Hoje começa mais uma semana de crônicas aqui no blog, dessa vez especial Copa do Mundo. A Copa está quase acabando, e eu senti uma necessidade absurda de registrar aqui o que foi viver o mundial mais legal de todos os tempos, mesmo do sofá e do Twitter. Espero que gostem da brincadeira!
Sou uma pessoa que gosta de metáforas, que as procura em tudo quanto é canto e quase sempre encontra, e por isso me sinto autorizada a dizer que acredito que elas sejam muito mais uma questão de retórica do que de analogia. Não sei o que Peirce teria a dizer sobre isso, mas eu acho mesmo que dá pra metaforizar qualquer coisa se você for bom de lábia o suficiente para sustentar a proposta.
Já o Nick Hornby, mais do que acreditar nas metáforas, acredita no futebol, muito, obsessivamente, e isso faz com que ele transforme essa fixação não só na espinha dorsal de sua história pessoal, que é o mote do seu livro Febre de Bola, como também numa grande analogia com a própria vida. E eu, sendo entusiasta de metáforas, da literatura do Nick Hornby, e do futebol, só consigo concordar com ele em absolutamente todos os paralelos traçados ao longo do livro (que eu estou adorando!) e vou além, me sentindo encorajada por ele para tirar minhas próprias conclusões exageradas e passionais.
Foram muitas desde que essa Copa maluca começou, mas a principal delas é a de que, tal qual a vida, o futebol é uma coisa terrivel e cruelmente injusta, e muito mais cheio de nuances do que um placar que conta quantas vezes cada time fez a rede balançar consegue exprimir.
Estou falando, claro, do jogo de ontem da Holanda contra o México. Gosto muito das duas seleções e assisti a todos os seus jogos. Não sabia para quem torcer no início, mas os rumos da partida foram me deixando cada vez mais apegada com a seleção mexicana. Eles estavam visivelmente melhores na partida e a Holanda passou bons sufocos. Me pareceu muito lógico eles terem marcado no início do segundo tempo, mais lógico ainda quando, depois de almoçar correndo, eu voltei pra sala e vi que faltava menos de 10 minutos pro jogo acabar e o placar se mantinha. Eles iriam se classificar e mandar a Holanda pra casa. Eu não veria mais o Van Persie na minha TV, mas eu respeitava muito aqueles merricanos em campo. Foi então que, faltando seis minutos pro apito final, o jogo sofreu uma reviravolta digna de novela mexicana.
A Holanda marcou dois gols nesses seis minutos, um golaço do Sneijder e outro de pênalti, que tem gente duvidando se foi legítimo. Pessoas mais entendidas que eu comentaram que o México recuou e por isso levou, e mesmo que tenha sido exatamente isso, não consigo não achar o resultado injusto. Enquanto eu fazia um esforço muito grande para não chorar, meu pai deu um suspiro de uma tranquilidade quase profana e disse: futebol é assim, filha, quem não faz, toma, e o jogo só acaba quando termina; eles não fizeram, eles tomaram, e agora eles estão de fora.
Só que não é tão simples assim, ao menos não na minha cabeça. Racionalmente, claro, faz todo o sentido, mas eu nunca tive pretensão de ser uma pessoa pragmática. Aliás, pragmático mesmo é meu pai, e um dos motivos, talvez o único por trás de todas as nossas divergências de opinião, vem exatamente disso: ele enxerga o mundo de um jeito preto no branco, e eu insisto em focar no cinza. Meu pai é um cara liberal, que acredita no mercado, na individualidade, e adora esse papo de mérito. Eu arrepio os cabelos da nuca só de ouvir falar nisso. Enxergo os fatos concretos como a ponta do iceberg que flutua acima de um contexto mais denso e complicado, que determina a envergadura e todas as outras características daquela pontinha visível.

É impossível dissociar o futebol das nossas vidas, e acho que talvez seja justamente sua narrativa dramática e imprevisível que faz dele um esporte tão popular, de apelo mundial. O resultado não necessariamente reflete a partida, ele está inteiramente sujeito aos erros humanos, as coisas mudam de um segundo pro outro, e você precisa dos outros para que dê certo. É horrível, violento e nos faz sofrer, mas nos conecta aos outros de formas inimagináveis, servindo como uma espécie de argamassa nessa nossa realidade hipermoderna fria e distante, e é cada lance inacreditável que, quando dá certo, nos deixa com uma euforia gostosa, e a certeza de que é uma das melhores coisas do mundo.
Num dos capítulos do livro, o Nick Hornby descreve seu dia perfeito e seu ideal de perfeição vai muito além do seu time vencer com uma vantagem de dois gols, mas envolve o clima da torcida, o que ele almoçaria e até a forma como seu pai estaria vestido. Ao longo de sua vida até então, esse dia perfeito tinha acontecido uma única vez, e isso só mostra, mais uma vez, como o autor está certo quando compara o futebol com a nossa experiência humana, pois é uma das melhores medidas encontradas para traduzir essa grande piada que vivemos.
O Arsenal era um time bom demais, o gol do Charlie foi espetacular, a torcida, naquele dia, estava lá em peso e curtindo de montão o desempenho da equipe... Aquele doze de fevereiro aconteceu de verdade, exatamente do jeito que eu descrevi, mas somente o fato de ter sido um dia atípico é que importa agora. A vida não é, nem nunca foi, uma vitória de 2 a 0 em casa contra os líderes do campeonato depois de comer na lanchonete.
{Febre de bola - Nick Hornby, pg. 76}