segunda-feira, 8 de março de 2010

Do Sétimo Andar.

Ele seguiu seu caminho em uma direção, apressando o passo para poder revelar logo as fotos e ver surgir sob a atmosfera da luz vermelha as coisas bonitas que via. Enquanto isso, ela seguia na rua em caminho oposto, de volta à padaria, pois decidira que queria algo doce para curar-lhe as mágoas do amor platônico.

Pediu à atendente um sonho recheado de doce de leite. Oras, se não podia ter a quem queria, nem seu amor de padaria, que juntasse os dois numa coisa só: o sabor no doce de leite, e o sonho – que era ele – no sonho propriamente dito. Infame trocadilho. Voltou para casa devorando o quitute, sem perceber que tinha falsos bigodes brancos feitos com açúcar de confeiteiro grudado no doce, sem se importar com as gotas de recheio que caiam, e lambendo vorazmente os dedos, agora impregnados de gosto de sonho não realizado.

O dia era uma sexta, e já estava no fim da tarde quando ele enfim chegara em casa do trabalho. Sentia-se estranhamente empolgado, o coração disparado e um sentimento de alegria constante, como perfeitamente descrevera Eça de Queiroz: “como se houvesse entrado enfim numa existência superiormente interessante, em que cada hora tinha seu encanto diferente, cada passo conduzia-lhe a um êxtase e a alma encobria-se de um luxo radioso de sensações”. Era bem assim que se sentia. Que lhe perdoasse Luíza, mas tal sentimento não lhe era exclusivo, apesar de ser o frenesi da amante de Basílio que o português descrevera com precisão assustadora. Já ele? Ele? Quem era ele? Só um humilde fotógrafo que vivia sua vida registrando momentos que para sempre estariam gravados em papel especial após passar por um banho de revelador na sala de luz vermelha, onde naquele momento pendia no varal em que secavam as fotografias, mais de dez fotos em que a câmera foi apontada quase inteiramente para cima para captar o farfalhar dos cabelos da garota do sétimo andar, iluminados pela luz que a noite começava a mandar embora, a garota que ele observava do chão sempre que caminhava calmamente pela rua quando voltava do trabalho. Suas horas de encantos diferentes, na verdade, se resumiam aos meros minutos que duravam sua caminhada, quando ele sentia palpitar forte no coração a ansiedade para vê-la de novo. Seus passos, naquela fatídica sexta-feira, haviam lhe conduzido ao êxtase de poder enfim comprovar que a moça do sétimo andar de fato existia, que seus cabelos eram mais bonitos do que quando vistos ao longe, que tinha os modos engraçados e que gostava certamente de biscoito de maisena.

Abriu o pacote onde trouxera da padaria um sonho de doce de leite, junto com os pães de costume. Trouxe uma das fotos de seu laboratório de revelação e ficou ali para por fim entregar-se ao luxo radioso de sensações que sua alma era coberta no momento, que só amores jovens e doces de tardes de março trazem às pessoas. Reparou dessa vez que ela tinha sempre uma caneca verde nas mãos, que, apesar de não conseguir sentir o cheiro lá da rua, ele podia ter certeza absoluta que estava cheia de café quente. Um café a essa hora da tarde cairia bem, obrigada, uma pena que ele não aprendera a preparar antes de sair da casa da mãe. Ah, se a garota do sétimo andar soubesse que ali, a alguns quarteirões de distância de seu reduto havia ele, que, mesmo sem conhece-la tanto ansiava por sua companhia! Ele sabia que ela acharia graça da chuva de margaridas que ele vira na rua naquele dia mais cedo.

Percorreu o olhar pela parede onde pendurava seus trabalhos favoritos e concluiu, sem surpresa, que as fotos mais bonitas eram da garota do sétimo andar, a moça das listras azuis e da caneca verde, que com certeza continha café quente, que complementaria os pães, e lhe aqueceria o coração. “Ah, se ela soubesse, se fosse verdade...” foi o que lhe passou pela cabeça quando ele lambeu os dedos. Ao fundo podia-se ouvir o som da abertura da novela das seis.
(Fim. Por enquanto.)

13 comentários:

  1. Ah, mas que bonito, um amor a ser revelado em fotografia, deixando de ser um tanto quanto platônico... Beijos.

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  2. Eu to adorandooo! to salvando tudo num txt pra ler de novo qdo terminar! :DDDD
    adorei essa parte "Oras, se não podia ter a quem queria, nem seu amor de padaria, que juntasse os dois numa coisa só: o sabor no doce de leite, e o sonho – que era ele – no sonho propriamente dito"

    a melhor coisa pra curar minha depre eh doces! euueheuh! dps eu choro pra perder as calorias ganhas.. tsc! /ignora essa parte!

    beijos

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  3. Ahhhhh meu Deusssss que aperto no coração e que ARREPIO!!!! Senti isso no final!!!!
    Muito bonito!!!! Dá vontade de fazer um curta! Lindo lindo lindo.
    E você ficou com Eça de Queiroz na cabeça, né? rsssss agora quero ler O Primo Basílio (é com z?) e não encontro em lugar nenhum! rs
    beijos

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  4. Adorei conhecer Do sétimo andar... Li agora as trÊs partes!
    Parabéns!

    ;*

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  5. Caraca que lindo, me surpreendeu novamente.
    beeijos Anna.

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  6. Ahhhhhh, que lindoo! muito lindo mesmo. Aff, vc sempre me surpreende com esses contos, bjs!

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  7. Muito bom o final, algo me lembrou "O fabuloso destino de Amélie Poulain" me deixou emocionada :D

    Parabéns!
    beijos

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  8. O amor platônico... quem nunca sofreu desse mal?

    Adorei o conto!

    Beijos, linda

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  9. Oieee
    Amei o blog e o conto...
    Primeira vez aki e achei tudo uma graça!!1
    Parabéns!!!
    Bjinhos

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  10. Ah, esses desencontros... Ah, se todo desencontro fosse bonitinho assim, né? hahahhaa.
    Muito bom o conto, Anna! beijos

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  11. Cara, dá uma saudade da escola quando leio seus post sobre estudos =) e que bom, Anninha, que você gosta das matéria do 2º grau, não tenho paciência, não lembro, mesmo por que aprendi MUITA pouca coisa ú_ù
    E eu e você sabemos que você se sairá super bem no PAAES! (yn)

    ;**

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  12. QUE LINDO, Anna. Gostei demais do jeito como os pensamentos dos dois estão ligados mesmo que eles nem saibam. Beijos :*

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  13. Que lindo o jeito com que eles se encontram em pensamento. Talvez fossem felizes sem essa platocinidade. Talvez seja exatamente ela que dá tanto charme à história.
    Beijos.

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