Eu nunca tinha ouvido falar sobre Jogos Vorazes, até que de uma hora pra outra não ouvi falar de outra coisa. Não fazia ideia do que se tratava e odiava, e depois do que soube do que se tratava odiei também. Aí fui ver o filme, gostei, e resolvi que leria os livros nas férias. Pra começo de conversa, a trilogia conta a história de uma América do Norte distópica, transformada em Panem, composta por treze distritos e uma Capital. Os distritos funcionam como colônias de exploração, produzindo para uma metrópole que esbanja e não devolve quase nada. Nos Dias Escuros, os distritos se levantaram contra a Capital, liderados pelo treze, que foi transformado em cinzas. Desde então, a Capital adotou uma política ainda mais severa, de modo a não dar abertura para novas rebeliões e deixar todo mundo bem ciente de quem é que manda ali. O principal instrumento para imobilizar os cidadãos de medo foi o reality show chamado Jogos Vorazes: anualmente, cada distrito deve fornecer dois tributos - um menino e uma menina com menos de 18 anos - para participar da competição que faz apenas um vencedor, aquele que consegue sobreviver.
Que me perdoe Suzanne Collins, mas acho esse mote inicial bobo e pouco crível. Mas nossa, um programa em que crianças e adolescentes tem que matar uns aos outros pra sobreviver num mundo miserável é bobo? Hm, é. Eu não consigo comprar essa história. Mas ok, é um livro, é uma distopia, resolvi encará-lo na esperança dele tornar aquele universo um pouco mais tangível e digno de ser levado a sério. Não rolou. Na minha humilde opinião, o maior problema da série é ser superficial. Já contei sobre o problema que tenho com livros fantásticos, principalmente porque sinto falta de um desenvolvimento muito minucioso desses mundo para poder mergulhar dentro deles e passar a acreditar no que se passa ali. Acho que o maior mérito da J. K. Rowling com Harry Potter é construir um universo de forma tão absurdamente detalhada e cuidadosa que até hoje, lá no fundo, eu acredito que existe uma rua sem saída perdida em Londres que levará ao Beco Diagonal quem conseguir bater nos tijolinhos do jeito certo.
Quem nos conta a história dos Jogos Vorazes e de Panem é Katniss Everdeen, uma garota do distrito mais pobre de todos, que teve de se tornar o homem da casa após a morte de seu pai. A irmã mais nova de Katniss é sorteada para participar dos jogos, o que faz com que ela se apresente como voluntária no lugar de Prim. A narração em primeira pessoa limita um bocado a compreensão de como as coisas funcionam, afinal, a percepção e o conhecimento dela são limitados e isso faz com que o livro perca bastante em conteúdo. Eu adoraria ler a respeito de como se deu a conversão dos Estados Unidos em Panem - já que há breves referências disso em vários pontos da saga, que me deixaram bem curiosa - e, principalmente, amaria que os personagens fossem mais trabalhados e desenvolvidos. Eu, que amo tragédias e dramas existenciais (lê-se: eu, que sou um poço sem fundo de boringness), vejo numa história em que jovens são forçados a matar uns aos outros um terreno fértil para um esmiuçamento de psiques e ok, ok, ok, estamos falando de um livro infanto-juvenil e não de Crime e Castigo, mas aqui na minha insignificância acredito que com um bocado de esforço e talento é possível construir uma trama que seja digerível e ao mesmo tempo redondinha.
Além de não dar espaço para conhecermos melhor personagens interessantes, como Peeta ou Haymitch, a primeira pessoa prejudica a leitura porque, convenhamos, Katniss Everdeen é um porre. Comparando novamente com Harry Potter, dá pra dizer que em se tratando de foco narrativo, Jogos Vorazes é o que aconteceria com HP se o Harry nos contasse a história. Ele e Katniss são muito parecidos: a questão da tragédia pessoal e o embate constante com um inimigo. O dele é Voldemort, o dela, a Capital. Quem leu HP muito provavelmente se lembra de todos os momentos de culpa, auto-comiseração disfarçada e rei na barriga do Harry. Imaginem ele contando sua história com esses olhos por sete livros. Mate-me por favor. Com Katniss é um pouco pior, porque ela possui o carisma de um rinoceronte faminto e ainda por cima quer que a gente acredite que o cara mais bacana, doce e interessante de toda a história é irremediavelmente apaixonado por ela. Ao lado de Peeta Mellark, Katniss é o monstro do pântano.
Resumindo, todo meu incômodo com o a saga se deve ao fato da narrativa da Katniss. Eu tenho a impressão que gostaria bem mais, e teria para com ela uma boa vontade bem maior, se o foco estivesse na terceira pessoa.
Isto posto, não posso negar que foi uma leitura bem bacana para as férias. Tirando os momentos em que ficava difícil demais suportar a tromba da Katniss e a única coisa que eu queria é que ela pegasse fogo de uma vez, me diverti lendo, concordo quando dizem que é uma leitura que te prende e instiga e gostei especialmente do último livro, A Esperança, que deu à saga um final que, a meu ver, foi bem pensado, bem digno e aí sim bem possível - dormiria melhor sem o epílogo, mas resolvi ser florzinha e ignorar, preferindo optar pelo lado da Força que considerou bacana e nada mais. Bom seria se todo ele fosse assim, mas não dá pra levar a vida e os livros cem por cento a sério o tempo todo, né?
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