domingo, 30 de março de 2014

"C" é de caramba esse livro é minha vida

"Essa coisa de ser adolescente é realmente muito ampla, porque não existe uma fórmula exata, porque é sinônimo de ser pessoa. Eu costumava achar que seria uma pessoa quando adolescente e outra quando adulta, mas agora fico pensando que se eu continuar basicamente a mesma pessoa que sou agora quando adulta, isso não seria algo completamente incomum ou horrível. Tipo, eu já conheci adultos que são como eu."

Passei e ainda passo muito tempo da minha vida em contato com a realidade dos adolescentes americanos. Antes de eu chegar a adolescência eu já gostava muito de filmes, séries e livros teen, principalmente os americanos, e isso continuou durante a minha adolescência de fato e permanece até agora, nesse limbo da vida em que eu tenho conta no banco e hora pra voltar pra casa. Embora os sentimentos da juventude sejam mais ou menos universais, o resto do universo daquelas histórias sempre foi muito diferente do meu. A graça disso está no fato de que passei tanto tempo nessa realidade paralela que é como se eu tivesse feito parte desse mundo em outra vida: tenho intrincadas em mim memórias forjadas de bailes de primavera, musicais, jogos de beisebol e festas com copos vermelhos como uma daquelas mentiras que a gente repete por tanto tempo que um dia esquece que nunca aconteceu. 

Ainda faço um post com meus filmes high school favoritos
Foi por isso que fiquei tão curiosa quando a Dayse Dantas lançou Nada Dramática, um YA brasileiro que fala sobre uma experiência de ensino médio parecida com a minha. E quando eu digo que eu vivi tudo aquilo que Camilla, a protagonista, passou, não estou exagerando: os personagens vem pra Uberlândia fazer o vestibular da UFU! Nunca imaginei que leria uma história assim que não fosse em um post do meu blog.  

O livro se passa nos últimos meses do terceiro ano de Camilla, aluna de um dos melhores colégios de Goiânia, que divide sua atenção entre os estudos obsessivos para o vestibular, os contos que posta em seu blog (livro só de histórias da Agente C: já quero), e os dramas vividos por seus amigos, os quais ela tenta não se envolver, mas nem sempre consegue. Meu ensino médio foi bem sem graça e com poucas emoções, totalmente diferente daquele que eu encontrava quando chegava em casa e ligava a TV na Warner. Não tive inimigas, rolos com colegas de sala, e nem fiz nada que rendesse papo pros outros nos corredores. E eu estudava numa dessas escolas enormes, onde eu tinha a impressão que todo mundo era muito rico e pensava muito em vestibular. 

Eu também pensava muito em vestibular, leitores antigos devem lembrar. Pensava tanto que os poucos dramas que vivi na escola estão todos associados a estresse por conta de provas e futuro, e me vi muito nos questionamentos da Camilla e de suas amigas, que ficam nesse embate entre reconhecer que o vestibular é só uma prova e não é o fim do mundo não passar, mas ao mesmo tempo não conseguem ter paz diante da possibilidade de não serem aprovadas numa federal. Aquela coisa de pensar que não é nada demais, não, imagina, mas eu vou me esforçar ao máximo pra passar só por garantia. 

Na escola onde eu estudei, o terceiro ano ficava numa unidade diferente do resto do ensino médio, o que contribuía para a sensação de que estávamos num espaço descolado do resto da realidade, em que as aulas começavam com uma contagem regressiva tétrica pro ENEM e as pessoas puxavam papo perguntando qual era a nota de corte do seu curso. Eu também ficava a tarde inteira na escola, alguns dias estudando e em outros tantos perdendo tempo jogando conversa fora nas mesinhas da cantina, jurando a cada cinco minutos que daqui a cinco minutos eu voltaria para as listas de exercícios.

Nas últimas semanas voltei a frequentar a escola que estudei porque estou trabalhando num projeto de simulação deles, que eu inclusive participei quando era aluna. E uma das etapas desse trabalho envolvia entrar na salas e fazer a divulgação do projeto, que a gente organizou como uma pequena aula sobre ONU, simulações, etc. O que eu tirei dessa experiência de quase professora foi perceber que pouca coisa mudou. Foram muitas salas, muitas turmas, mas poderia ter sido meu 1º ETA, o 2º FI ou o 3º CAPA, com os engraçadinhos do fundo, as meninas bonitinhas, os meninos bonitinhos, os caras estranhos, aquele pessoal que sempre dorme e os professores que desenham os mesmos mapas deformados nos quadros. 

Percebi também que da frente da sala o professor enxerga tudo, então queria me desculpar por todas as aulas que passei lendo ou jogando stop com meus amigos - eu poderia jurar que eles não estavam vendo. 

E embora esteja tudo absolutamente igual eu deixei três anos atrás, ao olhar aqueles alunos de moletom e cara de gripe mesmo com os quase 30º que faziam no resto da cidade, não pude me distanciar da sensação de que eu tinha vivido aquilo em outra vida muito, muito distante. A começar quando me pediram pra ir no banheiro e eu demorei um tempo pra assimilar que no ensino médio a gente tem que pedir permissão pra algo tão absolutamente banal como ir ao banheiro. Não consigo conceber uma realidade em que eu passava seis horários inteiros e intermináveis assistindo aula (e sempre tinha a possibilidade de um dia ter duas aulas de matemática e uma de física numa manhã só), com provas e simulados nos sábados e a perspectiva de tardes inteiras na midiateca pela frente. Aliás, eu acho absolutamente incrível (no sentido de ser impossível crer) que eu já tive uma carga horária pesada de matemática e física na vida, e quando lembro que passei por isso (sem pegar recuperação!) quero estender a mão pra mim mesma num gesto de autocongratulação. 

Por me sentir tão distante desse cotidiano escolar, fui surpreendida pela forma intensa com que Nada Dramática me transportou novamente para a época da escola, conseguindo superar a experiência de, literalmente, voltar para aquelas salas de aula geladas. Era apenas o quinto capítulo do livro e parecia que eu estava deitada no chão do Brooklyn, espaço que era meu ponto cego com minhas amigas - um vão no canto do pátio que parecia uma piscina vazia e um dia foi palco de arena, mas que em 2011 era o lugar onde íamos na hora dos intervalos lagartixar no sol, comer pizza e julgar as pessoas. Consigo sentir a exaustão do mundo acumulada na cabeça, a vontade de evitar ao máximo o assunto vestibular, mas ao mesmo tempo só conseguir falar disso, e também o sonho (acompanhado de medo) com o dia que lembraria daquilo como uma realidade muito, muito distante. 

Eu não fazia a menor ideia do que seria a minha vida no ano seguinte, e, assim como a Camilla, sentia que tudo era, de certa forma, uma despedida. Com razão, porque sair do ensino médio e da escola foi deixar para trás a vida da forma como eu conhecia até então para viver um outro paradigma de existência, sem matemática, sem física e sem ter que pedir permissão pra ir no banheiro. Eu já sabia disso com 17 anos, e não pude evitar um certo ressentimento comigo mesma por ter a impressão de que eu não tinha vivido aqueles anos de verdade, com todas as experiências que eu tinha direito. Afinal, eu não tinha passado anos vivendo o ensino médio indiretamente por meio de filmes, livros e séries para chegar lá e passar o tempo brincando de "o que você queria comer agora?" com meus amigos. Tinha?

O que eu mais gostei no livro foi a forma como ele me fez ver que, independentemente de dramas grandiosos e revoluções, minha experiência na escola foi significativa, única e intensa à sua própria maneira. Não foi como um filme do John Hughes ou uma série da CW, mas tive minha cota de garotas psicopatas, amores platônicos e até pequenas insurgências revolucionárias - como não lembrar do dia que minha sala se voltou contra um secretário da cidade e minha amiga apontou o dedo na cara dele citando Marx? - e eu não acho que trocaria as minhas turmas malucas (e sempre odiadas pela maioria dos professores, mas amadas pelos mais legais), as guerras contra o ar condicionado, os intervalos no Brooklyn e todas aquelas tardes em que eu jurava que a pausa para o café seria de cinco minutos, por qualquer outra história. 

"Eu quero pra sempre lembrar que essa foi uma época difícil, e frustrante, e legal, e idiota, e louca, e tudo quanto é tipo de adjetivo que existe por aí. E não quero só lembrar como nostalgia que nem o povo gosta de ficar fazendo. Eu quero manter tudo bem vivo, tudo bem real, na intensidade verdadeira das coisas. Não quero que fique preso na minha memória como uma época de completo pesadelo, ou uma época de bela juventude, eu quero tudo junto, tudo o que foi. Mas a cada segundo que eu tento lembrar, menor as coisas parecem ficar, como se eu estivesse em um balão subindo e subindo, e olhando para minha casa, tentando reconhecê-la em meio ao mundo, mas por mais que eu tente focar, ela acaba se misturando com todo o resto."

Foto favorita do terceirão, porque pelo menos um dia eu consegui ser gótica

9 comentários:

  1. Amiga, amei esse final em itálico especialmente, porque sabe que é exatamente assim que lembro do meu EM? Eu digo que amei muito, e que foi a melhor parte da minha vida, mas não deixo de lembrar de cada confusão, de cada estresse com prova.. É a época que eu tenho mais nítida na minha cabeça, e consigo amá-la pelo que ela foi, e não só por uma paixão nostálgica. Estou curiosíssima para ler esse livro!
    Te amo! <3

    ResponderExcluir
  2. é não consigo lembrar com tanto fervor do meu ensino médio, at´por que faz um tempinho e minha memória sempre me trai rs! mas sim foram anos de leveza embora não pareça, comparando com a "vida adulta" de hoje... sinto saudades e só.
    A vida ganha sentidos diferentes com o passar dos anos vc vai ver...
    adorei o post ! beijos

    ResponderExcluir
  3. Que genial esse livro!!! Amei o plot e a ideia de ter um livro que retrata uma adolescência mais plausível pra nós do que a americana que a gente tanto ama e é tão influenciada!
    E o que é você gótica? HAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHA Epic.
    Abraços!

    ResponderExcluir
  4. Eu nunca fui inserida assim na juventude, muito menos na americana. Acho que porque eu já me imagino sem um par para ir ao baile (quase o fim do mundo!) nem inserida nas equipes de esportes (porque eu sempre fui a maior pata do universo pra isso), nem do time das patricinhas (porque haja dinheiro e haja vontade de ser frufru e cor-de-rosa - decididamente não) nem do time dos nerds (porque por mais inteligente que eu seja, os nerds americanos passam em Harvard, né). Então só de pensar que eu seria uma zé ninguém e sem tribo já prevejo o fiasco da minha adolescência americana (porque eu também NUNCA ia conseguir sair no meio da aula com um namorado que dançaria twist no meio da avenida e roubando a Ferrari do pai do amigo - eu ia ser a pessoa que ia broxar dizendo "não, Cameron, não").

    A minha escola era enorme, famosa e pública (naquela época ainda existiam boas escolas públicas) e em meio à rigidez de regras e a emoção em cabular aula, o máximo que eu passei foram os clássicos amores platônicos, as boladas na cara na educação física e um belo dia a menina que chegou na minha mesa e me disse "se prepara que na saída vou te catar lá fora". Somando isso ao dia que eu enfiei a mão na cara de outra menina, aos corredores da morte e aos namoricos atrás da escola, acho que tudo o que eu vivi, na adolescência brasileira mesmo, já foi o suficiente pra mim (mas eu bem queria uma jaqueta daquelas dos membros das equipes de esportes americanos.

    Que legal ver que a sua sensação ao voltar pra escola e "dar uma aula" lá na frente foi igual à minha. Apesar do tempo de diferença, também tive a sensação de que nada mudou e me senti com uma pontinha de remorso pelas aulas que passei trocando bilhetinhos. Por outro lado, me senti feliz em ver que, sempre que me deparo com essa situação de dar aula, vejo que consigo manter a turma comigo muito mais do que a maioria dos professores conseguia na minha época. Talvez eu tenha mesmo jeito com a coisa.

    Engraçado ver que, depois que a gente sai do ensino médio, tudo muda na vida da gente, e que aquela sensação de despedida que a gente tem no terceiro ano realmente é real. Despedida de amigos, de uma escola, de uma vida. Que depois, quando você tem exatamente o dobro da idade que tinha quando estava lá, você olha pra trás e pensa que foi outra vida, tamanha a diferença que a sua vida e você são hoje.

    Incrível ver como nossos pensamentos são iguais em relação à tanta coisa.

    E eu amei seu comentário no meu post sobre o heavy metal. É exatamente tudo aquilo que você falou <3

    Beijo, saudade!

    ResponderExcluir
  5. Meu terceirão foi bem diferente do seu, Anna, porque eu passei através de um vestibular seriado. Fiz uma prova a cada ano do ensino médio e no fim somei as notas e passei folgada no curso. Ou seja, nada de me preocupar com enem ou de estudar os 3 anos num só, foi light. Tinha dias que eu saia 10:40 da manhã!!! Tem noção? Todo mundo diz que a minha turma era dos vagabundos hahaha e meio que era mesmo. Lembro da minha mãe chegar aos gritos comigo perguntando por que raios eu não estava estudando e dizia mil vezes que eu não ia passar. Passei, esfreguei na cara de todo mundo disse que eu não ia.

    Mas eu sinto saudade dos turbilhões de anos que se passaram. Nostalgia sem fim, pra falar a verdade. <3 Meu 1º ano e 2º anos foram cheios de turbilhões de sentimentos e dores e amores e amizades que se acabaram. Foi muita coisa mesmo que aconteceu, mas tudo se distancia do high school americano.

    Tô doida pra ler esse livro, parece incrível. <3
    E sei bem o quanto você pirava as vezes, pois acho que foi por esses anos que descobri seu blog hahahah

    Beijos, amiga <3 Que a memória nunca seja apagada.

    ResponderExcluir
  6. Fiquei super curiosa pra ler esse livro. Minha adolescência foi bem assim, inserida nesse high school maericano que até hoje sou viciada e também acho que de alguma forma vivi aquilo hahahaha. Já tive livro do arrasso!
    Enfim, meu ensino médio não foi dos melhores, tanto que as amizades que fiz nesse período não tenho mais hoje, são pouquíssimas. Mas meu colégio era bem parecido com o seu só que eu me sentia numa prisão hahaha. Só falavam em vestibular e conseguir passar numa federal e ser rico. Ainda bem que meus pais sempre disseram que se eu não passasse não teria problema (o que aconteceu), se não eu teria surtado. Mas o meu ensino fundamental foi maravilhooooso e é de lá que tenho as melhores lembranças. O ensino médio me ensinou muuuuita coisa. E pensar que já saí dessa fase há SEIS ANOS. MEU DEUS COMO EU TO VELHA hahaha.
    Já coloquei o livro na minha lista!
    Beijos!

    ResponderExcluir
  7. Esse foi o primeiro livro que li esse ano. Eu estava procurando nele o humor da Dayse, que acho super viciante (Agente C <3 O que foi aquele conto com o Sidney Magal? Hahahahahah). Mas achei mais coisas, achei esse livro tão pé no chão, tão mais realista (mesmo tendo algumas coisas surreais) do que todos os outros livros que costumo ler! E nem estou falando do EM brasileiro Vs EM americano, mas dos diálogos, das relações da Camilla (Tipo, é raríssimo um protagonista ter 2 melhores amigos que mal se conhecem! Mas na vida real, geralmente, é assim) e etc.

    Gostei muito, queria mais livros assim.

    ResponderExcluir
  8. Anna seus textos são sempre geniais! e o mais engraçado que sempre me pego lendo eles em algum momento posterior a acontecimentos de profunda reflexão ou alguma maluquice, que no meu caso é quase sempre a mesma coisa, e com e esse não foi diferente. Cinco minutos antes de lê-lo eu havia postado em minha página no Facebook ' algo de um momento totalmente nostálgico, que lendo seu texto me fez saber o porque, se passou apenas metade desse tempo, desde o colégio,mas mesmo assim se a garota que eu era há cinco anos atrás se perguntasse isso e visse o que sou hoje, veria o quanto td parece uma realidade distante e o quanto eu mudei, nesse tempo eu terminei uma faculdade e um MBA, mas por outro lado, uma parte da garota de 17 anos ficou, ainda amo ver filmes e seriados de adolescentes e fazer de conta que fui a um daqueles bailes com o cara mais lindo do colégio que achou algo legal na nerd que eu era. Mesmo que o colégio não tenha sido uma fase de muitas emoções na minha vida, eu quero sempre me lembrar dele com um sorriso bobo na cara.

    ResponderExcluir
  9. Nossa, na escola eu era tipo...estranha, meus cabelos eram rebeldes e meus dentes não queriam ficar no lugar...
    Além disso era tão tímida que os meninos me perseguiam e sério tive vários traumas até falei disso no blog.
    Sabe que, também conheci pessoas incríveis e super legais, tive algumas aventuras mas de resto, nada, nem beijo roubado, nem viagens nada.
    Muito legal seu blog, to conhecendo agora e adorando, to seguindo no Face para receber as novidades por lá.
    Bjs mil

    ResponderExcluir