Esse post é parte do meu projeto 1001 Pessoas, inspirado nesse blog aqui.
Nesse último fim de semana estive em São Paulo, num bate-volta desses bem loucos que eu adoro inventar, que me rendem dias de correria insana, pouco sono e a frustração por não poder estar em três lugares ao mesmo tempo. No mínimo. E aí que no domingo foi aniversário da cidade, e apesar do clima apocalíptico, dos banhos praticamente à seco e da culpa que eu sentia a cada copo d'água que tomava, deu pra curtir bastante essa terra louca que eu aprendi a amar. Depois de passar o dia curtindo o centrão, o Pedro perguntou o que eu achava de ir ver o show do Metá Metá no Largo da Batata.
Eu nunca ouvi Metá Metá na minha vida. Eu nem sei que tipo de som eles fazem, se é metal ou maracatu. Já tinha ouvido falar meio por cima, vi algumas pessoas comemorando o show deles no aniversário da cidade, mas normalmente é preciso muito mais que isso pra me tirar de casa e me levar pro Largo da Batata no calor de meu Jesus que fez naquela cidade domingo. O problema é que era o Pedro que estava pedindo, o cara que topa sem pensar todas as minhas ciladas, que me leva pra baixo e pra cima, que passa café de noite pra gente e está sempre disposto a assistir qualquer filme de terror que eu sugira. Quando esse cara pergunta se eu topo ir com ele ver o Metá Metá, o mínimo que eu posso fazer é dizer que sim, sorrindo.
Chegando lá, pra quem não conhecia nada e nem ninguém, eu bem que me diverti. O som deles, de acordo com as pessoas ao redor, é "violentíssimo e orgânico de um jeito que não se vê fácil hoje em dia". Eu achei uma mistura de maracatu com punk, se é que essa associação é permitida. Curti, dancei, mas estava preocupada com o relógio. De acordo com a programação, os shows iam acabar por volta das 21h, , mas já eram 20h30 e a última banda, a Nação Zumbi, não tinha nem entrado. Eu tinha que estar em casa antes das 21h30, porque ia pegar o ônibus de volta ainda naquela noite, então resolvi voltar sozinha de metrô.
Falando assim tão naturalmente até parece que eu faço esse tipo de coisa todos os dias, mas a verdade é que, por mais que eu adore dizer que I'm a strong, confident woman, algumas situações me forçam a reconhecer que, no fundo, ainda sou uma mocinha do interior que morre de medo da cidade grande. Não é uma merda você se sentir tão vulnerável só porque é uma garota sozinha de minissaia (era um short-saia, porque eu tenho 12 anos, mas enfim) no transporte público depois das nove da noite? É sim. Se eu já estava super desconfortável antes, ficou um pouco pior quando o Pedro me ligou e disse que não daria pra minha tia me buscar na estação porque tinham saído com o carro. Eu teria que pegar um táxi, ou um ônibus, e, se eu tivesse sorte, encontraria um na porta do metrô.
Eu não tive sorte, pelo menos não ainda. Aquele ponto de táxi super confiável da estação Sumaré se reduziu a um banquinho no meio de uma rua escura, sem sinal de vida, muito menos de táxis. O que era uma pequena ansiedade se transformou num medo muito sincero, e eu não conseguia parar de pensar que eu era uma garota-sozinha-de-minissaia-no-meio-da-avenida-sem-bateria-e-sete-reais-na-carteira. Que mundo horrível esse em que vivemos. Comecei a repetir meus mantras de encorajamento - You are a strong, confident woman. You are intrepid, you carry on. Se estiver com medo, vá com medo. Jesus, me tira daqui - e comecei a pensar que a melhor coisa seria achar um ponto de ônibus e entrar no primeiro que aparecesse, mas antes de qualquer ônibus e qualquer táxi e qualquer marmanjão suspeito™, uma moça desconfiada emergiu da escada da estação.
Ela parecia procurar algo ou alguém, mexia no celular freneticamente e olhava pros lados bem nervosa. Fui perguntar se ela sabia onde pegar um táxi ali perto e quando disse "Oi, moça?", ela deu um pulo de susto. Logo me pediu desculpas, disse que tinha muito medo de ficar na rua sozinha e qualquer coisinha já punha ela em sobressalto. Ela também estava contando com o ponto de táxi e tinha começado a procurar no Google o número de alguma central, mas a internet do celular não colaborava. Foi então que um táxi se aproximou, e eu e ela começamos a pular e a acenar loucamente, até que ele parou. A gente se entreolhou, meio sem graça, e eu perguntei pra onde ela estava indo.
- Pra Apiacás, sabe onde fica?
Eu sabia. Porque era a mesma rua pra onde eu estava indo. Nesse momento a gente se abraçou, chorou bastante e entrou no banco de trás de braços dados. Ou algo assim. Porque, né, quais as chances? Eu perdida sozinha na noite encontro uma menina perdida sozinha na noite indo pro mesmo lugar que eu. Não foi a primeira vez que fui salva pelas evidências incontestáveis do destino. Em 2013, novamente perdida (pelo menos não sozinha) na na noite, dessa vez de madrugada, na puta que pariu das imediações do Lollapalooza, eu entrei no primeiro ônibus que apareceu, que me deixou na porta, literalmente na porta, do hotel em que meus amigos estavam hospedados. Descobri, naquela noite, que em São Paulo meu anjo da guarda faz hora extra.
No último domingo, esse anjo da guarda assumiu as formas de uma moça um pouco mais velha que eu, que tinha um dread na nuca, várias tatuagens misteriosas, um piercing no nariz e apesar da postura fierce-mística-mais-indie-que-você, também tinha a confiança desmontada pelo simples fato de ser uma mulher sozinha numa cidade enorme e hostil, apesar do nosso amor por ela. Foi isso que viemos conversando naquele banco de trás, sobre como era horrível essa situação, sobre como não devia ser assim, sobre como estávamos de saco cheio de viver com medo.
Chegamos no prédio dela primeiro, e ao racharmos a corrida, os sete reais que eu tinha comigo foram a conta exata da minha parte. A gente se despediu e eu nem sei o nome dela, mas quando cheguei em casa e me perguntaram se estava tudo bem, dei uma risada e disse: sobrevivi.
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