quinta-feira, 26 de julho de 2012

A casa

Imaginem vocês uma casa. Simples assim. Não uma casa de arquiteto, com paredes envidraçadas e design de vanguarda ou a casa dos sonhos dos pequenos burgueses com traços neo-neo-neo-clássicos, mas uma casa absolutamente banal e inegavelmente encantadora, dessas que vocês e o resto do mundo desenhavam - ou tentavam desenhar, no meu caso - quando crianças. Topei com uma dessas hoje. A coisa mais normal e bonita que já vi na vida, porque passei minha infância desenhando (ou tentando desenhar) casotinhas como aquelas, que se pareciam com as casas normais que via nos filmes da Disney, nos desenhos animados e nos livros infantis, e quando saía pela cidade, as casas que encontrava pelo caminho não tinham nada a ver com meus rabiscos. Mas não essa. Essa casa, queridos leitores, era uma Casa: cerquinha, base triangular, janelas quadradinhas, varanda com banco de madeira e capacho, jardim florido de azaléias cor-de-rosa choque e  - oh! wait! - uma placa de VENDE-SE pintada à mão amarrada ao portão.

Tive um impulso forte e instantâneo de anotar o telefone para contato e realizar a compra logo quando chegasse em casa. Quem se importa com o dinheiro? Talvez se eu vendesse todos os meus livros, meus filmes, meu notebook e meu celular eu conseguiria um décimo do dinheiro necessário para a entrada e o resto eu descolaria com meus pais e avós como presente de aniversário e Natal dos próximos dez anos, não ligo. A única coisa que me importava realmente naquele instante era comprar aquela casa antes que alguém o fizesse, colocando ela abaixo logo depois ou transformando-a numa deprimente clínica odontológica, como fizeram com o imóvel ao lado.

Vamos aos fatos: a localização era realmente terrível para uma casa, entre duas avenidas muito movimentadas da cidade, sem sinal de residência alguma num raio de muitos metros e talvez quilômetros, em frente a uma empresa que ocupa um quarteirão todo e ladeada por um consultório de dentista e um terreno baldio. A vizinhança dos sonhos, só que ao contrário. E mesmo assim, se fosse pra ter aquela casa, eu ignoraria solenemente os dissabores a meu redor para ser plenamente feliz na pequena parte de latifúndio que me caberia, como se ao passar por aquele portão eu automaticamente deixasse o mundo real e fosse viver no colorido universo paralelo da música Lápis de Cor, que saía de uma sala da minha antiga escola de ballet por uma falha no isolamento acústico da mesma. Aos 10 anos de idade eu achava aquela a música mais bonita do mundo, e imaginem só o suplício de uma realidade sem MP3 e muito menos Youtube em que, para ouvir minha música favorita, eu ficava a mercê dos trechos que conseguia absorver no intervalo das aulas, quando a professora nos liberava para beber água. Ia acumulando os pedacinhos de música que já tinha ouvido, tentando montar uma sequência na cabeça, torcendo para os trechos estarem certos. A música descrevia uma casa dos sonhos, desenhada com amor, lápis de cor e lápis de cera, e quando bati os olhos na Casa, pude ouvir ao fundo a canção antiga, que agora ouço inteira, sem interrupções, no Youtube, apaixonada por essa tecnologia como se a tivesse descoberto há cinco minutos, porque ela, a Casa, é uma descrição quase perfeita daquela cantada na canção.

Dividida entre a nostalgia da recente lembrança da música e os planos fantasiosos para morar naquela casa o quanto antes, me lembrei de outra música e de outra casa, dessa vez imaginada e escrita pelo meu Poetinha. Desde criança que essa música muito me deprime e confunde. Primeiro porque minha cabecinha de bagre jamais conseguiu vislumbrar uma casa propriamente dita sem chão, que não podia ser entrada, ou paredes que comportariam uma rede. Pior de tudo é pensar na falta de banheiro. Ninguém podia fazer xixi! - minha infância foi assombrada por esse verso. O pior de tudo, no entanto, eram os versos finais, colocados ali, suponho, para dar um alento a quem já estava morrendo de dó da casa, assegurando que apesar de não ter teto, não ter nada, ela fora feita com muito esmero. Esmero, gente. Esmero é uma maneira mais poética de se dizer esforço, mais séria, no entanto, do que apenas dizer capricho. Esses versos funcionam como um tapinha nas costas diante de um fracasso, um o importante é competir diante de uma perda vergonhosa.

Quando lancei um último olhar sobre a Casa, fui tomada por uma melancolia dos infernos, porque vi nela a casa do Vinícius. Olhei a parede recém-pintada, os detalhes amarelos e brancos e pensei: que bosta, é uma casa engraçadinha. Consegui enxergar ali todo o esmero com a qual ela fora feita e cuidada ao longo dos anos, e até a vida quase completamente feliz que os antigos donos viveram ali e que agora provavelmente se apertam num apartamento tristinho tentando se convencer de que ali é melhor quando na verdade odeiam cada segundo daquela vida sem jardim. E por fim, vi a Casa de repente não ter teto e nem ter nada - porque pessoa alguma em sã consciência teria coragem de comprá-la pra viver ali, naquele lugar terrível, sendo atormentada por carros e buzinas vinte e quatro horas por dia - e tudo de bom que observei nela se tornou um verso de alento em forma da música do ballet, o jeito mais doce do mundo de contar como uma casa absolutamente simples é feita com "fumaça na chaminé e o sol a brilhar no canto da página", para consolar quem quer que fosse bobo o suficiente pra ficar triste por ela. O tapinha nas costas, aquele quase, mas não foi dessa vez. 

E tudo isso por causa de uma maldita casa na rua, que observei por cinco minutos ou menos. Quando dizem a poesia estraga a gente, é disso que estão faltando. 

7 comentários:

  1. Gente, eu ri muito! Eu ri com suas ideias de economias pra comprar a casa, ri com o tamanho paradoxo de uma menina 'madura e adulta' o suficiente para comprar uma casa, que vai fazer isso utilizando os créditos dos presentes de aniversário e natal dos próximos 10 anos de pais e avós! HAHAHAH
    Fiquei pensando na música deprimente do Vinícius durante todo o post, e fiquei aliviada que você a citou também. Eu também muito me confundo com essa música e não gosto dela nem um pouco. Não gosto de imaginar uma casa sem paredes.
    E eu simplesmente amei a frase final! HAHAHA

    Te amo! <3

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  2. posso dizer que a casa do meu avo era uma dessas casas "muito engraçadas" mas acho que não conseguiria voltar la por conta de todas as lembranças que me traria, a casa ainda ta la, firme e forte, mas sabe-se Deus por quanto tempo... Até ela virar um prédio ou sabe-se lá o que... é triste né? como as coisas belas e singelas da vida se tornam tão aparentemente sem valor nesse mundo cruel y.y

    mas acho que isso sou só eu dramatizando ainda mais esse seu post amor heh

    beijos Annoca <3

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  3. Poxa, fiquei com vontade de ver como era a casa. Não tirou foto?
    Sou apaixonada por casas. Tenho uma pasta no meu computador chamada "Casas fofas". <3 HAHAHA
    Beijo. <3

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  4. Imaginei uma casinha tão linda <3 E, olha, me chame de malvada ou sei lá, mas eu AMO essa música do Vinicius. Sempre amei. Mamis conta que eu ria horrores com o "rua dos bobos, número zero" e mandava ela cantar de novo mais 500 mil vezes. Tipo teletubbies, sabe? Hahaha!

    Só você pra colocar uma letra maiúscula na Casa e instantaneamente transformá-la em personagem. A versão personificada ficou tão forte na minha mente que nem quero ver a foto, me contento em imaginá-la.

    Esse post me deixou sonhadora, sabia? Obrigada por isso, tava precisando.

    <3

    Te amo!

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    1. Fui ouvir a música no You Tube e tem um comentário dizendo que a Casa do Vinícius é a barriga das grávidas! E os bobos são os pais que ficam falando com ela. Ótima teoria, né?

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  5. Adorei o post! Nunca vi uma casinha igual aos meus desenhos! Sério, deve ter sido fantástica essa visão. Eu passei por algo mais ou menos igual a você. Perto do hospital que eu vou, tinha uma casa neoclássica toda branca e linda. Juro para você, parecia ter saído de um conto de fadas. Ela tinha um brilho especial que nunca tinha visto em outro lugar. Tinha até um jardim lindo. Eu adorava ir no hospital só para vê-la e pensava comigo: "Quando tiver dinheiro, vou comprar essa casa!". Até que um dia, eu passei pelo local procurando-a e cadê? Destruíram ela para construir uma casa toda moderna e geométrica para eles venderem imóveis, porque na parte de trás iam fazer um prédio! Juro para você, quase chorei de tristeza ): não acreditei que de todas as casas da rua, tinham destruído justamente a minha.

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  6. Quanta divagação, srta. Anna!, mas gostei do texto :)

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