quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A gente sempre vai ter Paris

Ingrid Bergman não fica com Humphrey Bogart no final de Casablanca.

Querido leitor, se acalme, isso não é um spoiler. Quer dizer, tecnicamente é sim, mas sério, eu estou falando de um clássico de 1942. Quem viu, parabéns, quem não viu, eu juro que saber do fim não vai mudar nada. Eu mesma só quis ver Casablanca porque em Harry & Sally os personagens perdem um bom tempo discutindo justamente esse final, e o fato concreto do casal não terminar junto importa bem menos do que as motivações para eles ficarem separados.

Um breve contexto: estamos na Segunda Guerra Mundial, e Bogart e Ingrid se conhecem em Paris. Eles se apaixonam perdidamente e combinam de viver esse tórrido romance sem fazer muitas perguntas (e havia boatos de que filmes antigos eram bobinhos, diz Ilsa Lund jogando o cabelo pra trás e dando gostosas risadas), porque esses amores de alma transcendem conhecimentos banais de trajetória pessoal, traumas de infância, passagens na prisão e fatos relevantes dos últimos cinco anos. Quando a França é ocupada pelos alemães, os dois combinam de fugir juntos, mas no dia D a Ingrid simplesmente não aparece, e Bogart se manda sozinho e amarguradíssimo para Casablanca. 

Anos depois eles se encontram, porque o passado sempre volta pra nos atormentar, e depois de ofensas, rancores e muita torta de climão, aquele desentendimento do passado é desfeito, os erros são perdoados e eles resolvem ser felizes pra sempre de novo. Até que, como vocês já sabem, eles não são. Na despedida, Humphrey Bogart, com toda a sua exuberância, todo o seu charme e toda a sua canastrice perfeita que Zé Mayer sonha em emular porém nunca será, ele diz uma das frases mais icônicas do cinema americano: we'll always have Paris. 



Em bom português: o que foi nosso ninguém tasca. O amor deles vai viver pra sempre na lembrança daquele idílio parisiense e esse é o máximo que a vida pode lhes oferecer. Eles viveram aquele romance descolados da pessoa que eles eram e toda a complicação que isso acarreta, mas não se pode fugir da realidade pra sempre. Então eles seguem seus rumos separados, porém com o coração tranquilo sabendo que o amor deles vai viver pra sempre, aquele eterno enquanto dure encapsulado num desses globos de neve, pra sempre guardado na estante da memória. 

Eu tenho um problema muito grande com fins. Odeio despedidas, fico deprê no fim do ano, em festas de formatura, e sou dessas que chora em festinha de fim de semestre. Eu demorei anos pra assistir ao último episódio de Friends, ainda não terminei House e sempre postergo as cinquenta últimas páginas de um livro que eu esteja gostando demais. Eu guinchei de chorar assistindo Toy Story 3, um filme que simplesmente nos força a despedir da nossa infância, e nem preciso dizer o que aconteceu quando eu assisti ao último filme do Harry Potter no meu último ano de ensino médio.

É um alívio pensar que tudo nessa vida passa quando se tem em mente as coisas ruins, mas as boas também passam e isso é desesperador. No entanto, uma amiga querida, depois de terminar um relacionamento de seis anos, me disse uma coisa muito forte: as pessoas ficam tristes porque a gente terminou como se a gente não tivesse dado certo; mas não é porque acabou que deu errado, acabou porque as coisas mudaram e tinha que acabar. 

Coincidentemente, pensando sobre isso, me deparei com esse texto ótimo da Isadora no qual ela defende a tese de que relacionamentos são narrativas, e por isso tem começo, meio e necessariamente um fim. Essas ideias ficaram na minha cabeça por semanas, meses, me fizeram acreditar que eu devia escrever um livro sobre isso. Me atormentaram pacas e me fizeram confrontar todos os fins da minha vida, até que eu revi Casablanca e entendi que nada é pra sempre, porque a gente não é pra sempre. 

Não estou falando isso porque vamos todos morrer mesmo (mesmo tópico, outra longa história), mas porque a gente muda, eis um fato, e o nosso mundo muda junto com a gente, eis uma consequência. O felizes pra sempre tem muito mais a ver com a ideia de continuidade do que com uma eternidade concreta, imóvel e imutável. Se apaixonar todos os dias não pela mesma pessoa, mas pelas diversas pessoas que o outro se torna ao longo da vida. As time goes by. 

A minha primeira melhor amiga de verdade saiu da minha vida de forma tão espontânea quanto entrou. Não teve briga, babado, confusão, muito menos gritaria. É bem verdade que ela mudou de escola, mas a gente continuou a se ver nos fins de semana e nas aulas de inglês, até que um dia eu percebi que não suportava mais ficar com ela porque ela era outra pessoa, e eu também era outra pessoa, e essas duas pessoas não tinham mais motivo para serem melhores amigas, ou até mesmo amigas banais. 

Foi totalmente indolor e nada dramático, e sei que infelizmente sei que não é assim sempre, pra tudo, muito menos pra todo mundo. Mas, outra sabedoria importante vinda daquela cena final de Casablanca, é que logo depois da emblemática frase sobre Paris, vem a cereja do bolo: We didn't have, we, we lost it until you came to Casablanca. We got it back last night. 


Em bom português: só acaba quando termina. A gente precisa confrontar nossos fins, abraçá-los e perdoá-los, para garantir nossa Paris particular, para eternizar lembranças num globo de neve - ou então pra queimar tudo de uma vez e não deixar nem as cinzas pra contar a história. Enquanto ignorarmos solenemente tudo que mudou e tudo que acabou, sempre vai ficar esse ranço, esse Bogart estagnado em Casablanca tomando vodka sozinho de madrugada.

Tenho pensado muito sobre isso nos últimos tempos, e aberto de novo várias portas que eu jurava trancadas, com a chave jogada fora. Assisti o último episódio de Friends, penso cada vez mais naquele livro, e estou tentando fazer as pazes com um monte de fins. É como diz aquela crônica: o amor acaba pra começar de novo em todos os lugares a qualquer minuto. Mas não se enganem: ele tem que acabar.


A gente sempre vai ter Paris.  

6 comentários:

  1. Amiga, eu simplesmente odeio finais de coisas boas. Fico semanas remoendo um fim de encontrão, por exemplo, e uma coisa que sempre me deixa bolada (e morrendo de medo) é essa história de amizades que acabam naturalmente. Como pode você falar todo dia com a pessoa e precisar dela e de repente as conversas vão espaçando e um belo dia você vai dar parabéns para a pessoa no aniversário e percebe que é só isso o que vocês tem para conversar? Eu fico muito cabreira com isso, porque sempre morro de medo de acontecer com minhas amizades atuais, que são sempre as melhores. HAHAHAHAHA.
    We'll always have nosso churrasquinho.
    Te amo!

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  2. Ai anna, não faz isso!
    Ano que vem estou indo pra SP (se tudo der certo!), e apesar de querer isso do fundo do meu coração, ás vezes fico com medo. É estranho se despedir de tantas pessoas, da sua cidade, da sua família. Já estou tendo a experiencia esse ano, já que vim morar em Vitória, (100km da minha casa) e já sofro, e sei que vou sofrer muito mais. Mas faz parte. As vezes penso que seria tão legal se essa história de universo paralelo existisse de verdade, e pelo menos em algum deles, eu ainda esteja na minha escola antiga, com meus amigos e professores, reclamando da matemática e me apaixonando pela primeira vez.
    A vida é tão cruel, mas é impossível ser mais bela!
    Agora estou deprê aushaush Obrigado! Texto lindo!

    followingthesnow.blogspot.com

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  3. Ok, em um post seu blog me ganhou. Bloglovinhando em 3,2,1...
    Concordo com o que você escreveu, mas no fundo sempre fico agarrada naquela infima esperança de que com a pessoa X ou a pessoa Y não vai ser igual, não tem pq ser igual, e que da sim para nos adaptarmos e mudarmos junto/as e aprendermos junto/as e bla bla bla até que... acaba e nem doi tanto assim.
    Vou ali beber um chocolate quente, depois disso tudo estou precisando de um pouco de carinho e amor ahaha
    Des bisous !

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  4. Já posso parar de chorar?!

    Poxa, texto extremamente real, verdadeiro, profundo e que me tocou de verdade, pois sou péssima com despedidas e meio que penso assim, mas nunca vi de maneira tão nítida, sacas?

    Sério, mega bom ler isso nesse momento da minha vida, guria! :D

    Beijão e um abraço de valeu! *o*

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  5. Que texto bonito, Anna! Muitas das coisas que você falou me deixou pensativa também. Me identifiquei com o não gostar de finais, pois também os detesto e faço muitas coisas da mesma forma que você, como postergar os finais dos livros e dos seriados. Não gosto de despedidas e, muitas vezes, fico me apegando aos momentos vividos pq não quero que eles sumam. Acho que se eu soubesse fazer a Elsa e "let it go", teria uma vida bem mais saudável, haha.

    Ah, e shame on me, ainda não assisti Casablanca. D:
    Um beijo!

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  6. Não dá pra ser igual pra sempre, né? Bonito isso que você escreveu. Fiquei pensando nas amizades de escola, que eram tão importantes na época, mas hoje já não tenho a mesma afinidade com aquelas pessoas, porque eu mudei, e elas mudaram também. São poucas as pessoas que vão estar no nosso lado até o fim, suportando nossas mudanças (e nós suportando as suas).

    Sobre filme velho, não consigo assistir. Eu até tinha uma meta de ver esses clássicos do cinema, mas foi só tentar ver Cidadão Kane que eu desisti. Ô filminho parado!!!

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