domingo, 7 de dezembro de 2014

Sobre registrar, dirigir e esquecer: uma história sobre o show do Arctic Monkeys

Eu já tinha desistido de escrever sobre o show dos Arctic Monkeys porque fiz exatamente aquilo que eu sabia que iria fazer, mas mesmo assim me permiti acreditar que dessa vez seria diferente: deixei passar o calor do momento. E, não sei como funciona para vocês, mas acredito no calor do momento como fator de suma importância quando quero escrever algo numa pretensão besta (que me é, porém, muito cara) de fazer com que quem leia se sinta exatamente como eu me senti -- naquele momento, no seu calorzinho gostoso. 

Só que na sexta-feira passada eu estava em um bar com meus amigos, já na fila para pagar, quando começou a tocar Mardy Bum. Foi como se as quase três semanas que me separavam do show tivessem sumido pelos ares e eu estivesse de novo virando geleia ao ouvir aquele "Well, now then Mardy Bum..." sair da boca do Alex Turner. Naquele dia 13 a música foi tocada na guitarra acústica, só a primeira parte, por um Alex com uma voz tão mais grossa e diferente do que aquela que a gente ouve no Whatever People Say I Am, That's What I'm Not (e isso é ótimo!), que me deixou ir embora pra casa sem o solo que eu tanto queria, e sem a redenção da parte em que ele diz "But I can't be arsed to carry on in this debate that reoccurs, oh when you say I don't care, BUT OF COURSE I DO, YEAH, I CLEARLY DO!". 

Ou seja, foi diferente do que eu esperava, bem menos do que eu queria, mas mesmo assim ouvir aquela música de novo me levou de volta pr'aquele momento, e dessa vez foi perfeito (como tinha sido desde o começo, apesar do jeito torto) e quando a moça do caixa me perguntou se era crédito ou débito a primeira coisa que saiu da minha boca foi ar-gu-men-ta-ti-ve. 

Aí eu pensei: dane-se, vou contar como foi mesmo assim.


Tenho por regra odiar e jurar de morte todas as pessoas que ficam fotografando e filmando os shows que assistem. Acho uma estupidez sem tamanho gastar um dinheirão no ingresso para ver o show através da tela do celular, mas isso seria problema só da pessoa se além disso não atrapalhasse quem está por perto. Não é como se numa pista sobrasse muito espaço pessoal para você levantar seu celular e é frustrante pra caramba perceber que o rostinho lindo do gatinho do rock lá do palco foi bloqueado por um pau de selfie inconveniente de alguém da plateia.

Apesar disso, fiz dois vídeos no show do Arctic. O primeiro deles foi logo na abertura, quando gravei um pouquinho de "Do I Wanna Know?" à pedido de uma amiga. O segundo foi quando as pessoas levantaram seus celulares enquanto o Alex cantava "No. 1 Party Anthem" e estava tão claro que era como se as luzes do lugar tivessem sido acesas. Foi lindo, foi sublime, foi algo impactante o bastante para que Mr. Turner saísse do seu transe musical introspectivo para dizer que queria estar no meio de nós. Eu nem pensei, só liguei a câmera, porque sabia que queria guardar isso para ver depois.

E foi o que eu fiz logo quando acordei no dia seguinte, e me senti imensamente grata por ter tido o insight de filmar aquilo, permitindo que eu vivesse aquele momento de novo e de novo, até cansar.

First Person é o tema desse mês da Rookie, minha coisa favorita da internet. Em seu editorial no dia primeiro, a Tavi contou um pouco sobre como é ser uma pessoa constantemente obcecada em registrar as coisas que vive e como funciona a cabeça de quem tenta ser diretora de arte da própria vida. Esse é um dos pontos que mais me fazem identificar com o trabalho dela, essa ânsia por registrar, lembrar, e viver momentos que, no futuro, sejam como filmes perfeitos em nossas cabeças.

Meus amigos frequentemente se irritam comigo pela frequência com que eu tento dirigir artisticamente nossas saídas ao invés de ver onde a noite vai nos levar - A gente pode usar essas cores, andar por essa rua, ouvir essa música? Essa coesão molda o momento e o transforma na cena de um filme. Eu não sei direito como deixar que essas experiências se desenrolem e ser surpreendida pela forma como elas me afetam; eu quero saber que vou escrever os detalhes estéticos daquele dia mais tarde e ficar satisfeita diante de como tudo se encaixa: a gente usava casacos de pele e cachecóis de lã pela Lafayette enquanto ouvia Blonde on Blonde. 
{Tavi Gevinson porcamente traduzida por mim}

O problema dessa documentação é que uma foto, um vídeo e uma gravação nunca vão se equiparar à experiência do presente. A mediação, qualquer que seja ela, transforma a realidade que ela registra numa ficção, ainda que seja um fac-símile perfeito. Parece, mas não é. E fico aqui pensando no que a gente pode estar perdendo enquanto, ao invés de ~aproveitar o momento~, tenta registrá-lo de alguma forma; ou então no quão inútil pode ser acreditar que você vai conseguir capturar aquele instante. É sobre isso que trata o último texto que o Jon Foreman escreveu em seu blog, que eu li hoje de manhã.

O vídeo de "Do I Wanna Know?" não ficou tão legal assim, porque foi interrompido na hora em que um jato de cerveja atingiu em cheio eu e minhas amigas, molhando meu cabelo, minha roupa e até um pouco do celular. O vídeo tem nossas exclamações de nojo quando percebemos que aquilo não era água, e mal dá pra ouvir o que a banda está tocando porque as pessoas estão cantando junto, bem mais alto que o microfone.

Nem passou pela minha cabeça compartilhar esse vídeo, mas esse registro zoado me parece bem mais legítimo quando penso no que foi, de fato, estar lá naquela noite, mais real do que aquele aparentemente perfeito da outra música. 

Por fim, resolvi não subir nenhum deles. São dois vídeos distintos que contam duas histórias diferentes: uma sobre desastre e outra sobre o infinito em um instante. Resolvi escrever esse texto para me lembrar que aquilo que eu vivi se encontra no meio dos dois, porque um show não existe sem bagunça e sem a inconveniência das pessoas (e eu que vi tudo praticamente no meio de uma rodinha punk que o diga) (tinha muito espaço pra dançar e foi realmente tranquilo) (mas eu não recomendaria), mas a gente não seguiria pagando dinheirões por isso não fosse pelos momentos em que o tempo parece suspenso no ar junto com as pessoas segurando seus celulares sobre a cabeça, enquanto o artista cantarola uma de suas músicas favoritas. 

A Tavi defende a documentação, apesar de tudo, porque ela acredita (e eu também) que a gente transforma a vida num filme para cristalizar momentos reais. Nossos filmes particulares são como um greatest hits da vida, e que mal há em querer uma coleção assim? 

Já o Jon Foreman também defende os registros porque o que os legitima é o fato de que, de um jeito ou de outro, nós fomos lá correr atrás dessas experiências. Eles não serviriam para nada se fossem histórias inventadas da nossa própria vida, seriam uma ficção vazia baseada porcamente em fatos reais. E não sei vocês, mas eu não pretendo parar tão cedo. 

No próximo show só espero que eles toquem Mardy Bum de novo, dessa vez inteira.

Mas se registrar é a arte de esquecer, então talvez a arte da vida seja encontrada na sua presente atenção ao momento. Talvez você e eu somos a pintura, o poema, o gravador. Ondas de luz e som passam por nós, e nossa tela responde com ações próprias: experimentando essa alegria e a passando adiante. Então tire fotos das ondas de cor que passam por você. Escreva sobre isso. Grave o momento da melhor forma que puder. Mas saibe que essas ondas que quebram na sua costa não podem ser capturadas por mãos humanas, mas elas nos acenam para que a gente volte para suas águas profundas e navegue nelas novamente. 
{Jon Foreman, vergonhosamente traduzido por mim}

E como eu só falei groselha até aqui, um top 5 dos meus melhores momentos no show, para virar filminho e passar na minha cabeça antes de eu morrer:

  1. Do I Wanna Know? na abertura, cantada tão alto por todo mundo que eu não conseguia ouvir a voz do Alex. Depois de um banho de cerveja, em volta de um monte de gente errada. Mesmo assim. Meu Deus, this is happening!
  2. Arabella, minha música favorita do AM, com todo o louvor do seu solo maravilhoso e Alex dançandinho de braços abertos igual o clipe;
  3. No. 1 Party Anthem iluminada pela luz dos celulares;
  4. Fluorescent Adolescent encerrando a primeira parte do show. Pulei e gritei tanto que achei que fosse realmente morrer;
  5. Dobradinha de Mardy Bum e RU Mine pra encerrar o show, com o refrão repetido 3x depois que a música acabou, e eu pulando em todas quase caindo, existindo com dificuldade, mas sem um pingo de vontade de ir embora.
Hors concurs: essa coisa absurda de linda e deliciosa e errada que é Alex Turner. Mesmo calado, mesmo sem fazer gracinhas, mesmo mudando minhas músicas favoritas. Esse homem deitou no palco na minha frente e foi maravilhoso por 90 minutos, com licença. 

Se eu vou superar Alex deitado: jamais (Foto)


























*Eu disse que ia contar sobre como foi o show mas acabei viajando na maionese. Escrevi uma resenha mais ou menos séria sobre ele pra outro site, caso estejam interessados: Arctic Monkeys na HSBC Arena no Rio de Janeiro;
* Os textos da Tavi e do Jon merecem ser lidos na íntegra e no original, não deixem de fazer isso: First Person e Recording Is The Art Of Forgetting - Enjoy Yourself. 

8 comentários:

  1. Oh meu Deus sério q vc viu Alex Turner jogado no palco, sério q vc ouviu aquela voz ao vivo? ;_______;
    Experiência pra contar aos netos.
    Ps: vi q tu tá lendo Deuses Americanos, livro fumado do tio Neil <3 Tá gostando?

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  2. Anna, gostei demais da ~viagem na maionese~! Vim ler sobre o show, mas o texto foi tão mais legal do que review de show.

    Eu nunca tiro nem foto em show porque: 1) fico sempre bem longe, porque quando tento me aventurar a ficar perto do palco eu obviamente passo mal (ou sou derrubada, que vida maravilhosa); 2) nunca fica muito bom. Por outro lado, eu entendo completamente por que as pessoas fazem isso. Se não dá pra gente reviver os momentos bacanas da nossa vida, é claro que a gente *gostaria* de poder fazer isso. É bom poder salvar um pouquinho pra nos lembrar depois que a gente esteve lá, a gente viveu aquilo. (Dito isso, não perdoo quem passa o show inteirinho com o celular na mão. Aí a ânsia de guardar pra depois é tanta que você mal aproveita o momento em si. E porque me atrapalha, claro, rs)

    Beijo!

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  3. Curto muito AM (tanto a banda quanto o album) mas não tive coragem de gastar um monte de dinheiros só pra vê-los, mas shows são ocasiões mágicas que mesmo com toda a inconveniência do mundo sempre deixam um gostinho de quero mais!

    beeeijos

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  4. Fotografia de palco só é legal quando você tem "credencial" para isso se for só fotos de iphone ou singulares... melhor deixar no bolso e curtir o momento. Adoro ler resenha de shows e fico em estâse também antes, durante e pós show.

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  5. Adoro ler seus relatos de show porque eu fico imaginando como seria minha vida se eu realmente gostasse de shows (pois é, acho que sou um ET). Eu vi um show do Arctic Monkeys no Chile, sentadinha na grama com uma semi-conhecida, num final de tarde. Mas isso foi antes daquele álbum de 2013, então pra mim foi apenas boring. Que bom que pra todo mundo que eu conheço os shows do Brasil foram ótimos, todo mundo falando tão bem! E, gente, banho de cerveja. POR QUÊ???

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  6. Eu queria muito ter ido ao show. Não rolou porque tive que escolher entre show e viagem, e optei pela última.

    Discordo que o teu post tenha sido groselha. Eu também fico pensando se tô perdendo o momento tentando registrar. Mas muito raramente eu me arrependendo. Não foi por "perder" três minutos tentando arrumar o pessoal pra foto ficar boa, sem olhos fechados e tudo, que a noite foi ruim. Não é porque eu tirei foto que a noite tava ruim.

    Quando vejo as fotos das jantas que fui, ou dos shows, e das viagens, parece que me teletransporto pr'aquele momento. E é muito bom. Tá tudo na memória também, é claro. Mas às vezes olhos fotos antigas e penso: meu d, não lembrava disso! E o registro tá lá pra isso: nos fazer lembrar quando a memória falha.

    Beijos!

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  7. Amiga, estava apenas esperando o relato do show porque eu sabia que mais hora menos hora ele apareceria. E ele não está ~fora da proposta~ não, porque te conhecendo como te conheço, jamais esperaria um relato coeso sobre algo que você amou, e sim isso aqui: um apanhado de feelings. E é disso mesmo que eu gosto.
    3 days. <3

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  8. É legal registrar as coisas, mas ás vezes perdemos tanto tempo procurando o clique perfeito que não aproveitamos o momento.
    Bj e fk c Deus.
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogpost.com.br

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