Então o Ryan Adams regravou todo o 1989. Da Taylor Swift. O Ryan Adams.
Não satisfeito, ele foi além: quando divulgou seu novo projeto, Ryan Adams disse que seu 1989 seria gravado "ao estilo de The Smiths", mas também inspirado no Nebraska, do Bruce Springsteen. Parecia uma ideia péssima - logo, fiquei obcecada imediatamente.
Aos não iniciados, um pequeno contexto: quem é Ryan Adams, de onde ele vem, do que ele se alimenta? Bom, como ele próprio se define, Ryan Adams é aquele cara esquisito que resolveu regravar "Wonderwall" pra colocar no próprio disco. Foi assim que a gente se conheceu. O cover dele pra música do Oasis toca num episódio da primeira temporada de The O.C., um dos meus preferidos, aquele do dia dos namorados que termina com Seth e Summer dançando no quarto. Eu sei praticamente todas as falas desse episódio, principalmente dessa cena. Acompanhem comigo:
- You're so cheesy, Cohen!
- C'mon, I'm sweeping you off your feet
Estou divagando. Voltemos ao Ryan Adams: coincidentemente ou não, o episódio se chama The Heartbreak, que é (quase) o nome de um dos discos do Ryan Adams. Aliás, o nome dos seus discos diz muito sobre a pessoa do Ryan Adams: Heartbreaker. Love Is Hell. Ele também é ótimo pra dar nome às suas músicas, vide "To Be Young (Is to be Sad, Is to be High" (good vibes) ou "Damn, Sam (I Love a Woman That Rains)". Eu amo uma mulher que chove, meu Deus!!! A gente precisa respeitar esse cara. O som dele é meio folk, country alternativo, sei lá, gêneros não são caixas fechadas, definir-se é limitar-se, etc. O importante é que ele tem esse pé no country, e o que esses cowboys sabem fazer é sofrer.
If all this love is real, how will we know?
If we're only scared of losing it, how will it last?
{If I'm a Stranger - Ryan Adams}
O Ryan Adams também está na trilha sonora mais importante de todos os tempos, que, coincidência ou não, é a minha favorita: falo, obviamente, de Elizabethtown. Ryan Adams contribui com o filme com a música "Come Pick Me Up", que toca quando a Claire e o Drew passam a noite inteira falando no telefone.
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MOMENTOS |
Bom, como se não bastasse estar intimamente ligado ao meu seriado e ao meu filme preferido, o Ryan Adams produziu o disco mais recente da Jenny Lewis, minha cantora favorita, do qual eu já falei bastante por aqui. Sim, os riffs de "She's Not Me" são dele. Apreciem comigo:
Depois dessas evidências deu pra perceber que eu tenho um carinho nada gratuito pelo Ryan Adams. Eu gosto dele de verdade, acho gente boa, adoro o sofrimento brejeiro e sei apreciar um cara que sofre sem medo de ser infeliz e deixar que todo mundo saiba disso. Ele, inclusive, foi casado com a Mandy Moore, e a inspiração para gravar o 1989 veio do divórcio (parei por um momento para pesquisar sobre os dois e agora estou sofrendo com o fim de um relacionamento que até algumas semanas atrás eu nem sabia que existia). Sozinho pela primeira vez em seis anos para as festas de Natal e Ano Novo, ele enxergou uma luz nas músicas da Taylor Swift. Sua justificativa para regravar o manifesto pop da nossa melhor amiga famosa foi que, embora ele tenha achado o álbum perfeito (palavras dele, não minhas), ele sentiu que tinha algo a contribuir. Em músicas tão iluminadas e cheias de vigor, esperança, poder e juventude, ele encontrou umas notas tristes que quis explorar.
Então, com sua jaquetinha jeans, seus braços cheios de pulseiras e seu cabelo bagunçado de garoto de 15 anos, Ryan Adams, sem saber que era impossível, foi lá e fez - ou pelo menos tentou de verdade. Sei lá, eu queria um globinho de neve com o Ryan Adams dentro pra ficar balançando enquanto ele sofre e toca guitarra.
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"Love is hell" ADAMS, Ryan. |
Por outro lado, eu realmente odeio essa tendência em que artistas """sérios""" regravam músicas pop, às vezes ironicamente, com uma condescendência ridícula de quem acha que pode validar o coleguinha, acreditando que é superior só porque não é pop. Aliás, superem o pop - acho muito mais genuíno do que esses acústicos de voz rouca que não dizem absolutamente nada, só transformam as músicas dos outros (que, como em todos os outros gêneros, possui exemplares autênticos e outros enlatados) numa mesma coisa e ainda por cima tratam o trabalho alheio, por mais questionável que seja, com desrespeito. Superem.
O problema é que as pessoas, meu Deus, AS PESSOAS. O disco mal saiu e já bateu errado, porque a maioria das coisas que li a respeito do disco - e olha que eu tenho um empenho pra fazer clipping de coisas relacionadas a Taylor Swift que eu não tenho nem com meu TCC - estão tratando o trabalho do Ryan Adams como a versão da Taylor Swift que elas finalmente podem admitir que gostam. Ele, o cara do country, o cara sério da guitarra e das músicas tristes, foi o salvador da pátria que corrigiu tudo que estava de errado, colocou seu selo de qualidade, e agora as donzelas podem sair da sua torre de marfim e ouvir o resultado - só pra dizer que olha, ouvindo desse jeito até que presta, sim.
A Folha de São Paulo, no texto mais babaca e esnobe que li em muito tempo, disse que Ryan Adams "converteu Taylor Swift em gênio" ao despir suas músicas da embalagem pop pasteurizada e descartável, pra revelar que por trás de tudo ela sabe, sim, escrever. Amigo, só não sabia disso quem é limitado o bastante pra descartar um álbum só porque é pop feito por uma garota. O Mary Sue fez um paralelo bacana que eu concordo demais: não coincidência que a música pop seja considerada inferior ou superficial justamente por ser um terreno dominado majoritariamente por mulheres. É como a "literatura feminina", ou chick-lit, vista como entretenimento vazio, uma coisa bobinha para passar o tempo, porque uma mulher não pode escrever algo genuíno, de qualidade, se está escrevendo sobre seus sentimentos com bom humor - isso só se torna genuíno e digno de nota quando chega um cara com sua guitarra e com sua voz rouca e repete as suas palavras.
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'Cuz darling I'm a nightmare dressed like a daydream |
E é por isso que o Ryan Adams - embora tenha tentado, tentando com afinco, e tentando bonito - não vai chegar lá, e ele também sabe disso, celebra isso. Seu objetivo não é melhorar ou corrigir o álbum, mas sim oferecer seu ponto de vista e mostrar de que modo aquelas músicas conversaram com ele, e aí sim é mágico ver como uma mudança de perspectiva altera absolutamente tudo. Pessoalmente, não gostei de "Blank Space", muito menos de "Out of the Woods", mas achei incrível como na voz dele as músicas contam uma história completamente diferente. Taylor faz graça da sua lista de ex-namorados, Ryan Adams lamenta todos os corações que já quebrou, e todas as vezes que o seu foi quebrado. Taylor se joga numa relação incerta, mas se empolga com isso e vê uma saída no meio das árvores, enquanto Ryan aceita que não há nenhuma saída e talvez as árvores sejam mesmo os seus monstros.
Os pontos altos pra mim estão em "Style" (onde ele substitui "James Dean daydream look in your eyes" por "Daydream Nation look in your eyes", em referência ao disco do Sonic Youth), "All You Had To Do Was Stay" e "Wildest Dreams". Eu adoro como as músicas ainda mantém aquele feeling dos anos 80, essencial ao espírito do disco, mas de um lugar completamente diferente. Consigo ouvir elas tocando num filme John Hughes com muita facilidade. Realmente repudiei "Shake It Off" e acho que fui a única, mas realmente não consigo ouvir a versão sem imaginar o Ryan Adams como um tio estranho e tarado tentando falar a língua dos jovens para dar em cima das amigas da sobrinha.
Como o Stereogum colocou muito bem (a resenha deles está impecável, não deixem de ler), o que estamos ouvindo é um exercício pessoal de escrita, onde um compositor desconstrói e reconstrói o trabalho de outro para tentar entender e aprender com seu processo. Mas, ao mesmo tempo, we’re hearing a sad, lonely middle-aged man attempting to reckon, for maybe the first time, that he’s become a sad, lonely middle-aged man, and using the songs of Taylor Swift as a vehicle to do it. There’s something beautiful about that.
Eu já disse isso algumas vezes, mas o que eu mais gosto no trabalho da Taylor Swift é que ela consegue falar de coisas infinitamente pessoais e transformá-la em sentimentos universais que, quando atingem o ouvinte, se transformam em algo infinitamente pessoal - e nosso. Eu e Ryan Adams já descobrimos isso, e queria que mais pessoas pudessem ver isso também.
Alguns links para saber (e ouvir) mais:
- Avaliação prematura que o Stereogum fez sobre o disco, e a melhor coisa que li até agora sobre ele. Queria dormir de conchinha com esse texto porque além dele chamar de psicopatas as pessoas do culto a caras-tristes-com-suas-guitarras-fazendo-cover-irônico-de-música-pop, ele ainda é um exemplo incrível de como uma resenha pode ser ao mesmo tempo lúcida, coerente e entusiasmada;
- O A.V. Club também escreveu um texto bem bacana a respeito;
- A New Yorker também;
- Já indiquei o do Mary Sue também, mas vou indicar de novo porque é muito bom;
- Entrevista bem legal e completa com o Ryan Adams sobre o projeto, com muitas coisas bacanas sobre processo criativo e composição;
- 5 covers de músicas da Taylor Swift feita por artistas improváveis (gosto muito da do Vaccines pra "We're Never Ever Getting Back Together", que acaba sendo muito parecida com a que a Taylor está fazendo na tour 1989, e a do Screaming Females pra "Shake It Off" é diferente de tudo que eu poderia imaginar e acho que dá surpreendentemente certo);
> Perdão pela overdose de links em inglês, mas a imprensa nacional não está nem um tico interessada no assunto como nossos amigos gringos estão - e quando se interessam, é pra falar merda.