terça-feira, 9 de outubro de 2012

O frenesi do sufrágio

"Sou só eu ou você também tá sentindo a cidade diferente? Percebe que tem alguma coisa no ar?", minha avó me perguntou enquanto andávamos até o supermercado no último sábado, em Tupaciguara.

Minha mãe notou a mesma coisa assim que chegamos na cidade, mais cedo naquele dia. Era impossível encontrar um carro na rua que não estivesse adesivado e com bandeiras presas às janelas, assim como as casas estavam multicoloridas, com fachadas que ostentavam as intenções de voto dos respectivos moradores. Um dos poucos prédios estava literalmente dividido: de um lado coberto por um manto verde e amarelo e enquanto do outro o que se via eram bandeiras vermelhas presas às janelas. Na rua, carros com adesivos e fitas cor-de-rosa choque faziam vibrar os vidros dos arredores com o jingle de uma outra candidata - uma paródia de Vida de Empreguete.

É assim Tupaciguara, cidade onde moram meus avós e boa parte da minha família materna, onde minha mãe nasceu e morou até os 14 anos. Mesmo estando fora há quase 30, ela nunca transferiu seu título para Uberlândia e, vale dizer, raramente justifica seu voto. 

Porque lá é assim, política está no sangue e faz parte do lugar tanto quanto a cadência da fala. É novelesco, é doentio e parece teatro pra quem é de fora. Todo ano minha avó diz que não vai se envolver, mas quando menos se espera lá está ela colocando a cadeira na porta de casa para contar os carros na carreata do adversário que corta a avenida principal. Vira e mexe um companheiro passa e troca dois dedos de prosa, sempre em voz baixa: Fulano foi preso, mas a senhora viu só que baixaria, e a última pesquisa, já ficou sabendo? Ouvi dizer que esse homem mexe com droga... Nesse frenesi coletivo somem as dores nas juntas, as preocupações de outra natureza e em meio a essa histeria coletiva até crianças e cachorros andam nas ruas como se desfilassem por seus candidatos.

E num lugar onde todo mundo é meio primo, as brigas de família tem periodicidade definida para acontecer: de quatro em quatro anos. Diga-me em quem tu votas que eu te direi na casa de quem deixarás de almoçar. A maior tensão familiar da vez ficou por conta do primo que quatro anos atrás saiu no domingo eleitoral paramentado com as cores de uma candidata e esse ano tem o jingle do maior rival político da referida como ringtone do celular. Minha avó ficou dois anos sem colocar os pés na casa de outro primo que não só virou a casaca como saiu de vice-prefeito do opositor. Agora, como vice-eleito, ao invés de apoiar a reeleição, divide o palanque com a antiga aliada, efusivamente aplaudido. Ressentimentos são colecionados junto às ameaças de morte e histórias de prisão em época de campanha. Porque quem nunca, né? Bem vindos a Tupaciguara.

Na noite do sábado um carro de som percorreu a cidade avisando que o promotor local decidira proibir o uso de roupas com as cores dos candidatos nas zonas eleitorais, mesmo que não estas não mostrassem propaganda explícita. Coisa de filme de bang-bang e novela do Dias Gomes. Cadê o Clint Eastwood nessas horas? Depois do início da apuração, minha mãe não quis saber da segunda-feira ou dos quilômetros que nos separavam de casa: disse que não saía de lá antes dos resultados. Aos curiosos, numa disputa ferrenha que quase levou minha avó a um enfarte, a candidata cor-de-rosa choque saiu vitoriosa com uma diferença de míseros 48 votos. Por algum tempo, o que separava os dois rivais eram nada mais nada menos que apenas 3 deles. "É por isso que eu venho votar todo ano", mamãe disse, toda orgulhosa do seu gesto cidadão, mas disse que não aguenta mais essa tensão toda. Agora chega.

Até os próximos quatro anos. 

7 comentários:


  1. Ai Annoca, que incrível. Morri com seu post (o título é incrível), mas confesso que me deu enjoo só de pensar! Não tenho saco nenhum pra ‘época de eleições’. Gosto de pesquisar as propostas e ir votar conscientemente, mesmo descrente. Mas me irrito com a poluição visual e sonora, com os adesivos, com os banners nas ruas, com os papeizinhos pelo chão, e principalmente com os carros de som. Em cidade grande isso já me irrita, imagino em interior!
    Você vota aonde??
    beijo! <3

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  2. Hahahaha
    Eu achei que cidade assim não existia!
    Adoro seu blog.
    Beijos

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  3. Eu achei que cidade assim não existia! [2]
    Olha que isso daria um ótimo enredo pra um livro... (se é que já não deu)
    Por que eu não consigo bolar títulos cirativos assim? :C
    bj

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  4. Gente, me prendi a cada palavra desse texto! Parece um conto de uma cidade extrema! Queria visitar agora mesmo! E lindo texto, linods detalhes. Ah, tá demais!!!

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  5. Política de interior, ah se fosse tão bonito como nesse post (estou amargada por casos maranhenses hahaha), mas o texto é muito bom =)

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  6. Aqui em minha rua, mora um candidato que fez o maior estardalhaço. Seu próprio jingle eleitoral envolvia, no mínimo, cinco bairros próximos.
    Apesar de todo esse barulho, ele não foi eleito.
    Essa tradição eleitoral, na minha opinião, é um porre. Fujo disso. E a cidade imunda de panfletos?
    Sei que o meu desabafo nada tem a ver com o seu texto. Mas fico triste, triste, triste.
    Abraços.

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  7. ahahaha.
    por aqui tem boca de urna na frente de policial e não pega nada, de forma descarada.

    Mas achei interessante a forma como muitas pessoas ainda "valorizam seu voto"... Por aqui perdemos a esperança.

    bjs

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