sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Mas nos deram espelhos

(Importante: Atendendo à pedidos e querendo me adequar às necessidades do nosso mundo moderno, larguei meus receios jacus de lado e fiz uma fanpage pro blog no Facebook, para facilitar a divulgação e compartilhar coisas bacanas que encontro pela internet. Então, por favor, curtam a página pra eu não me sentir muito sozinha por lá!)

Um monte de gente torce o nariz pras coisas que eu leio e não é raro eu escutar que não faz sentido gostar de tantos livros tristes e trágicos posto que a vida por si só já nos oferece razões suficientes pra não querer sair da cama pela manhã. Ainda que seja uma lógica um tanto quanto infantil, consigo entender o raciocínio da pessoa, mas ainda assim não deixo de sentir um pouco de pena por ela. 

Saiu no Daily Mail uma matéria falando sobre uma "nova" tendência do mercado editorial, a sick-lit, que tem contaminado os livros voltados para o público jovem de assuntos darks como doenças terminais, suicídio, depressão, auto-mutilação, abuso sexual, etc. A matéria é carregada de um moralismo disfarçado de cuidado ao falar de uma suposta má influência provocada por esses temas, tanto por fazer de tragédias pessoais um espetáculo, ao prometer lágrimas e perturbações emocionais, como por fazer uma suposta apologia a comportamentos perigosos, como auto-flagelo. 

Bati minha cabeça no teclado diversas vezes durante a leitura, porque o que o texto faz é reduzir os adolescentes a bebês grandinhos que não podem ver seu mundo cor-de-rosa maculado pelas chagas da realidade sem distorcer a história toda e sair por aí fazendo tudo de ruim que esses livros malditos estimulam. Isso, meus caros, é a Teoria da Agulha Hipodérmica, e há alguns pares de dezenas de anos que teóricos vem se digladiando para mostrar os diferentes níveis que essa perspectiva simplista e reducionista está errada, porque somos complexos demais para que alguém possa apontar o dedo para a capa de um livro ou filme e chamá-lo de culpado pela lâmina que cortou o pulso de uma garota, por aquela refeição que ela fingiu que comeu ou pela infeliz ideia que o Mark Chapman teve.

Como se não bastasse, a matéria cita logo de início "A culpa é das estrelas", aquele livro do qual eu não me canso de falar. Justamente porque eu sempre dou um jeito de citá-lo em tudo quanto é conversa, já ouvi várias vezes que não faz sentido uma história tão triste ser boa, onde já se viu a pessoa perder seu precioso tempo lendo sobre um amor entre jovens vítimas de câncer, que claramente terminará mal? O que ninguém entende é que nunca é só um livro sobre câncer, assim como "As vantagens de ser invisível" não é só um livro sobre um garoto que tem um melhor amigo suicida e um monte de traumas de infância, e engana-se quem pensa que "As virgens suicidas" termina junto com a vida das Lisbon.

Como disse a minha genial amiga Milena, todas as histórias são sobre nós. Não li todos os livros desse ~gênero~ e não duvido que haja oportunismo de alguns autores que se aproveitam dessa "onda" de choque de realidade pra lançar livros ruins, rasos e bestas, mas isso não anula o ótimo trabalho que escritores tem feito ao dar ao adolescente níveis de profundidade que muitas vezes ficam inexplorados. Estou cansada de ler livros para jovens nos quais os jovens são, na verdade, produto de uma visão simplista de um escritor adulto que se esqueceu que já teve 15 anos. Ver o amor da sua vida ir embora dói demais, mas dá pra morder o travesseiro e perder o sono por motivos mais sérios e não sei por que devemos evitar falar deles. Corajoso é o mínimo que se pode dizer de um escritor que tem coragem de mostrar que é muito mais fácil o mal estar dentro de nós do que na pele de uma figura feiosa que nos é externa e distante e do qual sempre seremos salvos no fim. 

"É cada um de nós que carrega mais sentimentos do que aparenta e nem sequer sabe como carrega-los, quem dirá como escondê-los. Sou eu que tenho sonhos e traumas que você nem desconfia e sou eu que acabo deixando os seus sonhos e os seus traumas passarem por estar ocupada demais com os meus. E nenhum de nós consegue realmente se conectar se não tentar de verdade sentir o que o outro sente e entender o porquê. Mas ainda assim, damos um jeito de ter aquele momento brilhante e ínfimo de conexão total. E é ali que mora toda a beleza de conseguir carregar tudo e saber que o outro também consegue."

A Rafaela não precisou sofrer de uma doença terminal para se preocupar com a marca que vai deixar no mundo e eu não precisei amputar minha perna para ver que todo o tempo que passei fugindo da dor foi inútil porque ela precisa ser sentida. Da mesma forma, a Analu não tem motivos pra temer morrer jovem e nem ama alguém que provavelmente vai deixá-la cedo, mas nem por isso deixou de aprender que um coração partido pode ser uma honra. Todas as histórias são sobre nós.

Queridos livros doentes, ou qualquer que seja a forma pela qual atendam: foi uma honra ter meu coração quebrado por vocês.



Para saber mais: matéria do Daily Mail, resposta do Guardian, a polêmica n'O Globo e a opinião de uma blogueira também fã desses librinhos.

17 comentários:

  1. Não tenho muito preconceito com leitura, acho que todo mundo devia ler o que quer e ponto final. Sério, para mim não importa se a pessoa lê 50 tons de Cinza ou Dostoiévski, desde que leia alguma coisa, se envolva, pense sobre o que leu, questione. Eu adoro também livros com personagens problemáticas ou que estão passando por momentos difíceis. Você acaba se identificando um pouco ou vendo o mundo de outra forma, sem ser aquele cor-de-rosa que muitos tentam pintar para nós. Já cansei de críticas quanto a livros. Já não bastam dizer o que devemos vestir, assistir ou comer, agora querem dizer o que devemos ler? O mínimo que posso fazer para esses artigos é ignorar e ler todos os livros que eles citaram. E ainda indicar para todo mundo.

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  2. Eu abri o jornal no dia e tava essa matéria na capa de um caderno e achei muito estranho. Não tinha parado direito pra pensar e nem sabia das matérias nos outros jornais, mas me bateu uma raiva agora lendo seu texto. Raiva porque às vezes nego não vê mais que um palmo na frente do nariz, precisa reduzir e limitar tudo.

    Eu sou suspeita pra falar. Gosto muito de assuntos muito tristes. Tanto em livros quanto em filmes e músicas. Estranhamente me faz muito bem. Comprei a nova edição de As Virgens Suicidas e meu pai achou que eu estivesse com algum problema, como aconteceu como quando eu li A Redoma de Vidro.

    Enfim, eu poderia resumir tudo na frase sábia da Milena (que aliás, to adotando pra vida).

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  3. Cadê a lógica, afinal, de criticar um livro sobre tragédias e que mostram o que realmente acontece por aí e elogiar best-sellers sobre historinhas fúteis, que nada acrescentam nem fazem pensar? Concordo plenamente com tudo o que você disse. Soube se expressar com uma clareza invejável. Parabéns.

    olhos-de-capitu.blogspot.com

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  4. Amiga, era só o que me faltava. Se esses articulistas vissem minha estante e minha lista de favoritos iam acham que a) eu quero cometer suicídio (meu livro FAVORITO envolve um), b) que sou fissurada em doenças terminais (pelo menos três na estante sobre o assunto, dois deles livros favoritos) c) sou depressiva e enfim, d) completamente transtornada e precisando de tratamento. Esse é o termo mais idiota que já ouvi. Pejorativo ainda por cima. A maioria dos meus livros amados envolve temas pesados e tristes. Porque nos precisamos dor espelhos, precisamos aprender, precisamos levar tapas.

    A frase que eu mais amei sobre o assunto todo foi a do Eduardo Spohr. "Christiane F. não formou uma geração de viciados. Quem leu costuma dizer que aprendeu muito e nunca tocou numa droga. Eu li, eu amo esse livro. Skins é minha série favorita. Ambos me ensinaram ainda mais o quanto droga destrói vidas. Então, esses renomados articulistas que me perdoem, mas tão falando muuuuuita merda.

    Beijo, amore!

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  5. Ai, amiga.. esse povo não tem mais do que reclamar, ou o que criticar! Alguma de vocês falou dia desses sobre sofrer pela ficção. Acho que foi Mayra. E eu disse que adoro. Adoro mesmo. Porque preciso da minha cota de sofrimento pra viver, e adoro quando ela vem da ficção! Quer coisa melhor que viver um coração apertado por algo que a gente sabe que não é, de fato, real? Dói sofrer com Hazel, Charlie, e Sloan? Dói. Mas antes com eles que com nossas famílias. E isso não influencia as pessoas. Isso ensina. Isso dá forças. E esse povo todo tinha que caçar o que fazer.
    E eu confesso que quando comecei a perceber que você ia citar uma galeria, pulei pro último parágrafo pra saber se meu nome estava lá também. Como estava, voltei ao começo e li feliz e contente. Senão, teria voltado e lido, mas com muito ciúmes! HAHAHAHA. E isso eu não aprendi com os livros, fui eu mesma que inventei. HAHAHAHA
    Beijo! Te amo!

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  6. Como todas aqui também estou indignada. Sério, não faz sentindo. Não sei o que seria da minha vida sem um bom livro trágico, com uma história melancólica e um protagonista problemático. É inquestionável que histórias tão tristes e conturbadas mexem -e muito- com a gente, mas eu acredito que todo mundo consegue retirar algo bom disso para levar pra vida. Nada se compara a sensação de estar lendo as cartas do Charlie, se emocionar e querer ajudá-lo. Não é algo do tipo "AH VOU SAIR POR AÍ E ME DROGAR, VOU ME MATAR COMO O MELHOR AMIGO DELE", sério, isso é doentio. E quem pensa dessa forma precisa de alguma ajuda psiquiátrica. E quem escreve que esses livros são de alguma forma má influência pra juventude, em minha opinião, tem uma visão muito deturpada das coisas. Em fim, fiquei indignada com isso.
    Amei seu texto, Annoca. Mil beijosss

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  7. "Estou cansada de ler livros para jovens nos quais os jovens são, na verdade, produto de uma visão simplista de um escritor adulto que se esqueceu que já teve 15 anos."

    Sem mais.

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  8. Quer saber de uma coisa? Eu gosto dessa nova "moda", gosto de ver jovens caindo na real e percebendo que existem motivos maiores e mais dignos para chorar, além do amor platônico e do complexo com o peso. Sem contar que histórias são só histórias. Se alguém lê o livro e é influenciado a se cortar/matar/etc a partir a leitura de um livro, tem que voltar a ler Branca de Neve. É simples, você pode ler o que quiser, sem se tornar, necessariamente, o protagonista do livro. Todos os livros são sobre nós, mas nós não somos todos os livros.

    inconstanteando.blogspot.com

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  9. "Queridos livros doentes, ou qualquer que seja a forma pela qual atendam: foi uma honra ter meu coração quebrado por vocês."

    Não foi? Eu me senti uma pessoa um pouco mais humana depois de ter lido A culpa é das estrelas e desejei que este livro deixasse cicatrizes em muita gente. Acho muito falso moralismo criticarem um livro por ele ser, nas suas palavras, fora daquele mundo cor de rosa, um choque de realidade para os adolescentes. TEM DÓ!

    Vai ver, para eles, saudável é a menina ficar depressiva por culpa de um adolescente que é vampiro. Saudável é esquecer dos amigos por causa de um namorado sadomasoquista e doente por controle. Enfim, acho que o livro, como ACEDE, mostra que apesar de todas as merdas que acontecem na nossa vida, que apesar de você perder o grande amor da sua vida para o universo (que só quer ser notado) e que apesar de você ter que carregar um cilindro de oxigênio para cima e para baixo é possível SIM ser feliz, ser adolescente, agir conforme a idade e não ficar se lamentando por aí.

    Doente é quem não vive, apesar da saúde que tem.


    Beijinho, MF.
    Palavras e Silêncio

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  10. Anna,
    A quote do Augustus não poderia ter sido melhor representada do que com esse texto. Eu sofro muito com esses livros, igual a Analu, e creio que todas nós. Eu choro, deito em posição fetal, fico "com vontade de não existir", como disse a Dedê. Mas, ainda assim, eu acho incrível poder ver que eles retratam coisas que eu sinto, que a gente sente. Não, eu nunca sofri de câncer ou tive uma amiga que morreu assim, mas a Hazel falou tanto por mim que fica até complicado eu querer falar sobre ela.
    Eu gosto bastante quando a ficção mostra a realidade e utiliza ela pra criar algo bonito, ainda que termine em tragédia. Não é essa a função da arte, afinal?! Porque... vamos pensar assim: obviamente, alguém por aí está sofrendo tudo o que a Hazel sofreu de mentirinha. Alguém obviamente sente o que ela sentiu nas páginas de um livro. E muito provavelmente essa pessoa é vista com pena pelo círculo de colegas e, portanto, é privada de viver uma vida plena. Eu acho que é aí que entra a Hazel. Ela entra pra mostrar que pode existir beleza na desgraça, que pode existir amor, amizade, companheirismo e até filosofia "de boteco". Tenho certeza de que, pra essa uma pessoa, a Hazel não foi só mais "uma personagem morrendo de câncer", entende? Seria muito mesquinho da parte das editoras e desse tal de DailyMail pedir pra que essa pessoa lesse livros sobre como tudo é 100% rosa o tempo todo. É o que eu vejo, ao menos.

    Adoro demais quando você escreve textos como esse.

    Beijo!

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  11. Nossa, mandou muito bem!

    Eu sou mais do tipo que curte coisas pra cima, tenho certa tendência a me apaixonar pelo fundo do abismo quando olho demais pra ele... Mas enfim, acho que cada livro tem a sua hora, obras assim mais "pesadas" têm o seu momento e acho que são indispensáveis para quem se dispõe a curtir literatura.

    Bjs

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  12. OK. Preciso repetir aqui: sou apaixonada pelo modo como você escreve. <3 Sobre o "fenômeno" sick-lit acho complicado, pois a literatura sempre explorou as desgraças humanas. Onde isso é atual? O problema de ser voltado para o público jovem só me faz pensar quão subestimado essa faixa etária é. Sempre tive a impressão que às vezes as pessoas passam por determinadas fases da vida e automaticamente sofressem uma amnésia - mas é óbvio que isso não acontece. Não sou lá muito fan desse tipo de livro, mas não condeno quem explora tais emas ditos fatalistas, afinal, são situações e emoções tão humanas quanto qualquer outra. Talvez o que espante seja exatamente isso. A realidade da dor para jovens, sem precisar de escapismos sobrenaturais.

    bjos :)

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  13. Você sabe, eu tenho alguns problemas com drama em alguns momentos da vida. De verdade, tem horas que eu realmente sou do time de "chega de drama, já me basta o da vida real". Mas eu acho que ele é extremamente necessário na nossa vida e dia a dia, até para nós nos construirmos, compararmos... crescermos junto com os personagens e porque não valorizar a própria vida.

    Você como sempre tem o dom de escrever super bem sobre determinado assunto com maestria.

    Beijoca

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  14. Mt bom, parabéns!
    http://www.jj-jovemjornalista.com/

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  15. Milena acabou de fazer um texto sobre isso pro Amásia e eu concordo plenamente com ambas. Todo mundo cresce com a dor alheia, basta não entrar em contato com livros assim caso sua vida já seja muito sofrida. simples. to com tanta raiva desse assunto que prefiro nem comentar.

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  16. Primeio me sinto honrada de ser citada num post seu, ainda mais se for sobre esse assunto. Porque minha reação lendo os artigos foi justamente bater a cabeça no teclado mil vezes. Ai, que preguiça desses supostos pais preocupados. Sem tempo para moralismos,desculpa.
    "Estou cansada de ler livros para jovens nos quais os jovens são, na verdade, produto de uma visão simplista de um escritor adulto que se esqueceu que já teve 15 anos." SIM SIM MIL VEZES SIM! Adoro ficção adolescente, mas preciso gritar pro mundo quanta coisa ruim sai de lá. Mas não só isso. Aí me vem um "livro doente" e me faz sentir mais coisas e refletir muito mais do que qualquer literatura ~adulta~.
    Concordo em gênero, número e grau. Apesar de odiar essa expressão. hehe
    Beijo! <3

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  17. Olha, até agora não tenho uma resposta exata sobre o que achei de "A culpa é das estrelas". Tenho uma resposta exata ao ler a carta que John Green escreveu a menina que ele insiste no prólogo em dizer que não existia.

    Só sei que eu sentia muita pena da Hazel, e tomei um baita susto quando o Gus piorou. Hazel é uma adolescente a moda "Dawson's Creek", tinha ideias, pensamentos e visões que a pouco tempo (antes da era internet e livros 'sick-lit') nenhum adolescente tinha. Talvez por tentarmos entender o que sentimos nos aprofundamos em algumas teorias definidas por psicanalistas mortos. Vamos dizer que Hazel tinha uma ideia certa do que é morrer, ela passou, ela sabe, ela tem 'um tempo contado de vida e sabe desse tempo', não esquece o que está vivendo e tem medo de morrer a cada manhã que acorda. Quando nós, pseudo saudáveis damos de ombro com a ideia da morte, apenas vivemos e quando isso acontece é injusto, éramos até pouco tempo saudáveis.

    John escreveu a história de uma menina que mesmo tendo uma doença terminal era um ser humano igual a todos, e eu costumo dizer que essas pessoas são iluminadas por que não sei de onde tiram forças para rir e ser assim, desigual, destacada!

    Mas ainda assim Anna, muito me preocupa sim essa tendência dos livros a abordarem esses fatos. Sabemos que acontece, sabemos que não é fictício mas ler somente sobre pode causar grande estrago (retiro "A culpa é das estrelas" dessa 'sick-lit', mas quanto aos demais - nem lidos por mim -, defino como barra pesada e que como já diziam as teorias dos psicanalistas mortos, o inconsciente é uma caixa de surpresa. Temo por vários desses adolescentes sim.

    Beijocas!

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