sexta-feira, 8 de março de 2013

A problemática do ônibus

Desde que comecei a andar de ônibus regularmente, confesso que fiquei com uma certa ideia fixa com uma linha específica aqui da cidade. Não importa pra onde eu tenho que ir, eu sempre dou uma checada na internet pra ver se essa linha cobre meu caminho - e é por ela que eu vou, ainda que tenha que passar uma hora dentro do ônibus quando existem outras rotas que me levam ao meu destino em, sei lá, dez minutos. 

Pois é, eu tenho problemas.

A questão é que o motivo dessa linha ser tão amada e adorada salve-salve é que ela torna a experiência de andar de ônibus muitíssimo agradável. Ela circula por regiões bonitinhas da cidade que tem menos trânsito que o centro e as avenidas principais caóticas, ela passa por ruas cheias de árvores, é a favorita dos velhinhos e, por ter um percurso cheio de voltas desnecessárias que não fazem o menor sentido, está sempre vazia. Logo, se eu tenho tempo pra matar, não vejo sentido em ir toda amassada, suada e com pessoas me encostando se dá pra trocar esse inferno na terra pela delícia que é ir sentadinha, em paz, ouvindo música, lendo, ou pensando em nada olhando pela janela. 

Mas eu nem sempre tenho tempo pra matar, e é aí que mora o problema. Estou fazendo auto-escola num lugar razoavelmente longe de casa e pra voltar de ônibus, no meu ônibus, eu teria que pegá-lo em seu ponto inicial pra descer a uma parada do ponto final. Isso dá mais ou menos uma hora de viagem, uma hora que cada dia menos posso gastar, nesse prelúdio de fim de semestre que já vem sendo um inferno há umas três semanas. Mesmo assim, me arriscava, dizendo pra mim mesma que antes perder uma hora que poderia ser gasta adiantando leitura de textos da faculdade, do que passar dez minutos esmagada e sofrendo. 

Eu pensava nas árvores, na mansão mais bonita do mundo, absurda, que sempre que o ônibus passa na porta convida os trezentos cachorros maravilhosos a irem até o portão pra vê-lo passar, naqueles quase quinze minutos em que eu ficava sozinha sentada lá no fundo lendo meu livrinho, porque todo mundo já havia descido, e no cobrador bigodudo que todo dia me pergunta em qual ponto eu vou descer - acho que ele fica com medo da menina que, por livre e espontânea vontade, dá voltas e mais voltas desnecessárias pela cidade e passa a manhã sentada no fundo do ônibus; gente doida assim só pode pirar e fazer o Kevin em qualquer esquina dessas.

Um dia a pressa falou mais alto e lá fui eu pro calvário. A parada mais aglutinada do terminal, trezentas pessoas esperando trezentas descerem pra se espremer lá dentro. O ônibus-sanfonado que simula uma marola enquanto anda e embrulha meu estômago (um dia eu vou vomitar lá dentro). O pesadelo. O horror, o horror! Sabe-se lá como eu entrei e sentei. Entrei, sentei e assim fiquei, porque a linha é pouco frequentada por velhinhos e não precisei dar lugar pra ninguém. Entrei, sentei e mal tive tempo de sacar o Walter Benjamin da bolsa e eu já estava na rua acima de casa. Olhei o relógio: 8h27. Se fosse no outro ônibus, é provável que a essa hora eu nem tivesse saído do terminal. Essa conclusão me abalou um bocado, principalmente depois que fiz as contas e percebi que eu poderia chegar em casa, cochilar por meia hora e ainda estaria com vantagem.

Há uma semana não frequento minha linha amada e adorada salve-salve, me rendi ao imediatismo dos nossos tempos e não resisto mais à ideia de pensar que posso estar em casa em dez minutos. De certa forma, sinto que estou traindo o ônibus do coração, trocando o paraíso por um estacionamento ou qualquer metáfora que vocês preferirem para contrapor uma vida mansa e calma por uma rápida e estressante que tenha lá suas vantagens. Não é sobre isso As Cidades e as Serras e não é por isso que Jacinto não consegue assentar a bunda com satisfação num só lugar? Estou caindo no dilema bíblico de passar pela porta mais larga ao invés de perseverar na mais estreita? Não seria a vida esse eterno impasse entre soluções agradáveis e felizes mas pouco práticas contra ideias que atentam contra a dignidade humana mas oferecem conforto no final?

(Daqui uns dias usarei as escadas)

Ok, estou viajando. Costumava usar as voltas desnecessárias no ônibus pra organizar minhas ideias.

8 comentários:

  1. Anninha, que texto! Não sei se era frescura minha ou o bode de férias entediadas (o que não faz o menor sentido, considerando que estou aqui com dor e inchada pelos sisos que tirei ontem), mas fazia algum tempo que não lia um post teu que eu gostava tanto (sou sincera).
    Achei esse tão bem amarradinho, as ideias tão estruturada, um amor! Te juro que você pareceu um Antonio Prata de saia de cintura alta.

    Bom, sobre ônibus... quando estive uma semaninha em Floripa, pude pegar o ônibus que eu pegava todos os dias para ir pro trabalho e foi aquela lindeza, do tipo que vc sente quando pega sua linha de voltas e voltas. Dá pra olhar um pouquinho da beira-mar e logo tomamos o caminho do centrão que me deixava em poucos minutos no meu local de trabalho. Triste pensar que já não vou pegar esse ônibus 1) não sei onde vou trabalhar 2) já não moro tão perto do terminal onde ele para e ficou meio fora do meu caminho.

    Oh, céus!!!

    ResponderExcluir
  2. Anna, eu amo ônibus tranquilos! E dou sorte que os 2 que eu pego em Curitiba são bem tranquilinhos.. Mas por um deles eu tenho que esperar horrores, e só fico 5 minutos contadinhos dentro! Quanto estou com tempo e disposição e vou à pé, o que leva 20 minutos, mas um caminho cheio de subidas indelicadas e ruas desertas.
    Eu também viajo no ônibus. Presto atenção nas conversas alheias, leio um pouco, durmo outro pouco. (Isso obviamente no trecho que demora 30 minutos, e não 5)...
    E o dia que você descobrir que as escadas são bem melhores que as rampas você me conta!
    <3

    ResponderExcluir
  3. Adorei seu texto! No meu caso, fico entre pegar dois ônibus - lotadíssimos - e chegar mais rápido, ou pegar um ônibus só e demorar mais, mas sabendo que sempre vai ter lugar pra eu sentar porque pego no começo da linha e desço no fim (chegar mais rápido pegando dois ônibus! Isso devia ser proibido). Até hoje tenho escolhido sempre garantir um lugar pra sentar do que chegar mais rápido na aula.

    Se esse segundo ônibus tivesse um trajeto mais bonitinho, daí sim eu não consideraria trocar de linha nunca. A vantagem dele é que passa por uma avenida onde tem um terreno enorme, tipo sítio, cheio de vacas. E fica do lado de uma universidade. Acho o máximo. Não é sempre que a gente consegue ver animais do campo ao invés de prédios.

    ResponderExcluir
  4. Então, existem três ônibus na minha vida. O 222 que me levou durante quatro anos para a faculdade e deveria ser chamado de 666 por motivos óbvios. Pense em 70 estudantes suados amontoados uns nos outros e querendo morrer? Pensou certíssimo. Isso é que é inferno, resto é palito de fósforo. E aí tem o 087 que me leva para o trabalho... Ele é de lua. Nunca está cheio demais, mas nem sempre tem lugar pra certar. Quando tem, eu leio meu livrinho, duuuuurmo <3 e tenho as ideias mais incríveis para posts. Por fim, temos o 080, que me traz de volta do Inglês. Esse é o melhor, com certeza. Sempre tem lugar vago e o caminho é mais longo <3 Eu adoro histórias de ônibus e, por isso, amei esse post de paixão <3 Concordo com a Lu: você parece um Antonio Prata de saias.

    Beijo, amiga!

    ResponderExcluir
  5. ECA! Ônibus.
    Odeio ônibus, trânsito, gente feia e suada. Eca. Minha unica linha do coração é o 178Y que leva pra estação de metrô mais fofinha da zona norte, mas é movimentada e dependendo do horário um inferno, então é. Ônibus só pra me levar para e de volta do metrô, de resto eu fico com meu gigante de metal com quem tenho uma relação de amor e ódio e com minhas perninhas que me levam pra perambular por todos os cantos da cidade. haha

    ResponderExcluir
  6. Hoje em dia eu entendo essa de ônibus preferido, e prefiro andar 20 minutos do ponto até em casa do que pegar um que me deixe aqui em frente. Só que as minhas razões são muito menos filosóficas que as suas: o ponto final desse ônibus é perto do estágio e eu sempre consigo vir sentada. E do centro da cidade até aqui em casa é um bom chão.

    Eu acho que, quando há tempo, é muito bom passear por lugares bonitos e espairecer. Se você não tem nada para fazer com esse tempo, por que não aproveitar a viagem?

    Beijos.

    ResponderExcluir
  7. Tenho uma história extremamente parecida com a tua! Fiquei até :O
    Enfim, eu amo as voltas que meu ônibus dá, acho maravilhoso ficar lá dentro lendo e observando as pessoas [que também são, geralmente, velhinhos], mããs esse mundo moderno de hoje em dia me obriga a pegar o caminho mais prático e curto, porém não tão confortável e lindo. :(
    Esse é o preço que temos que pagar nessa sociedade cada vez mais apressada #filosofando.
    Beijo, amore mio. <3

    ResponderExcluir
  8. Meu Deus! Só li agora e estou extremamente encantado com a genialidade desse texto! Não que vc escreva algo abaixo de genial, mas esse ultrapassou as barreiras! Lindíssimo.

    ResponderExcluir