sexta-feira, 18 de setembro de 2015

All the lonely people

> Esse texto foi publicado originalmente na edição de agosto da Pólen, cujo tema era Identidade, mas resolvi trazê-lo pra cá primeiro porque não tenho conseguido escrever nada e ver o blog às moscas me dá aflição, e segundo porque eu realmente gosto desse texto e a final do Masterchef essa semana me fez pensar novamente sobre essa coletividade louca que é a internet. Espero que gostem. E não deixem de ler a Pólen

Lembro nitidamente do dia que a banda larga chegou na minha casa. Eu tinha 11 anos, era sexta-feira, e sem nenhum aviso prévio, quando cheguei da escola, meu pai contou a novidade. O computador chegara alguns anos antes, eu devia ter uns 6 ou 7, e durante todo esse tempo tive que conviver com a realidade torturante de uma internet discada. Era aquela coisa: quando começava a ficar bom, tinha que parar. Não é hora de criança ficar acordada, olha a conta do telefone, não tem nada pra você fazer aí, não precisa de internet pra colorir no Paint.

Mães, elas nunca entendem.

Mesmo com tão pouco, eu era absolutamente fissurada pela internet. As vizinhas tinham um computador com banda larga em casa – o irmão fazia faculdade de Sistemas de Informação e foi a primeira vez que mexi num Windows XP (achava muito revolucionário os detalhes em azul na interface, me pareciam milhões de vezes mais bonitos que o cinza triste do Windows 98) – e sempre que eu ia pra lá, implorava para mexermos no computador. Elas não viam a mesma graça que eu, então a brincadeira nunca durava tanto quanto eu queria, e na condição de visita eu era sempre a que brincava por último e a que brincava menos.

Às vezes, depois da escola, eu ia pro trabalho do meu pai e lá eu também podia usar a internet livremente. Foi lá que criei meu primeiro e-mail (alguma variação de britneyspears@bol.com.br), entrei pela primeira vez no chat Uol (nada disso que vocês estão pensando) e tentei, inutilmente, brincar no ICQ (não tinha amigos). Se não me engano, foi lá também que criei o meu primeiro blog.

                              


Então, dá pra imaginar a revolução que foi na minha vida quando a banda larga chegou em casa. As possibilidades eram tantas que acho que paralisei por alguns minutos, mais ou menos como acontece até hoje quando entro no Netflix sem nenhuma ideia do que assistir. Passei essa primeira tarde de sexta brincando no Dolls e em todos os sites de doll-maker que eu conhecia. Não tinha ninguém regulando o horário, ninguém pra jogar depois, aquele computador era meu (do meu pai) e o céu era o limite. Acho que meu objetivo era numa tarde só montar todas as possibilidades de look que o site oferecia, pra depois salvar todas as bonecas no Paint e esquecer aquilo pra sempre nos arquivos do computador.

No dia seguinte, chamei minha então melhor amiga para passar a tarde em casa e nosso objetivo era aprender a trocar o layout do Uol Blog. Não sei se vocês são dessa época, mas tinha todo um mistério envolvido. Conseguimos, trocamos o layout dos nossos blogs sei lá quantas vezes na mesma tarde, e enchemos a side bar com todas as tranqueiras que encontramos por aí, de gifs animados da Hello Kitty aos contadores misteriosos daquele site japonês (ou seria coreano?) que era o sonho de consumo de todas as meninas da época.

Alguns dias depois eu já tinha avançado algumas casas na minha vida virtual e conseguia entender HTML o suficiente pra fazer meus próprios layouts funcionarem a partir de um código base. Aos 11 anos eu já tinha baixado e crackeado um Photoshop, sabia acessar os códigos-fonte dos sites (e era através deles que eu estudava HTML), passava a maior parte dos meus dias em fóruns de blogs, internet e design, e antes dos 13 dois HDs do meu pai foram completamente apagados por razões que a razão desconhece (mas ele tem certeza que eu estava envolvida nos dois casos).

Muito bom essas fotos (e texto) no Mashable sobre os 20 anos do Windows 95
Contei toda essa história pra dizer que desde sempre sou gente da internet. Foi nessa dimensão virtual e abstrata, que ainda é um mistério pra muitos, que eu encontrei minha turma. Apesar de sempre ter tido bons amigos em todas as fases da minha vida (inclusive vários feitos por causa da internet), na internet encontrei pessoas que tinham algo que eu nunca tinha encontrado naqueles que estavam ao meu redor. Interesses específicos e particulares, e uma vontade muito grande de investir uma enorme quantidade de tempo em prêmios que julgavam quem tinha desde o layout até o link button mais bonito.

Na internet encontrei pessoas que gostavam dos mesmos filmes que eu, aqueles empoeirados na locadora que eu tinha a impressão que só eu alugava, e gente que se importava em discutir quem era melhor, Lindsay Lohan ou Hilary Duff. Era um pessoal que se ligava nas mesmas coisas que eu, coisas que na vida real ninguém entendia direito, muito menos achava graça. Eu era fã de bobagens de e-mail, que foram evoluindo para comunidades engraçadas no Orkut, os primeiros virais da internet 1.0 e que hoje se reproduzem em progressão geométrica no Twitter para renascer, com alguns meses de atraso, em memes do Facebook e correntes dos grupos de família no Whatsapp.

Uma vez parei pra pensar em coisas que faziam com que eu me sentisse conectada com o universo, e depois daquelas respostas óbvias e automáticas (mar, shows, viagens de carro), pensei em uma outra. No começo fiquei com vergonha de dizer em voz alta, mas era tão verdadeiro que não resisti: uma das coisas que mais faz com que eu me sinta conectada ao ~universo~ é participar de eventos coletivos no Twitter. Pode ser um episódio de Masterchef, o último capítulo da novela, a festa do Oscar ou jogos de futebol: assistir e comentar aquilo com mais ou menos 730 pessoas (número de pessoas que eu sigo no Twitter) faz com que eu me sinta muito conectada a algo maior.


Parece besteira? Sim. E talvez seja. Mas é real e está ali: num momento, pessoas de diferentes cidades, idades, histórias de vida e profissões param o que estão fazendo pra se concentrar em xingar o mesmo participante de reality show, fazer o maior número possível de piadas de duplo sentido envolvendo linguiça ou ainda postar o primeiro CENAS LAMENTÁVEIS da timeline diante do primeiro sinal de treta no jogo de domingo. São pessoas que um dia pararam pra pensar no emoticon de ovelha do finado MSN, e viram naquilo um humor muito peculiar. A internet sempre foi um lugar em que encontrei ressonância em coisas que por muito tempo eu pensei sozinha, mas olha só o tanto de gente com espírito de porco igual ao meu no mundo, não sou a única a shippar Draco e Gina, olha só que coisa!

Sempre que converso sobre isso com outras pessoas que são gente de internet, os relatos são muito parecidos, principalmente com relação ao início da vida virtual de cada um. O foco de interesse muda, claro – Fulano é da turma do RPG, Ciclana ia atrás de gravações raras do Oasis pra disponibilizar no Kazaa, Beltrano depois da escola era Susaninha no chat do Uol e enganava vários homens, Anna Vitória lia fanfiction e escrevia sobre a própria vida, etc – mas todo mundo encontrou ali uma espécie da casa, ponto de partida, e a vida nunca mais foi a mesma.

Fico pensando no quanto de informação de internet existe na pessoa que me tornei. Se eu não tivesse encontrado outras pessoas que escreviam, talvez nunca tivesse começado a escrever, e aí não teria feito faculdade de jornalismo, não teria o meu blog, não teria conhecido a Milena e a Lorena, e não estaria escrevendo aqui. E tudo isso começou naquela tarde de sexta, ou alguns anos antes, no meu primeiro computador cinza, e a interface triste do Windows 98.

Os adultos adoram dizer que a infância da minha geração foi menos real do que a deles, ralando o joelho e empinando pipa na rua, mas não acho as duas propostas muito diferentes. Os anos passam, as coisas mudam, mas no fundo estamos todos –eu no computador, meu pai na rua de casa, minha avó no passeio público da cidade – tateando o mundo fora do ambiente seguro das nossas casas e de tudo que conhecemos até agora, tentando encontrar ali de fora um pouco mais sobre nós, fazendo coisas que nossos pais nunca vão entender.

10 comentários:

  1. Amando esse post! Também lembro quando a banda larga chegou em casa. Meu pai comprou o menor pacote e meu irmão e eu gastamos todos aqueles megabytes jogando no Neopets. Mas no quesito blog, você foi bem mais precoce que eu! Só fui fazer blog com 12 anos, html então, só com uns 16 decidi deixar a preguiça de lado. Também concordo muito com seu último parágrafo. Tem vários adultos que não gostam de deixar seus filhos vendo TV ou acessando a internet, mas eu fiz tudo isso e me enriqueceu muito. Eu não seria o que sou hoje se não fosse os filmes da sessão da tarde e os blogs cheios de gifs purpurinados.

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  2. Esse post é muito sensacional, Anna!! Eu não sou muito boa nessa vida de internet, quando comecei a ter em casa já era grande e não gostava tanto assim. Minha vida no Orkut foi bastante lenta até eu descobrir as comunidades de fanfics e webnovelas, e foi por aí que eu comecei a escrever e entender um pouquinho de HTML. Meu primeiro blog surgiu anos depois, eu não peguei as fases douradas de metade das redes sociais que hoje uso, e até hoje sou muito lerda em termos de memes e de piadinhas gerais. Mas concordo em gênero, número e grau que acompanhar as coisas em grupo é muito melhor (o twitter virou uma segunda casa maravilhosa) e que a internet me proporcionou coisas incríveis, de amizades à experiências. Seu último parágrafo disse uma coisa que eu sempre pensei também, mas é complicado colocar isso na cabeça dos ~mais velhos~, então o jeito é torcer pra gente crescer e não fazer igual. ahaha

    Beijo!

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  3. anna, que história! Lembro muito bem quando eu entrava escondido do meu pai na internet (discada) pois na época a conta de telefone vinha caríssima, e só era pra ser usada em extrema necessidade. Pra minha cabeça, orkut era uma necessidade muito séria, então já viu hehehehee. E twitter <3 amor eterno. Melhor rede social sempre!

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  4. Li seu post me identificando muito <3 Lembro quando comecei a fazer amizades online, depois de trocar MSN e e-mail (um bem tosco também que prefiro manter em segredo para não me humilhar publicamente), ainda trocávamos CARTAS! Sim, amizade com gente de gostos parecidos com os meus, de todo canto do país, que além das conversas online ainda rolava cartas! Tenho muito a agradecer a essa rede mundial de computadores! Quanto ao Twitter, hoje parece difícil imaginar a vida sem ele como segunda tela. Ele permite um pouco menos de caracteres do que as cartas com várias páginas que eu tava acostumada, mas hoje ele é meu clubinho e o sentimento que ele traz é o mesmo daqueles envelopes de lugares aleatórios que eu encontrava quando chegava em casa <3

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  5. Que delícia de texto Annoca! Me vi e me senti tão abraçada várias vezes por esse texto que nossa! Eu digo que fui muito mais feliz na internet em questão de amizades, não que eu não seja feliz na vida offline, mas eu sempre me sinto em casa e em paz aqui nesse cyberespaço sabe? É engraçado e sei que realmente quase ninguém entende, por isso mesmo é muito bom ler esse tipo de coisa e sentir aquele calorzinnho dentro da gente.

    Meu """"tcc""""" do colegial foi sobre a internet e <3 <3 <3 foi muito bom, internet dá pano pra tanta manga que quase penso em me aventurar na vida acadêmica pra isso, mas a preguiça fala mais alto sempre haha

    beijo!

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  6. Acho que é um dos posts que eu NUNCA vou me cansar de ler.

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  7. Me identifiquei com cada linha desse post! Poderia perfeitamente ter sido escrito por mim!
    Gente de Internet: melhores pessoas! <3

    http://misscrazyy.blogspot.com.br/

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  8. É verdade, nossos pais e familiares em geral nunca vão entender. Pra eles é só um vício. É difícil explicar (eu nem tento) que internet tb é um meio da gente conhecer um monte de coisa bacana e da gente se achar EM OUTRAS PESSOAS. Não sou dasantiga por aqui, demorei pra ter meu primeiro computador, porém já aprendi tanta coisa por essas bandas virtuais, que, mesmo algumas pessoas vendo como besteira, ajudam a fazer minha bagagem de vida .-.

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  9. Minha trajetória foi suuuuuper parecida. E concordo muito com o último parágrafo: algumas pessoas jamais entenderão como o virtual pode ser tão real quanto jogar bola na rua.

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  10. Acho no mínimo engraçado descobrir seu blog e este post justo agora que eu resolvi voltar para às atividades. Sei que seu texto vai muito além de blogs e aquilo que os envolve, mas ele me motivou. Me fez lembrar todos os motivos que eu sempre tive para criar um atrás do outro. rs A internet é um terreno maravilhoso e assustador que pode propiciar as melhores e as piores experiências. E é justamente por isso que a gente não desiste dela. Achei o máximo você citar no começo do texto tanta coisa que eu vivenciei (mesmo que tardiamente, porque demorei um pouco mais a ter banda-larga). Os sites de dolls, então, nossa, eram minha vida. haha Aí fui ficando mal por me identificar menos com o resto do texto, aí você chegou na parte que mais gostei e que ao mesmo tempo foi tipo um tapa na cara. rs " O foco de interesse muda, claro (...) mas todo mundo encontrou ali uma espécie da casa, ponto de partida, e a vida nunca mais foi a mesma". Não sei se vou parar com essa minha necessidade de achar pessoas com experiências idênticas às minhas, mas isso me deu um olhar completamente novo sobre o assunto. No encontramos na internet, como poderia ter sido em qualquer outro lugar. Mas nos encontramos, e isso temos em comum! Obrigada, mesmo!

    Elas por Elas - Projeto Literário

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