diferentes que conheci para fazer mais posts para o projeto. Engraçado, eu sempre fui tímida, mas me sentia mais confiante com adultos, então sempre procurava interagir quando professores perguntavam. Era a primeira a levantar a mão. Fui uma Eduarda. Que bom que não nos conhecemos nesse contexto, hahaha! Beijos! <3

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  2. Lembrei com vários apertos no coração do meu estagio de Psicologia escolar com crianças de 1 série. Essa galerinha deixa um vazio enorme quando o estagio acaba....

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  3. Eduarda parece a Paris de Gilmore Girls, não as garotas falantes da escola! E ser a Paris é tudo <3

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  4. Assim como Analu, eu também era uma Eduarda e ficava tristissima quando as meninas da frente reviravam os olhos pra mim. :'(

    Amo pessoas que me poupam anos de terapia. Seria ótimo se só encontrássemos esses tipos de pessoas, né?
    Beijo! <3

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  5. Eu sou aluna de Licenciatura em Biologia e atualmente faço estágio nas escolas. Já me deparei com várias Eduardas na vida. A mais recente se chama Ana Clara, 12 anos.
    Estando no papel de professora, as Eduardas dão um certo trabalho, falam demais, se metem em tudo, causam brigas...mas eu gosto muuuuuito de encontrar crianças/adolescentes assim, porque apesar do ruído que eles causam, eles estão sempre se questionando sobre tudo e isso faz com que a aula seja produtiva, diferente, participativa, etc., além da diversão que eles me causam hahahaha
    Pra quem gosta de trabalhar com crianças e adolescentes, isso é muito recompensador sabe?

    Beijo <3

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  6. hahahahah mas gente, o SENSACIONALISMO foi demais ushaush!

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  7. Quando eu estava na faculdade fui fazer um trabalho comunitário em uma escola onde estudavam crianças de baixa renda, e acabei por incitar a implantação de um grêmio estudantil, com eleições, debates e tudo mais. Sempre que entrava nas salas de aula para explicar sobre o que era o projeto e o que eles deveriam fazer para participar era surpreendida por alguém como a Eduarda. É legal isso. Fico pensando em como a personalidade das pessoas se forma cedo e que como você, se as Eduardas que eu encontrei no meu projeto tivessem sido minha colegas, eu também não iria gostar, mas elas definitivamente, valem o tempo e a atenção, pelo entusiasmo que despertam na gente.

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  8. que nostalgia ler esse post.
    lembrei de quando dei aulas e conheci algumas eduardas também

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  9. Conheci o blog faz pouco tempo e TÔ AMANDO! É tanta gente que faz jornalismo com blogs maravilhosos, que deixa eu te contar que tô quase mudando minhas aspirações na vida! rs
    Tenho uma tristeza em pensar que "fui uma eduarda" até a 4° série, e da 5° ao 1° ano do ensino médio acabei me tornando uma pessoa totalmente retraída, total oposto do que era, e só a partir do 2° ano do E.M. (não me pergunte o motivo. crises da aborrecência? Trumas? Descubra sexta, no globo repórter) eu voltei a ser Eduarda! hahahahaha!
    E olha só, não é me gabando nem nada, mas as Eduardas tão com tudo! rs hahahah

    Adorei o blog, mesmo mesmo mesmo meeeeeeeesmo, tô amando. Vô tá por aqui agora ♥

    http://pequenoperdido.blogspot.com.br/

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  10. Acho incrível em como me identifico com você.

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  11. Antes de mais nada, um grande "me desculpa" pelo sumiço! A vida anda complicada (não por motivos de falta de tempo, mas enfim) e andei desmotivada para ler (veja só) e ainda mais para comentar. Mas estou de volta, colocando as leituras dos melhores blogs dessa blogosfera ♥ em dia e mimando devidamente (ou da melhor maneira que posso) quem merece.

    Bem, dito isso: Eduarda. Me identifiquei com você quando você diz que, criança, não gostaria de Eduarda. Só não me identifico com o restante. Eu quero dizer, lendo, também sou fã de Eduarda. Lendo seu post, acho ela o máximo. Se ela fosse personagem de um conto, um romance, uma novela, eu provavelmente a adoraria também. Mas na vida real, não sei se resquício de uma infância inteira se sentindo intimidada pelas crianças desenvoltas e extrovertidas, não sei bem como eu ficaria diante de uma Eduarda. Até porque, confesso, sou péssima com crianças. Não sei lidar com elas e não sei como eu lidaria com uma Eduarda.

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  12. Texto maravilhoso, como sempre! Eu to até hoje tentando ser um pouquinho mais Eduarda, pq mereço. É bom.
    www.vivendovivi.blogspot.com.br

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