quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Eu, a pipoca e o telão.

Sempre quis ir ao cinema sozinha. Mamãe que nunca me deixava, dizia que é muito ruim, muito triste, que as pessoas iam olhar pra mim com um olhar de comiseração, pensando: "Coitada, não tem nem que vá ao cinema com ela". Por causa desse complexo da minha mãe, já perdi ótimos filmes porque não tinha companhia. Sabe aquele que ninguém quer ver, só você? E olha, eu tenho um talento especial pra querer ver filmes que ninguém mais quer ver. Então que minha mãe começou a fazer análise e veio com essa de que o analista dela disse que ela deveria ir ao cinema sozinha. "E aí, dona Angel, o que me diz agora?" e então ela disse que na primeira oportunidade nós iríamos juntas, eu em uma sessão, ela em outra.

Nem estava lembrando mais disso quando a Isabela me disse que não poderia ir ao cinema comigo hoje, como havíamos combinado. Não pensei duas vezes e fui sozinha do mesmo jeito. Além de estar indo sozinha pela primeira vez, me propus a pegar duas sessões, outra coisa que sempre quis fazer, já que sempre saio do cinema querendo entrar de novo. Olhei os filmes que queria ver, olhei os horários que dariam certo e fui.

A primeira sessão foi "Julie e Julia". Entrei na sala com as luzes já apagadas, a sala era pequena e estava vazia, de modo que pude ocupar três cadeiras, uma pra mim, uma pra minha bolsa e outra pra eu poder ficar escorada. Quando o filme começou, foi como esquecer do mundo. Mais ou menos na metade, eu de repente me dei conta de mim novamente e foi estranho, foi como se tivessem me empurrado do filme de volta pra realidade, eu estava me sentindo ora na cozinha de Julie Powell e ora desossando patos com Julia Child. Essa entrega só pode ser conseguida quando está só você e a tela, e isso é impagável.

O filme é uma graça só! Já estava ansiosa para vê-lo, porque só li boas críticas e sou muito fã da Meryl Streep, mas não esperava que iria gostar tanto. Ele se trata da história de Julia Child, a mulher que começou a cozinhar para ter algo a fazer que não ser madame em Paris, e através disso escreveu um livro de receitas francesas adaptado às "servless american women" que de fato mudou o modo como as americanas viam a culinária. Ao mesmo tempo, o filme conta a história de Julie Powell, uma funcionária pública que também é uma escritora fracassada, que ao se ver sua vida sem propósito algum decide criar um blog onde se propôs o desafio de cozinhar as 524 receitas do livro de Julia Child, sua musa, em um ano. Julia e Julie cada uma à seu modo e à sua época encontraram-se na comida, e através dela, encontraram também um motivo pra viver e algo pra se empenhar.

"Julie e Julia" me lembrou muito um post do Drops de Anis que li há uns dias atrás, que dizia sobre a diferença entre jantar e comer. Comer qualquer um come, mas jantar é um ritual, é apreciar a comida, é fazer as coisas com beleza. Julia Child amava comer mais do que qualquer coisa na vida, e valorizava a comida, sentia prazer nisso, encontrava nela uma felicidade. Sem confundir a felicidade com fuga, porque quem come chocolate quando tá deprimida procura nele uma fuga, não um prazer, uma felicidade. Outra coisa bacana foi que o filme mostrou a culinária francesa como extremamente acessível. Julie fez todas as receitas em casa, e olhe que ela não era das mais endinheiradas, pelo contrário. E não adianta dizer, "mas isso só em filme, né?", porque não, a história dela é real. E além disso, não tinha frescura alguma. Eu pelo menos quando penso em cozinha francesa, penso naquelas micro porções em que se faz biquinho até pra comer. No filme a visão é outra, eu achei muito bacana o modo como o marido da Julie prova as receitas, de um jeito quase selvagem. Julia também não tinha cerimônia, enfiava o dedo na panela, comia com a mão sem medo de ser feliz.

O filme terminou e eu não conseguia "sair" dele. Fiquei alguns minutos sentada na cadeira sorrindo pra tela que já começava a mostrar os créditos finais. "Julie e Julia" é um filme leve, divertido, e ao mesmo tempo marcante. Me fez sair da sala morrendo de fome, com uma vontade ainda maior de conhecer Paris, e acima de tudo, com uma vontade de me empenhar pra valer em alguma coisa que possa fazer de mim uma pessoa melhor. Saí da sala rindo pra mim mesma, enquanto as pessoas de certo me olhavam pensando, "Coitadinha, essa aí é tão louca que que não consegue se desapegar da ficção, por isso que tá aí sozinha, imagina que saco deve ser aguentar alguém assim?".


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