domingo, 9 de fevereiro de 2014

Se eu fosse menos louca

Ler Fangirl  foi como sentir um abraço apertado com quase 450 páginas de duração.

Já escrevi aqui sobre minha frustração diante das mocinhas desastradas e estranhas dos filmes adolescentes e das comédias românticas. Não acho que esses gêneros devam mostrar sempre retratos fiéis da realidade e até entendo a ligeira boa vontade da galera ao escolher essas personagens como heroínas. Elas mostram que se até mesmo a garota cuja calcinha vira um troféu a ser exibido e adorado entre garotos mais novos de aparelho fixo nos dentes consegue ter um Jake Ryan encostado num carro vermelho a sua espera, é porque a gente também consegue. Mas, enquanto representante da classe das Desastradas, Estranhas ou simplesmente Ignorantes na Arte de Lidar, sinto falta de uma representação menos plana ou pelo menos um olhar mais honesto e menos cômico sobre a vida de quem simplesmente não se encaixa.

Em 98% dos dias, se sentir desajustada não apenas não é engraçado ou adorável, como é ruim o bastante a ponto de vez ou outra eu realmente me questionar se não sou, de fato, um pouco (muito, talvez), louca.

Li The Bell Jar e foi com um medo genuíno que me senti muito próxima de Esther Greenwood. A gente acha que é tudo uma excentricidade engraçadinha que rende histórias curiosas para contar pros outros e mostrar no blog, até que se enxerga demais nas crônicas de depressão e loucura da Sylvia Plath. Mas, mesmo que eu entenda totalmente o que ela quis dizer e até um pouco do que ela sentiu, houve ainda um distanciamento, a redoma de vidro (ufa!) sempre me pareceu patológica demais para que eu a considerasse um habitat natural. Então eu cheguei na página 184 de Fangirl e li isso:

"Seriously. Look at you. You've got your shit together, you're not scared of anything. I'm scared of everything. And I'm crazy. Like maybe you think I'm a little crazy, but I only let people see the tip of my crazy iceberg. Underneath this veneer of slightly crazy and socially inept, I'm a complete disaster"

É isso que Cath, nossa protagonista, desabafa para sua colega de quarto bem resolvida quando confessa que passou o primeiro mês de faculdade comendo barras de proteína e pasta de amendoim porque não sabia onde era seu refeitório e, mesmo se soubesse, não saberia como se comportar chegando lá e por isso nunca foi atrás. 

Eu chorei muito lendo esse livro, e olha que ele não chega a ser do tipo dramático. Chorei porque fazia muito tempo que eu não me identificava tão visceralmente com algum personagem ou talvez porque nunca li um livro que tratou desses desconfortos sociais, ansiedades e draminhas existenciais, que tanta gente enxerga como uma besteira ou coisa engraçadinha, com tanta delicadeza e honestidade. Dá pra ver que a Rainbow Rowell sabe exatamente o que é não saber onde se sentar na hora do intervalo ou como entrosar em uma rodinha durante uma festa, e sabe, principalmente, como isso esmaga a gente por dentro. Ela sabe também o que é sentir um pouco de medo das pessoas, até das boas (principalmente das boas) e se sabotar por pânico ou por não saber o que fazer. Tenho certeza que ela, assim como a Cath e assim como eu, já deve ter olhado ao seu redor e tido certeza que os outros receberam um manual de instruções para a vida e só ela perdeu o seu no meio do caminho. 


O livro conta a história do primeiro ano de faculdade da Cath e é tão coming of age como a premissa já entrega. As coisas que ela precisa enfrentar parecem pequenas perto das aventuras mirabolantes ou dos traumas insuperáveis vistos em outros livros, mas é injusto subestimar a cruz que ela carrega. Wren, sua irmã gêmea, quer usar a faculdade como oportunidade para viver uma vida mais louca e independente. Sozinha e a mercê de emergency Kanye parties (somos parecidas até nisso, mas nos meus casos de emergência é a Beyoncé que entra em ação), Cath precisa parar de se preocupar tanto com os outros e aprender a viver um pouco, por mais que ela não saiba como isso funcione. "I don't know how to be", é o que ela diz pro pai, como se qualquer experiência para além da zona de conforto de sua casa, do dormitório ou da internet, onde ela escreve quase cinco mil palavras todos os dias em suas fanfictions, fosse um desafio, um obstáculo, uma aventura que parece aterrorizante demais vista da segurança de dentro. E, uma vez que está estudando para ser escritora, Cath precisa dar uma folga para o universo do bruxo Simon Snow para se livrar de um bloqueio e escrever, pela primeira vez, uma história que seja sua. 

E para isso ela precisa encarar o que está dentro dela, e todos sabemos como isso pode ser aterrorizante.

Engraçado que eu sempre gostei muito de ler dramas e histórias sobre pessoas loucas, atormentadas e cheias de problemas. Sempre fui chegada em uma crise existencial e em jornadas rumo ao centro do âmago dos personagens, mas faz pouco tempo que me inclinei para histórias que, além de trazer as loucuras e pertubações obscuras da alma humana, fossem também sobre mim. É incrível, bizarro e assustador ler coisas que são sobre nós, porque elas nos fazem pensar demais, e mexem com muitas coisas aqui dentro e fazem escorrer o verniz de gente bem resolvida aplicado com muito custo e esmero durante anos. Porque eu realmente acho que hoje eu sou bem menos assustada e vulnerável que a Cath, mas bastou chegar na parte em que ela fala sobre o medo de se envolver com alguém e dos motivos pelos quais ela devia deixar a faculdade, para que eu desse uma choradinha. E até hoje eu só como no bandejão se encontro alguém na fila porque Deus me livre de chegar lá dentro sozinha e não saber onde ou com quem sentar.

O mais legal é que o livro termina sem que Cath deixe de ser quem ela é. Não rola um makeover e nem um boost repentino de confiança vitalícia. Ela só quebra a casca do casulo onde se escondia e começa a desabrochar, a existir com um pouco mais de segurança sobre as próprias pernas e palavras, e um pouco mais preparada para ser protagonista de sua história. E eu acho que esse é o maior milagre que a gente pode pedir da vida, muito mais útil a longo prazo que um cabelo bom e convite para o baile vindo do cara mais gato da escola. Não tem um Jake Ryan encostado no carro vermelho esperando por ela, e nem um Blake com amor verdadeiro amor eterno para ela beijar no estacionamento da escola. Mas tem um mocinho muito, muito lindo, que é lindo até no nome e adora ouvir todas as histórias que ela tem pra contar. 

Porque a gente é doida, mas não o suficiente para dispensar um farmboy com cabelo que cheira a café. 

13 comentários:

  1. Anna, tu me fez ficar com tanta vontade de ler Fangirl (e por esse quote que tu citou me arriscaria a fazê-lo em inglês, mesmo sem saber me virar) que sem nem mesmo ler outra "resenha" sobre ele eu pensaria em comprá-lo.

    Concordo com tua opinião sobre as mocinhas desastradas das comédias românticas, tanto que deixei de assistir filmes do gênero por simplesmente não ter mais saco pra isso. Sempre me senti meio (ou totalmente?) louca e diferente, cheia das problemáticas e traumas. Eu nunca soube como agir num refeitório e, por isso, preferia passar o intervalo na sala, sem ter que sair da minha zona de conforto. E ate hoje sou assim. Mas aos poucos estou saindo do casulo - me apoderando da metáfora que tu usou. E me sinto bem mais incentivada a continuar quando me deparo com uma obra assim, onde a protagonista evolui e não passa por uma transformação onde só o cabelo muda, não a cabeça. Enfim. Vontade de emoldurar esse texto, porque né. Como tu consegue te expressar assim, me diz?

    Ps. Eu estou tão apaixonada por esse layout que não da vontade de fechar a aba do blog nem depois de ter lido todos os textos que eu não tinha lido anteriormente.

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  2. Identificação muito forte com cada parágrafo desse texto, Anna (exceto pela parte de só ir ao bandejão se encontrar companhia; quando eu ia, ia algumas vezes sozinha e posso garantir que é só você sentar com outras pessoas que estão sozinhas - tem várias -, comer e ir embora e fica tudo bem). Enfim, eu sei bem como é essa sensação do don't-know-how-to-be. Às vezes eu realmente acho que só eu não sei como lidar com as coisas. Que só eu fico me corroendo de ansiedade pra coisas tão pequenas e simples. Eu gosto de perceber que não, não to sozinha nessa, e, principalmente, torço de verdade pra todo mundo consiga, pra usar suas palavras, "existir com mais segurança". Esses dias, no Tumblr (eh, olha quem passa tempo demais naquele site e vive citando coisas que encontrou lá), me deparei com uma frase muito boa: "I'm not where I need to be, but thank God I'm not where I used to be". Não sei de quem é, mas adoro uma citaçãozinha fora de contexto e acho que essa se aplica bastante a mim e acho importante lembrar dela sempre. Aos poucos a gente vai aprendendo.

    Obrigada por esse texto tão bem escrito e tão honesto. Não tem como não dar uma chance pra esse livro agora.
    Beijo!

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  3. Ai amiga, que medo de ler esse livro! Fico bolada quando as coisas são doloridas e me identifico tanto com elas.. É tão a minha cara não ir comer se não tiver com quem sentar que nem sei o que dizer, haha. Só que tenho muito medo do medo ser suficiente para me separar de um farmboy com cheiro de café. You know that. :/
    Te amo!

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  4. Acho que já comentei tudo que eu podia sobre esse livro lá no book club. Mas acho que uma coisa muito legal de Fangirl é que a gente descobre quanta gente sente o que a gente normalmente sente e o tanto de gente que se identifica tanto, tanto com Cath. A gente sempre se sente meio perdido no meio das nossas ansiedades e achamos que ninguém mais se sente assim e que deve ter alguma coisa muito errada com a gente! Chega dá um alívio.
    Amei muito ler teu texto, Anna! Entendo muito o que tu sentes e como é triste descobrir que a nossa vida não é uma comédia romântica, hahaha :P

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  5. Preciso ler esse livro PRA ONTEM. Sairei caçando. Amei a resenha, como sempre. E amei saber que existe algo no mundo com o qual possamos nos identificar!
    Abraços!

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  6. Não dá pra dispensar LEVIIIIIIIIIII amoooooooooooooooooooooooooo, quero fazer um fc_levi, pode ser?
    Eu grifei essa exata mesma quote e coloquei no meu diário, porque também me identifiquei TANTO com esse livro, que nem estou acreditando até agora. Me formei sem ir nenhuma vez ao refeitório pelos mesmos motivos, e nem para a biblioteca (que deveria ser um ~lugar seguro~) eu fui sem ter a companhia de alguém. Ainda rolou toda uma identificação extra pelo fato da Cather ser louca por Simon Snow, e a descrição dela falando sobre como era escrever me lembrou exatamente de como eu amava escrever, e como 5 mil palavras fluíam e eu nem via o tempo passar.

    Ai, que saudades que esse livro me deu :((
    Infelizmente já estou na continuação dele, que é Cather e a Dinâmica do Trabalho.

    Amo o texto, amo que somos parecidas, e amo que nos encontramos! E tô querendo ler Sylvia desde sempre.

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  7. Ai, Annoca. O quanto esse livro é amável não pode ser descrito, mas seu texto conseguiu. Senti falta de uma história sobre outsiders que estão longe de ser cool a vida inteira e só percebi quando conheci Rainbow Rowell. Posso garantir que os outros livros dela são tão queridos quanto. Fangirl é queridíssimo, nível de identificação infinita, mas Eleanor & Park ainda é meu preferido.

    Cada momentinho da Cath me fazia sentir melhor, mais compreendida e um pouco mais normal. Acho que a Rainbow entende muito bem mesmo sobre isso. Sentia falta de alguém falar desses assuntos com mais lucidez, sem aumentar nem diminuir o efeito pra quem é assim, sabe?

    Enfim, amor puro. Lendo o post me deu uma vontade louca de reler.
    Beijo <3

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  8. Tenho essas problemáticas da vida que nem sempre são possíveis alguém além de mim entender ou até perceber. Mas quem não tem, né? Me identifiquei com o livro antes mesmo de ler, haha.

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  9. Tenho sempre essa sensação de que os outros vieram com manual de instrução para vida e eu simplesmente fui jogada aqui. Eu sou completamente lotada de questões existenciais mal resolvidas e sei como é ter medo de enfrentar um refeitório por não querer sentar sozinha, odeio não ter companhia para comer.
    Gosto de livros com personagens identificáveis e mesmo sem ler já me apeguei a personagem principal. Acho que sempre me considerei um pouco louca também e fora dos padrões, que te entendo completamente.
    Amei o texto, beijos!

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  10. Seu post me deu vontade de ler Fangirl, porque assim, também não sou lá muito normal.
    E, gente, achei que só eu não conseguisse comer no bandejão sozinha! :O Até escrevi um texto sobre isso no meu caderno, aí minha mãe achou, leu e começou a me dar sermão e todo aquele bla bla bla de mãe. Como se fosse fácil mudar isso do dia pra noite, né?
    A minha sorte é que o bandejão está fechado e ninguém sabe quando vai voltar a funcionar.
    Bjs.
    http://www.doceilusao.com/

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  11. Amiga, eu amo vocês pois sempre que eu acho que já comprei todos os livros que queria vocês aparecem com mais um e meu Deus, eu preciso deste para ontem. Eu sou a rainha das crises existenciais e adoro livros que abordem o tema - apesar de ter abandonado The Bell Jar.
    Conversei ainda hoje com Couth como é difícil se sentir realmente parte das coisas e enfim... quero muito o livro.
    E eu já devo ter te dito isso mas: PQP como você escreve bem!

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  12. Atrasada, porém cheguei <3

    Que eu preciso ler Fangirl porque você me deixaram louca pra ler, não é novidade. Mas que, a partir de agora, tô com medo de me perceber um pouco demais nesse livro, ninguém sabe (até alguém ler esse comentário).

    Sempre fico muito irritada quando as pessoas diminuem os problemas umas das outras simplesmente por estarem passando por algo que elas julgam "maior", ou porque existem pessoas morrendo de fome por aí. Como disse Iralinha dia desses no whatsapp, o câncer do vizinho não faz curar nossa gripe, então super acredito que todos os problemas da Cath (e os nossos, ai) não podem e nem devem ser deixados de lado. Tudo aquilo que nos afeta de forma intensa, negativa ou não, é um problema, né?

    Saber que existe um livro sem uma personagem super bem resolvida e cheia de amigos e certezas me dá um calorzinho no coração de felicidade. Dá uma esperança e até uma vontadezinha de crer que o mundo não é feito somente de pessoas e personagens perfeitos, mas que também existe gente como a gente (nos livros e, consequentemente, na vida real) que já me permite amar tia arco íris de forma intensa.

    Amiga, nós somos loucas. Porém não sozinhas. Cê sabe né.

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  13. Eu amei Fangirl com todas as forças porque me identifiquei demais com a Cath. E principalmente porque é bom saber que não é só nós que passamos por todos aqueles dramas (que pros outros pode ser ridículo e que pra nós é um saco) trabalhados na ansiedade, auto sabotagem e insegurança.

    O livro é lindo. ♥ A Rainbow Rowell entrou pra uma das minhas favoritas depois que eu terminei de ler ele.

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